BRASIL
URGENTE
O jornal semanal Brasil, Urgente foi lançado no dia 17
de março de 1963 sob a direção do frei dominicano Carlos Josafá. Segundo
Tristão de Ataíde, a intensa participação política do periódico “relegou a
segundo plano a linha cristã, indicando como solução para o jornal a de imitar
o Témoignage Chrétien, que reivindica soluções cristãs para os problemas
sociais, mantendo uma posição progressista diante do mundo moderno”. Em
discurso pronunciado na Câmara Federal, Franco Montoro anunciou o aparecimento
do jornal “como a presença de um movimento novo na vida política nacional”. O
parlamentar afirmou ainda que o jornal estava a serviço da liberdade, da
justiça e da verdade, e que contava com oito mil acionistas, “brasileiros de
todas as camadas sociais, que querem um jornal livre”.
A
primeira página da primeira edição dizia: “Eis o nosso jornal, leitor amigo. O
seu jornal. O jornal do povo, a serviço da justiça social. Este primeiro número
não reflete ainda tudo aquilo que Brasil, Urgente espera proporcionar a
seus leitores. Mas já se constitui numa amostra.” O editorial, na página 3,
afirmava: “Este jornal não nasceu de interesses econômicos. Não surge bafejado
por grupos políticos ou financeiros. Nem brota do beneplácito de trustres,
nacionais ou internacionais. Começa a existir, porque oito mil acionistas,
brasileiros de todas as camadas sociais, particularmente trabalhadores, homens
da classe média, estão convencidos de que se faz necessário um jornal livre, a
serviço exclusivamente da verdade e da justiça social.” E continuava: “Para um
jornal afirmar-se plenamente livre é necessário antes de tudo ser
economicamente independente. Nesta convicção, estamos partindo com um capital
realmente fornecido pelo povo, pois é fruto de uma subscrição popular deveras
ímpar, não só pela sua extensão, mas ainda pela forma democrática em que se
assegura aos contribuintes a participação na vida e responsabilidade da
empresa.” E mais adiante: “Distinguindo nitidamente a sua dupla função,
informativa e operativa, Brasil, Urgente não será omisso nem neutro
diante das causas nacionais, continentais, internacionais ou humanas. Mas
saberá manter-se objetivo na apresentação dos fatos, por mais relevantes
ou apaixonantes que sejam.”
Brasil,
Urgente era um jornal sustentado por oito mil acionistas,
“particulamente trabalhadores e homens de classe média”, nascendo livre e “a
serviço exclusivamente da verdade e da justiça social”. Era publicado pela
Editora Veritas Ltda., e seu conselho editorial compunha-se dos seguintes
nomes: frei Carlos Josafá, Rui do Espírito Santo, Roberto Freire, Alfredo
Gandolfo, José Raul Carneiro, Gilberto Moreira, Dorian Jorge Freire, Josimar
Moreira, Fausto Figueira de Melo e Maria Olímpia França. Roberto Freire era o
diretor responsável e Rui do Espírito Santo o diretor administrativo. Na coluna
em que era apresentado o expediente do jornal, havia o seguinte comunicado aos
acionistas: “Prezado acionista: saiu. Aqui está o nosso jornal, combatido,
difamado, discutido. Tudo isso significa que ele vive há muito tempo.”
As
questões que Brasil, Urgente mais veiculava eram as à época denominadas
reformas de base: “Reformas de base sem medo nem imposturas” (31/3/1963);
“Bispos e povo na linha das reformas” (5/5/1963); “O Brasil marcha para as
reformas” (12/5/1963); “Luta pelas reformas em São Paulo começa com Arrais e Almino”; “Cartilha de reforma: porque a Constituição não é
intocável” (19/5/1963); “MUD: favela só acaba com a reforma urbana!”
(21/7/1963); “Mudança da estrutura agrária para eliminar o subdesenvolvimento”
(30/6/1963). Além do des-taque às reformas de base, o jornal denunciava com
veemência “O golpe em marcha” (7/4/1963). Nesse editorial podia-se ler: “Tudo
dentro da ordem democrática, do rigoroso respeito às liberdades públicas... Na
lei, e pela lei dentro da lei, porque fora da lei não há salvação.”
A
defesa das reformas de base e da legalidade tornou-se o temário com o qual o
periódico reagia às freqüentes investidas que sofria: “Brasil, Urgente
surgiu de um movimento. Tem raízes ideológicas firmes e bem conhecidas. É a
expressão de um ideal coletivo. Não importa que reacionários e comunistas
empedernidos, irmanados na campanha de descrédito ou descrença, usem do mesmo
argumento, apelem para o mesmo chavão. Não é a primeira vez que se
juntam para combater algo que se insurge contra os privilégios de uns e a insinceridade
de outros. A estes não é preciso explicar nada.” (Josimar Moreira, 12/5/1963).
E duas edições depois: “A mobilização popular atingiu os seus legítimos
objetivos e os seus pontos culminantes. A nação inteira, neste instante,
reclama as reformas, partindo da certeza de que sem elas não alcançaremos a
libertação, de que tentar impedi-las ou adiá-las é cometer ato de irrecusável
traição nacional... Contra as reformas, apenas uma minoria. Tão só aqueles
notoriamente vinculados a privilégios iníquos que as reformas irão sepultar, em
nome da justiça social e da verdadeira caridade cristã” (26/5/1963).
Diante
do agravamento da crise à medida que avançava o ano de 1963, e nos primeiros
meses do ano seguinte, a linha editorial do jornal e os artigos assinados por
frei Carlos Josafá foram se tornando mais radicais: “se o imperialismo manchou
a nossa história e ainda hoje ensagüenta o nosso país, roubando as nossas
riquezas, impedindo o nosso desenvolvimento e envenenando todos os aspectos da
vida nacional, não falemos de conciliação, não falemos de composição. A palavra
de ordem é radicalização. Diante da espoliação, diante da violência, temos que
optar e exigir opção. O medo, a subserviência, são os aliados da rapina, do
colonialismo aberto ou disfarçado... chegou a hora da revolução social
brasileira cristã. Levantem-se os líderes, e o povo brasileiro não vacilará em segui-los. E não será uma palavra vazia o primeiro grito radical com que se iniciou a nossa
emancipação política: Independência ou morte” (frei Carlos Josafá, edição nº
42, ano I, 29/12/1963).
Igualmente, a denúncia contra o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD) era constante: “Sangue e vergonha no rastro do IBAD: dólar e
cruzeiro para financiar banditismo político” (28/7/1963) ou “Palavra de ordem:
encampar Capuava/Ibadianos voltam mascarados” (15/9/1963).
A
edição nº 22, de 11 de agosto de 1963, comunicava que frei Carlos Josafá
figurava como um dos diretores do jornal, juntamente com Rui Espírito Santo,
Roberto Freire, Dorian Jorge Freire, Josimar Moreira e Fausto Figueira de Melo.
O nº 25 indicava o seguinte no expediente: fundador, frei Carlos Josafá,
diretores: Dorian Jorge Freire, Fausto Figueira de Melo, Josimar Moreira de
Melo, Roberto Freire e Rui Espírito Santo. A despeito da central importância de
frei Carlos Josafá na fundação e direção do periódico, não se deve concluir que
Brasil, Urgente fosse um jornal da Igreja: “Recentemente no empenho de bem
fixar a nossa posição, reafirmando os princípios que informam este jornal e
inspiram os seus diretores, declaramos que, Brasil, Urgente ‘não é
porta-voz da Igreja, nem intérprete do clero nem da hierarquia’. Não é um
jornal da Igreja Católica, da arquidiocese paulistana, do cardeal Mota, dos
padres em geral ou particularmente do frei Carlos Josafá, seu ilustre fundador
e colaborador. É um jornal do povo, livre de compromissos espúrios, enérgico na
defesa intransigente das causas brasileiras e populares. É um jornal de uma
coletividade cristã que o criou e o mantém, entre sacrifícios e heroísmo,
dirigido por católicos cônscios de suas graves responsabilidades e que
escolheram este campo para o exercício de suas atividades cristãs no plano
temporal... Brasil, Urgente não é um jornal da Igreja, não é um jornal
do clero, não é um jornal da hierarquia” (22/9/1963).
Na
edição de 10 de novembro de 1963, José Reinaldo Barbosa passou a figurar também
como diretor do semanário, e o editorial da edição de 18 de novembro anunciava
que frei Carlos Josafá, “fundador, ex-diretor e colaborador deste jornal,
atendendo às determinações de seus superiores, viajará dentro de alguns dias
para a Europa, devendo demorar-se na capital da França”, fato que desagradava
profundamente o corpo de diretores do semanário.
No
decorrer do mês de janeiro de 1964, diante da crise financeira por que passava,
Brasil, Urgente iniciou uma campanha “para salvar” o semanário,
conclamando seus leitores para que auxiliassem na sobrevivência do jornal.
A edição correspondente ao segundo ano de vida do jornal teve
como manchete “EUA decretam invasão de Cuba ou fim da OEA.” Nessa mesma edição
(14/3/1964) foi anunciado o afastamento de Josimar Moreira Melo da direção do
jornal, uma vez que este estava “transferindo-se para a Guanabara, onde deverá
ocupar importante cargo na direção do tradicional Diário Carioca”.
A penúltima edição do jornal, de 21 de março de 1964,
apresentava na primeira página as seguintes manchetes: “Metralhadoras contra as
reformas”, “Povo traça nas ruas destinos do Brasil”, “Congresso isola-se da
nação na defesa dos privilegiados”, “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”.
A
última edição do jornal, de nº 55, publicada a 28 de março de 1964, apresentava
na primeira página as manchetes. “Fascistas preparam golpe contra Jango” e “São
Paulo sem tranqüilidade: Ademar contra a legalidade”. O editorial intitulado
“Frente Popular” afirmava: “Outros grandes triunfos colherá o presidente da
República, na medida em que ouvir e atender aos clamores do povo e cumprir o
patriótico programa da Frente Popular. Somente um governo do povo e para o povo
devolverá ao Brasil a verdadeira paz e somente realizando o governo
nacionalista, democrático e popular que a maioria está exigindo, terá o
presidente João Goulart possibilidades efetivas não apenas de vencer a reação
fascista e a trama internacional urdida contra o seu governo, mas de cumprir,
um a um, os seus altos deveres para com o Brasil e o seu povo.” À página 19,
ocupando toda a página, vinha o “Manifesto ao povo” da Ação Católica Brasileira
da Arquidiocese de São Paulo, em que era reafirmada sua “disposição de lutar
com todas as nossas forças pelas reformulações estruturais do país, em
conformidade com o lúcido e oportuno manifesto da Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil, datado de 30 de abril de 1963”.
Amélia
Cohn
colaboração especial
FONTES: Brasil,
Urgente; CÂM. DEP. Anais; Tribuna da Imprensa (18/1/64).