RAO,
Vicente
*min. Just. 1934-1937; min. Rel.
Ext. 1953-1954.
Vicente Paulo Francisco Rao
nasceu na cidade de São Paulo no dia 16 de junho de 1892, filho de Nunciato Rao
e de Raquel di Sicila Rao.
Fez os primeiros estudos no Ginásio Nossa Senhora do Carmo,
em São Paulo, concluindo o curso secundário em 1907. Matriculou-se em seguida
na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, então agregada à
Universidade de Louvain, na Bélgica. Terminou o curso em 1911, obtendo o título
de doutor em filosofia e letras. Paralelamente, cursou a Faculdade de Direito
de São Paulo, pela qual se diplomou em 1912.
Após
concluir o curso universitário, começou a exercer a advocacia em sua cidade
natal, especializando-se em direito civil e em direito internacional público.
Grande parte da clientela a que então atendia estava vinculada ao comércio e à
indústria, nos quais se concentravam os imigrantes italianos e seus
descendentes.
Em
1926, Rao participou da constituição do Partido Democrático (PD) de São Paulo,
organização política que veio reunir setores da oligarquia cafeeira e da classe
média, particularmente profissionais liberais descontentes com a dominação
exercida pelo Partido Republicano Paulista (PRP) na política estadual. Criado
sob a liderança do conselheiro Antônio Prado, o PD foi fundado em 24 de
fevereiro daquele ano e teve sua sessão inaugural em 21 de março, ocasião em
que foi eleito seu primeiro diretório. Vicente Rao foi um dos autores do projeto
de programa do PD, lançado quando da fundação do partido e confirmado em seu
primeiro congresso, reunido em São Paulo no mês de novembro. Entre os
principais pontos defendidos por esse programa incluíram-se o voto secreto,
medidas referentes à questão social, a independência econômica da magistratura
com o estabelecimento de um órgão judiciário independente de qualquer poder
político, a autonomia econômica do professor público e a criação de um
organismo educacional que abrangesse o ensino primário, secundário,
profissional e superior, e, finalmente, o poder decisório para a lavoura, o
comércio e a indústria na direção dos negócios públicos.
Em junho de 1927, foi lançado o jornal Diário Nacional, órgão
oficial do PD, no qual Vicente Rao colaborou desde os primeiros números,
participando ainda de seu conselho editorial. Ainda nesse ano, tornou-se doutor
em direito e catedrático de direito civil da Faculdade de Direito de São Paulo.
O Governo dos 40 Dias
Iniciada
a campanha da Aliança Liberal em agosto de 1929, Vicente Rao defendeu
ativamente a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República nas
eleições de março de 1930. O PD foi em São Paulo o promotor do movimento
aliancista, de oposição à candidatura do presidente estadual Júlio Prestes de
Albuquerque, que era apoiado pelo presidente da República Washington Luís e
pelo PRP. Júlio Prestes acabou por vencer as eleições, mas essa vitória deu
ensejo ao recrudescimento das articulações das tradicionais lideranças
políticas de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba — que contavam com a
adesão de uma parcela considerável da oficialidade jovem do Exército, os
“tenentes” —, com vistas à posição de Washington Luís. Em São Paulo, essas
articulações foram conduzidas pelo PD.
A revolução foi deflagrada em 3 de outubro de 1930 e logo se
multiplicaram os sucessos dos rebeldes no Sul e no Norte-Nordeste.
Antecipando-se às forças revolucionárias que convergiam para o Rio de Janeiro —
então Distrito Federal — sob a liderança de Getúlio Vargas, no dia 24 de outubro
a alta oficialidade sediada na capital depôs Washington Luís, constituindo uma
junta governativa provisória. Por determinação dessa junta, o general
Hastínfilo de Moura, comandante da 2ª Região Militar (RM), assumiu
provisoriamente o governo de São Paulo, organizando um secretariado integrado
basicamente por elementos do PD. Assim, no dia 25 de outubro, Rao assumiu o
cargo de chefe de polícia, enquanto José Maria Whitaker era nomeado para a
Secretaria da Fazenda, José Carlos de Macedo Soares, para a do Interior, Plínio
Barreto, para a da Justiça, Francisco Monlevade, para a da Viação, Henrique de
Sousa Queirós, para a da Agricultura, e José Joaquim Cardoso de Melo Neto era
designado prefeito da capital.
Por
ocasião de sua posse, Vicente Rao tornou público um comunicado em que
conclamava os paulistas a preservarem a ordem: “Tendo assumido a chefia de
polícia venho pedir ao povo de São Paulo que, auxiliando a autoridade,
contribua para a restauração da ordem. Realizado o grande ideal brasileiro que
é a vitória da revolução, devemos, de hoje em diante, trabalhar todos para o
bem do Brasil, unidos em um só esforço. Aos acadêmicos de direito, meus alunos,
peço que concorram para a manutenção da ordem, fazendo ver ao povo a
necessidade de retomar o seu trabalho normal. Esta chefia, certa de que será
atendida, avisa ao público que não permitirá quaisquer desordens,
reprimindo-as, se preciso for, com a máxima energia ficando, outrossim,
proibidos quaisquer ajuntamentos a partir das 20 horas.”
Rao
demitiu todos os antigos titulares das principais delegacias de polícia do
estado, nomeando revolucionários democráticos para ocupar suas vagas. Entre
estes, figuravam Aureliano Leite, Paulo Duarte, Paulo Nogueira Filho e Carlos
Morais Andrade, todos membros fundadores do PD. Organizou ainda um corpo
policial de emergência, formado por um grupo de estudantes da Faculdade de
Direito de São Paulo.
Por outro lado, o estado-maior revolucionário estacionado em
Ponta Grossa (PR), pouco seguro das intenções da junta governativa, prosseguia
as negociações para a transferência do poder a Vargas, mantendo a ordem de que
os destacamentos rebeldes continuassem avançando em direção à capital federal.
No dia 28 de outubro, o general Hastínfilo, que não gozava da confiança dos
líderes revolucionários por ser considerado simpatizante da situação deposta,
foi chamado ao Rio de Janeiro pela junta governativa, abandonando a chefia do
governo paulista. Nesse mesmo dia chegou a São Paulo o trem que conduzia os
emissários de Vargas, encabeçados por João Alberto Lins de Barros.
No
dia 29 de outubro, João Alberto, João Neves da Fontoura e Virgílio de Melo
Franco participaram de uma reunião com os membros do secretariado paulista e
mais Vicente Rao. João Alberto apresentou suas credenciais de delegado militar
da revolução e recebeu a reivindicação de que Francisco Morato, presidente do
PD, fosse posto à frente do governo do estado. Ao final do encontro, chegou-se
a um acordo: o secretariado permaneceria como estava, ficando responsável pelo
governo de São Paulo, que continuaria sem um chefe do Executivo. Ainda nesse
dia Vargas chegou a São Paulo e, antes de prosseguir viagem para o Rio,
homologou as nomeações dos secretários, do prefeito e de Vicente Rao como chefe
de polícia. Deveriam todos trabalhar em cooperação com João Alberto, que
ficaria em São Paulo como delegado da revolução.
Em
31 de outubro, Rao nomeou Paulo Nogueira Filho primeiro delegado auxiliar
substituto do chefe de polícia, indicando-se ainda para compor a recém-criada
comissão para o estudo da simplificação dos processos policiais.
No dia 3 de novembro, finalmente, a junta governativa
entregou o poder a Getúlio Vargas, que se tornou o chefe do Governo Provisório
da República.
Em 24 de novembro, João Alberto, que se avistara com Vargas
no Rio, desembarcou em São Paulo e, reunindo o secretariado, apresentou sua
nomeação para o cargo de interventor federal no estado. Por discordar dessa
nomeação, o secretariado decidiu demitir-se coletivamente, resolução que contou
com o apoio de Vicente Rao. Após algumas negociações, entretanto, chegou-se a
um acordo que foi registrado em documento assinado por João Alberto, Rao e os
demais secretários do governo. Os paulistas apoiariam João Alberto mediante uma
série de condições que impunham limites ao poder do interventor. Dentre essas
condições, sobressaíam as seguintes: João Alberto não poderia tomar nenhuma
decisão sem consultar previamente o secretariado; todos os postos do governo e
das administrações municipais seriam preenchidos por civis; as delegacias de
polícia também seriam ocupadas por autoridades civis; as comissões de
sindicância seriam dissolvidas e o serviço de polícia confiado integralmente a
seu chefe civil, desaparecendo a Delegacia Revolucionária, e seria publicada
ainda uma nota oficial declarando que o governo reprimiria todas as “agitações
de caráter comunista”.
Em
fins de novembro, acentuaram-se as divergências entre o interventor e o
secretariado, estando Vicente Rao no centro dessas discordâncias. O chefe de
polícia dispunha-se a controlar o aparelho policial, colocando correligionários
de sua confiança nos postos mais importantes. Esse fato produzia atritos com
João Alberto e os membros da Legião Revolucionária, organização tenentista
liderada por Miguel Costa, que fazia oposição aos partidos paulistas
tradicionais. O interventor autorizava comícios da Legião Revolucionária sem
consultar o chefe de polícia, enquanto Rao detinha elementos pertencentes à
agremiação porque estes tentavam se reunir em praça pública sem o consentimento
das autoridades policiais.
No dia 2 de dezembro, Rao foi convocado por João Alberto ao
palácio dos Campos Elíseos, sendo na ocasião destituído da chefia de polícia
sob acusação de manter uma atuação “pautada por certo espírito de partidarismo
que o tornava incompatível com o cargo”. Nesse mesmo dia, temendo ameaças à sua
pessoa, embarcou para o Rio de Janeiro, acompanhado de Paulo Nogueira Filho,
enquanto Aureliano Leite o substituía em suas funções. Um dia depois, todos os
integrantes do secretariado decidiram demitir-se em solidariedade a Vicente
Rao, encerrando o chamado Governo dos 40 Dias. Ainda em 1930, Rao foi eleito
presidente do Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo, após haver aí
ocupado o cargo de vice-presidente.
O rompimento de São Paulo com Vargas
Em
2 de fevereiro de 1931, foi instalado o VII Congresso do PD de São Paulo. Nessa
ocasião, Vicente Rao foi eleito para o diretório central do partido, tendo os
congressistas votado uma moção de apoio ao Governo Provisório de Getúlio Vargas.
Nessa época, a tendência à ruptura com João Alberto já era manifesta entre os
participantes da reunião, os quais, no entanto, decidiram, por proposta de
Reinaldo Porchat, não hostilizar abertamente o interventor.
Em
24 de fevereiro, os paulistas promoveram uma grande manifestação em favor da
reconstitucionalização do país. Nessa ocasião, criou-se a Liga
Pró-Constituinte, que reunia democráticos, perrepistas, intelectuais e
empresários. Ainda nesse mês, Rao integrou uma delegação do PD enviada ao Rio
para expor ao chefe do Governo Provisório a situação de São Paulo.
Rao
foi um dos autores do manifesto do PD datado de 24 de março, rompendo com João
Alberto. O manifesto lembrava os motivos do apoio inicial do partido ao
interventor, como contingências especiais do momento, o desejo de ver
restabelecida a normalidade no estado e a esperança de que fosse breve a sua
permanência na interventoria. Invocava ainda o passado revolucionário do
partido e sua participação na formação da Aliança Liberal. Acusava também João
Alberto de manter no governo “elementos inconvenientes à tranqüilidade geral” e
de haver entregue as prefeituras a militares de sua confiança. Denunciava as
perseguições contra os democráticos promovidas pela Legião Revolucionária,
apoiada por João Alberto, responsabilizando essa organização por difundir
idéias subversivas e criticando a censura à imprensa. Reafirmava afinal sua
posição em favor da convocação de uma constituinte e conclamava à formação de
uma frente única para atingir tais objetivos. A pedido de Vargas, a publicação
do manifesto não foi feita de imediato.
Em abril, acirrou-se o movimento de oposição ao interventor
federal, o que provocou forte repressão do governo contra o PD. No dia 7, em
meio a uma campanha de circulares anônimas que atacavam João Alberto, Rao foi
preso ao lado de outros líderes democráticos, permanecendo detido por dez
horas. As sedes do PD e do Diário Nacional foram invadidas, o que precipitou a
divulgação do manifesto de 24 de março no jornal do partido. A edição foi
apreendida pela polícia, mas mesmo assim cerca de dois mil exemplares chegaram
a circular clandestinamente.
Com
o agravamento da situação, João Alberto pediu demissão da interventoria de São
Paulo no dia 13 de junho. Laudo Ferreira de Camargo, desembargador do Tribunal
de Justiça, foi então nomeado novo interventor no estado, assumindo o cargo em
24 de julho com o apoio do PD. Em 13 de novembro, entretanto, Laudo de Camargo
renunciou àquelas funções por haver João Alberto interferido na organização de
seu secretariado. Por indicação de Vargas, substituiu-o o coronel Manuel
Rabelo, comandante interino da 2ª Região Militar.
No dia 9 de janeiro de 1932, chegou ao Rio de Janeiro uma
delegação do PD constituída por Vicente Rao, Paulo Nogueira Filho, Valdemar Ferreira
e Joaquim Sampaio Vidal.
Reunindo-se com o ministro da Justiça, Maurício Cardoso, os
democráticos reivindicaram um “interventor civil e paulista” para ocupar o
governo estadual.
Pouco depois, entretanto, o PD decidiu romper com o Governo
Provisório. No dia 13 de janeiro, essa decisão foi formalizada num manifesto
redigido por Francisco Morato e assinado por Vicente Rao e todos os demais
líderes democráticos. Defendendo a convocação da constituinte, o documento
relatava ainda a crise da sucessão paulista e criticava a atuação de João
Alberto na política estadual.
Logo
a seguir, o PRP publicou seu manifesto, datado de 19 de janeiro, apoiando a
formação da Frente Única Paulista (FUP). Em 16 de fevereiro, foi divulgado o
manifesto de lançamento desse movimento, que reunia democráticos e republicanos
na oposição ao governo federal. Vicente Rao foi um dos signatários do
documento, no qual os dois principais partidos paulistas proclamavam sua união
na luta pela imediata reconstitucionalização do país e pela restituição ao
estado da autonomia de que se encontrava privado há 16 meses. A dissolução
dessa aliança só seria efetivada quando tal objetivo fosse atingido.
Em
7 de março, o embaixador Pedro de Toledo assumiu a interventoria em São Paulo e
organizou um secretariado de coalizão entre os políticos paulistas e os
representantes das correntes revolucionárias, de acordo com entendimentos
feitos com o general Miguel Costa, chefe de polícia, o general Pedro Aurélio de
Góis Monteiro, comandante da 2ª Região Militar, e o coronel João de Mendonça
Lima.
Quando de uma grande manifestação popular contra o Governo
Provisório, em 23 de maio, Toledo constituiu um novo secretariado, dessa vez
apenas com políticos da FUP, conquistando o PD as pastas mais importantes. No
dia 10 de junho, o diretório central do PD se reuniu, decidindo na ocasião
elaborar um anteprojeto de programa a ser adotado pelo governo que viesse
substituir o Governo Provisório de Vargas. Rao foi o relator-geral desse
anteprojeto, que seria assinado ainda por José Adriano Marrey Júnior, Cardoso
de Melo Neto, Henrique Bayma e Vicente Pinheiro. O documento preconizava
eleições indiretas para presidente da República, governador e senador. O Senado
passaria a denominar-se Conselho Federal, e o voto direto só seria concedido
para os cargos de prefeitos municipais, vereadores, deputados estaduais e
federais.
A Revolução Constitucionalista
Desde o início de 1932, vinham-se preparando em São Paulo os
planos para um levante armado contra o governo federal. A partir da formação da
FUP, tais preparativos se intensificaram, unindo os líderes dessa organização e
os setores militares chefiados, pelo coronel Euclides Figueiredo e pelo general
Isidoro Dias Lopes, que, em abril de 1931, se demitira do comando da 2ª Região
Militar.
Em
9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista. Toledo
solicitou demissão da interventoria, sendo aclamado governador do estado e
mantendo-se à frente do Executivo paulista durante a luta. No dia 2 de outubro,
foi assinado o armistício que selou a derrota dos revolucionários. No dia 4, o
general Valdomiro Lima assumiu a interventoria em São Paulo, sendo os líderes
democráticos em sua maioria exilados.
Vicente Rao exilou-se na França, freqüentando em Paris o
curso de direito público comparado, então dirigido na Sorbonne pelo professor
Mirkine Gretzevitch, autor da obra Novas tendências do direito constitucional,
cuja tradução em língua portuguesa prefaciou. Voltou ao Brasil em fins de 1933
e organizou, na Faculdade de Direito de São Paulo, um curso de extensão
universitária, no qual estudou a “normalidade constitucional ou democracia e a
patologia constitucional ou ditaduras”. No ano seguinte, publicou Novas formas
de organização política, obra resultante das aulas que proferiu naquele curso.
Retomando
suas atividades políticas, Vicente Rao participou da formação do Partido
Constitucionalista de São Paulo, fundado em 24 de fevereiro de 1934 por
iniciativa de Armando de Sales Oliveira, que assumira a interventoria paulista
em agosto de 1933. A nova agremiação reunia integrantes do PD e uma ala
dissidente do PRP, comprometendo-se a desenvolver uma linha de pacificação com
o governo central.
No Ministério da Justiça
Promulgada a nova Constituição brasileira em 16 de julho de
1934 e eleito Getúlio Vargas para a presidência da República no dia seguinte, o
Partido Constitucionalista indicou Vicente Rao para a pasta da Justiça e
Negócios Interiores do novo ministério, cargo no qual foi empossado no dia 24
daquele mês. O partido obteria ainda a nomeação de José Carlos de Macedo Soares
para a pasta das Relações Exteriores. Ainda em 1934, Rao participou da fundação
da Universidade de São Paulo (USP), sendo um dos autores de seus estatutos.
Tornou-se também catedrático de teoria geral do Estado do curso de doutorado da
Faculdade de Direito dessa universidade.
Vicente
Rao foi o responsável pela elaboração da Lei de Segurança Nacional, que seria
sancionada em 4 de abril de 1935. Incorriam nos dispositivos da nova lei todos
os que tentassem o recurso da força como meio de acesso ao poder, que
estimulassem manifestações de indisciplina entre as forças armadas, que
atentassem contra a vida de pessoas por motivos de ordem ideológica ou
doutrinária e que tentassem executar planos de desorganização dos serviços
urbanos e dos sistemas de abastecimento. A lei estabelecia sanções para jornais
e emissoras de rádio que veiculassem matérias consideradas subversivas, previa
a cassação de patentes de oficiais das forças armadas cujo comportamento fosse
considerado incompatível com a disciplina militar e autorizava o chefe de
polícia a fechar entidades sindicais suspeitas.
No
dia 10 de abril, a Assembléia Constituinte de São Paulo, eleita em outubro do
ano anterior e composta por uma maioria de representantes do Partido
Constitucionalista, elegeu Armando Sales governador constitucional do estado.
Ainda em abril, Vicente Rao representou Getúlio Vargas na posse de Armando Sales.
Rao foi também o responsável pelo fechamento da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), que se seguiu ao pronunciamento, em 5 de julho de
1935, de Luís Carlos Prestes, líder daquele movimento. Nessa ocasião, Prestes
radicalizou o compromisso político-revolucionário da ANL, conclamando a
organização a tomar o poder. Determinando o fechamento da entidade por decreto
de 11 de julho, o ministro da Justiça alegou ter provas do caráter comunista da
mesma e de suas ligações com a III Internacional.
No
segundo semestre de 1935, Vicente Rao interveio diretamente no processo de
escolha do governador do estado do Rio de Janeiro. A Coligação Radical
Socialista (CRS), que congregava o Partido Popular Radical (PPR) e o Partido
Socialista Fluminense (PSF), escolhera como candidato ao governo estadual o
radical Raul Fernandes, que disputaria as eleições com o general Cristóvão
Barcelos, candidato da União Progressista Fluminense (UPF). Entretanto, os
socialistas voltaram atrás e não aceitaram a candidatura de Raul Fernandes. Rao
participou das negociações que levaram a CRS a escolher o vice-almirante
Protógenes Guimarães — ministro da Marinha e deputado federal eleito na legenda
do PPR em outubro de 1934 — como seu novo candidato ao governo estadual. Nas
eleições realizadas em 25 de setembro de 1935, Protógenes derrotou o candidato
da UPF por apenas um voto de diferença. A UPF obteve a anulação do pleito em 7
de novembro, sob a alegação de que este fora realizado num clima de violência
que resultara num ferimento a bala no próprio general Barcelos. Novas eleições
foram realizadas no dia 12, confirmando a vitória do candidato da CRS, que era
apoiado por Vicente Rao.
Com
o malogro do levante promovido pela ANL e os comunistas durante o mês de
novembro em Natal (dia 23), em Recife (dia 24) e no Rio de Janeiro (dia 27),
intensificou-se a repressão aos opositores do governo. Sob orientação de Rao,
elaborou-se toda uma legislação repressiva que iria vigorar ainda no final de
1935. No dia 25 de novembro, o Congresso Nacional aprovou a decretação do
estado de sítio em todo o território nacional por 30 dias. Em 12 de dezembro,
foram aprovadas diversas modificações na Lei de Segurança Nacional, acentuando
ainda mais seus rigores.
Em janeiro de 1936, Rao criou a Comissão Nacional de Repressão
ao Comunismo, que seria dirigida pelo deputado Adalberto Correia. Esse órgão
tinha por incumbência investigar, de forma sumária, a participação das pessoas
em atos ou crimes contra as instituições políticas e sociais, sugerindo ao
governo a instauração de processos administrativos ou judiciários, ou ainda a
aplicação de outras penas que incidissem na área de competência do Poder
Executivo. A comissão estenderia sua ação por todo o território nacional,
tentando organizar um plano de uniformização das medidas de repressão ao
comunismo. Poderia também propor a prisão de qualquer pessoa cuja atividade
fosse considerada prejudicial às instituições, além de medidas destinadas a
evitar a “propaganda de idéias subversivas” pela imprensa, pela palavra ou
através de publicações de qualquer natureza.
A
primeira medida tomada por esse órgão foi requerer, em fevereiro de 1936, a
prisão de Pedro Ernesto Batista, então prefeito do Distrito Federal, do coronel
Filipe Moreira Lima, do jornalista Maurício de Lacerda, do educador Anísio
Teixeira, de Elieser Magalhães, de Luís Gonzaga Lins de Barros e de Odilon
Batista. Em 21 de março do mesmo ano, foram detidos, por ordem de Rao, os
deputados Domingos Velasco, Abguar Bastos, João Mangabeira e Otávio da
Silveira, bem como o senador Abel Chermont. Esses parlamentares, membros do
Grupo Parlamentar Pró-Liberdades Populares, vinham-se posicionando contra as
medidas extraconstitucionais tomadas pelo governo federal e denunciando as
arbitrariedades e violências cometidas pela repressão anticomunista.
Em
23 de março, Rao defendeu a decretação, pelo governo, do estado de guerra por
90 dias e, de 26 a 30 do mesmo mês, participou juntamente com Filinto Müller,
chefe de polícia do Distrito Federal, de uma reunião extraordinária da Comissão
de Inquérito do Senado na qual tentou justificar a necessidade das medidas
repressivas. Em maio, encaminhou ao Congresso uma mensagem e um projeto de
decreto para justificar as prisões dos parlamentares e pedir a suspensão de
suas imunidades. Em 7 de julho, o projeto foi aprovado por 190 votos contra 59.
Durante
sua atuação como ministro da Justiça, Vicente Rao presidiu ainda a comissão que
elaborou o projeto de códigos de processo civil, processo criminal e
organização judicial do Distrito Federal. Ainda em 1936, realizou um ciclo de
conferências sobre direito político na Escola do Estado-Maior do Exército.
No dia 31 de dezembro desse mesmo ano, pediu exoneração do
Ministério da Justiça, deixando-o efetivamente em 7 de janeiro de 1937, quando
foi substituído em caráter interino pelo então ministro do Trabalho Agamenon
Magalhães. Tal decisão foi tomada em solidariedade a Armando Sales, que, em
dezembro do ano anterior, renunciara a seu cargo de governador de São Paulo
visando disputar a presidência da República no quadriênio 1938-1942. Armando
Sales iniciou sua campanha eleitoral, em julho de 1937, tendo como principal
adversário José Américo de Almeida, cuja candidatura era oficiosamente apoiada
por Getúlio Vargas.
Vicente Rao regressou a São Paulo, onde prosseguiu em suas
atividades como advogado e professor da Faculdade de Direito da USP.
Com
a decretação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, Vicente Rao começou a
sofrer perseguições políticas. Em 13 de janeiro de 1939, foi demitido de seu
cargo de professor da Faculdade de Direito, o mesmo acontecendo a Valdemar
Ferreira e a Antônio de Sampaio Dória, por se haverem manifestado contra o novo
regime. Rao só voltaria ao cargo em maio de 1941.
Em 1949, participou da direção da Companhia Imóveis e
Construção, da Fiação Camanducaia e da Fiatex. Foi, ainda, membro do conselho
fiscal da Companhia de Seguros Piratininga, da Metalúrgica Matarazzo, da Fiação
de São Paulo e da Aduaneira Sul-Americana. No ano seguinte, participou, na
qualidade de delegado do Brasil, da V Assembléia Geral das Nações Unidas. Único
jurista da delegação brasileira, integrou diversas comissões da assembléia,
sendo autor de intervenções na Comissão de Tutela e na Comissão Política.
No Ministério das Relações Exteriores
Durante
o segundo governo de Vargas, iniciado em janeiro de 1951, Vicente Rao retornou
à vida pública. Nos meses de junho e julho de 1953, Vargas empreendeu uma
reforma em seu ministério civil e, nessa ocasião, convidou Vicente Rao para
assumir a pasta das Relações Exteriores, em substituição a João Neves da
Fontoura. Empossado no cargo em 1º de julho, o novo chanceler figurou como um
dos signatários da Lei nº 2.004, de 3 de outubro daquele ano, que estabeleceu o
monopólio estatal da pesquisa, lavra, refinação e transporte do petróleo e
propiciou a criação da Petrobras.
Durante
sua gestão no Ministério das Relações Exteriores, Rao resolveu o problema do
reconhecimento da competência da Organização dos Estados Americanos (OEA) para
a solução dos conflitos surgidos na América Latina, realizou uma reunião de
todos os embaixadores brasileiros nas Américas para o estudo conjunto dos
problemas continentais e, em 1954, chefiou a delegação brasileira à X
Conferência Interamericana, em Caracas, na Venezuela, tornando-se ainda o
presidente da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos.
Com a morte de Vargas, em 24 de agosto de 1954, deixou o seu
cargo no ministério, voltando a residir em São Paulo.
Em 1969, tornou-se presidente, na categoria de embaixador, da
Comissão Jurídica Interamericana, cargo que exerceria até 1973. Durante esse
período, ocupou-se das questões do terrorismo, do direito de asilo, do mar
territorial e da consolidação das leis internacionais, entre outros assuntos.
Obteve os títulos acadêmicos de professor emérito da USP e de doutor honoris
causa pela Faculdade de Direito da Universidade de Nancy, na França.
Vicente Rao foi membro do Instituto de Direito Comparado de
Paris, do Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional — órgão
cuja consultoria jurídica exerceu em 1975 —, da Academia Nacional de Direito e
da Academia Paulista de Direito. Foi, ainda, membro do Corpo de Árbitros da
ONU. Na empresa privada, foi ainda membro do conselho administrativo da Light —
Serviços de Eletricidade, do conselho fiscal da Mercedes Benz do Brasil e do
conselho do condomínio acionário as Emissoras e Diários Associados. Atuou
também na imprensa como redator do Jornal do Comércio, de São Paulo.
Faleceu em São Paulo no dia 19 de janeiro de 1978.
Foi casado com Ana Apodias Rao.
Publicou as seguintes obras: Da capacidade civil da mulher
casada; estudo teórico-prático segundo o Código Civil Brasileiro (1922), Posse
dos direitos pessoais, segundo o Código Civil Brasileiro (1927), Direito de
família dos sovietes; contendo o código de leis do casamento, da família e da
tutela (1931, 2ª ed. 1932), Novas formas de organização política (1934), A
incorporação dos bens de Henrique Laje ao patrimônio nacional (em colaboração
com C. A. Dunshee de Abranches, 1951), O direito e a vida dos direitos (3v.,
1952), Estranha e brutal investida contra uma das mais notáveis obras de
beneficência do país (em colaboração com Breno Caramuru Teixeira, 1959), Ato
jurídico: noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais; o problema do
conflito entre os elementos volitivos e declaração (1961), Ilegalidade e
inconstitucionalidade da desapropriação da Cia. Paulista de Estradas de Ferro
(1961), As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo
(2v., 1966), Direito da mulher casada sobre o produto de seu trabalho e O
Código Civil amplia a posse dos direitos pessoais?
Vilma Keller
FONTES: ARAÚJO, A.
Chefes; ARQ. NAC. Relação; CALMON, P. História; CARNEIRO, G. História; CARONE,
E. República nova; Cidade do Ceará; COHN, G. Petróleo; Correio Brasiliense;
COUTINHO, A. Brasil; DULLES, J. Getúlio; Efemérides Paulistas (1963); FED. ESC.
ISOLADAS DO EST. RJ. Ministros; FICHÁRIO PESQ. M. AMORIM; FIGUEIREDO, E.
Contribuição; Folha de S. Paulo (20/1/71); FONTOURA, J. Memórias; Grande encic.
Delta; HIRSCHOWICZ, E. Contemporâneos (1949); INST. NAC. LIVRO. Índice; JARDIM,
R. Aventura; Jornal do Brasil (20/1/78); LEITE, A. História; LEITE, A.
Memórias; LEVINE, R. Vargas; MACHADO, F. Últimos; MELO, L. Dic.; NOGUEIRA
FILHO, P. Ideais; PEIXOTO, A. Getúlio; Personalidades; RICHARD NETO, G. Homens;
SILVA, H. 1931; SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; SILVA, H. 1954;
SILVA, R. Bacharéis; SOC. BRAS. EXPANSÃO COMERCIAL. Quem; Súmulas; Who’s who in
Brazil.