MALAN, Pedro
*pres.
Bco. Central 1993-1994; min. Faz. 1995-2003
Pedro
Sampaio Malan nasceu em Petrópolis (RJ) no
dia 19 de fevereiro de 1943, filho de Elísio Souto Malan e de Maria Regina
Sampaio Malan. Seu tio, general Alfredo Souto Malan, foi chefe do Estado-Maior
do Exército entre 1971-72.
Fez seus estudos básicos no Colégio Werneck em Petrópolis (RJ)
e o curso científico, no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro, completando-o
em 1960. Cinco anos depois formou-se em engenharia elétrica pela Escola
Politécnica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.
Durante o curso universitário participou do movimento estudantil atuando ao
lado de organizações de esquerda que se opunham ao regime militar instalado no
país em abril de 1964.
Em outubro de 1966, após concluir o curso da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ingressou no Escritório de
Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA) do Ministério do Planejamento. Em 1969,
continuando a sua formação acadêmica, ingressou no curso de doutorado em
economia na Universidade de Berkeley na Califórnia, concluindo-o em 1973.
De
volta ao Brasil, em agosto desse ano retomou suas atividades de pesquisa no
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e no Conselho Nacional de
Desenvolvimento Econômico do Ministério do Planejamento. Crítico da política
econômica do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), publicou
artigos na revista do IPEA sobre a distribuição de renda no país, polemizando
com o economista Carlos Geraldo Langoni, adepto da tese do ministro da Fazenda,
Antônio Delfim Neto, de que “era preciso primeiro aumentar o bolo para depois
distribuir”.
Em 1977 Malan foi um dos fundadores do Instituto de
Economistas do Rio de Janeiro, tornando-se seu primeiro presidente, cargo que
exerceria por dois mandatos. Em 1978, passou a exercer as atividades docentes
como professor de economia da PUC. Neste período, escreveu muitos artigos em
revistas acadêmicas e em jornais da chamada imprensa alternativa, como o jornal
Movimento, criticando a concentração de renda e os rumos da negociação
da dívida externa brasileira, e afirmando que o país devia discutir a
possibilidade de uma moratória negociada.
No primeiro trimestre de 1980 foi professor visitante no
Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambrigde e fellow
do King’s College, ambos na Inglaterra. No ano seguinte tornou-se coordenador
do Comitê Assessor de Ciência Social do Conselho Nacional de Pesquisas. Em
1982, disputou concurso para professor titular do Departamento de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas o primeiro colocado foi
Antônio Barros de Castro.
Em agosto de 1983 Malan aceitou o convite para assumir o
cargo de diretor da Divisão de Análise de Políticas e Pesquisas do Centro de
Empresas Transnacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque.
Em janeiro de 1985 tornou-se diretor do Departamento de Economia Internacional
e Assuntos Sociais da ONU em Nova Iorque.
Em setembro de 1986, foi indicado pelo ministro do
Planejamento João Sayad, e pelo presidente do Banco Central Fernão Bracher para
exercer o cargo de diretor executivo do Brasil, Colômbia, República Dominicana,
Equador, Haiti e Filipinas, entre outros, junto ao Banco Mundial, cargo pela
primeira vez exercido por um brasileiro. Trabalhou até outubro de 1988, quando
passou a ser diretor executivo alterno destes países. Durante a presidência de
Fernando Collor de Melo (1990-1992), deixou a posição de diretor para o Brasil
no Banco Mundial em julho de 1990 e, indicado pela ministra da Fazenda Zélia
Cardoso de Melo, assumiu a diretoria executiva do Brasil, Equador e Suriname
junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em junho do ano
seguinte, foi nomeado, pelo ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira,
consultor especial do Ministério da Fazenda e negociador chefe para assuntos da
dívida externa do Brasil, cargo que exerceu até agosto de 1993 em Washington.
Em 1992 Malan tornou-se presidente do Joint Audit Committee, do Banco Mundial.
Na Presidência
do Banco Central
Indicado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique
Cardoso, em agosto de 1993, Malan foi designado pelo presidente da República
Itamar Franco (1992-1994) para a presidência do Banco Central do Brasil. De
volta ao país depois de permanecer sete anos representando o Brasil no exterior
e dois anos negociando a dívida externa, assumiu o cargo em setembro de 1993 —
em substituição a Paulo César Ximenes —, após ter sido aprovado por unanimidade
pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Seu nome foi bem recebido pelas
comunidades financeiras nacional e internacional, que o reconheciam como um
homem discreto e bom negociador. Ao tomar posse, Malan defendeu a independência
do Banco Central, que teria, assim, mais autonomia em relação a interferências
políticas. O Banco Central vinha se tornando alvo permanente de críticas por
parte do presidente Itamar Franco, em virtude da política de juros altos e
pelas deficiências na fiscalização bancária.
Malan foi um dos principais executores do Plano Real, um
programa de estabilização da economia brasileira que foi posto em prática, de
forma gradativa, no último ano do governo Itamar Franco. Anunciado em 28 de
fevereiro de 1994 pelo ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso — o seu
principal mentor —, o plano consistiu, inicialmente, na introdução da Unidade
Referencial de Valor (URV) como padrão de transição dos preços para uma nova
moeda, o real, que passaria a vigorar em 1º de julho seguinte, em substituição
ao cruzeiro real.
Em
março de 1994, Fernando Henrique Cardoso deixou o ministério para candidatar-se
à presidência da República no pleito de outubro deste ano, por uma coligação
formada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo Partido da
Frente Liberal (PFL) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nessa
ocasião, Fernando Henrique sugeriu a Itamar Franco, para a pasta da Fazenda os
nomes de Malan, Edmar Bacha e Rubens Ricupero, que foi o escolhido. Em abril de
1994, Malan concretizou, em Washington, o acordo da dívida externa, completando
o processo — que durou quase três anos — de ativação dos contratos de redução e
reestruturação dos débitos do país com os bancos credores internacionais.
Favorecido pelo sucesso do Plano Real, Fernando Henrique
Cardoso venceu as eleições ainda no primeiro turno e convidou Pedro Malan para
ser o titular da pasta da Fazenda. Aceitando o convite, tomou ainda uma última
medida como presidente do Banco Central. Em 29 de dezembro de 1994 decretou
regime de administração especial temporária (RAET) no Banco do Estado do Rio de
Janeiro (Banerj) e no Banco do Estado de São Paulo (Banespa). Malan defendia a
privatização de bancos estaduais em dificuldades.
No
Ministério da Fazenda
Deixando a presidência do Banco Central, que passou a ser
ocupada por Pérsio Arida, Malan assumiu o Ministério da Fazenda no primeiro dia
de janeiro de 1995, em substituição a Ciro Gomes. Defendeu, desde logo, a
continuidade do processo de reorganização do Estado e de mudanças estruturais
que permitissem a consolidação da estabilidade econômica que permitiria, mais à
frente, a redução dos juros e o equilíbrio da taxa de câmbio. O Programa
Nacional de Desestatização (PND) tinha sido criado em 1991 pelo presidente
Fernando Collor e passaria a integrar o programa de governo do presidente
eleito Fernando Henrique Cardoso, sendo apontado como um dos principais
instrumentos de reforma do Estado. Malan defendeu as privatizações de empresas
estatais federais e estaduais, como forma de aumentar a eficiência da economia,
reduzir os gastos do governo como produtor e permitir a utilização de recursos
públicos nas áreas sociais.
No
momento de sua posse, a crise financeira do México, que eclodira em dezembro de
1994, provocando a fuga de capitais daquele país, com repercussões também na
Argentina, gerou o temor de que o fenômeno atingisse o Brasil. Nos meses de
fevereiro e março de 1995, capitais na ordem de sete bilhões de dólares
deixaram o país, gerando clima de desconfiança na estabilidade do real e
intenso movimento especulativo com a moeda norte-americana, obrigando o Banco
Central a intervir no mercado cambial e vender cerca de cinco bilhões de dólares
das reservas internacionais do país. Para evitar uma crise cambial, que
afetaria o núcleo estratégico da sustentação do plano de estabilização
econômica, o Ministério da Fazenda e o Banco Central reagiram em março com
várias medidas: alteração para cima da banda cambial (faixa de valores em real
em que o dólar podia flutuar), aumento das taxas de juros; eliminação do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos e aplicações de
capital estrangeiro nas bolsas de valores, entre outras. Na ocasião, Malan
contou com a oposição de alguns colegas do Ministério, como o ministro do
Planejamento, José Serra, crítico das políticas de valorização cambial e de
abertura comercial como recurso para abaixar preços internos.
A
política de abertura econômica provocou queda das reservas. O barateamento das
importações, iniciado no governo Collor, e o incremento do consumo, permitido
pela estabilidade da moeda, geraram repetidos déficits na balança comercial.
Embora Malan fosse um defensor da política de maior exposição da economia
brasileira à competição externa, em março de 1995, o governo acabou tendo que
aumentar em mais de 100% a alíquota de importação de automóveis e de mais de
uma centena de itens da pauta de importações, o que gerou protestos da
Argentina em torno das barreiras alfandegárias que o Brasil estaria erguendo no
âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Para inibir o consumo, atrair
capitais externos e recuperar a balança comercial, o Banco Central elevou ainda
mais as taxas de juros. Como o ritmo da economia permanecia acelerado, o
governo também adotou medidas de restrição ao crédito bancário e introduziu o
sistema de bandas cambiais.
Na véspera do primeiro aniversário do Plano Real, o governo
promoveu uma desindexação da economia: proibiu o reajuste automático de
salários pela inflação e instituiu a livre negociação entre patrões e
empregados; determinou que, a partir daquela data, nenhum contrato poderia ter
cláusula de correção inferior a um ano.
A
queda das taxas de inflação e as medidas de contenção do consumo tiveram forte
impacto negativo no mercado financeiro. Privado, por força de estabilização da
moeda, de grande parte dos lucros que obtinha com a especulação financeira, o
sistema bancário enfrentou dificuldades para adaptar-se à nova situação. Foram
atingidos vários bancos privados, entre os quais o Econômico e o Nacional. O
Banco Central decretou, em 11 de agosto de 1995, intervenção no Econômico,
oitavo maior banco do país e sediado na Bahia. A medida foi estendida aos
bancos Mercantil de Pernambuco e Comercial de São Paulo. O caso assumiu
contornos políticos em virtude da intervenção do senador Antônio Carlos
Magalhães (PFL-BA), que, à frente de seus companheiros de bancada — importante
esteio do presidente Fernando Henrique Cardoso no Congresso — exerceu forte
pressão sobre o governo no sentido de evitar que o Econômico fosse liquidado.
Embora as análises revelassem que a situação financeira do banco baiano era das
mais complicadas, o Banco Central, para evitar os efeitos violentos que a sua
liquidação teria sobre os interesses dos depositantes e o sistema financeiro do
país, dispôs-se a vendê-lo.
Em novembro, informações alarmantes em circulação no mercado
financeiro a respeito da saúde do Banco Nacional indicaram que os problemas se
agravavam. Um intenso movimento de saques contra o banco levou a Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) a suspender os negócios com suas ações na Bolsa de
Valores de São Paulo. Diante desse quadro, o governo federal editou, no dia 17
de novembro, uma medida provisória (MP) que ampliou os poderes do Banco Central
para intervir no sistema financeiro, além de dispor sobre os mecanismos de
transferência de controle acionário e fusão de instituições bancárias. No dia
seguinte, foi decretada a intervenção no Banco Nacional, anunciada como uma
forma de viabilizar a sua aquisição pelo Unibanco, que já vinha sendo
negociada. Em seguida, foi decretada a indisponibilidade dos bens de cerca de
20 pessoas que haviam participado da administração do banco.
A experiência com a crise bancária inspirou o Ministério da
Fazenda e o Banco Central a regulamentarem o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer),
lançado no dia 4 de novembro de 1995, para evitar que a quebra de grandes
bancos tivesse efeitos multiplicadores sobre todo o sistema financeiro. Com os
recursos do programa, o Banco Central pôde financiar a aquisição de bancos
problemáticos por bancos saudáveis. O programa foi criticado pelos partidos
oposicionistas como pouco transparente. Por medida provisória baixada no dia 17
de novembro, o governo autorizou o Banco Central a alterar o controle acionário
de bancos mal administrados. No dia seguinte, já sob este novo regime, o Nacional
foi vendido ao Unibanco.
Em janeiro de 1996, Malan e Mário Covas assinaram um acordo
que tinha como objetivo reestruturar a dívida do estado de São Paulo para com a
União e para com o Banespa. A proposta previa que o estado só iria receber do
Tesouro Nacional o equivalente a metade do dinheiro necessário para sanear a
instituição, sendo a outra metade oriunda da venda de bens estaduais, como, por
exemplo, estatais. No final de 1996 e início de 1997 o Banco Bamerindus,
controlado pelo senador José Eduardo de Andrade Vieira (PTB-PR), até então ministro
da Agricultura, apresentou sérias dificuldades financeiras, obrigando o Banco
Central a intervir, o que o levou a ser vendido em abril de 1997 ao Hong Kong and
Shanghai Banking (HSBC), sediado em Hong Kong.
Ainda nesse ano tornaram-se públicas certas divergências
dentro do governo em relação à utilização dos recursos oriundos das
privatizações. Enquanto Malan defendia o uso do dinheiro arrecadado,
principalmente para o abatimento da dívida pública, outros ministros, como o do
Planejamento, eram favoráveis à aplicação dos recursos na retomada do
crescimento econômico através de investimentos via Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com o afastamento do ministro do
Planejamento José Serra da área econômica do governo no segundo semestre de
1996, o ministro das Comunicações Sérgio Mota passou a representar o setor
favorável aos investimentos produtivos, sobretudo em relação aos recursos que
seriam obtidos com a venda do Sistema Telebrás. Malan se manteria inflexível na
posição de “defensor das contas públicas” e acabaria ganhando a disputa, após
convencer o presidente da República da necessidade de redução do déficit público
através das privatizações.
Em abril de 1998, no Fórum Nacional realizado no BNDES, Malan
apresentou sua perspectiva da economia brasileira a partir da análise do Plano
Real. Considerou como objetivos indissociáveis: a) o controle da inflação; b) o
crescimento sustentado, com mudança estrutural e aumento da produtividade média
da economia; c) a melhoria das condições de vida da maioria da população
brasileira.
Segundo
Malan, existiam, pelo menos, quatro razões para que a inflação fosse mantida
sob controle. A primeira se ligava à eficiência econômica; isso, porque a
inflação baixa alarga o horizonte de tempo no qual decisões de investimento e
de poupança são tomadas, permite o cálculo econômico dos agentes e a
comparabilidade do valor de bens e serviços. A segunda seria de natureza
política: a maioria da opinião pública desejaria o controle e inflação baixa. A
terceira razão teria um cunho social: a inflação alta, crônica e crescente,
corresponderia a um imposto compulsório que incidiria desproporcionalmente
sobre os mais pobres, justamente aqueles menos capazes de dela se defender. A
quarta razão seria de natureza ética e moral: nas hiperinflações, perdem-se
referências não apenas para comparar valores relativos de bens e serviços, mas,
também, referências morais e éticas; no setor público, no setor privado e,
principalmente, nas interações entre os dois, dadas as enormes transferências
patrimoniais que inflações elevadas propiciam.
Quanto ao crescimento da economia, Malan percebia que, sob o Plano
Real, eram dadas condições para que, com baixa inflação o país pudesse voltar a
crescer. Um de seus argumentos era o de que com a continuidade do esforço de
privatizações, de redução do “custo Brasil”, de investimento em educação,
ciência e tecnologia e treinamento de requalificação de mão-de-obra, o Brasil
poderia alcançar altas taxas de crescimento no futuro, obtidas de forma
sustentada e não de bolhas de crescimento que não se sustentam ao longo do
tempo. Para Malan, o fundamental era a elevação da taxa de investimentos
privados e de poupança privada doméstica que permita o financiamento não
inflacionário do crescimento sem recurso excessivo à poupança externa. Na
verdade, considerava falso o dilema inflação versus crescimento, isto é,
que o controle da inflação se fizesse às expensas do crescimento. Ao contrário,
para ele, esses dois objetivos eram indissociáveis.
Quanto à melhoria das condições de vida da população
brasileira, Malan indicava que esse processo vinha adquirindo considerável
impulso com a implementação do Plano Real, que retirara a carga de imposto
inflacionário que incidia sobre os mais pobres e permitira a expansão de
mecanismos de crédito para milhões de brasileiros. Por outro lado, esse
processo teria a ver com as questões fundamentais de liberdade, justiça,
combate à pobreza e busca de eqüidade, objeto de inúmeros programas do governo.
Na condução do Plano Real, Malan teve que enfrentar problemas
internos e as repercussões das crises econômicas externas. Como o real foi
introduzido em um contexto hiperinflacionário (a taxa de inflação em 1993 foi
de 2.700% e nos 12 meses que antecederam o lançamento da nova moeda de 5.000%)
o programa, como em todas as experiências de combate à hiperinflação, utilizou,
entre outras medidas fiscais e estruturais, o câmbio como mecanismo de
estabilização monetária, na sua fase inicial.
A apreciação relativa do real e o superaquecimento da
economia associado ao fim do imposto inflacionário e à reativação do crédito,
incentivou as importações, aumentou a tendência ao déficit da balança comercial
e contribuiu para a drástica redução da inflação. As taxas de juros reais
elevadas que prevaleceram nos anos iniciais do programa atraíram capitais
externos, em especial de curto prazo, o que viria a causar problemas por
ocasião das crises asiáticas e, particularmente, da crise que se seguiu à
moratória russa.
Mesmo durante a crise asiática — um ataque especulativo que,
durante o segundo semestre de 1997 atingiu diversos países deste continente,
entre os quais Tailândia, Taiwan, Coréia do Sul, Indonésia, Filipinas, e que
causou queda acentuada nas bolsas de valores, desvalorização de moedas,
intervenções nos sistemas bancários etc. —, a política cambial ainda resistiu,
graças a uma nova e brutal elevação dos juros e de mecanismos de atração de
capitais especulativos. Ainda assim, cerca de dez bilhões de dólares deixaram o
Brasil. Sem um programa fiscal consistente, porém, transformou-se em uma última
linha de defesa. Nesse ano, a economia brasileira cresceu 3,2%, um pouco menos
que a média dos países latino-americanos — 3,5% —, e o déficit comercial chegou
a nove bilhões de dólares.
A moratória da dívida externa das empresas privadas russas,
na ordem de 40 bilhões de dólares, e de parte da dívida interna do país, cerca
de 32 bilhões de dólares, em agosto de 1998, trouxe novos riscos à política
cambial. O Brasil, assim como os países emergentes, de um modo geral, passou a
ser visto, pelo mercado financeiro internacional como de riscos elevados. Em
setembro de 1998, um mês antes das eleições, o Ministério da Fazenda lançou o
Programa de Estabilidade Fiscal para o triênio 1999-2001. Destinado a produzir
resultados que eliminassem as apreensões dos investidores estrangeiros quanto à
capacidade que o governo brasileiro teria para honrar seus compromissos
financeiros internos e externos, o programa identificava a previdência social como o principal
fator da crise fiscal e adotava uma série de medidas emergenciais, como o corte
de gastos e aumento dos impostos, além de criar a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que estabeleceu critérios rigorosos para o endividamento público
municipal, estadual e federal. Em novembro, Malan viajou para Washington com o
objetivo de negociar com o FMI e com os bancos centrais de 20 países mais
industrializados, um pacote de ajuda de cerca de 41 bilhões de dólares.
Contando com a presença do ministro, o acordo foi referendado pelo Senado no
mês seguinte.
Em
1º de janeiro de 1999, Fernando Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno das
eleições realizadas em outubro, o que o tornou o primeiro presidente reeleito
da história do país, foi empossado.
Confirmado na pasta da Fazenda, Malan iniciou seu segundo
mandato já enfrentando problemas decorrentes da decisão do novo governador de
Minas Gerais, Itamar Franco, no sentido de decretar a moratória, por 90 dias,
da dívida do estado com a União, que havia sido renegociada com o governo
anterior e montava a R$ 18,6 bilhões. Foram suspensos, também, os pagamentos da
dívida flutuante, no valor de R$ 3,2 bilhões, e de financiamentos
internacionais. A medida contribuiu para a desvalorização dos títulos
brasileiros no exterior e o governo federal, em resposta, parou de repassar
para Minas Gerais recursos determinados pela Constituição, como os do Fundo de
Participação dos Municípios. Ao final, a dívida mineira foi repactuada em
fevereiro de 2000.
Malan
viu-se às voltas, também com os efeitos de nova crise financeira internacional,
cujo epicentro se registrara, no ano anterior, na Rússia. Bilhões de dólares
foram retirados do Brasil por investidores assustados. Em face das dificuldades
para manter a “âncora cambial” que até então sustentara o Plano Real, o governo
procedeu a uma radical mudança na área econômico-financeira. O regime cambial
passou de fixo a flutuante, embora se mantivesse a possibilidade de intervenção
do Banco Central no mercado. Um sistema de metas inflacionárias substituiu o
vigente, vinculado às bandas cambiais. Por fim, operacionalizou-se a execução
de um dos compromissos do acordo feito com o FMI, pelo qual o regime fiscal foi
alterado pela obrigatoriedade de manter-se um superávit primário elevado que
garantisse uma proporção segura entre a dívida pública e o Produto Interno
Bruto (PIB). A desvalorização do real implicou o aumento dos juros e da dívida
brasileira e levou o país a uma das mais graves crises da sua história.
A
questão da dívida pública – que dobraria durante a sua gestão, passando de 30%
do PIB em janeiro de 1995 a 60% em janeiro de 2002 – de resto, impôs a Malan,
também, um enfrentamento interno com setores da oposição ao governo. Sob
inspiração da Campanha Internacional do Jubileu 2000, patrocinada pelo
Vaticano, que pregava o cancelamento das dívidas dos países pobres e reuniu em
vários países igrejas cristãs, muçulmanas, afro-brasileiras e organizações
não-governamentais, organizou-se no Brasil a Campanha pelo Plebiscito da Dívida
Externa. Integraram o movimento várias entidades, como a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central de Movimentos
Populares (CMP), além de partidos políticos, como o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU). A campanha considerava a dívida pública, tanto
a interna quanto a externa, imoral e injusta, bem como, em boa parte, ilegal.
Deplorava, também, os custos sociais do endividamento, entendendo-os como uma
das principais razões da precariedade das políticas sociais e da exclusão de
milhões de brasileiros dos frutos da riqueza nacional. O movimento tinha como
eixo a realização de um plebiscito nacional sobre o recente acordo com o FMI e
a situação da dívida, previsto para os dias 2 a 7 de setembro de 2000, marcando
a “Semana da Pátria” do ano em que se comemorariam os 500 anos do Brasil.
Na
condição de ministro da Fazenda, Malan, naturalmente, discordou da iniciativa.
Às vésperas da consulta, fez declarações explicando sua posição. Para ele, a
proposta era “fora de seu lugar e de seu tempo”, porque o Brasil não fazia
parte do grupo de países miseráveis que não dispunham de reservas para pagar
suas dívidas. Insinuando que a campanha era irresponsável, porque pregava o
calote da dívida, denunciou a sua instrumentalização política pelo Partido dos
Trabalhadores, visando à sucessão presidencial. Além disso, para ele, a
consulta pública sobre o pagamento da dívida externa elevaria o chamado
"risco Brasil", com efeitos negativos no custo de captação de
recursos pelos setores público e privado no mercado internacional.
Realizada
a consulta, os números divulgados pela coordenação da campanha em 21 de
setembro indicaram a participação de 6.030.329 pessoas, correspondentes a 5,7%
do eleitorado brasileiro. À pergunta nº 1 – O governo brasileiro deve manter o
atual acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI)? –, 5.646.862
responderam “não”, 280.442 responderam “sim”, 76.574 votaram em branco e 26.451,
nulo. À pergunta nº 2 – O Brasil deve continuar pagando a dívida
externa, sem realizar uma auditoria pública desta dívida, como previa a
Constituição de 1988? –, 5.765.954 responderam “não”, 182.462
responderam “sim”, 57.954 votaram em branco e 23.959, nulo. À pergunta nº
3 – Os governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande
parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores? –,
5.768.563 responderam “não”, 158.995 responderam “sim”, 80.481 votaram em
branco e 22.290, nulo. Como o governo e o Congresso Nacional não
endossaram a consulta, as entidades que apoiaram o plebiscito passaram a
realizar, a partir de abril de 2001, a Auditoria Cidadã da Dívida, ainda em
andamento.
A
proximidade das eleições em 2002 complicou o quadro de insegurança externa e
queda dos investimentos, contribuindo para o agravamento das pressões
inflacionárias. A situação preocupou seriamente as autoridades da área
econômico-financeira, bem como os investidores, por causa de possibilidade de
eleição de um candidato oposicionista que reorientasse radicalmente a política monetária.
Um compromisso dos candidatos e as primeiras declarações do novo presidente,
Luís Inácio Lula da Silva, contudo, desanuviariam as expectativas.
No
último ano da gestão de Pedro Malan, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
registrou um crescimento de 1,93 %, contra 4,22 % em 1995, ano de sua primeira
posse. A taxa de desemprego aberto foi de 6.2%, contra 4,64 % em 1995. A renda
média do trabalhador registrou crescimento negativo de 0,6 %, contra a taxa
positiva de 11% em 1995. O real, que em 1995 valia 0,97 do dólar
norte-americano, custava 3,73 dólares em 2002. Por outro lado, a inflação –
principal alvo das gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso – neste ano
foi de 7,61%, contra 22,41 % em 1995.
Concluído
o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e empossado o novo
presidente, Luís Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2003, Pedro Malan foi
sucedido por Antônio Palocci à frente do Ministério da Fazenda.
Em 28 de abril de 2003, tornou-se
vice-presidente do Conselho de Administração do Unibanco, onde já tinham
assento dois ex-integrantes de sua equipe ministerial: Armínio Fraga
(ex-presidente do Banco Central) e Pedro Bodin (ex-diretor do Banco Central). Em
setembro desse mesmo ano assumiu a presidência do Conselho de Administração da
Globex Utilidades – que em fevereiro de 2012 passaria a ter como razão social o
nome Via Varejo S.A. –, então controlador da rede Ponto Frio.
No
decorrer de 2006 passou a integrar
o Conselho de Administração da EDP Energias do Brasil, empresa holding atuante
nas áreas de geração, comercialização e distribuição de energia elétrica em
sete estados, controlada pela EDP de Portugal, uma das maiores operadoras
europeias do setor. Nessa condição, presidiu o Comitê de Sustentabilidade e
Governança Corporativa e integrava o Comitê de Remuneração,
encarregado de assessorar o Conselho de Administração nas
deliberações relativas às políticas de remuneração da empresa e de suas
controladas.
Foi, ainda, vice-presidente do Conselho Consultivo do Instituto EDP, plataforma
de relacionamento com todas as partes interessadas na dimensão socioambiental,
encarregada de aprimorar a atuação das empresas do Grupo EDP no Brasil nesta
área.
Em
março de 2008, Malan foi eleito, com mandato até 2010, membro do Conselho
Curador da International Accounting Standards Committee Foundation (IASC) que
controla o Comitê Internacional de Normas Contábeis (IASB). Nesta função,
participa da escolha daqueles que desenvolvem as normas internacionais,
utilizadas em mais de cem países do mundo e o rumo das normas brasileiras. O
IASC Foundation - que regula o IASB – é constituído por seis representantes da
América do Norte, seis da Europa, seis da Ásia e Oceania e mais quatro de
outras partes do mundo. A participação
nessa entidade é um desdobramento de sua atuação pública, sempre voltada para a
melhoria das condições de atração de capitais internacionais para a economia
brasileira, já que, como explicou à revista RI
– Relação com investidores, “a adoção de normas contábeis
internacionais que constituam o padrão globalmente aceito e praticado por todos
os países de maior expressão econômica e financeira do mundo teria (...) o
efeito de reduzir o custo de capital para empresas brasileiras e aumentar o
escopo nas captações de recursos no mundo, já que investidores privados, tanto
nacionais quanto estrangeiros, estariam em condições de analisar, avaliar e
comparar balanços e demonstrações financeiras de empresas localizadas em vários
países do mundo. Confiança, credibilidade e transparência devem melhorar as avaliações
de risco das empresas e do próprio país, facilitando uma maior integração à
economia global e aos mercados internacionais de capital”.
Ainda
em 2008, tornou-se membro independente do Conselho de Administração da OGX
Petróleo e Gás Participações, onde também tinham assento Francisco Gros e Eliezer Batista da Silva, dois ocupantes de importantes postos na área
econômico-financeira de governos passados. Deixaria o conselho somente em junho
de 2013 com os também conselheiros independentes Rodolpho Tourinho e Ellen
Gracie, apesar de ter mandato vigente até o ano seguinte. Entre os anos de 2008
e 2013 foi também membro do Conselho Curador (Trustee) da IFRS Foundation.
Em
decorrência do processo de fusão dos bancos Unibanco e Itaú, anunciada em
novembro de 2008, tornou-se, em agosto do ano seguinte, o primeiro presidente
do Conselho Consultivo Internacional (International
Advisory Board) do Itaú, cuja função primordial era ampliar a presença internacional
da nova organização, que já ocupava a posição de 11º maior banco do mundo em
capitalização. No decorrer de 2010, tornou-se membro dos Conselhos de
Administração das empresas Souza Cruz e Mills Engenharia. Em 2011 passou a
atuar também como diretor da Thomson Reuters
Founders Share Company e, em 2012, como membro da Temasek International Panel.
No
decorrer da sua trajetória profissional Pedro Malan também foi conselheiro da
Alcoa Latin América, da BUNGE e do Centro brasileiro de Relações Internacionais
(CEBRI), OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) criada em
1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e
acadêmicos com caráter independente, multidisciplinar e apartidário. Sediado no
Rio de Janeiro, o CEBRI – cujo presidente de honra era Fernando Henrique
Cardoso – tinha como missão promover estudos e debates sobre temas prioritários
da política externa brasileira e das relações internacionais.
Em julho de 2015 atuava ainda como
vice-presidente do Instituto Unibanco e compunha o quadro docente do
Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC/RJ).
Teve um filho no seu primeiro matrimônio. Do segundo
casamento, com Catarina Gontijo Sousa Lima, teve mais dois filhos.
Publicou diversos artigos em coletâneas e revistas nacionais
e estrangeiras, além dos seguintes livros: Foreign exchange constrained
growth in a semi-industrialized economy: the Brazilian experience (1977), Política econômica externa e
industrialização no Brasil (com Regis Bonelli, Marcelo de P. Abreu e José
Eduardo de C. Pereira , 1977), Política econômica e teorias de balanço de
pagamentos (1981).
Marcelo
Costa/Renato Lemos/Luciana Pinheiro
FONTES: CURRIC.
BIOG.; Estado de S. Paulo (17/04/1994, 02/12/1994, 03/06/1995, 22/06/1995,
17/08/1995 e 05/07/1997); Folha de S.
Paulo (15/08/1993, 09/09/1993, 02/12/1994, 31/12/1994, 26/04/1995, 06/11/1995
e 18/11/1995); Globo (10/09/1993, 21/10/1994, 08/08/1995, 09/08/195, 10/08/1995,
11/08/1995, 07/02/1995, 21/12/96, 27/05/1997, 05/07/1997 e 07/07/1998); Jornal
do Brasil (27/08/1993, 30/04/1994, 21/10/1994, 01/12/1994, 02/12/1994, 19/05/1996,
24/06/1996, 21/12/1996, 16/05/1997 e 31/07/1998);
Luiz Filgueiras. História do Plano Real.
Fundamentos, impactos e contradições.
3ª ed. São Paulo: Boitempo, 2006. Veja (18/08/1993, 07/12/1994, 14/08/1996,
14/01/1998, 02/09/1998, 09/09/1998, 16/09/1998, 23/09/1998, 14/10/1998, 28/10/1998,
04/11/1998, 18/11/1998 e 16/12/1998); Portal Acionista. Disponível em: <http://www.acionista.com.br>.
Acesso em 17/10/2009; Portal APROPUC. Disponível em:
<http://www.apropucsp.org.br/home>. Acesso em 18/10/2009; Portal Auditoria Cidadã da Dívida. Disponível
em <http://www.auditoriacidada.org.br.. Acesso em 18/10/2009; Portal Cebri.
Disponível em: <http://cebri.org>. Acesso em 17/10/2009; Portal EDP. Disponível em:
<http://www.edp.com.br/>. Acesso em: 17/10/2009 e 23/07/2015; Portal Energias do Brasil.
Disponível em: <http://www.energiasdobrasil.com.br>. Acesso em 17/10/2009; Portal Estado de S. Paulo. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br>. Acesso em 23/07/2015; Portal FETESP. Disponível em:
<http://www.fetecsp.org.br>. Acesso em 17/10/2009; Portal Folha de S. Paulo. Disponível em:
<http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 18/102009; Portal IBRI. Disponível em:
http://www.ibri.com.br/. Acesso em 17/10/2009. Portal Instituto Unibanco.
Disponível em: <http://www.institutounibanco.org.br/>. Acesso em
23/07/2015; Portal IPIB. Disponível
em: http://www.ipib.com.br/. Acesso em 19/10/2009; Portal Itaú. Disponível em: <https://www.itau.com.br>. Acesso em
17/10/2009. Portal Jornal do Brasil.
Disponível em: <http://www.jb.com.br/capa>. Acesso em 24/10/2009; Portal KPMG/BR. Disponível em: <http://www.kpmg.com/BR/PT/Paginas/default.aspx>.
Acesso em 23/07/2015; Portal OGX.
Disponível em: http://www.ogx.com.br/default_pt.asp?idioma=0&conta=28.
Acesso em 17/10/2009; Portal Revista RI.
Disponível em: <http://www.revistari.com.br/196>. Acesso em 19/10/2009. Portal UOL
Economia. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/>. Acesso em:
23/07/2015.