BANCO
DO BRASIL
Em
Portugal, o primeiro a compreender as vastas possibilidades de extrair
vantagens para o Estado através dos mecanismos de crédito bancário foi o
italiano Domingos Vandelli, que lecionara filosofia em Coimbra, a convite de
Pombal. Lançada a semente, ela viria germinar em solo brasileiro em
decorrência da transmigração da monarquia. Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, um
ilustrado típico, sugeriu em 1808 a fundação do Banco do Brasil, o qual teria
por objetivo facilitar "os meios e os recursos de que as rendas reais e as
públicas necessitarem para ocorrer às despesas do Estado" (alvará de 12 de
outubro de 1808).
O primeiro Banco do Brasil
Instituído
intencionalmente como organização comercial autônoma, o banco contava com a
captação de recursos privados para dar início às atividades. Suas ações,
entretanto, foram dificilmente subscritas, vendo-se o governo na contingência
de cumular os acionistas de favores para que, ao final de um ano, pudesse
arrecadar a parcela mínima de capital necessário à sua instalação.
As
notas emitidas pelo banco circulavam no Rio de Janeiro e as suas emissões
cobriam os déficits orçamentários provocados pela manutenção de uma corte
numerosa e pela política externa expansionista de dom João VI. A instituição
era ainda jovem quando, do exílio, o jornalista Hipólito da Costa prenunciava:
"O Real Erário muito tem exigido do Banco do Brasil obrigando-o a
operações muito superiores às suas forças, pondo-o em circunstâncias de faltar
a seu crédito." O favorecimento da monarquia atraia os subscritores, que
estavam regionalmente assim distribuídos: do total de 1.380 ações negociadas,
o Rio de Janeiro retinha 57%, na Bahia havia 15 %, em Minas Gerais 8% e em São
Paulo 5 %. A degeneração das notas em papel-moeda inconversível não chegava a
preocupar os acionistas, para os quais a situação do banco era altamente
rendosa. A distribuição de dividendos era generosa, pois estes eram calculados
sobre os juros pagos pelo volume dos empréstimos concedidos, mais 5% sobre o
fundo de reserva. Ora, o Estado era o maior cliente e solicitava sempre novas
emissões para cobrir suas próprias necessidades e compromissos com o banco, o
que tornava fácil a política de agraciamento dos acionistas, em detrimento dos
portadores das notas, isto é, do público em geral. Em 1817, o total dos
descontos particulares montava apenas seiscentos mil réis, enquanto o Estado
devia perto de sete mil contos de réis, o que bem traduz a política de
desinteresse em oferecer crédito à iniciativa privada.
A
ampliação do raio de ação do Banco do Brasil com a autorização para organizar
filiais em outras cidades do reino deve ser entendida como uma procura de
acionistas e clientes em regiões com potencial financeiro. Tanto é assim, que
logo após haver entrado em funcionamento a Caixa de Descontos de Salvador, em
1818, foi regulamentada a filial de São Paulo, que iniciou as atividades em
1820. Ficava patenteado que na Bahia, mesmo tardiamente, o banco procurava
participar da euforia dos preços do açúcar e, em São Paulo, alimentava certa
expectativa no sentido de sorver os excedentes monetários metálicos. A filial
de Pernambuco não chegou a funcionar porque os revolucionários de 1817
queimaram as notas remetidas do Rio de Janeiro para dar início às operações da
caixa. A monarquia pretendeu criar uma "carteira" do banco em Minas
Gerais para a compra de ouro e prata através de bilhetes de emissão especial.
Os mineiros não se deixaram enganar com essa operação e a "carteira"
não teve movimento. "Era um plano organizado para desapossar Minas da
circulação das reservas metálicas e trocar esse sangue pela água rala dos
papéis impressos, sem nenhuma garantia", como disse Afonso Arinos.
Com
essas medidas, o governo pretendia aparelhar o banco para preparar o lastro da
viagem de dom João VI a Lisboa. O público, pressentindo a manobra, apressou-se
em converter as suas notas em ouro, mas encontrou a cavalaria nas portas do
banco para impedir o resgate. No Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, onde quer
que circulassem os bilhetes do banco, os metais preciosos desapareceram. O
ouro se evadia no contrabando, na compra de escravos, nas importações britânicas.
A volta de dom João VI a Portugal em 1821, levando consigo as reservas
metálicas do banco, legou uma situação financeira alarmante para o herdeiro do
trono.
Com
um déficit superior a seis mil contos de reis, maior que seu capital e com um
lastro metálico que cobria apenas 20% do valor nominal de suas notas, o Banco
do Brasil tornou-se a instituição financeira de sustentação da Guerra de
Independência. O primeiro ministro da Fazenda do novo reino, Martim Francisco,
procurou garantir a sua solvabilidade utilizando-se de duas táticas: eliminar
os impostos criados para sustentar a remuneração dos acionistas e proibir
novas emissões, inclusive as destinadas ao pagamento dos dividendos. A
desobediência a essas determinações foi flagrante e partiu do próprio governo,
que continuou a sacar contra o banco e acabou por afastar o ministro. Essas
circunstâncias derivavam da incapacidade da receita arrecadada em cobrir as
despesas públicas e assegurar os gastos militares na consolidação da
Independência.
A
partir de 1824 a depreciação da moeda bancária se acentuou. O desempenho da
instituição passou a ser questionado pela oposição tão logo o Congresso foi
aberto. O antagonismo ao Banco do Brasil estava vinculado à luta contra o
absolutismo que se exercia através da instituição que o financiava. A classe
dominante de grandes proprietários e comerciantes, especialmente do Rio de
Janeiro, era conivente com o imperador e seu banco porque remunerava-se
regiamente enquanto portadora das ações, na medida que os juros dos empréstimos
ao Tesouro eram contabilizados como lucro. Lesada por essa artimanha era a
população, que a cada emissão via reduzir-se a capacidade de compra das notas
em carteira, a mesma população que com o pagamento de impostos contribuía para
o pagamento dos juros da dívida.
Em
1828 o banco estava contabilmente falido e o reconhecimento de sua falência
implicava reconhecer a insolvabilidade do Tesouro Nacional. O ágio dos metais
sobre as notas do banco chegava a 100% quanto ao ouro, 40% quanto à prata e 12%
quanto ao cobre. A oposição exigia a extinção imediata do Banco do Brasil. A
monarquia desejava uma reestruturação que não matasse sua galinha dos ovos de
papel. Demonstrando sua postura moderada, saiu vitoriosa do Parlamento a
posição de liquidação gradual (lei de 23 de setembro de 1929). Pouco tempo
depois começaram a surgir críticas contra a liquidação do primeiro Banco do
Brasil. Historiadores, até os nossos dias, são unânimes em opinar que a
economia não podia prescindir de um instituto regulador do crédito e o governo
de um aparelho auxiliar da administração que servisse de apoio às finanças
públicas e como elemento de equilíbrio do meio circulante.
O segundo Banco do Brasil
A
tentativa de reorganização do Banco do Brasil, em 1833, fora um fracasso em
virtude das fraudes ocorridas durante a extinção do primeiro banco, que ficaram
na memória dos investidores. A discussão sobre a conveniência de criar um novo
Banco do Brasil tomou grande fôlego em 1853, depois das palavras de dom Pedro
II perante a Assembléia Legislativa: "Recomendo-vos a criação de um banco
solidamente constituído, que dê atividade e expansão às operações do comércio e
da indústria. Nas circunstâncias que já nos achamos, semelhante instituição é
elemento indispensável de nossa organização econômica."
O
debate polarizou de um lado uma corrente que defendia a existência de um banco
emissor único, respaldada pelo visconde de Itaboraí, e, de outro, uma corrente
que sustentava a conveniência de coexistir uma pluralidade de bancos emissores
localizados nos centros de circulação monetária regionais, baseada na leitura
de Sousa Franco. O governo desejava impor seu poder de gestor da moeda,
atribuindo a um banco o monopólio de emissão. A formação gradativa do Estado
nacional, a partir de demonstrações sucessivas de força do poder central, não
podia dispensar o controle monetário. Os banqueiros privados, entretanto, não
estavam dispostos a se submeter facilmente à centralização na sua área de
atuação.
Era
fundamental que a fusão dos dois maiores bancos cariocas, o Comercial do Rio de
Janeiro e o Banco do Brasil, de Mauá, fosse promovida para criar o núcleo do
novo Banco do Brasil. Das 150.000 ações que deveriam ser subscritas, 80.000
ficaram asseguradas pelo capital social desses bancos. Das restantes, 40.000
foram reservadas para os acionistas das caixas filiais nas províncias e 30.000
se destinavam ao lançamento junto ao público.
Pela
Lei nº. 638, de 5 de julho de 1853, foi criado o segundo Banco do Brasil. Suas
operações básicas seriam as de depósitos, descontos e emissão de notas. O
presidente seria nomeado pelo imperador dentre os acionistas que tivessem mais
de 50 ações. A emissão deveria ser inferior ao dobro do fundo de capital, a não
ser que houvesse autorização especial do governo. O fantástico êxito no
lançamento dessas ações no Rio de Janeiro emergiu, entretanto, das peculiaridades
do momento histórico. A existência de capitais ociosos decorrentes da cessação
do tráfico negreiro, ao lado de determinações do Código Comercial sobre a
constituição de sociedades anônimas, atiçou o mercado. Os primeiros
subscritores negociavam os certificados de compra de ações do segundo Banco do
Brasil com larga margem de lucro no mercado secundário, dando continuidade à
febre de Bolsa que começara com o lançamento de empresas no início da década.
A
fusão compulsória do Banco Comercial do Rio de Janeiro com o Banco do Brasil de
Mauá desencadeou por outro lado uma reação de descontentamentos do setor
financeiro privado com o governo. Uma cisão inicial dera origem ao Banco
Hipotecário do Rio de Janeiro. Tirando partido das novas divergências entre os
interesses dos empresários e os objetivos do governo, Mauá organizou uma
sociedade bancária com o nome Mauá Mac-Gregor & Cia.
A
primeira diretoria do Banco do Brasil procurou pôr em prática seu plano de
guerra política monetária em nível nacional, tratando da instalação das caixas
filiais nas províncias. Com exceção da de Ouro Preto (MG), as demais caixas
resultaram da conversão das filiais do antigo Banco do Brasil de Mauá ou de
bancos existentes nas províncias. No Rio Grande, as moedas de ouro e prata
espanholas, que anteriormente circulavam, começaram a escassear, pelas mais
óbvias razões (entesouramento, recolhimento do banco e do fisco ou acerto de
contas com o comércio exterior) e estabeleceu-se um ágio, que variava de 4% a
10% na troca de moedas estrangeiras pelo papel-moeda do banco.
A
florescente província de São Paulo não podia deixar de merecer também a atenção
especial do Banco do Brasil. A caixa filial paulista entretanto não atendeu às
necessidades de financiamento para a expansão dos cafezais, caracterizando-se
apenas como um estabelecimento de depósitos, afastando os clientes mais ativos
- os comissários - por cobrarem taxas de desconto mais altas que as do Rio de
Janeiro. Somente em 1856 começou a funcionar a caixa de Salvador, trazendo
insatisfação para os acionistas, que se sentiram alijados do processo
decisório, já que as determinações de condução do banco provinham do Rio de
Janeiro. Também em 1856 a caixa filial de Pernambuco iniciou suas atividades.
A respeito das últimas caixas filiais a entrarem em funcionamento, a do
Maranhão e do Pará, pouco se conhece.
Gradativamente,
os inconvenientes da intervenção direta do Banco do Brasil na vida econômica e
financeira das diferentes áreas de circulação monetária foram ficando mais evidentes
do que as projetadas vantagens do monopólio de que gozava. A intervenção do
poder central se operava a partir de inferências que refletiam a vida
financeira da corte, em detrimento das reais necessidades dos outros circuitos
comerciais. Apenas quatro meses depois de instalado, o banco solicitava
autorização para emitir o dobro do fundo disponível, alegando uma afluência
excessiva de notas para troca - provocada pelas remessas para o Nordeste -
que, ao reduzir as garantias reais, rompia com a relação entre elas e a
emissão. Em abril do ano seguinte a emissão ultrapassou até o novo limite
autorizado e, desfalcado de metais para troco, o banco viu tremerem suas bases
durante a crise de 1857.
Pluralidade de emissão bancária
Em
maio de 1857, assumiu a pasta da Fazenda Sousa Franco, um liberal para quem o
crédito bancário devia estar subordinado às necessidades do comércio local,
opondo-se por isso ao monopólio do Banco do Brasil.
Assim, Sousa Franco realizou uma reforma através da qual autorizou cinco novas
instituições bancárias regionais e lhes concedeu direito de emissão.
Nesse
ínterim, eclodiu no Brasil a crise de 1857. Inicialmente, a orientação adotada
pela diretoria do Banco do Brasil foi retrair o crédito e procurar reembolsar
em ouro os portadores de notas que solicitavam metal para enviar às praças
estrangeiras. Exauriam-se os cofres do estabelecimento para atender aos
pagamentos forçados de recâmbio. No estouro da corrida, os agentes nacionais
foram os primeiros que se viram afetados pelas pressões exercidas pelas casas
bancárias e bancos. A direção do banco reconheceu sua incapacidade de
compatibilizar os interesses do comércio interno e externo, e recorreu ao
Estado solicitando elevar a emissão ao quádruplo do valor das disponibilidades
e garantias reais, o que foi concedido. O ministro da Fazenda, entretanto, foi
obrigado a apelar para a casa bancária Mauá Mac-Gregor, em março de 1858, para
sustentar o câmbio, já que a diretoria do Banco do Brasil se recusara a
fazê-lo, como revide à perda de exclusividade de emissões.
A contra-reforma e a lei de 1860
A
administração de Sousa Franco foi fortemente criticada por Sales Torres Homem
por ter tentado acabar com a unidade bancária e a exclusividade do direito de
emissão. Em fins de 1858, ele foi nomeado ministro da Fazenda, substituindo seu
adversário. Em 15 de junho propôs uma nova lei bancária na qual previa a
conversibilidade das notas do Banco do Brasil e a proibição de novas emissões
pelos demais bancos autorizados, que deveriam receber um inspetor do governo.
O debate foi caloroso e o gabinete teve que renunciar em 1859.
A
proposta de Torres Homem foi emendada por Silva Ferraz, no ano seguinte,
mantendo-se grandes restrições ao funcionamento dos bancos. Foi estabelecido
que a emissão do Banco do Brasil não podia exceder o dobro do fundo disponível.
Como resultado da lei de 1860, o banco viu-se em dificuldades contínuas para
manter a relação entre a emissão e o fundo, além de defrontar-se com a redução
dos lucros, ameaçado mesmo de liquidação.
O
Decreto nº. 2.970, de 7 de setembro de 1862, aprovou a fusão do Banco do Brasil
com o Banco Comercial e Agrícola e o Banco Rural e Hipotecário. A fusão previa
que os dois bancos menores transfeririam seu direito de emissão ao Banco do
Brasil. Em 1864 começou uma crise comercial profunda, provavelmente resultado
da política monetária restritiva da lei de 1860. O pânico começou depois que a
Casa A. J. Alves Souto & Cia suspendeu seus pagamentos. O Banco do Brasil
estava carregado de títulos desta casa bancária. O governo autorizou o banco a
emitir um montante superior ao dobro do fundo disponível e a suspender a
conversão das notas em metal que foram transformadas em notas legais. Apesar de
superada a crise, o banco encontrava-se numa situação crítica.
A reforma do Banco do Brasil em 1866
Em
1866, o ministro da Fazenda elaborou uma proposta legislativa para atingir a
conversabilidade das notas do banco, que causou atritos. Uma proposta
diferente foi apresentada, tendo como ponto fundamental a suspensão das emissões
do Banco do Brasil. A instituição dedicar-se-ia exclusivamente a operações de
redesconto, depósitos e hipotecas, e começaria imediatamente a resgatar anualmente
5% de sua emissão em circulação. As notas em circulação teriam cunho de moeda
legal até serem totalmente resgatadas.
Em
1870, o Brasil possuía um sistema bancário no qual o Banco do Brasil tinha
papel de destaque. Depois da reforma de 1866, o banco deixara em parte de
financiar atividades comerciais. O propósito da reforma era convertê-lo em um
instrumento de crédito à lavoura, cujas atividades começaram em 1867 com
operações sobre hipotecas e penhor agrícola, cujo prazo era geralmente de seis
anos e a taxa de juros de 8% ao ano. Essas hipotecas foram consideradas
onerosas. A maior parte das filiais foi liquidada e em 1880 somente existia a
de São Paulo. Os prazos da carteira de hipotecas eram muito curtos, as
condições muito pesadas e em caso de más colheitas podiam provocar a falência
de numerosas fazendas.
Uma
nova contração econômica começou a ocorrer em fins de 1874, porém com grande
impacto em 1875, e tudo parece indicar que só houve alguma recuperação em 1876.
No início de 1875 o pânico generalizado quase destruiu o sistema bancário
existente. O governo tomou medidas que beneficiaram alguns bancos e assim
impediu o alastramento das falências. O Banco do Brasil, o Banco Alemão e o
Banco Rural e Hipotecário foram os maiores beneficiados. O Tesouro julgou insuficientes
os recursos disponíveis para assistir todas as instituições. O visconde do Rio
Branco, ministro da Fazenda na ocasião, tomou medidas que foram incorporadas à
legislação em maio de 1875, mas foi seu substituto, o barão de Cotegipe, que as
executou. A conseqüência mais trágica do pânico de 1875 foi a falência do Banco
Mauá & Cia.
Em
7 de junho de 1888, o Partido Liberal assumiu o poder sob liderança do visconde
de Ouro Preto, que propôs a autorização para a criação de bancos de emissão. O
primeiro banco a se beneficiar da nova legislação foi o Banco do Brasil, que,
mesmo antes da publicação da nova lei, já havia alterado seu regulamento para
incluir a emissão de notas. Entretanto, ele era apenas um entre os 17 bancos
protegidos por Ouro Preto e encarregados de auxiliar a lavoura.
O Banco do Brasil no início da República
A
primeira legislação financeira elaborada por Rui Barbosa, o primeiro ministro
da Fazenda republicano, buscava satisfazer a expansão da indústria e das
atividades tradicionais da agricultura e comércio (decreto de 17 de janeiro de
1890). Essa reforma se caracterizou pela criação de bancos emissores
regionais. No Rio de Janeiro, esse banco seria o Banco dos Estados Unidos do
Brasil, o que atingiu profundamente os interesses dos dois bancos emissores da
praça: o Banco Nacional e o Banco do Brasil. O ministro da Fazenda, para
aplacar os ânimos, concedeu-lhes, em março, o direito de emitirem até o dobro
do lastro metálico de 25.000 contos sem obrigatoriedades de conversão. Logo em
dezembro (decreto de 7 de dezembro de 1890), Rui Barbosa determinou a fusão do
Banco Nacional do Brasil com o Banco dos Estados Unidos do Brasil, que tomou a
denominação de Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Com esse novo
estabelecimento, o Banco do Brasil perdeu a sua liderança.
Serzedelo
Correia, ministro da Fazenda de Floriano Peixoto, apelou para uma solução de
emergência, fundindo os dois principais bancos de emissão: o Banco da
República e o Banco do Brasil, sob o nome de Banco da República do Brasil.
Durante a operação ficou claro que o primeiro encontrava-se em situação de
insolvência e o segundo, próximo a ela. Em 1894, a pedido do novo presidente,
Prudente de Morais, Rodrigues Alves foi chamado ao Ministério da Fazenda.
Extinguiu a responsabilidade emissora do Banco da República do Brasil, fruto da
fusão realizada por Serzedelo Correia, passando este direito à União. Este ato
significou o fim dos bancos de emissão particulares. Aos poucos a orientação
econômica retomava os interesses da produção agrícola.
Este
período histórico culminou com a contra-reforma monetária de Joaquim Murtinho,
que seguia de forma estrita a teoria quantitativa da moeda e a execução da lei
do padrão-ouro de 1846. A política monetária devia ser orientada para manter a
relação entre o papel-moeda e o ouro, definida pela lei de 1846, através da
contração da renda monetária, com medidas austeras de contenção de crédito. A
conseqüência a curto prazo desta política foi uma crise bancária em 1900 que
quase destruiu o Banco da República do Brasil, que foi obrigado a suspender os
pagamentos. Neste ponto o Congresso concedeu um milhão de libras esterlinas
ao banco para ajudá-lo e ajudar às demais instituições do mercado monetário, e
o pânico foi controlado.
O Banco do Brasil atual
O
Banco do Brasil atual surgiu em 1905, quando uma crise bancária levou seu
predecessor direto, o Banco da República, à beira da falência. Devido à
importante posição que o Banco da República ocupava no sistema financeiro do
país e a seu papel semi-oficial como banqueiro do governo, o Tesouro federal
interveio para apoiá-lo. O banco reorganizado, agora chamado Banco do Brasil,
ficou sob controle direto da União. O Tesouro comprou aproximadamente 1/3 das
ações da nova instituição, o maior lote único de votos. Além disso, os novos
estatutos do banco autorizavam o presidente da República a nomear o presidente
do Banco do Brasil (o que já se fazia com o Banco da República) e um dos seus
quatro diretores. O governo federal gozava de grande influência no banco não
só por ser o seu maior cliente, mas também por ter poderes para conceder ou
negar privilégios especiais.
Embora
o Tesouro se tornasse o acionista majoritário apenas em 1923, quando comprou
ações adicionais, o Banco do Brasil já vinha atuando como uma instituição
pública desde a sua reorganização. Quando o governo federal assumiu o controle,
ele o fez com o objetivo de empregá-lo para estabilizar o câmbio. O Tesouro
depositou seus fundos no Banco do Brasil, que se tornou o único agente do
governo em transações com moeda estrangeira; o banco era o maior negociante
naquele lucrativo negócio e, desse modo, debilitava a dominação dos bancos
estrangeiros nas operações de câmbio. O ministro da Fazenda originariamente
pensara em vender 1/3 das ações aos europeus, e apenas a relutância destes
últimos fez com que o Banco do Brasil fosse inteiramente brasileiro.
O
banco mostrou-se apto para evitar pequenas oscilações no mil- réis, mas,
embora a taxa de câmbio permanecesse estável entre 1906 e 1914, tal ocorreu
graças à Caixa de Conversão e não ao Banco do Brasil. A caixa resistia
contra a tendência ascendente da moeda brasileira por meio da venda de notas
conversíveis a uma taxa estável abaixo do mercado. O Banco do Brasil mantinha
taxa idêntica e contribuía para esta estabilidade veiculando as compras e
vendas cambiais do Tesouro uniformemente durante o ano, evitando abundância ou
escassez periódicas. Quando a caixa cessou suas operações em 1914, pressionada
pela drenagem de ouro do Brasil para o exterior, o Banco do Brasil conseguiu
apenas amortecer as tendências de oscilações mais bruscas.
Afinal,
até 1923 o banco era uma empresa privada que precisava apresentar lucros e não
podia arcar com perdas consideráveis por meio da sustentação de uma taxa
marcadamente diferente da predominante. A situação do Tesouro era tal que, uma
vez iniciada a guerra, ele se recusava a prover o Banco do Brasil com fundos
especiais para manipular a taxa de câmbio, exceto em emergências extremas. O
banco conciliava os seus interesses com os do Tesouro nacional, obtendo bons
resultados em suas operações de câmbio (geralmente responsáveis por cerca de
20% do total de lucros).
Enquanto
banco comercial, o Banco do Brasil era concebido como "o regulador constante
e benéfico do crédito público". Não era entretanto um banco de
desenvolvimento: seu estatuto de 1905 proibia empréstimos ou descontos de prazo
de mais de seis meses, vetava qualquer redesconto e impedia a compra de ações
de outras companhias. Embora controlasse a Frota Mercante do Lóide Brasileiro
por um curto período, ele a havia herdado do Banco da República, razão por que
nunca operou com a maior frota mercante do Brasil e procurou ansiosamente
passar adiante este investimento.
Os
diretores do banco acreditavam que sua função não era tanto suprir capital, mas
regular a circulação. O banco corrigia freqüentemente a escassez de crédito,
bancando as taxas de juros, e oferecia subsídios ao café, durante o primeiro
programa de valorização, e à borracha, durante a crise de 1910. A orientação do
banco era sobretudo cautelosa e, quando a Primeira Guerra Mundial provocou uma
crise de liquidez, imediatamente reagiu, elevando a taxa de desconto e reduzindo
à metade suas operações, num comportamento mais conservador do que o de seus
concorrentes. No período de 1906-1913, os empréstimos do Banco do Brasil em
relação aos depósitos estavam abaixo de 0,7, enquanto os demais bancos
registravam uma relação acima de um. Apesar de ser um banco interestadual,
possuía apenas quatro filiais no país. O fato de o Banco do Brasil não haver
exercido um papel ativo no sentido de expandir sua rede de agências contribuiu
gravemente para emperrar o sistema.
Efeitos da Primeira Guerra Mundial sobre o Banco do
Brasil
A
Primeira Guerra Mundial ocasionou importantes mudanças no papel desempenhado
pelo Banco do Brasil na economia. O setor de exportação tradicional vacilava e
o fluxo de capital estrangeiro se interrompia. Como Cincinato Braga,
posteriormente presidente do Banco do Brasil, argumentou, "o Estado não
pode permanecer indiferente à desastrosa situação econômica do Brasil". O
governo federal foi encorajado a delegar novos poderes ao Banco do Brasil. A
fim de suavizar a escassez de crédito, o Congresso autorizou o Tesouro a
emprestar cem mil contos aos bancos em 1914. O banco recebeu a maior parte (22%),
mais do que o montante total de seus depósitos. Os recursos eram destinados a
empréstimos de curto prazo (inicialmente de seis meses, mais tarde prorrogados
para dois anos), a fim de evitar um desastre bancário e de facilitar as
transações comerciais.
No
ano seguinte, o Tesouro emitiu 350.000 contos, dos quais o Banco do Brasil
recebeu 50.000, para utilizar no redesconto. Tal fato consistia numa mudança
radical da política anterior, que via no redesconto uma possibilidade arriscada
e inflacionária. A fim de estimular a velocidade da moeda e, portanto, de
oferecer mais crédito de curto prazo para a agricultura, comércio e indústria,
o Congresso encorajou os redescontos do Banco do Brasil. Confirmava-se assim a
posição privilegiada do banco no sistema financeiro, por meio de operações de
mercado, e não através de poderes especiais legislados. Por volta de 1920, o
governo federal expandiria ainda mais suas atividades, consolidando quase
inteiramente a terceira valorização do café através do Banco do Brasil, que
lucrou mais do que nas valorizações anteriores. Assim, os anos de guerra
testemunharam o estreitamento dos laços entre o banco e o governo. Apesar
disto, o banco perdeu em importância relativa no sistema bancário: antes da
guerra controlava cerca de 25% de todos os depósitos; este percentual baixou
para 18% em 1914 e para 10% até 1921. Todavia, um forte programa de expansão
fez o número de suas agências crescer de quatro para 42 em 1919.
A década de 1920
Na
década de 1920, o Banco do Brasil não só recobrou, mas ultrapassou sua
importância anterior no sistema financeiro. Este sucesso resultou diretamente
do seu relacionamento com o governo federal. Em 1920, o banco foi autorizado a
abrir oficialmente uma carteira de redescontos a fim de redescontar títulos de
outros bancos. O diretor da carteira era escolhido pelo presidente da República
e suas atividades supervisionadas pelo ministro da Fazenda. Assim, o Banco do
Brasil recebeu um dos mais importantes atributos de um banco central e
tornou-se uma instituição mais segura aos olhos do público. O presidente do
Banco do Brasil, José Maria Whitaker, creditou o salto brusco do volume de
depósitos ao "imenso prestígio" da carteira. No ano seguinte esta
posição era acentuada pela Câmara de Compensação de Cheques, que naturalmente
melhorou bastante a posição comercial do banco.
Uma
vez que o Banco do Brasil concedia redescontos quadrimensais a juros de 6% a
outros bancos, estes podiam reduzir sua relação encaixe/depósitos e, portanto,
emprestar mais. Porém, o governo federal desencorajava o banco a conceder
empréstimos de longo prazo porque desejava que mantivesse um alto nível de
liquidez, a fim de poder emprestar ao próprio governo. Outra falha da carteira
consistia na sua atuação regionalmente concentrada: o Distrito Federal recebia
62% dos redescontos que, somados aos de São Paulo, atingiam 77%.
Em
1923, o presidente Artur Bernardes fechou a Carteira de Redescontos como parte
de uma grande reforma bancária, pretendendo remediar a ascendente taxa de inflação
e a queda precipitada do mil-réis. O banco continuou a dominar o mercado de
redesconto depois de 1923, apesar de não poder emitir notas especificamente
para este propósito. O banco ganhou com a reforma o monopólio da emissão de
moeda, servindo, em sentido limitado, como banco central entre 1923 e 1926.
Esta mudança era parte de uma onda internacional de esforços para voltar ao
padrão-ouro, donde o Banco do Brasil recebeu dez milhões para retirar as notas
inconversíveis do Tesouro de circulação e substituí-las por notas conversíveis,
quando a taxa de câmbio atingisse o par. Apesar de Bernardes desejar reduzir a
oferta de moeda, o presidente do Banco do Brasil, Cincinato Braga, emitiu, no
final de 1924, 25 % do total de moeda em circulação. Bernardes, ultrajado,
acusou Braga de desobediência a fim de conceder empréstimos a seus amigos
paulistas. O presidente do Banco do Brasil defendeu-se, sustentando que
garantia a liquidez da instituição, já que o Tesouro lhe devia quantia mais
alta e se recusava a pagar. Bernardes demitiu-o. Seu sucessor suspendeu as
emissões do banco.
Washington
Luís também posicionou o Banco do Brasil no centro de sua política econômica.
Embora tenha voltado a suspender o seu direito de emissão em 1926, encarava
tal procedimento como uma medida provisória, necessária até que a
conversibilidade do mil-réis fosse restabelecida. A orientação de Washington
Luís colocou o banco em uma posição extremamente controversa nos últimos dois
anos da Primeira República. Com o objetivo de manter a taxa de câmbio, o
presidente ordenou ao banco que se abstivesse de emprestar ao Instituto do Café
- que se encontrava em dificuldades financeiras - a fim de apoiar a defesa do
café e exigiu que reduzisse o crédito a pagar. Provocou assim uma recessão
antes ainda que os efeitos da depressão mundial atingissem o Brasil. Na
prática, o Banco do Brasil desviava o capital que se dirigia a São Paulo e
deslocava parcela substancial para o Rio, em apoio às notas conversíveis da
Caixa de Estabilização, com o fim de proteger o mil-réis. Tal política não
sustentou a moeda e ajudou a provocar a insatisfação que eclodiu na Revolução
de 30.
O Banco do Brasil durante a Revolução de 1930 e o
Governo Provisório
Um
dos primeiros atos praticados pelo ministro Whitaker foi acertar as contas do
Tesouro com o Banco do Brasil. Assim, o banco ficou com uma quantia livre de
libras e passou a utilizá-la para remessas ao estrangeiro, em cobertura a seus
saques, eliminando, por um período, a escassez de letras de exportação. Na
contabilidade do banco, essa operação foi lançada em caráter de venda, pelo
banco, ao Tesouro, das referidas libras, e pela compra imediata delas, pelo
primeiro, ao segundo. Logo depois, reconhecendo o caso de extrema necessidade,
foi autorizada uma emissão de emergência de notas do banco. Pelo Decreto nº.
19.423, de 19 de novembro de 1930, foi extinta a Caixa de Estabilização e suas
funções foram transferidas para o Banco do Brasil.
De
todas as formas o Governo Provisório buscou assegurar a posição do banco no
estrangeiro, onde diversas recusas de aceite e pagamento de cambiais de sua
emissão exigiam pagamento pronto. Restituiu-lhe a posição de centro do
sistema bancário, através da reabertura da Carteira de Redesconto, o que foi
muito bem recebido pelas associações comerciais, agrícolas e industriais do
país. Desta forma o governo procurava aliviar a pressão sobre os bancos
comerciais que mantinham altos encaixes, temerosos de que lhes faltasse
numerário para atender retiradas. Completando esta atuação, o governo criou a
Caixa de Mobilização Bancária (Decreto nº. 21.499, de 9 de junho de 1932), que
agia no sentido de solucionar o retraimento do crédito na medida em que
assegurava aos bancos condições de mobilidade de seus ativos e lhes permitia fazer
face aos compromissos assumidos e às necessidades gerais da economia. O
funcionamento da caixa demonstrou que ela agiu mais pela sua simples
existência, fortalecendo a confiança dos depositantes e evitando as corridas.
Já
era ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, quando o Banco do Brasil se tornou a
peça-chave na solução do grave problema econômico do café, através da execução
do plano de defesa permanente do convênio firmado pelos estados produtores. O
limite das operações da carteira de emissão e redesconto foi aumentado ao
quádruplo e foi admitido o redesconto, dentro deste importe, dos títulos
cambiais emitidos pelo Conselho Nacional do Café, incluindo-se entre eles os
que tivessem sido descontados pelo banco. Quando, em 1933, este conselho foi
extinto e foi criado o Departamento Nacional do Café, subordinado ao ministro
da Fazenda, o Banco do Brasil permaneceu desempenhando importante papel junto
a este órgão.
Em
1932, o Banco do Brasil acudiu ao governo com suas emissões para superar a
Revolução Constitucionalista de São Paulo e a seca de proporções devastadoras
que ocorreu no Nordeste. Impossibilitados de pagar os recursos captados no
exterior, os estados e municípios recorreram ao Banco do Brasil para saldar
suas dívidas. A seguir, foram financiados diretamente pelo banco, com garantia
do Tesouro Nacional.
A
Carteira de Câmbio do Banco do Brasil tornou-se o órgão exclusivo do controle
governamental, excluída a participação de representantes do setor privado
(Decreto n°. 20.695, de 20 de novembro de 193 ). O banco dispunha de monopólio
de compras de letras de importação, cujos fundos eram aplicados em remessas e
obrigações dos governos federal, estaduais, municipais e no pagamento de
importações, devidamente comprovadas pela fiscalização bancária.
O
Governo Provisório baixou um decreto (Decreto nº. 22.626, de 7 de abril de
1933) adotando normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos
praticados pela usura. A famosa Lei da Usura dispôs que seria vedado e punido o
ato de estipular taxas de juros superiores a 12% ao ano. Esta foi a medida que
mais marcou o sistema financeiro contemporâneo no Brasil.
A Carteira de Crédito Agrícola e Industrial
Uma
reforma da maior importância foi proposta na assembléia geral extraordinária
dos acionistas do Banco do Brasil, que se reuniu a 14 de novembro de 1936, na
qual o presidente justificava alterações nos estatutos para a criação da
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial. Um dos objetivos principais da nova
carteira era dar assistência creditícia à atividade agrícola ou agroindustrial
do país no período de entressafra, em que mais necessária se fazia a
assistência financeira e bancária para dar ao agricultor recursos em condições
satisfatórias de juros e de prazo.
O
crédito aos agricultores seria dado com as seguintes finalidades: a) aquisição
de meios de produção, sementes, adubos e matérias-primas para fins
industriais; b) aquisição de gado destinado à criação e melhora de rebanhos; c)
custeio de entressafra; d) aquisição de máquinas agrícolas ou de reprodutores;
e) reforma ou aperfeiçoamento de maquinaria. Os prazos variavam de um a três
anos, podendo, no caso de indústrias genuinamente nacionais, chegar a cinco
anos. Inicialmente o Banco do Brasil agiu cautelosamente na concessão desse
novo tipo de crédito, adotando uma pauta gradual, pela qual atendeu em primeiro
lugar às necessidades do crédito de custeio, deixando para depois o
atendimento às solicitações referentes ao crédito destinado ao melhoramento
mobiliário e ao crédito de longo prazo.
O impacto da Segunda Guerra Mundial
A
imediata providência tomada pelo governo, no primeiro momento de alarme, foi
admitir que a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil expandisse
moderadamente de início e depois acelerasse as suas operações. A alegação a
favor destas emissões, que se tornaram mais freqüentes naqueles anos, era a da
pressão das necessidades de crédito à produção, que devia ser ativada no
tocante a mercadorias que se tornavam mais imperiosas nos mercados externos.
Outra alegação, ligada à primeira, era a de pressão da necessidade de proteger
setores de produção que podiam estiolar-se, porque seus produtos perdiam
mercados de consumo, por serem dispensáveis aos esforços de guerra. O disparo
das emissões começou em 1941, sob o dístico do fomento e amparo à economia
nacional. Com a entrada do Brasil na guerra, o governo formulou um plano
financeiro no qual angariasse os recursos necessários para a suficiência
orçamentária. Figurou como integrante desta reforma o Decreto-Lei nº. 4.792, de
5 de outubro de 1942, que a título de restringir a capacidade emissora do
Tesouro e de ampliar as atribuições da Carteira de Redescontos, procurou dar a
aparência de que o governo se dispunha a controlar a inflação. Se de um lado
fechava-se uma fonte de emissão, de outro alargava-se o canal de outra fonte,
o da Carteira de Redescontos, menos visível, com aparências de apoio bancário e
mais rápida nos seus efeitos.
O reaparelhamento do Banco do Brasil
Em
10 de março de 1942, os estatutos do Banco do Brasil foram reformulados, no
sentido de se adequarem à então recente Lei das Sociedades Anônimas. Com à
reforma, ficava definitivamente consagrada sua ação em duas áreas aparentemente
conflitantes, pois atuava como autoridade monetária e como banco comercial
comum. Enquanto agente financeiro do governo, efetuaria as arrecadações das
rendas federais e pagamentos autorizados, concederia antecipações ao governo e
atuaria como agente federal para operações de câmbio. Como banco comercial,
concederia financiamento à atividade produtiva.
Especificamente,
cinco carteiras coordenariam as atividades do banco: 1) a Carteira de Câmbio,
que executava a política cambial do governo, a fiscalização bancária e a
Agência Especial de Defesa Econômica; 2) a Carteira de Crédito Agrícola e
Industrial, que estabelecia a política de crédito à produção e às instituições
financeiras;. 3) a Carteira de Crédito Geral, que centralizava as operações de
crédito comercial; 4) a Carteira de Exportação e Importação, que se incumbia de
todos os serviços relativos a transações que envolvessem o mercado externo,
promovia estudos sobre a situação dos mercados internos e externos e atuava em
conveniência com os interesses comerciais do país, devendo, contudo, não
incorrer em conflitos com a Carteira de Câmbio; e 5) a Carteira de Redesconto,
que cuidava do serviço de redesconto às instituições financeiras.
A
determinação de ampliar a cobertura de atendimento nacional do banco provocou
rápida expansão de sua rede de agências, que passou a contar com 220 unidades
em 1942, contra 157 no ano anterior. Em 1945, o banco já contava com 259
agências distribuídas pelo território nacional. Esta política visava
sobretudo estender a presença governamental às regiões interioranas,
unificando a sua atuação. A nova sistemática de operações garantiu ao banco o status
de mais importante estabelecimento de crédito em funcionamento no país. Era
um dos pilares da política governamental, pois além de atuar como banco de
segunda linha, garantindo liquidez ao sistema bancário, também impedia quebras
eventuais no sistema produtivo e constituía elemento fundamental no mecanismo
da política monetária.
A criação da Sumoc
Com
a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), algumas atribuições
administrativas do Banco do Brasil - por exemplo, a fiscalização dos bancos -
foram transferidas para este novo órgão. Também passaram para a competência da
Sumoc as requisições para emissão de papel-moeda do Tesouro nacional; a
exclusividade dos recebimentos dos depósitos de bancos; o controle das taxas
de juros; o abono às novas contas dos bancos, casas bancárias e caixas econômicas;.
a determinação mensal das taxas de redescontos e juros dos empréstimos a
bancos; a autorização de empréstimos garantidos pelo governo; a compra e venda
de ouro ou cambiais, entre outros.
Na
esfera institucional financeira, a regulamentação da Sumoc foi implementada em
meio a acirradas discussões que questionavam o Banco do Brasil em sua atuação
como banco central. Ao ser baixada a Instrução 1, de 5 de fevereiro de 1945,
que regulamentou o Decreto-Lei nº. 7.293, foi conferido ao presidente do banco
o lugar de primeiro substituto da presidência da Sumoc. Embora fosse reconhecida
a necessidade de criação de um banco central, o Banco do Brasil permaneceria de
fato investido das funções de autoridade monetária, dividindo com a Sumoc as
prerrogativas clássicas normalmente atribuíveis a um banco central. Em sua
condição híbrida de banco comercial e banco central, o Banco do Brasil sempre
foi capaz de ofertar recursos em quantidade superior à sua captação, na medida
em que não era obrigado a custodiar parte dos seus depósitos, como os demais
bancos comerciais. Além disto, como autoridade monetária, o banco também nunca
esteve sujeito aos rigores da prática bancária usual, que prevê limites de
segurança para o encaixe dos bancos. Um outro aspecto relevante diz respeito à
sua atuação como instrumento amortecedor de oscilações econômicas conjunturais.
Para tanto, fluíam para o banco recursos extras muitas vezes provenientes de
emissões de papel-moeda.
O Banco do Brasil no imediato pós-guerra (1945-1946)
Até
1947 foram instituídas diversas medidas objetivando uma reformulação do
sistema financeiro do país, resultando em última instância no início do
processo de oligopolização que viria caracterizar o desenvolvimento dos bancos
comerciais nas décadas seguintes. Neste período, não ocorreu propriamente uma
diminuição de assistência da Carteira de Redesconto do Banco do Brasil aos demais
bancos do país, e sim uma maior seletividade das instituições contempladas com
aqueles recursos.
O
governo recorreu, por vezes, a um curioso expediente para disfarçar o progressivo
endividamento do Tesouro com o Banco do Brasil decorrente da contínua emissão
de papel-moeda. O endividamento normalmente se iniciava com uma solicitação de
recursos por parte do Tesouro nacional ao Banco do Brasil, onde supostamente
teria saldo. Para cobrir a diferença entre o total requerido e o crédito
existente, o banco recorria à Carteira de Redesconto que, por sua vez,
solicitava uma correspondente emissão à Caixa de Amortização do Tesouro
nacional. A operação conhecida como "encampação de papel-moeda"
consistia num artifício contábil pelo qual cancelava-se parte do débito do
Tesouro junto ao Banco do Brasil, bem como parte equivalente do débito do banco
com a Carteira de Redesconto. Os desacertos da política orçamentária do governo
federal ficavam, através das encampações, sem registro na Carteira de
Redesconto e no Banco do Brasil, embora evidentemente agravassem pressões
inflacionárias, gerando descontroles da política monetária e tensões
políticas.
O
Banco do Brasil destinava a maior parcela de seus recursos ao setor
agropecuário. O nascente desenvolvimento industrial brasileiro não teria
perspectivas de afirmação no cenário econômico se não contasse com certo
progresso do setor agrícola. À agricultura era reservado o importante papel de
financiar as importações brasileiras, que se destinavam em grande parte a alimentar
o processo produtivo da máquina industrial. O amparo financeiro à agricultura
procurava também garantir uma adequada oferta interna de produtos de abastecimento
básico, a preços estáveis, o que constituía um requisito fundamental para o
desenvolvimento urbano e o crescimento industrial. O Banco do Brasil
tornava-se o principal instrumento financeiro do governo, através do qual se
procurava garantir o nível de atividade da agricultura brasileira. Esta
política era consubstanciada de um lado na forte participação relativa dos
financiamentos agrícolas no total dos financiamentos concedidos pelo banco e,
de outro, no subsídio implícito que acompanhava as operações de crédito rural,
cujas taxas de juros eram invariavelmente inferiores à taxa de inflação. Com
relação ao setor industrial, os empréstimos eram mais comprometidos com
projetos de infra-estrutura, tais como montagem de
frigoríficos
no cais do porto e armazenagem de cereais.
A atuação anticíclica do Banco do Brasil (1947-1948)
No
início de sua gestão na pasta da Fazenda, o ministro Correia e Castro enfatizou
que sua política estaria voltada para a estabilidade de preços, o controle
orçamentário e o crescimento econômico. Nos anos de 1947 e 1948, o governo
efetivamente implementou uma rigorosa política de combate à inflação através
de medidas de política fiscal e de controle ao crédito bancário. O somatório
das medidas contracionistas se traduziu em um aumento de 50% no número de
falências no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1947, e de 20% em 1948 comparados
com 1946. O crescimento do setor industrial como um todo reduziu-se de 18% em
1946 para 3% em 1947, acarretando queda no nível de emprego naquele período.
As medidas recessivas não foram, contudo, seguidas pelo Banco do Brasil, cuja atuação
anticíclica foi evidente na época. Esta atuação peculiar pode ser depreendida
no seguinte trecho do seu relatório de 1948: "Mas o Banco do Brasil não
praticou a política de deflação do crédito, canalizou-o para os setores de
produção de bens de consumo e impediu as operações de especulações... uma
política antiinflacionista não deve impedir a realização de empreendimentos
necessários à preservação e desenvolvimento das oportunidades de emprego e
produtividade futura".
É
certo que a atuação do Banco do Brasil, em flagrante conflito com a política
implementada pelo ministro da Fazenda, concorreu para aliviar tensões
econômicas e sociais que seguramente tenderiam a se aguçar com o processo
recessivo. Grande parte dos recursos que garantiram as operações de atendimento
do Banco do Brasil provinha de fundos coletado pelo governo federal e que eram
depositados no banco. Por operar com a "caixa unificada" e,
principalmente, por não estar submetido, à semelhança dos bancos comerciais, a
limites técnicos e institucionais sobre o volume de seus financiamentos, o
Banco do Brasil efetivava sua política de empréstimos independente de reservas
para suprimento das atividades.
Coube
à Carteira de Câmbio do banco naquela conjuntura de restrições generalizadas,
contornar algumas limitações impostas às remessas dos rendimentos do capital
estrangeiro determinadas pela Sumoc. Para tanto, o banco permitiu que os juros,
lucros e dividendos aqui gerados por residentes no exterior fossem considerados
investimentos estrangeiros para efeito de registro junto à fiscalização
bancária, possibilitando, assim, elevar no ano seguinte, a evasão de recursos
do país para o exterior. Foi através de sua atuação creditícia ampliada que o
banco garantiu a sobrevivência de setores produtivos em plena política
contracionista desenvolvida pelo ministro Correia e Castro.
O
desemprego e a crescente insatisfação social desgastou o governo que, em 1949,
já não tinha condições de prosseguir atuando com o rigor das medidas
estabilizadoras. Em conseqüência, o então presidente do Banco do Brasil,
Guilherme da Silveira, foi chamado a assumir o ministério da Fazenda. O novo
presidente do Banco do Brasil, Ovídio Xavier de Abreu, manteve as diretrizes
que nortearam o comportamento da instituição. Defendeu a expansão do crédito
para cobrir as necessidades oriundas do crescimento das safras agrícolas e
apontou o crescimento dos preços como conseqüência natural do aumento de moeda
e do poder de compra das classes trabalhadoras, mostrando que o aumento da produção
com crescente oferta dos bens de necessidade básica é que possibilitaria a redução
dos preços.
Do
relatório do inquérito desenvolvido em 1951 no Banco do Brasil, pode-se
verificar que a instituição também desempenhou um papel como instrumento político-partidário.
Adversários do então senador Getúlio Vargas, os dirigentes do banco utilizaram
a instituição para custear a publicação de artigos e discursos
elogiosos à administração do banco, ao mesmo tempo em que procuravam desmoralizar
Getúlio Vargas, na época candidato à presidência da República. Outra operação
política foi o desenvolvimento dos créditos em liquidação, isto é, operações
vencidas, não pagas, de resgate duvidoso, que passaram de 11 milhões de
cruzeiros em janeiro de 1946 para 151,8 milhões em dezembro de 1950. Estas
operações se acentuaram nos anos 1949-1950, denotando maiores empréstimos com
garantias insuficientes, prazos dilatados e reformas sucessivas. Este
procedimento, favorável ao crédito especulativo, respaldou naquele período a
difusão da campanha política antigetulista.
O Banco do Brasil no segundo Governo Vargas
Em
31 de fevereiro de 1951, Getúlio Vargas denunciou a regulamentação do retorno
de capitais estrangeiros como lesiva aos interesses nacionais. O presidente do
Banco do Brasil na época, Ricardo Jafet, fazia coro às denúncias do presidente
da República à legislação que regulamentava a remessa de lucros, juros e
dividendos para o exterior. Assim como o presidente do Banco do Brasil
considerava conveniente a extinção dos privilégios ao capital estrangeiro
criados pela Carteira de Câmbio, economistas ilustres como o professor Otávio
de Bulhões e o próprio diretor da Carteira de Câmbio defendiam sua manutenção.
A
Lei nº. 1.807 tornaria livre, em 21 de fevereiro de 1953, o fluxo de capitais
estrangeiros no país pelo sistema de taxa de câmbio livre. Segundo sugestão do
presidente do Banco do Brasil, foram destacados investimentos de interesse
nacional que recebiam benefício fiscal de remessa de lucros de 10% por ano ao câmbio
oficial, dependendo das possibilidades do balanço de pagamentos.Estes lucros
poderiam ser incorporados ao capital registrado, quando reinvestidos na
atividade. Através da Carteira de Exportação e Importação, foram facultadas ao
Banco do Brasil a compra e a venda de qualquer produto; estes dispositivos
estatutários foram postos em prática em 1952, atendendo basicamente aos
exportadores.
Procurando
salvaguardar a situação do balanço de pagamento, o governo adotou uma política
de sustentação de preços dos produtos de exportação. Neste sentido o Banco do
Brasil majorou as bases de financiamento do café e do algodão, que foram
responsáveis pela elevação dos níveis de empréstimos do banco naquele período.
A
permanência de uma taxa de câmbio fixa até fevereiro de 1953 numa situação
inflacionária diminuía a competitividade da produção de exportação. A fim de
atenuar as adversidades que se colocavam aos exportadores, o banco aumentou
seus empréstimos e efetivou compras diretas de produção. Para isto, foi obrigado
a utilizar-se de operações de redesconto e de recursos de sua própria caixa.
A
Carteira de Exportação e Importação, cuja atuação não era coordenada com a atuação
da Carteira de Câmbio, concedia licenciamentos muitas vezes superiores ao
orçamento de câmbio. Em conseqüência, as licenças de importação não
encontravam, como deveriam encontrar, automaticamente cobertura cambial, daí
decorrendo os atrasos comerciais. É certo que estes atrasos tomavam estas
proporções em decorrência de uma taxa de câmbio fictícia que, ao baratear as
importações, estimulava compras excessivas. Com a posse de Osvaldo Aranha no
Ministério da Fazenda e de Sousa Dantas na diretoria da Carteira de Câmbio do
Banco do Brasil, este passaria a liderar o mercado, comprando a taxas fixadas,
embora exigindo pagamento imediato e reservando-se a entrega de cobertura num
prazo de 90 dias. O limite operacional dos bancos comerciais foi ampliado e
foram liberadas as operações de swaps - operações simultâneas de compra
e venda de câmbio, isto é, arbitragem a vista contra arbitragem a prazo, não
sendo interpretada como retorno de capital, já que seu prazo (90 dias) não
proporcionava tempo para as vantagens usufruídas pelos capitais destinados a
investimento. Em 9 de setembro de 1953, a Instrução 70 da Sumoc viria
finalmente disciplinar o mercado de câmbio, ao mesmo tempo deixando o mercado
livre funcionar somente para o movimento de capitais. Em dezembro de 1953,
respondendo às freqüentes denúncias de corrupção e abuso, o governo extinguiu
a Carteira de Exportação e Importação e criou em seu lugar a Carteira de
Comércio Exterior.
A
partir de 1953, o Banco do Brasil utilizou mais intensamente os recursos da
Carteira de Redesconto, da Carteira de Mobilização Bancária e de sua própria
caixa, visando o pagamento dos atrasados comerciais e o atendimento às
necessidades financeiras da administração federal, estadual e municipal. Estes
recursos se prestariam também a auxiliar alguns bancos em dificuldades e elevar
os financiamentos à produção. Para fazer face à elevação de seus empréstimos em
1953, o Banco do Brasil teve de recorrer à venda de parte dos estoques de
produtos adquiridos no ano anterior. Estes recursos não foram suficientes
para a cobertura do programa de aplicações do banco, forçando-o assim a
recorrer em maior escala ao redesconto e à Caixa de Mobilização Bancária. A
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial também lançou mão de recursos
excedentes à sua dotação orçamentária. A fim de evitar uma corrida aos bancos
comerciais do Rio e São Paulo, seus cheques foram cobertos com fundos da Carteira
de Redesconto e da Carteira de Mobilização Bancária.
O Banco do Brasil no interregno Café Filho
O
primeiro registro de relevância no que se refere ao período está na harmonia
entre a atuação do ministro da Fazenda e do Banco do Brasil. Como existia uma
intenção contracionista explícita neste período, o governo não vacilou em
recorrer novamente ao artifício da "encampação", de acordo com a Lei
nº. 2.426, de 16 de fevereiro de 1955. Mais uma vez o expediente, serviria para
mascarar contabilmente a posição efetivamente deficitária do Tesouro nacional.
Durante
esta fase a economia brasileira se defrontou com uma diminuição das vendas de
café, em especial para os Estados Unidos. Em maio de 1955, a Carteira de
Câmbio, após esgotar o recurso às linhas normais de crédito de banqueiros
particulares, recorreu a 45 milhões de dólares do crédito especial concedido
pelo Export - Import Bank of Washington. Um obstáculo adicional a uma atuação
do Banco do Brasil, alinhado com as medidas contracionistas, estava no fato de
aquelas medidas normalmente serem implementadas próximo à época do custeio
agrícola e de que um eventual corte na produção agrícola agravaria não só o
problema do balanço de pagamentos, como também o processo inflacionário.
O
setor bancário, atingido pelas medidas de política econômica, iria atravessar
um período de crise em decorrência das restrições impostas ao crédito. No final
de 1954 a praça de São Paulo era palco de uma crise bancária, tendo o Banco
Nacional Interamericano suspendido suas operações, enquanto outros bancos
solicitavam medidas que viessem orientar os processos de liquidação
extrajudicial dos bancos. Em conseqüência da crise bancária, a Caixa de
Mobilização Bancária do Banco do Brasil aumentou mais ainda o nível de suas
operações.
Abril
de 1955 constituiu um marco de mudança na orientação política: Clemente Mariani
foi substituído na presidência do banco por Alcides Vidigal. As medidas contracionistas
foram relaxadas. Da antiga gestão permaneceu apenas o presidente da Sumoc,
Otávio de Bulhões, que tentou, em vão, manter a orientação anterior. Em 5 de
maio de 1955 a Instrução 116 rebaixou as taxas de juros das aplicações dos
bancos e das operações de desconto, bem como diminuiu as exigências de
recolhimento compulsório dos bancos comerciais.
Neste
período ficou clara, no que diz respeito à política do Banco do Brasil, a
impossibilidade de se estabelecer um teto fixo para as aplicações de cada
carteira, tendo em vista os diversos fatores e injunções que condicionavam tais
aplicações. A administração da política de financiamento do banco permaneceu
estreitamente vinculada às questões conjunturais vividas pela economia brasileira.
Inicialmente, o governo procurou contrair os meios de pagamento. Em seguida,
dada a virtual impossibilidade de sustentação desta política por período
superior a um ano, o governo se viu forçado a afrouxar os mecanismos de
controle monetário e permitiu o retorno da liberdade creditícia.
O Banco do Brasil no governo Juscelino
Para
responder aos novos desafios do desenvolvimento econômico, o Banco do Brasil
efetivaria uma reforma estatutária votada em 9 de maio de 1956. O aumento do
capital social - antiga reivindicação dos acionistas foi efetivado, duplicando
para duzentos milhões de cruzeiros. A determinação de expandir de forma
limitada a quantidade de ações explica-se dentro da política de controle da
inflação, pois grandes aumentos de capital, mesmo com recursos do fundo de
reserva do banco, teriam de ser financiados via emissão de moeda. Além disso, o
banco também se preocupava com possíveis conseqüências negativas que poderiam
advir de uma excessiva oferta de suas ações no mercado, em termos de
deterioração das cotações.
A
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do banco estendeu seus
financiamentos sem garantias reais ou pessoais de pagamento aos pequenos
produtores rurais e passou a cobrir também a pequena indústria rural de
característica doméstica ou artesanato organizado em pequena indústria.
O
desenvolvimento do banco foi acompanhado por um rápido crescimento do número
de agências da instituição. Em 1956 o número de agências chegava a 364, sendo
duas no exterior. Em 1957 foram inauguradas mais 13 agências. A expansão da
rede concentrou-se em São Paulo - para atender a exigências de industrialização
e da produção de café - e em Goiás, para abrir espaço financeiro para Brasília
e para a pecuária da região.
Apesar
da preocupação com o pequeno produtor, a expansão industrial exigia grandes
recursos, quer para investimentos diretos no setor, quer indiretamente, através
da priorização da agricultura de exportação, com a qual o país contava para
viabilizar as importações necessárias ao desenvolvimento da indústria.
Grande
parte dos recursos de implementação do Plano de Metas era de origem externa e,
para manter o necessário fluxo de financiamentos à sua execução, Lucas Lopes
negociou acordos com os Estados Unidos em 1956, os quais impunham exigências no
sentido de o governo brasileiro demonstrar capacidade efetiva de controle da
inflação. Entre as recomendações específicas para o controle da expansão
monetária através do Banco do Brasil, o Plano de Estabilização determinava 1)
um teto para o débito do Banco do Brasil junto à Carteira de Redesconto, que
permitisse ao banco atender às necessidades adicionais de financiamento do
governo e do setor privado; 2) o racionamento do crédito dos diversos setores
do banco e a imperiosidade de expandir mais que normalmente o crédito da
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, em virtude da necessidade de
acelerar o processo de expansão das exportações. O setor de bancos, em especial
nas praças de São Paulo e Recife, foi duramente atingido com os limites de
expansão do crédito junto à Carteira de Redesconto, bem como com a limitação
dos prazos.
Vale
ressaltar uma medida de política monetária peculiar implementada pelo Banco do
Brasil, e que consistiu na operação open pelo câmbio. Esta operação se
resumia numa prática de venda de dólares aos importadores, com isto retirando
cruzeiros de circulação, sempre que se registrasse déficit no balanço de
pagamentos. Esta política tinha efeito deflacionário pela retirada do dinheiro
do sistema ou, pelo menos, pela não emissão de novos recursos. Esta operação se
traduziu em aumento de caixa para o Banco do Brasil na conta "Ágios e
bonificações". Em sentido contrário agiam dois outros importantes componentes
da base monetária. De um lado o Banco do Brasil, ao dispor de reforço de caixa,
tinha maior capacidade de incrementar seus empréstimos ao setor privado, e de
outro lado, o governo, também beneficiado com o aumento de caixa, aumentava
seus gastos, que acabavam por se traduzir em déficits sistemáticos do Tesouro
com o banco.
Em
1958-1959, dada a volumosa safra de café e o elevado preço internacional do
produto, o governo inclinou-se pela compra do excedente de exportação a fim
de sustentar o preço. Para que esta operação se realizasse sem recursos
inflacionários, o governo passaria a efetuar retenção cambial de exportação, o
que viria a ser conhecido como "confisco cambial".
Com
o afastamento de Lucas Lopes em agosto de 1959, o Ministério da Fazenda
passaria a ser comandado por Sebastião Pais de Almeida, então presidente do
Banco do Brasil. Esta nomeação visava relaxar as metas e instrumentos herdados
da política de contração, já que o Brasil rompera com o Fundo Monetário
Internacional (FMI). A expansão do volume de importações comparativamente às
exportações forçou o Banco do Brasil, após a queda da assistência financeira do
FMI e dos bancos estrangeiros, a incrementar as operações de swaps, evitando
uma expansão no endividamento de curto prazo do país.
A
partir de 1960, tornava-se cada vez mais inevitável uma nova reorganização do
sistema financeiro, uma vez que os desafios da economia já exigiam uma maior
sofisticação dos instrumentos de captação e aplicação dos recursos
financeiros.
A Lei de Mercado de Capitais e a reforma bancária
Em
1965, foi promulgada a Lei de Mercado de Capitais (Lei nº. 4.728, de 14 de
julho de 1965), que representou a declaração pública definitiva das intenções
do governo no sentido de instituir um mercado de capitais forte e utilizá-lo em
sua política global de desenvolvimento e controle da inflação. A Lei de Reforma
Bancária (Lei nº. 4.595, de 31 de dezembro de 1964), dispôs que o sistema
financeiro do Brasil era constituído pelo Banco Central do Brasil; Banco do
Brasil; bancos comerciais, privados ou estaduais; instituições de crédito (que
recorriam à captação de poupanças) tais como as companhias de crédito e
financiamento, bancos de investimento, sociedades corretores e sociedades de
crédito imobiliário instituições públicas ou mistas especiais (Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico e bancos de desenvolvimento estaduais); caixas
econômicas, e instituições que financiavam a construção civil. Além da
especialização de instituições por linhas de crédito, o fato mais relevante foi
a criação do Banco Central do Brasil, como gestor da política monetária, cujas
diretrizes eram determinadas pelo Conselho Monetário Nacional. Foram atribuídas
ao Banco Central funções antes executadas pelo Banco do Brasil e a Sumoc:
emissão de moeda, controle de redesconto e dos depósitos de reservas obrigatórias,
regulação das atividades bancárias, financeiras e dos capitais estrangeiros.
O
Banco do Brasil funciona hoje como uma sociedade de economia mista, ou seja,
pessoa jurídica de direito privado, configurando-se como um banco comercial,
apesar de exercer uma série de atividades não pertinentes a instituições deste
tipo. Sendo um instrumento de execução das políticas creditícia e financeira
do governo federal, compete-lhe, entre outras atribuições: a) receber, a
crédito do Tesouro nacional, o produto da arrecadação de tributos ou rendas
federais, bem como o produto das operações de crédito da União; b) realizar os
pagamentos e suprimentos necessários à execução do orçamento geral da União;
c) adquirir e financiar estoques de produção exportável; d) executar a política
de preços mínimos dos produtos agropastoris e e) ser o agente pagador e
recebedor fora do país.
Como
principal executor dos serviços bancários de interesse do governo federal,
inclusive suas autarquias, compete-lhe receber em depósito, com exclusividade,
as disponibilidades de quaisquer entidades federais, além de realizar a
política de comércio exterior e financiar atividades industriais e rurais.
Para
o desempenho de suas inúmeras atribuições, está o banco dividido em carteiras
especializadas, como a de Crédito Geral, de Crédito Rural, do Comércio
Exterior, de Câmbio, de Administração do Pessoal e de Administração dos
Serviços Gerais o Patrimônio. O Banco do Brasil é o maior banco comercial do
país e um dos cinco maiores bancos agrícolas do mundo.
A
Lei no 4.595, a Lei da Reforma Bancária, de dezembro de 1964, marcou
o início de um processo de transformação dos diversos papéis até então
desempenhados pelo Banco do Brasil (BB), enquanto instituição financeira e
partícipe na formulação e execução da política financeira e creditícia do
governo. Essa legislação criou o Banco Central (BC), transferindo-lhe aquelas
funções que lhe são típicas, antes em parte exercidas pelo BB.
O modelo institucional definido para o
Banco do Brasil conservou a sua natureza mista de banco de governo e banco
comercial. Atuou como um banco de governo por realizar volumosas operações
lastreadas em recursos supridos por ordem e conta do Tesouro. Continuou com a
função de agente financeiro do Tesouro, além de desempenhar diversas tarefas,
como administração do sistema de compensação de cheques e suprimento de
numerário para o sistema bancário – estas por delegação do Banco Central –,
administração do comércio exterior brasileiro, via Carteira do Comércio
Exterior (Cacex), e gestor de diversos fundos e programas oficiais.
Executou,
também, operações típicas de banco comercial, mas mesmo nestas operou sob forte
influência das políticas governamentais, dada a visão de um banco voltado ao
financiamento do desenvolvimento do país. Concentrou sua atuação no
financiamento de atividades produtivas, especialmente no setor agropecuário, e
estendeu sua rede de agências preferencialmente pelo interior do país.
O Banco do Brasil em 1975
Em
1975, o Banco do Brasil destacou-se como um dos maiores bancos do mundo, sendo
o décimo-segundo em ativos e o segundo em patrimônio líquido. Sua rede de
unidades domésticas aproximou-se do número mil, marco atingido em 1976 com a
inauguração da agência de Barra dos Bugres, em Mato Grosso. Mais de 90% da rede
localizava-se em cidades do interior e o quadro de funcionários montava a 65
mil.
A
política de expansão da presença do BB no exterior, iniciada com a abertura da
agência de Nova Iorque em 1969, a segunda após a de Assunção, esta inaugurada
em 1941, refletia-se na existência de 26 unidades cujos ativos atingiam a 7,6
bilhões de dólares. Além de sua atuação direta, o BB buscava parcerias com
outras instituições financeiras, criando empresas como o European Brazilian
Bank, em Londres.
As
operações privilegiavam o setor privado, destino de mais de 95% de seus
créditos. Os fundos que financiavam suas operações mostravam a importância de
sua condição de banco de governo. Em 1976, por exemplo, do total de 79 bilhões
de cruzeiros de depósitos, apenas cerca de 38% provinham de captação junto ao
público. A conta movimento do BC, mecanismo de suprimento de recursos para
operações de interesse governamental, tinha um saldo de 66,2 bilhões de
cruzeiros, mais do que o dobro dos recursos captados do público.
A segunda metade da década de 1970
A
primeira crise do petróleo criou um período de instabilidade econômica nos
meados da década. Até então, vinha o país vivendo uma fase áurea, de rápido e
sustentado crescimento e contínua queda dos níveis de inflação, que ficou conhecida
como os anos do “milagre econômico”. A inflação, que se reduzira a níveis
próximos a 15% a.a., recomeçou a subir, e os maiores gastos com importações
forçaram o governo a se preocupar com a situação da balança comercial e dos
níveis de reservas internacionais.
O
Banco do Brasil continuou com a política de expansão de suas operações no país
e no exterior, dentro da euforia que caracterizou o Brasil naqueles anos.
Ademais, constituiu-se num dos principais instrumentos do governo para o
suporte dos setores cuja expansão era considerada fundamental para a superação
dos desequilíbrios originados pelo choque do petróleo: agropecuária, exportação
e energia.
O
setor agropecuário tornou-se duplamente prioritário, com o incremento de sua
produção visando minorar pressões inflacionárias e gerar crescentes excedentes
exportáveis. O Banco do Brasil voltou-se ainda mais para o seu suporte,
expandindo sua rede de agências no interior. Em 1980, o total de unidades em
operação já atingia 1.838, das quais 1.155 eram agências e parte da diferença
constituindo-se em postos avançados de crédito rural. Acompanhando o
crescimento da rede, o número de funcionários alcançou 118 mil ao final de
1980.
A
expansão da rede externa continuou de forma acelerada, dentro da prioridade de
suporte ao comércio exterior. Ao final de 1980, eram 61 as unidades em
operação, com ativos de 20,8 bilhões de dólares. Em cinco anos, mais que dobrou
o número de unidades enquanto que os ativos cresceram 170%.
Na
área de exportações, outro instrumento fundamental era a Cacex, principal
executora da política de fomento às exportações do país. Entre outras
atividades administrativas, gerenciava o Fundo de Financiamento às Exportações
(Finex).
O
aumento dos níveis de inflação ampliou o grau de subsídio aos juros dos
financiamentos agrícolas, realizados a taxas fixas, fazendo com que o capital
aplicado retornasse ao banco em termos cada vez mais depreciados, o que exigiu
permanente recomposição de seu valor por parte do governo. Acoplado à
necessidade de maior controle da expansão monetária, o resultado foi um
continuado esforço de reduzir a utilização de créditos subsidiados e ampliar a
participação de recursos privados no financiamento do setor agropecuário.
Evento
importante nesse período foi o início das operações do Fundo de Incentivo à
Pesquisa Técnico-Científica (Funtec), para o qual passaram a ser destinados 2%
do lucro líquido do banco.
As conseqüências das duas crises do petróleo
A
segunda crise do petróleo em 1979 marcou o início de uma fase em que o
crescimento da economia se tornou mais lento e instável, e a inflação tomou uma
tendência crescente, logo atingindo 100% a.a., acabando por desaguar em níveis
hiperinflacionários. Essa deterioração do quadro macroeconômico passou a exigir
do governo, nos anos que se seguiram, constantes mudanças na política
econômica, com impacto negativo em todos os integrantes da economia e, em
especial, no banco.
No
plano internacional, houve um recrudescimento da inflação, com as taxas anuais
chegando aos 12,4% nos Estados Unidos e a 8% no Japão, acarretando grande
aumento nas taxas de juros. A Libor, taxa que rege o custo de fundos no mercado
interbancário de Londres, atingiu 16,8% a.a., enquanto que a Prime Rate, taxa
interna norte-americana, alcançou 20,5%. Esse nível de taxas dificultou a
situação dos países em desenvolvimento, como o Brasil, por serem grandes
tomadores de recursos, e contribuiu, ainda, para o aumento de custos dos
empréstimos e para a eclosão da crise da dívida externa, ocorrida pouco depois.
No
ano de 1981, ocorreu a integração dos orçamentos fiscal, monetário e das
estatais, significando maior restrição às operações do Banco do Brasil cujos
recursos, nos programas de interesse do governo, provinham basicamente do
orçamento monetário. Em conseqüência, as aplicações do BB evoluíram em 68% no
ano, com perdas reais.
A
restrição ao crédito sempre foi uma das medidas favoritas do governo para
controlar a demanda agregada. A contínua fase de instabilidade revelou-se muito
prejudicial ao banco, com suas operações consistentemente crescendo abaixo
daquelas dos bancos comerciais. O Banco do Brasil que em 1974 era responsável
por metade do crédito bancário ao setor privado viu essa participação
reduzir-se a 1/3 em 1981.
Apesar
do banco concentrar suas aplicações no setor agropecuário, destinando-lhe 2/3
de suas aplicações em 1981, a demanda por recursos superava a disponibilidade,
dado o alto grau de subsídio ao crédito agrícola. Em 1980, iniciou-se um maior
direcionamento de fundos para o pequeno produtor e em 1981 passou-se a exigir
maior contrapartida de recursos próprios dos grandes e médios produtores.
Entrava-se numa fase de tentar transformar o estímulo à área rural
transitando-se do crédito subsidiado para os preços.
Fiel
à sua tradição de apoio aos programas de governo, engajou-se ainda o banco no
Proalcool, sendo o seu maior agente, responsável por 64% das aplicações.
A
expansão da rede externa permitiu ao banco crescente participação em sindicatos
de bancos, concedendo empréstimos externos a empresas brasileiras e ao governo.
De 1977 a 1981, o Banco do Brasil foi o líder de sindicatos de empréstimos
atingindo o valor de 1,65 bilhões de dólares, co-líder em sindicatos montando a
6,659 bilhões de dólares e participante em outros alcançando 3,128 bilhões de
dólares.
A crise da dívida externa
O
ano de 1982 ficou marcado pela crise da dívida externa, iniciada pela moratória
declarada pelo México.
A
crise encontrou o banco em fase de plena expansão. Apenas no ano de 1982,
instalaram-se 792 unidades no país – crescimento da rede em 40% – e houve um
aumento de 20 mil no número de funcionários. As agências no exterior, a essa
altura 70 unidades, detinham depósitos de 22,1 bilhões de dólares, em boa parte
aplicados no Brasil.
A
crise externa obrigou o Brasil à assinatura de um acordo com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) em fevereiro de 1983, objetivando melhorar a posição do
balanço de pagamentos, reduzir o déficit do setor público e promover a
liberalização da economia. Também foi assinado acordo com os bancos
internacionais, envolvendo a concessão de novos empréstimos em moeda, rolagem
automática do principal vencendo nesse ano, manutenção das linhas de trade
finance de curto prazo e das linhas interbancárias.
A
necessidade de controle monetário e a maior facilidade de controlar os
empréstimos do BB fizeram com que, ao final de 1984, o saldo dos empréstimos do
banco se reduzissem a ¼ daquele existente em 1978.
Apesar
de perder substância no mercado, a relevância do Banco do Brasil no sistema
financeiro nacional podia ser aferida pelo fato de seu patrimônio líquido ainda
ser igual ao do conjunto dos 20 maiores bancos comerciais.
No
ano de 1985, inicia-se o processo de ajuste da rede externa com o encerramento
das atividades de 12 unidades, reduzindo seu número para 59, processo que iria
continuar nos anos seguintes. A tônica de sua atuação deslocou-se da captação
de depósitos, não mais disponíveis, para operações financeiras e de comércio
exterior. Restou porém o problema do financiamento da carteira de ativos da
rede externa representada, principalmente, por papéis de risco do Brasil.
Em
1985, o banco conseguiu reduzir o atraso que acumulara na área de informática
com relação a seus concorrentes, em função de grandes investimentos em
equipamentos. A modernização tecnológica começou a chegar nas agências, com a
instalação a partir de 1984 de terminais on-line.
O Plano Cruzado: fim da conta movimento
A
aceleração da inflação no final de 1985, que levou a taxa ao patamar de 15% ao
mês, forçou o governo a instituir um novo plano de estabilização, divulgado em
28 de janeiro de 1986, que de início obteve grande sucesso, em termos de
controle da inflação e níveis de crescimento econômico. Baseou-se no
congelamento de preços, salários e câmbio, na desindexação da economia, na
criação de um novo padrão monetário, o cruzado, e no aumento de taxas de juros
para conter a demanda. Como parte do Plano Cruzado, foram introduzidas
alterações fundamentais no relacionamento do BB com o Banco Central e o Tesouro
Nacional.
Por
meio do voto 45/86, de 30 de janeiro de 1986, foi feito o congelamento da conta
movimento que o Banco Central mantinha no Banco do Brasil para contabilizar as
operações de interesse do governo federal, com as novas operações ocorrendo
dentro da sistemática de prévio suprimento de recursos. Perdeu ainda o banco os
recursos originários do fluxo de caixa do orçamento do Tesouro. Em
contrapartida, ele foi autorizado a praticar todas as operações permitidas às
instituições financeiras.
O
crescimento de um segmento financeiro não monetário foi viabilizado pelas leis
de reforma bancária e de mercado de capitais (esta, a Lei no 4.728,
de 1964). O fato de que não era permitido ao Banco do Brasil participar desse
segmento contribuiu, ao lado do contingenciamento de suas operações pelo
governo, para a queda de sua participação nos empréstimos ao setor privado.
O
primeiro passo do banco foi criar o BB DTVM, implantando-se o Fundo Ouro de
Ações já em junho.
Já
desde o início não foi possível ao Tesouro fornecer ao Banco do Brasil todos os
recursos necessários para este atender às operações de crédito agrícola, tendo
o banco coberto cerca de 25% com recursos próprios, sob promessa de receber o
montante correspondente à equalização de juros, o que só veio a ocorrer no ano
seguinte. A incapacidade do governo de suprir os recursos requeridos iria se
transformar num problema recorrente, com graves repercussões.
O
ano de 1986 viu, também, nascer o programa Verão Ouro, de apoio a clientes do
cheque-ouro em viagem de férias, e que iria se revelar um grande sucesso de
marketing. O cheque-ouro, com garantia de pagamento, produto inovador, cuja
marca acabou se confundindo com o produto, havia sido criado em 1969.
A
expansão das operações do banco e o comportamento da concorrência permitiram
ampliar a participação dos empréstimos do banco no sistema financeiro nacional,
que caíra para 7,5% em março de 1985, atingindo 14,8% ao final do primeiro
semestre de 1986, participação que, a grosso modo, seria mantida nos anos
seguintes.
Nessa
ocasião, do total dos empréstimos 40% eram financiados por recursos próprios e
captação no mercado. A agropecuária recebeu 37% das aplicações, a indústria 9%,
comércio e serviços 27% e o setor público, incluindo empresas estatais, 27%.
Destacam-se nas operações com o setor público empréstimos a estados e
municípios com recursos do Tesouro Nacional.
Em
termos administrativos, a necessidade de captar recursos no mercado e melhor
geri-los levou à criação da vice-presidência de finanças. Iniciou-se ainda a
reformulação da estrutura física, tecnológica e de pessoal das agências e
unidades de suporte.
A
momentânea eliminação da inflação afetou o sistema bancário pela perda dos
ganhos inflacionários, em parte compensados pela maior monetarização da
economia e expansão das operações ativas. Muitos bancos deram início a um
processo de ajuste, com revisão de política de pessoal, cobrança por serviços
antes gratuitos e fechamento de pontos de atendimento.
O
sucesso do plano foi curto, e iniciou-se período de grande instabilidade
econômica, com a implantação fracassada de diversos planos de estabilização.
Em
1987, o banco continuou a ocupação do novo espaço de mercado, com a criação da
financeira, da empresa de leasing, da corretora de seguros e da
administradora de cartões de crédito. Foi lançado o cartão de crédito Ourocard,
o Fundo Ouro de Renda Fixa e a caderneta de poupança ouro, esta em fevereiro, e
que ao final do ano já acumulava 7,5% de toda a captação do sistema. A poupança
ouro foi criada para direcionar recursos para o financiamento do crédito rural,
substituindo o aporte de recursos do Tesouro.
Esse
ano marcou ainda o início das atividades da Fundação Banco do Brasil, que
passou a centralizar as atividades de apoio às áreas científica, tecnológica e
social.
As
atividades do BB-Banco de Investimentos iniciaram-se em julho de 1989, e em
outubro inauguram-se as instalações do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio,
entidade que em pouco tempo passou a registrar a presença de mais de dois
milhões de visitantes por ano.
Por
decisão do governo federal, todas as empresas estatais e de economia mista
tiveram o número de diretores reduzido a cinco, mais o presidente,
independentemente de seu porte. O banco, que tinha quatro vice-presidentes e
dez diretores, viu esse número reduzido a seis, porque conseguiu um a mais por
conta da Cacex. Na oportunidade, foi promovida uma reformulação administrativa.
A
rede do Banco do Brasil alcançou 4.449 unidades domésticas ao final de 1989,
das quais 2.377 eram agências, somando-se 46 dependências no exterior. O número
de funcionários atingiu 134 mil.
A década de 1990
O
início de 1990 foi marcado por mais um plano econômico, o chamado Plano Collor,
que aumentou ainda mais o grau de distorção existente na economia, com o
congelamento de depósitos de clientes e de parte do capital de giro das
instituições financeiras.
Para
o banco esse ano representou também o fim da Cacex, com a transferência de suas
funções para o então Ministério da Economia. Passou ainda o Banco por
reformulação administrativa, sendo a sua estrutura alterada, reduzindo-se a
administração central e o número de funcionários em cerca de 10%.
O
volume de recursos aportado pelo Tesouro ao crédito agrícola propendeu a se
reduzir cada vez mais, em vista das restrições fiscais, representando em 1991
apenas 17% do total. A pressão sobre o banco para este cobrir o diferencial,
existente já há algum tempo, levou à aplicação no crédito rural de um volume de
recursos superior ao disponível nas fontes respectivas, com o desvio de
recursos destinados a outras atividades, ou mesmo à captação adicional no
mercado, a custos mais elevados. Além disso, a necessidade de controle da
inflação tendeu a depreciar os preços mínimos, ao passo que os altos juros
reais, típicos dos sucessivos planos econômicos, aumentavam bem mais os custos
dos financiamentos, gerando descompassos que tiveram sérias repercussões nas
atividades do banco.
Com
o fracasso do plano, houve rápida aceleração das taxas de inflação, gerando
receita adicional, o que reduziu o estímulo a continuar o processo de ajuste.
Voltou a crescer a rede de dependências e o número de funcionários atingiu 126
mil em 1993.
As
mudanças que ocorreram nos últimos anos ficaram refletidas na estrutura de
recursos: enquanto em 1985 apenas 34% das operações de crédito com o setor
privado tinham sua fonte em operações de mercado, o restante provindo
basicamente do Tesouro e do Banco Central, ao final de 1994 80% tinham sua
fonte no mercado, e apenas 8% sendo fornecidas pelo Tesouro. A dependência das
condições de mercado ficou ainda mais patente com as modificações efetuadas por
ocasião do Plano Real.
O
Plano Real foi anunciado em 1º de julho de 1994, abrangendo as áreas fiscal,
monetária e cambial, além de engenhoso e eficaz mecanismo de desindexação da
economia, via efetiva amarração do valor da nova moeda, o real, ao dólar
norte-americano. Caracterizou-se por aumento no nível de taxas de juros e
sobrevalorização do câmbio, viabilizada pela entrada de capital decorrente do
diferencial entre os juros domésticos e internacionais. Destacou-se ainda por,
pela primeira vez, não se basear em controle e tabelamento de preços. Em nível
mais estrutural, aprofundou-se o programa de abertura comercial, já em
andamento, e pôs-se ênfase na privatização e na reforma da Constituição, com
vistas a viabilizar a privatização de diversas áreas e o controle de gastos
governamentais.
O
impacto no Banco do Brasil foi imediato. A queda da inflação para níveis abaixo
de 2% já ao final do ano implicou a perda dos expressivos ganhos inflacionários.
A valorização do real frente ao dólar gerou perdas adicionais, dado que o banco
tinha mais ativos do que passivos naquela moeda. De início, houve uma certa
euforia com a expansão do volume de crédito, mas tal situação se alterou, em
vista do ajuste que o governo foi forçado a fazer nos rumos da economia, em
função de nova crise externa mexicana.
As
novas condições de baixa inflação e aumento do nível de inadimplência levaram a
uma situação de crise no sistema financeiro, tornando clara a situação de
insolvência de diversos bancos, tanto privados quanto estaduais. Uma crise
financeira mais séria só foi evitada com a assunção pelo Banco Central de
perdas expressivas no saneamento do sistema, que incluiu a intervenção em três
dos dez maiores bancos privados.
O
Banco do Brasil, historicamente o que mais emprestava ao setor produtivo,
detinha uma carteira de ativos com muitos problemas, que veio agravar suas
dificuldades operacionais. Registrou-se um prejuízo de 4,2 bilhões de reais em
1995, e outro ainda maior de 7,5 bilhões de reais no ano seguinte, todo ele
ocorrido no primeiro semestre, em parte decorrente do aumento de provisões para
atender o crescimento da inadimplência. A fim de manter sua integridade
patrimonial, o banco fez um aumento de capital de oito bilhões de reais no
primeiro semestre de 1996. Uma conseqüência de chamada de capital tão
expressiva foi o aumento da participação do Tesouro no capital total do banco,
que de cerca de 30% passou a 73%.
O
ajuste às novas condições abrangeu ações em variadas áreas. Buscou-se aumento
de receitas com a cobrança por serviços prestados, a ampliação do leque de
produtos oferecidos e a exploração do potencial da rede de vendas via criação
de novas empresas na área de seguros e capitalização, em sociedade com empresas
privadas.
Em
termos de redução de custos, entre 1995 e 1996, racionalizou-se a rede de
dependências, com redução de seu número em 541 unidades, das quais 170 eram
agências, redução de porte de muitas outras e diminuição do número de funcionários
em 34 mil, representando o rompimento do modelo de relações trabalhistas até
então existente. Ao final de 1996, eram 85 mil funcionários e 4.443 pontos de
atendimento, dos quais 2.931 eram agências.
As
perdas decorrentes do descompasso cambial e da alta inadimplência levaram o
banco a substancialmente aprimorar seus sistemas de administração de risco e de
concessão de crédito.
Definiu-se
nova estrutura administrativa, com a criação de unidades de negócios e unidades
de suporte. As nove de negócios cobrem as áreas comercial, de distribuição, de
governo, internacional, de mercado de capitais e investimentos, de recuperação
de créditos, rural e agroindustrial, de seguridade, de varejo e negócios. Com
isso, procurou-se não somente orientar melhor a atuação do banco, mas com a
criação do cargo de superintendente executivo para cada área de negócios e de
suporte deu-se mais profundidade à estrutura executiva, restrita aos sete
membros do conselho diretor.
Procurou-se,
também, isolar o banco de influências políticas em suas operações, com a
redução do poder dos representantes do governo nos conselhos de administração e
fiscal.
As
prioridades de atuação do Banco do Brasil voltaram-se para o varejo, a área de
seguridade e a de mercado de capitais. Foram criadas várias empresas em
parceria com o setor privado em que o banco, embora com a maioria do capital,
não detém o controle, como a Brasilprev, na área de previdência privada, a
Brasilcap, empresa de capitalização, a Brasil Saúde, na área de seguro de
saúde, a Brasilseg, na área de seguros, posteriormente desdobrada em Aliança do
Brasil, atuando nos ramos vida e elementares, e a Brasil Veículos, no ramo de
seguro de veículos.
Maria Bárbara Levy/Paulo
de Tarso Medeiros
colaboração especial
FONTES: BANCO DO BRASIL. Relatório
(1965-1986); BENEVIDES, M. Considerações, CASTRO, H. Introdução; LEVY,
M. Encilhamento; LEVY, M. Fundamentos, LEVY, M. Gestão;
PACHECO, C. História; TOPIK, S. Empresa.