ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE)
A
criação da Associação Brasileira de Educação em 16 de outubro de 1924 foi um
acontecimento que veio a ter importância fundamental para o direcionamento das
mudanças que se fizeram no sistema educacional escolar na segunda metade da
década de 1920 e, principalmente, na primeira metade da década seguinte. Até
aquela data, o debate sobre as questões educacionais se restringia quase que
exclusivamente, ao interior do Estado. Depois dela, passou a existir um espaço
na sociedade civil onde se discutiam as políticas educacionais elaboradas pelo
Estado e se elaboravam sugestões.
A
ABE era uma sociedade civil, de adesão voluntária, que reunia professores e
interessados em educação, fossem jornalistas, políticos, escritores ou
funcionários públicos. Fora do Rio de Janeiro, onde se localizava sua sede, a
filiação à entidade se fazia por meio das seções regionais que gozavam da mais
ampla autonomia. A atuação da associação se dava por meio de encontros onde se
discutiam temas de educação, de cursos, de publicações, de pesquisas, e,
principalmente, por meio de conferências ou congressos nacionais de educação
que abordavam temas específicos. As conferências e congressos promovidos pela
ABE foram os seguintes: I Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1927),
que discutiu o ensino primário, a formação de professores etc.; II
Conferência Nacional de Educação (Belo Horizonte, 1928), com os temas educação
política, sanitária, agrícola, doméstica, ensino secundário etc.; III Conferência
Nacional de Educação (São Paulo, 1929), sobre ensino primário, ensino
secundário, ensino profissional, organização universitária etc.; IV Conferência
Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1931): grandes diretrizes para a educação
popular; V Conferência Nacional de Educação (Niterói, 1932-1933): sugestões à
Assembléia Constituinte; VI Conferência Nacional de Educação (Fortaleza,
1934): educação pré-escolar etc.; VII Congresso Nacional de Educação (Rio de
Janeiro, 1935): educação física; VIII Congresso Nacional de Educação (Goiânia,
1942): ensino primário etc.; IX Congresso Brasileiro de Educação (Rio de
Janeiro, 1945): educação democrática; X Conferência Nacional de Educação (Rio
de Janeiro, 1950): poder do Estado e instituições de ensino; XI Conferência
Nacional de Educação (Curitiba, 1954): divulgação das Nações Unidas e
financiamento do ensino.
Durante
o período 1924-1935 a ABE serviu de centro de debates das reformas que se
faziam no campo educacional, tanto no âmbito estadual quanto no federal,
destacando-se a reforma João Luís Alves/Rocha Vaz, do ensino secundário e
superior, de 1925; a criação do Ministério da Educação, em 1930; o Estatuto das
Universidades Brasileiras, em 1931; a Lei Orgânica do Ensino Secundário em 1931
e a autorização para o ensino religioso nas escolas públicas, também em 1931.
Foi nesse período que se realizaram reformas dos ensinos primário e secundário
e dos ensinos normal e técnico-profissional no Distrito Federal (1928 e 1932) e
em Minas Gerais (1927). O ponto culminante da atuação da ABE no período foi a
elaboração do Manifesto dos pioneiros da educação nova, logo após a
conferência de 1932, defendendo a democratização da educação escolar e a
modernização dos métodos pedagógicos. As idéias dos signatários do manifesto,
hegemônicas no âmbito da ABE, compuseram-se com as do movimento católico
leigo, seu principal oponente, para a apresentação de uma sugestão unificada à
Assembléia Constituinte. A sugestão foi adotada, transformando-se no capítulo
sobre educação e cultura da Constituição que veio a ser promulgada em 1934.
As atividades da ABE reduziram-se muito
quando a radicalização das lutas políticas em 1935 e a forte repressão movida
pelo governo contra os educadores liberais culminaram com a demissão de Anísio
Teixeira da Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, acompanhando a
queda do prefeito Pedro Ernesto. Depois da conferência de 1935, só veio a ser
realizada outra em 1942. A seguinte, de 1945, estando já adiantado o processo
de deteriora ção do Estado Novo, foi um brado contra a política educacional
autoritária desenvolvida por Gustavo Capanema, o ministro da Educação de
Getúlio Vargas durante quase todo o seu governo. Os congressos seguintes,
bastante espaçados (1950 e 1954), em nada faziam lembrar os tempos iniciais da
ABE. Depois de 1945, os educadores já não estavam impedidos de discutir suas
posições, mas estavam integrados na burocracia do Estado ou faziam parte de
outras instituições da sociedade civil que, sem reunirem profissionais da
educação escolar, tomaram da ABE a bandeira da luta pela democratização do
ensino. Foi assim que sindicatos, associações profissionais, instituições
religiosas e partidos políticos tomaram a si a luta em torno das diretrizes e
bases da educação nacional, na qual a ABE - sua promotora desde a década de
1920 - desempenhou papel secundário.
Depois
da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em dezembro
de 1961, a ABE não desempenhou nenhum papel relevante na discussão e formulação
de políticas educacionais no Brasil, embora continuasse a existir formalmente.
Após o movimento
político-militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart
(1961-1964), foi sancionado o Decreto nº 54.999, de 13 de novembro daquele ano,
determinando a realização anual de uma conferência nacional de educação, a ser
convocada pelo governo federal e presidida pelo ministro da Educação. Tal
medida contribuiu para acelerar o processo de esvaziamento dos eventos
congêneres promovidos pela ABE, já que as conferências realizadas por
iniciativa do Ministério da Educação e Cultura (MEC) congregaram altos
funcionários da pasta, dirigentes de escolas, membros do Conselho Federal de
Educação, secretários de Educação e um representante de cada Conselho Estadual
de Educação, representantes do governo de cada território federal, além do
presidente da ABE e de associações de profissionais ligados ao ensino.
De qualquer modo, a
ABE realizou dois congressos voltados para o debate da questão educacional,
ambos em 1967: o XIII Congresso Nacional de Educação, cujo tema foi Educação
para o Progresso Científico e Tecnológico contou com o patrocínio do governo do
estado da Guanabara e dos ministérios da Educação e Cultura, de Relações
Exteriores, do Trabalho, da Aeronáutica, do Planejamento e da Indústria e
Comércio; e o I Congresso Brasileiro de Áudio-Visuais.
Enquanto o MEC passou
a exercer um controle mais direto sobre as orientações da política educacional,
outra entidade civil, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), passou
a exercer o papel que historicamente a ABE havia desempenhado no âmbito do
debate educacional junto à sociedade. Em outubro de 1968, o IPÊS organizou um
amplo fórum de debates sobre “a educação que nos convém”, reunindo empresários,
militares, profissionais liberais, intelectuais e quadros do MEC. Dessa forma,
a atuação da ABE no âmbito do debate e da formulação de sugestões para a
política educacional ficou cada vez mais limitada.
Ao longo das décadas posteriores (de 1970 a 1990), a ABE
continuou a promover eventos como palestras, cursos e sessões solenes em
homenagem a educadores brasileiros consagrados, alcançando, no entanto, pouca
repercussão na sociedade civil e mesmo no meio pedagógico. Paralelamente,
atuou junto a outras entidades como a Confederação Mundial das Organizações de
Profissionais do Ensino (CMOP) e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana (CDDPH), vinculado ao Ministério da Justiça.
Nesse período, a ABE passou a funcionar também como um
centro de documentação e de preservação da memória da própria entidade e da
atuação de seus sócios mais proeminentes. Seu arquivo foi montado para oferecer
aos interessados na história da educação brasileira o acesso a fontes
diversificadas, como os registros das conferências nacionais de educação, as
atas das reuniões do conselho diretor e das assembléias gerais, os boletins e
periódicos da ABE publicados desde o ano da fundação até os dias atuais. Além
destes, o acervo documental da ABE reuniu fotografias, fitas K-7, correspondências
enviadas e recebidas, livros da antiga biblioteca da entidade e outros
registros. Segundo depoimento de Arlete Pinto de Oliveira e Silva, sócia
responsável pelo arquivo da ABE, o seu funcionamento durante estas três décadas
tem sido garantido pelo apoio voluntário de seus sócios.
Libânia Xavier/Luís Antônio Cunha
colaboração especial
FONTES: CUNHA, L. Organização; INF. ARLETE PINTO
DE OLIVEIRA E SILVA.