BANCO
NACIONAL DA HABITAÇÃO (BNH)
Pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, foi instituído o
Plano Nacional da Habitação e criado o Banco Nacional da Habitação, com sede no
Rio de Janeiro. O banco deveria ser o gestor e financiador de uma política
destinada a “promover a construção e aquisição da casa própria, especialmente
pelas classes de menor renda”, bem como a ampliar as oportunidades de emprego e
dinamizar o setor da construção civil. A pedra angular do BNH era o Sistema
Financeiro da Habilitação (SFH), que tinha por finalidade principal prover
recursos que garantissem a execução do Plano Nacional da Habitação.
Todas as operações de financiamento eram regidas pelo
mecanismo da correção monetária e calculadas a partir de Unidades Padrão de
Capital (UPCs). A estrutura interna do banco era composta por uma presidência e
diretores de seis grandes áreas, a saber: área de Natureza Social; área de
Administração e Controle Operacional; área de Operações Especiais,
Desenvolvimento Urbano e Apoio; área de Programas Habitacionais; área de
Agentes Financeiros, e área de Planejamento, Coordenação, Pesquisa, Controle
Programático e Processamento de Dados.
Após 22 anos de existência, o BNH foi extinto pelo
Decreto-Lei nº 2.291, de 21 de dezembro de 1986, do então presidente da
República José Sarney, que também transferiu a função de coordenador do SFH para
a Caixa Econômica Federal e a de regulador para o Banco Central.
Presidiram
o BNH Sandra Martins Cavalcanti (1964-1965), Luís Gonzaga Nascimento e Silva
(1965-1966), Mário Trindade (1966-1971), Rubens Vaz da Costa (1971-1974),
Maurício Schulman (1974-1979), José Lopes de Oliveira (1979-1983), Nélson da
Mata (1983-1985) e José Maria Aragão (1985-1986).
Antecedentes
Antecedeu
o BNH a Fundação da Casa Popular (FCP), criada pelo Decreto-Lei nº 9.218, de 19
de maio de 1946, e instituída pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio
do governo Dutra. Com sede e foro na então capital federal, a FCP tinha como
principais finalidades: a) proporcionar a aquisição ou construção de moradia
própria, na zona urbana ou rural, a brasileiros e a estrangeiros com mais de
dez anos de residência no país; b) financiar obras de abastecimento d’água,
esgotos, energia elétrica e outras que visassem à melhoria do bem-estar das
camadas trabalhadoras; c) proceder a estudos que levassem a processos de
barateamento da construção habitacional; d) financiar indústrias de materiais
de construção.
O capital inicial da FCP foi estipulado em dois bilhões de
cruzeiros antigos e a União fez-lhe uma doação de três milhões. Dependendo de
verbas concedidas pelo governo, a FCP enfrentou nos seus primeiros anos severas
crises financeiras até que a Lei nº 1.473, de 24 de novembro de 1951,
promulgada já no governo Vargas, a dotou de recursos provenientes do Orçamento
Geral da República para os dez exercícios financeiros subseqüentes à
promulgação da lei. À atuação da FCP vieram juntar-se as operações imobiliárias
e de financiamento que vinham sendo efetuadas, há mais tempo, pelos institutos
e caixas de aposentadoria e pensões. Passaram estes, entretanto, a observar as
condições estabelecidas em instruções especiais do ministro do Trabalho,
Indústria e Comércio, no tocante à habitação. Estima-se em 120 mil o total de
unidades providas pela FCP, institutos e outros órgãos que promoveram a
habitação no período entre as décadas de 1930 e 1964 (ano em que foi
concomitantemente extinta a FCP e criado o BNH). Os poucos autores que
analisaram a intervenção do Estado na área habitacional neste período mostram
que é preciso situá-la dentro da política trabalhista do período Vargas e
sugerem que a moradia, transformada em uma das vantagens concedidas pelo Estado
a determinadas categorias de trabalhadores urbanos, serviu de instrumento de
cooptação e controle dos segmentos da classe trabalhadora, de cujo apoio o
Estado necessitava.
Criação, objetivos e modelo proposto pelo BNH
Quando, em 1964, se assistiu à mudança do regime político e
do modelo econômico do país, a questão da habitação mudou de feição e tomou
novo impulso, com o presidente Castelo Branco fazendo do plano habitacional o
primeiro grande plano de seu governo. Atribui-se a Sandra Cavalcanti a sugestão
para a criação do BNH, bem como o encaminhamento da proposta inicial do Plano
Nacional da Habitação. Segundo B. G. V. de Sousa, este fora originariamente
pensado no âmbito da campanha presidencial de Carlos Lacerda, mas, tendo em
vista a mudança de curso da política nacional, tomou novo destino. Criado o
BNH, este se propôs o seguinte: a) coordenação da política habitacional e do
financiamento para o saneamento; b) difusão da propriedade residencial, especialmente
para as classes menos favorecidas; c) melhoria do padrão habitacional e
eliminação das favelas; d) redução do preço da habitação; e) melhoria sanitária
da população; f) estímulo à poupança privada e, conseqüentemente, ao
investimento; g) aumento de investimentos nas indústrias de construção civil,
de material de construção e de bens de consumo duráveis; h) aumento da oferta
de emprego, visando a absorver mão-de-obra ociosa não especializada; i) criação
de pólos de desenvolvimento com a conseqüente melhoria das condições de vida
nas áreas rurais.
Na
verdade, elegia-se a habitação como eixo de uma política mais abrangente,
voltada para o desenvolvimento urbano. Como ressalta L. A. G. de Andrade, “a
escolha da habitação como eixo da política se deveu principalmente a ter sido
sob o aspecto das tensões nas favelas, das migrações maciças para as cidades,
que o problema urbano ganhou visibilidade e contorno nos inícios dos anos 60”. Ainda, como assinala G. Bolaffi, a sobrevivência política do novo regime dependia de “conseguir
formular projetos capazes de conservar o apoio das massas populares,
compensando-as psicologicamente pelas pressões a que vinham sendo submetidas
pela política de contenção salarial. Para tanto, nada melhor que a casa
própria”.
O
modelo proposto pelo BNH representou uma grande inovação em termos de política
habitacional. Em primeiro lugar, esta passou a ser comandada por um banco, ao
contrário das “soluções” anteriores baseadas na FCP, caixas de pecúlio e órgãos
previdenciários. Segundo, os financiamentos concedidos provinham de um
mecanismo de compensação inflacionária — a correção monetária — que reajustava
automaticamente os débitos e prestações por índices correspondentes às taxas de
inflação, enquanto as “soluções” precedentes eram implementadas na base de um
sistema de subsídio habitacional. E, finalmente, o modelo articulou o setor
público com o setor privado, ficando este encarregado, em última análise, da
produção, distribuição e controle das habitações. Como salienta G. Bolaffi:
“desde a sua constituição, a orientação que inspirou todas as operações do BNH
foi a de transmitir todas as suas funções para a iniciativa privada. O banco
limita-se a arrecadar recursos financeiros para em seguida transferi-los a uma
variedade de agentes privados intermediários.”
Evolução e tendências
Pode-se apontar três momentos distintos na história do BNH. O
primeiro estendeu-se de 1964 a 1967, quando o banco dispunha ainda de poucos
recursos e se preocupava sobretudo em montar sua estrutura. O BNH foi
constituído com um capital de um bilhão de cruzeiros antigos, cujo crescimento
estava então previsto pela arrecadação compulsória de 1% da folha dos salários
sujeitos à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do país.
A segunda fase, de 1967 a 1971, foi caracterizada por sua atuação enquanto banco de primeira linha e por sua entrada efetiva na área dos
financiamentos habitacionais. Foi nesta fase que o BNH passou a gestor
financeiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), criado através da
Lei nº 5.107, de 14 de setembro de 1966, e em vigor a partir de janeiro de
1967. O FGTS, constituído por 8% dos salários pagos mensalmente pelo empregador
e depositado em nome de cada empregado em conta vinculada bancária, com
remuneração de juros e correção monetária, representou uma alternativa ao
antigo regime da CLT. Na condição de gestor do FGTS, responsável pela aplicação
destes depósitos e devolução dos mesmos, o BNH passou a dispor de uma magnitude
de recursos que o tornaram, já em 1969, o segundo banco do país.
O ano de 1971 inaugurou a terceira fase do BNH, marcada por
uma reestruturação pela qual este, de autarquia, passou a ser uma empresa
pública, o que o levou a transformar-se em banco de segunda linha e a assumir
em escala crescente o papel de agente do desenvolvimento urbano do país, desde
que passou a financiar a infra-estrutura urbana e que seus investimentos
habitacionais passaram a direcionar a expansão das periferias das cidades. A
transformação em banco de segunda linha decorreu em grande parte das críticas a
que se viu exposto e das “represálias” dos adquirentes de casa própria (atraso
de pagamentos, abandono ou depredação dos imóveis). Os recursos passaram a ser
repassados diretamente aos agentes, que receberam, outrossim, os direitos de
processar os mutuários inadimplentes e recalcular a dívida para a revenda de
imóveis, isentando o BNH de qualquer relação direta com os mutuários do
sistema.
O
exame de dados relativos à origem dos recursos do banco (tabela 1), às
aplicações realizadas nos diversos setores (tabela 2) e aos financiamentos
habitacionais concedidos (tabela 3) chama ainda a atenção para aspectos
importantes da evolução que o BNH atravessou.
Os recursos do BNH provinham de dois mecanismos de poupança:
compulsória, via FGTS, e voluntária, via Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE), que atuava através das cadernetas de poupança e das letras
imobiliárias. Observa-se que até 1971 o BNH tinha como principal fonte de
arrecadação de recursos o recolhimento do FGTS. A partir de 1972, porém, os
recursos provenientes dos mecanismos de captação de poupança voluntária
começaram a superar os recursos arrecadados pelo FGTS. Convém salientar ainda
que o volume de saques do FGTS, que até 1975 não chegava a comprometer a metade
do total arrecadado, passou, a partir de 1976, a corresponder a mais 50% da arrecadação. Considerando-se o total de recursos ao longo do
período 1966-1978, verifica-se que, enquanto a poupança compulsória
representava 42,62%, a voluntária já contribuía em 57, 38%.
Como mostra a tabela 2, o BNH investia recursos em três áreas
básicas, a saber: a) habitação e operações complementares habitacionais; b)
desenvolvimento urbano; e c) operações complementares especiais, ou seja,
financiamento de materiais de construção. Até 1976, 20 subáreas distintas
compunham as três grandes áreas de atuação do banco. O setor de habitação, com
nove subsetores, concentrou até aquela data 70,8% do total das aplicações até
então realizadas. Os programas específicos da área de desenvolvimento já
arrebatavam 22,5% dos recursos, confirmando a tendência do banco de
intensificar suas aplicações em infra-estrutura urbana. E as operações
relativas ao Fimaco, englobando programas de estímulo à produção, transporte,
armazenamento e comercialização de materiais de construção, reuniam 6,5%.
A tabela 3 permite avaliar melhor a atuação do BNH no setor
habitacional, área onde o banco foi alvo das mais severas críticas.
Aparecem no quadro apenas as áreas majoritárias de atuação do
setor habitacional, a saber: a área da COS, que repassava recursos às
companhias de habitação (Cohabs), destinadas a atender às populações com renda
familiar mensal de até cinco salários mínimos; a área da Carteira de Programas
Habitacionais (CPH), que realizava operações através de cooperativas,
institutos, caixas hipotecárias de clubes militares e agentes do mercado de
hipotecas, atendendo a estratos médios baixos; a área do SBPE, que tinha como
agentes as sociedades de crédito imobiliário (SICs), as associações de poupança
e empréstimo (APEs) e as caixas econômicas, voltando-se para uma clientela de
estratos médios e altos; e a área do Recon, voltada para este mesmo tipo de
clientela mas oferecendo-lhe a possibilidade de financiamento de materiais de
construção, em vez da unidade pronta, como acontecia nos outros programas.
Os dados da tabela 3 mostram claramente a ocorrência de
mudanças significativas na política de investimentos habitacionais do próprio
BNH: se até 1969 o banco procurou concentrar investimentos na chamada “área de
interesse social” (COS e CPH), a partir de 1970 as áreas do SBPE e Recon
passaram juntas a concentrar a grande maioria das unidades financiadas até
atingir, em 1974, o auge de uma situação crítica: apenas 17 mil unidades
financiadas através da COS e da CPH, contra 80 mil pelo SBPE e Recon.
Severamente criticado por estar fugindo dos seus objetivos sociais, o BNH a
partir de 1975 voltou a injetar recursos no mercado popular e em 1976 os
financiamentos para a COS e a CPH voltaram a representar mais de 50% do total
dos financiamentos concedidos. Vale acrescentar que, ainda dentro da tentativa
de recuperar uma “imagem positiva”, o BNH instituiu em 1974 o Decreto-Lei nº
1.358, benefício fiscal que proporcionava a restituição de 10% do valor das
prestações pagas no ano anterior aos mutuários adimplentes.
A caminho da extinção
A
fase de reestruturação não conseguiu, no entanto, limpar a imagem e a própria
saúde financeira do BNH. No dia 5 de janeiro de 1983, foi publicada no jornal
Folha de S. Paulo uma denúncia sobre a renegociação da dívida do Grupo Delfin
com o BNH, que já rolava havia mais de nove anos sem amortização e sem garantia
real, e se agravava em função dos juros e da correção monetária. A intervenção
na Delfin já era pedida desde a gestão de Maurício Schulman frente ao BNH e
acabou se concretizando, tal como denunciado pela Folha, no dia 21 de janeiro
de 1983. Na operação, a dívida de cerca de 70 bilhões de cruzeiros, à época,
foi quitada em troca de empreendimentos habitacionais nas áreas de Jacarepaguá
e Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e de Cotia, em São Paulo, avaliados então em cerca de nove bilhões de cruzeiros. O principal dirigente do
Grupo Delfin, Ronald Guimarães Levinsohn, declarara ao jornal Folha de S.
Paulo, de 5 de janeiro de 1983, que a operação havia sido benéfica para ambos
os lados: “O Grupo Delfin devia Cr$70 bilhões, o que era muito valor, mas
apenas 40% do ativo. Com a crise que se aproximava, a decisão permitiria que o
grupo não saísse do mercado, mas ficasse numa situação mais cômoda (...); o BNH
tinha falta de terrenos e passou a dispor de locais para construção, sem nada a
desembolsar, apenas quitando a dívida do Grupo Delfin”.
Em
29 de novembro de 1983 foi nomeado novo presidente do BNH, Nélson da Mata, após
a solicitação de dispensa de José Lopes de Oliveira ao ministro do Interior
Mário Andreazza. Além das dificuldades com o saneamento de algumas empresas que
captavam recursos em cadernetas de poupança e escândalos como o do Grupo
Delfin, o banco ainda enfrentava dificuldades financeiras devido à diminuição
do orçamento e aos saques crescentes do FGTS. A crise econômica nacional
contribuiu para o desequilíbrio do mercado imobiliário; os financiamentos do
SFH minguaram com a maciça evasão dos depósitos nas cadernetas de poupança.
Para solucionar esse problema, foi criado um grupo de trabalho pela Instrução
nº 8/85 do presidente do BNH. O grupo realizou 12 reuniões entre 1º de abril e
10 de maio de 1985 e elaborou um documento com suas propostas finais, entre as
quais figurava a de buscar um índice único para o reajuste das prestações, com
vistas a compensar as diferenças nos índices de reajustes relativos aos anos de
1983 e 1984, que haviam sido superiores aos reajustes dos salários dos
mutuários. Mais grave ainda era o rombo das liquidações extrajudiciais no SFH
que, em 1985, somavam cerca de 13 trilhões de cruzeiros, como pode ser visto no
quadro da p. 483.
Apesar dos esforços, o governo chegou à conclusão de que os
problemas enfrentados pelo BNH eram insolúveis; considerava-se que o banco não
estava servindo como instrumento de desenvolvimento do setor e administrava um
déficit, calculado para um período de 15 anos, de cerca de 20 bilhões de
cruzados. Foram implementados incentivos para que os cerca de 3,5 milhões de
mutuários existentes no país quitassem seus compromissos com o sistema antigo.
O Decreto-Lei nº 2.291, de 21 de dezembro de 1986, que extinguiu o BNH,
estabeleceu que as atividades do banco fossem absorvidas pela Caixa Econômica
Federal, pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
pela Secretaria de Habitação do Ministério de Desenvolvimento Urbano (MDU). A
secretaria do MDU ficou encarregada de administrar as aplicações de recursos na
área de habitação de baixa renda; a Caixa Econômica e os bancos comerciais
passaram a ser os agentes do crédito imobiliário; e o BNDES assumiu a
responsabilidade pelos projetos de transporte urbano e saneamento básico, de
natureza social. A normatização do SFH passou a ficar a critério do Conselho
Monetário Nacional. Os 8.300 funcionários do BNH ficaram passíveis de serem
aproveitados pelos órgãos que deram continuidade às atividades do banco, mas
sem estabilidade de emprego, o que provocou várias manifestações de protesto
contra a decisão oficial de extinguir o órgão.
As condições da extinção do BNH desencadearam uma série de
críticas: o presidente da Associação dos Funcionários do BNH, Júlio Marques,
denunciou que o banco havia sido criado por lei e não poderia ter sido extinto
por um decreto, sem que o Congresso fosse consultado. Sidnei Saffe da Silveira,
presidente da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também
acusou a extinção do BNH, por decreto-lei, de “discricionária, ilegal e
inconstitucinal”.
A notícia da extinção do BNH pegou a todos de surpresa, nem
mesmo o presidente, José Maria Aragão, soube da medida. Entre as recomendações
do Grupo de Trabalho para reformulação do SFH criado em maio de 1986, não
constava a extinção do BNH, que também não foi analisada pelos setores técnicos
do banco ou do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. A decisão
final teria sido tomada em reunião realizada no gabinete do presidente José
Sarney, às vésperas da publicação do Cruzado II, embora o assunto tivesse
“amadurecido” há algumas semanas. Além do próprio Sarney, teriam estado
presentes ao encontro seu secretário particular (e genro) Jorge Murad, o
consultor-geral da República, Saulo Ramos, e o ministro Deni Schwartz, do
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, este apontado, segundo o jornal O
Globo, de 26 de novembro de 1986, como o mentor da extinção.
À época, foram levantadas várias hipóteses sobre os
verdadeiros motivos que levaram o governo à extinção do BNH. Uma delas teria
sido o objetivo de acabar com a conta individualizada do trabalhador, e o
conseqüente controle deste sobre as aplicações dos recursos do FGTS, que
passariam a englobar um “fundão” único juntamente com os recursos do PIS-Pasep,
sob a gestão única da Caixa Econômica Federal (O Estado de S. Paulo,
10/12/1986).
Segundo
a mesma matéria d’O Estado de S. Paulo, a vitória do PMDB nas eleições também
teria exercido pressão sobre o BNH, um dos poucos órgãos sob controle do PFL, o
que colocava o seu presidente José Maria Aragão como “alvo” das discussões.
Ainda se acrescentam as acusações apresentadas pelo subchefe do departamento de
Inspeção do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo do BNH e ex-liquidante
da Sul-Brasileiro-SP Crédito Imobiliário na ocasião, Lucas Pirajá de Oliveira
Rosa, para quem o controlador do grupo Delfin, Ronald Levinsohn, teria sido “um
dos mentores da extinção do BNH e certamente um dos maiores beneficiados pela
medida”. Ainda segundo Lucas Pirajá, “a pressão dessas empresas (as 23 empresas
liquidadas pelo governo), especialmente dos controladores dos grupos Edel e
Delfin, foi fundamental para a extinção do banco” (O Estado de S. Paulo,
2/12/1986).
Para
o superintendente de Controle e Fiscalização do BNH na ocasião, Josualdo
Medeiros, entrevistado na mesma matéria, “não restam dúvidas de que o fim do
banco interessa aos liquidados [já que] o total de Cz$80 bilhões decorrente das
23 empresas liquidadas fica agora com o seu recebimento indefinido”. A
morosidade do processo de liquidação extrajudicial traria vantagens aos
devedores, já que não havia correção monetária dos passivos das liquidandas,
por força do artigo 18, alínea “f”, da Lei nº 6.024/74. Esta distorção somente
foi corrigida com o advento da Constituição Federal de 1988, tendo o artigo 46
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias mandado corrigir esses
passivos desde a data do vencimento de cada obrigação.
No
documento DC-0395-38/92-P do Tribunal de Contas da União, atualizado em 5 de
novembro de 1992, referente ao pedido de informações ao Banco Central do Brasil
sobre a situação em que se encontravam os processos de intervenção e liquidação
extrajudicial de instituições financeiras, ainda constavam várias entidades do
Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), tais como a Apesp-Ape, a
Continental, a Economisa e a Sul Brasileiro. No documento, o Banco Central
informou que as causas do não encerramento das liquidações extrajudiciais
dessas empresas teriam sido as “divergências sobre os critérios de atualização
dos passivos [...] sendo que a Sul Brasileiro Crédito Imobiliário, sete anos
após o ato que decretou sua liquidação, ainda não apresentou quadro de credores
definitivo”. O documento conclui que, “embora a demora nos processos
liquidatórios não mais acarrete prejuízo aos credores, causam apreensão os
vultosos recursos públicos imobilizados por longos períodos nessas instituições
em liquidação, cujo recebimento depende da evolução dos procedimentos
liquidatórios, ou de eventual composição para o encerramento do regime”.
Lícia
do Prado Valadares colaboração especial/
Andrea
Ribeiro Hoffmann atualização
FONTES: ANDRADE, L.
Política; AZEVEDO, S. Política; BANCO NAC. HABIT. BNH; BANCO NAC.
HABIT. Relatório; BOLAFFI, G. Habitação; Estado de S. Paulo
(2 e 10/12/86); Folha de S. Paulo (26/5/85, 10/12/86); Globo
(26/11/86); Jornal do Brasil (26/11/86); SOUSA, B. BNH; TRINDADE,
M. Habitação.