FLEURY,
Sérgio
*deleg. pol. SP 1966-1979.
Sérgio Fernando Paranhos Fleury nasceu em Niterói, então capital do estado do Rio de
Janeiro, no dia 19 de maio de 1933, filho do médico legista João Alfredo Curado
Fleury.
Quando tinha 11 anos, seu pai faleceu vítima de contaminação
durante uma necrópsia. O governo subvencionou então todo o seu curso ginasial,
realizado no Liceu Coração de Jesus em regime de internato. Passou a juventude em Vila Mariana, na capital paulista, tendo cursado o secundário no Colégio Rio Branco e,
depois, no Ateneu Brasil.
Admitido
na polícia como escrevente extranumerário aos 17 anos, foi lotado no
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. Após ser
contratado, cursou a Escola de Polícia a fim de prestar concurso de ingresso na
carreira de investigador, sendo aprovado em primeiro lugar. Em meados da década
de 1950 cursou a Faculdade de Direito em São José dos Campos (SP), pela qual se bacharelou.
Sua
primeira delegacia foi a de homicídios, saindo daí para a Ronda Noturna
Especial (Rone). Nessa época começou a ganhar notoriedade no combate ao crime,
atuando na radiopatrulha e tendo ao lado um cão policial. Com a criação das
rondas unificadas (Rodu) do Departamento de Investigações, passou a chefiar em
1958 uma equipe de investigadores — entre os quais João Carlos Tralli, José
Campos Correia Filho e Ademar Augusto de Oliveira — que marcou época com o
cerco e a morte de vários bandidos. Retornou em seguida à Escola de Polícia a
fim de preparar-se para a carreira de delegado. Obteve novamente o primeiro lugar,
tornando-se delegado de quinta classe em dezembro de 1966. Como delegado,
permaneceu no serviço de radiopatrulha, que era integrado na época por
policiais civis. Uma de suas realizações mais comentadas foi a desarticulação
da prática do lenocínio na chamada Boca do Lixo, área de prostituição da região
pobre da capital paulista.
Em
1968, notabilizado por suas ações na polícia civil, foi requisitado pelo
Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) para auxiliar na luta
contra movimentos armados de esquerda, que faziam então sua aparição no país, e
contra os movimentos de oposição política ao governo. Em outubro desse ano
participou do desmantelamento do XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes
(UNE), reunido clandestinamente em Ibiúna (SP), que resultou na prisão de cerca
de novecentos estudantes. A partir de então passou a agir diretamente no setor
político para elucidar o assassinato do capitão norte-americano Charles
Chandler, praticado em São Paulo por organizações que o acusavam de ser agente
da Central Intelligence Agency (CIA).
Ainda em 1968 participou das investigações referentes às
explosões de bombas no jornal O Estado de S. Paulo, na sede do II
Exército e nas estações ferroviárias da Fepasa, assim como às invasões das
rádios Independência e Nacional para divulgação de manifestos pelos movimentos
armados clandestinos. Em 1969, o assassinato do investigador paulista Davi
Romero Paré pelo ladrão Carlos Eduardo Zampogna, o Saponga, desencadeou uma
campanha de extermínio de marginais nos moldes do Esquadrão da Morte, na época
já atuando no Rio de Janeiro. Fleury seria acusado de integrar esse grupo de
extermínio.
A
partir daí passou a atuar juntamente com a Operação Bandeirantes (Oban),
organismo criado para combater os grupos de esquerda de São Paulo. Em novembro
de 1969 chefiou o cerco ao líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos
Marighella, que acabou fuzilado numa rua da capital paulista. O caso
Marighella, que envolvia diversos padres dominicanos, gerou grande polêmica
sobre como teria ocorrido o cerco, além de agravar as relações entre o governo
e as autoridades religiosas. Em 1970 foi promovido por ato de bravura através
de decreto do governador Roberto Abreu Sodré (1967-1971), tendo ainda nesse ano
ocupado por três meses a chefia do 41º Distrito Policial, na Vila Rica, bairro
da capital paulista.
Seu
nome foi envolvido em diversos processos sobre o Esquadrão da Morte no início
da década de 1970 por ação do procurador Hélio Bicudo. Apesar dos esforços
deste, Fleury nunca foi preso. O procurador chegou a afirmar que o chefe do
Serviço Nacional de Informações (SNI) em São Paulo, coronel Válter Faustini, lhe revelara preocupação com os processos contra Fleury, já que sua prisão poderia
“dar novo alento à subversão esquerdista no país”.
Enquanto isso, em 1971 Fleury passou a perseguir o capitão
Carlos Lamarca, o último grande líder da guerrilha urbana no país. Somente após
sua volta a São Paulo, porém, em setembro desse ano, é que Lamarca foi
localizado e morto. Fleury foi também insistentemente acusado de participar de
sessões de torturas contra presos políticos, sendo os casos mais notórios em
que se apontava seu envolvimento os de Eduardo Leite, o Bacuri, e de Joaquim Câmara
Ferreira, militante da ALN, ambos mortos em São Paulo.
Em 1973, quando teve sua prisão preventiva decretada por
envolvimento numa execução promovida pelo Esquadrão da Morte, foi promulgada no
Congresso a Lei nº 5.941, de autoria do deputado governista Cantídio Sampaio,
de São Paulo, posteriormente conhecida como Lei Fleury, que permitia a todos os
réus primários e de bons antecedentes responder ao julgamento em liberdade,
inclusive se fossem condenados em primeira instância ou se seus processos não
tivessem sido julgados em instância superior. Em novembro de 1974 foi absolvido
por unanimidade pelo 2º Tribunal do Júri de São Paulo não só da acusação de
assassínio de um marginal, como também de pertencer ao Esquadrão da Morte.
Ainda nesse ano foi condecorado como o policial do ano.
Com a virtual extinção das ações armadas de esquerda e sob
cerco judicial, Fleury foi indicado seguidamente para operações que lhe rendiam
notoriedade e condecorações. Em 1976 chefiou um grupo de agentes que elucidou
dois rumorosos seqüestros de menores, conseguindo a prisão dos criminosos e
recebendo por isso aplausos até do Senado Federal. No ano seguinte foi mais uma
vez agraciado com o título de policial do ano, conquistando ainda a medalha Anchieta
e o diploma da cidade de São Paulo, ambos outorgados pela Câmara Municipal.
Em setembro de 1977 foi nomeado diretor do Departamento
Estadual de Investigações Criminais (DEIC), cujos policiais manifestaram na
época a preocupação de que essa nomeação pudesse ser interpretada como um
desafio à Justiça paulista, já que Fleury seria novamente julgado por crimes do
Esquadrão da Morte no mês seguinte. Julgado em Barueri (SP) em outubro do mesmo
ano, foi absolvido juntamente com outros policiais da acusação de assassinato
de diversos marginais cujas mortes eram creditadas ao Esquadrão da Morte. O
julgamento foi acompanhado por muitos policiais que vaiavam a acusação,
pressionando assim os jurados.
Ainda
em outubro de 1977 respondeu e deu publicidade às cartas que recebera da Ação
Cristã para a Abolição das Torturas, organização francesa filiada à Anistia
Internacional que o acusava da prática de torturas. Em sua resposta tentou
caracterizar os dirigentes como covardes que não tiveram coragem de enfrentá-lo
cara a cara, negando as acusações que lhe foram imputadas e acusando-os de
comunistas. Concluiu por afirmar que “a verdadeira democracia consiste em
governar com mão de ferro as massas infantis e necessariamente dependentes”.
Em fevereiro de 1978 foi preso em sala especial da Delegacia
Geral de Polícia em cumprimento de mandado de prisão preventiva expedido por um
juiz de Guarulhos (SP). A prisão vinculava-se a dois novos processos
relacionados com o Esquadrão da Morte e com a eliminação de marginais. Com a prisão,
foi exonerado da direção do DEIC. No final do mês, um novo juiz, já que o
anterior fora removido do cargo, revogou a prisão preventiva de Fleury, que foi
posto em liberdade, reassumindo imediatamente suas funções no DEIC.
Em
julho de 1978 participou da convenção da Aliança Renovadora Nacional (Arena)
paulista que indicou os candidatos do partido aos cargos eletivos para o pleito
de novembro daquele ano. Foi levar seu apoio ao ex-secretário de Segurança de
São Paulo, coronel Erasmo Dias, que disputava uma legenda para concorrer à
Câmara dos Deputados. Ainda nesse ano participou de assembléias de policiais
que discutiam questões salariais, quando teve sua autoridade posta em xeque
pela primeira vez entre seus colegas de profissão. Muitos policiais ameaçavam
ir à greve, enquanto Fleury, vaiado, tentava convencê-los do contrário.
Em
março de 1979 foi mais uma vez acusado da prática de torturas pela madre
Maurina Borges da Silveira em depoimento prestado à Justiça Militar. A depoente
se encontrava presa em 1970 acusada de crime contra a segurança nacional,
quando foi banida do país em companhia de outros quatro presos, trocados pela
vida do cônsul japonês em São Paulo, seqüestrado por grupos armados de
esquerda.
Manifestou-se contrário à anistia ampla, geral e irrestrita
por não ver como se deveria “libertar criminosos subversivos que chegaram a
matar gente”.
Faleceu em Ilha Bela (SP) no dia 1º de maio de 1979, quando
se afogou ao cair de um iate de sua propriedade.
Era casado com Maria Isabel Oppide Fleury, com quem teve três
filhos.
FONTES: Jornal
do Brasil (1/4 e 27/9/76, 4/12, 1, 2 e 3/3, 14/8, 1 e 2/10/77, 3/1, 23 e
28/2, 24/7 e 1/8/78, 16/3, 2 e 3/5/79); Veja (21/9 e 5/10/77 e 9/5/79).