COMISSÃO
MISTA BRASIL-ESTADOS UNIDOS
Grupo de trabalho oficialmente instalado na órbita e no
próprio prédio do Ministério da Fazenda em 19 de julho de 1951. Tendo
completado seus estudos técnicos em 31 de julho de 1953, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico encerrou oficialmente
suas atividades em 31 de dezembro do mesmo ano. Seu relatório final foi
apresentado ao ministro da Fazenda Eugênio Gudin em novembro de 1954.
Antecedentes
Em abril de 1950, ainda no governo Dutra, por ocasião da
reunião dos embaixadores dos países americanos realizada no Rio de Janeiro, o
governo brasileiro reivindicou um financiamento norte-americano para um vasto
programa de reequipamento dos setores de infra-estrutura. Os entendimentos
entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil na ocasião se processaram por
intermédio do embaixador norte-americano Herschell Johnson e do então ministro
das Relações Exteriores, Raul Fernandes.
A solicitação do governo brasileiro resultou no pedido de
criação de uma comissão mista formada por técnicos dos dois países, com o
objetivo de elaborar projetos específicos favoráveis ao desenvolvimento do
potencial econômico brasileiro. A prioridade caberia aos setores de transportes
e de energia, “pontos de estrangulamento” mais sensíveis da economia, e ainda
ao setor da agricultura.
Durante
as negociações para a instalação da comissão mista, o governo norte-americano
vinculou explicitamente sua participação ao cumprimento da lei sobre o
desenvolvimento internacional, popularmente conhecida como Programa do Ponto
IV. Esse programa consistia num plano de assistência técnica aos países
subdesenvolvidos, divulgado pelo governo Truman em janeiro de 1949. Afirmava o
governo norte-americano que a principal tarefa de uma comissão mista seria
encorajar a introdução da técnica e do capital estrangeiro no Brasil.
A proposta brasileira só foi contudo formalmente aceita em
dezembro de 1950, ocasião em que já se conhecia a vitória de Vargas nas
eleições e os Estados Unidos preparavam a IV Reunião Consultiva dos Chanceleres
Americanos, convocada para março de 1951 em Washington. Segundo Luciano Martins, o objetivo desse encontro era coordenar o apoio
latino-americano à intervenção dos Estados Unidos na Guerra da Coréia.
Desde
fins de novembro de 1950, portanto dois meses antes de assumir a presidência,
Getúlio Vargas escolhera João Neves da Fontoura para seu ministro das Relações
Exteriores, incumbindo-o de entrar em negociações com os Estados Unidos visando
à reunião dos chanceleres.
De fato, numa das sessões da Reunião Consultiva, o secretário
de Estado Dean Acheson transmitiu a João Neves da Fontoura a necessidade de
cooperação militar do Brasil na Coréia, idéia essa que não chegou a ser aceita.
Por outro lado, durante o encontro o Brasil fez uma série de acordos com os
norte-americanos sobre minerais estratégicos, ajustes esses chamados por
Luciano Martins de “novos acordos de Washington”.
A Comissão Mista só foi efetivamente instalada em julho de
1951, como resultado das negociações realizadas em Washington pelo segundo
governo Vargas.
Objetivos e financiamento
A
Comissão Mista aproveitou os estudos sobre os problemas econômicos
brasileiros efetuados por duas missões anteriores de técnicos norte-americanos:
a Missão Cooke, de 1942, e a Missão Abbink, enviada ao Brasil em 1948.
O trabalho dessas missões limitara-se a investigações e a
análises. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, por sua vez, valorizando a
prestação de assistência técnica, visava objetivos mais concretos. Esses objetivos,
delineados desde abril de 1950, graças ao andamento julgado positivo das
conversações entre autoridades brasileiras e norte-americanas, situavam-se em
dois níveis.
Enquanto a meta final era a criação no Brasil de condições
para o incremento do fluxo de investimentos públicos e privados, nacionais e
estrangeiros, visando a acelerar o desenvolvimento econômico e a eliminar todo
tipo de obstáculo, o objetivo imediato consistia na preparação de projetos
específicos para inversões de capital em setores básicos, capazes de assegurar
o crescimento equilibrado da economia nacional.
O financiamento desses projetos setoriais seria da
responsabilidade: 1) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
instituição organizada ainda no período de atividade da Comissão Mista para
financiar o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (o BNDE seria
responsável pela concessão de créditos em cruzeiros, particularmente no setor
ferroviário); 2) de outras fontes, como orçamentos federais, reservas e fundos
especiais de reequipamento, lucros de operação e capitais privados, sobretudo
no setor de energia elétrica (tratando-se ainda de empréstimos em cruzeiros), e
3) do Banco de Exportação e Importação (Eximbank) e do Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), responsáveis pelo financiamento em moeda
estrangeira.
Os
dólares serviriam para a importação de equipamentos destinados à execução dos
projetos, enquanto os recursos em cruzeiros deveriam ser utilizados para gastos
internos, como mão-de-obra e compra de outros equipamentos já fabricados no
Brasil. Continuava a viger a recomendação, feita pelas missões técnicas
anteriores, de que os recursos em cruzeiros fossem levantados por meios
antiinflacionários.
A comissão previa para a execução de seus projetos um
investimento global de cerca de 22 bilhões de cruzeiros antigos, dos quais
pouco mais de 1/3 corresponderia a despesas em moeda estrangeira (387,3 milhões
de dólares). Esse investimento seria assim distribuído: 60,6% para o setor de
transportes (13,3 bilhões de cruzeiros); 33,1% para o setor de energia elétrica
(7,2 bilhões de cruzeiros) e 6,3% para projetos relativos à indústria, máquinas
agrícolas ou estocagem de cereais (1,4 bilhão de cruzeiros).
Estrutura e atuação
Apesar de ter sido organizada dentro e fora do país pelo
Ministério das Relações Exteriores, a Comissão Mista, instalada oficialmente em
julho de 1951, subordinou-se à orientação do Ministério da Fazenda, ocupado por
Horácio Lafer, um dos líderes industriais e políticos pessedistas de maior
projeção na época. De fato, os projetos específicos de que a comissão pretendia
se ocupar se vinculavam mais adequadamente à pauta do Ministério da Fazenda do
que à do Itamarati.
A
equipe que compunha a comissão dividiu-se em duas seções, uma brasileira e uma
norte-americana, com número idêntico de técnicos e chefiadas cada qual por um
presidente.
A
seção norte-americana era presidida pelo embaixador Merwin L. Bohan,
substituído, no período de outubro de 1951 a agosto de 1952, por J. Burke Krapp. Os técnicos norte-americanos eram, em sua maior parte, contratados a uma
empresa particular, que enviava especialistas nos diferentes assuntos.
A
seção brasileira era chefiada pelo engenheiro Ari Frederico Torres e contou com
a participação ativa de um grupo de técnicos que já haviam colaborado na Missão
Abbink. Entre eles figuravam economistas influentes como Roberto Campos, Glycon
de Paiva e Lucas Lopes, que, juntamente com o empresário Valentim Bouças,
formavam o grupo de conselheiros da comissão. Havia também representantes do
Ministério das Relações Exteriores, os embaixadores Abelardo Bretanha Bueno do
Prado, Edgar Bandeira Fraga de Castro e Décio Honorato de Moura. Destacou-se
ainda a participação de José Soares Maciel Filho, que gozava da confiança
pessoal do presidente Vargas, e foi nomeado diretor superintendente do BNDE
quando de sua criação.
As atividades administrativas da comissão foram conduzidas
por um secretário-geral, enquanto o trabalho técnico era realizado pelas
subcomissões de energia elétrica, de transporte ferroviário, de transporte
sobre água, de portos, de agricultura e de assistência técnica.
Preocupada em preparar projetos suscetíveis de obter
financiamento imediato de instituições financeiras internacionais, a comissão
manteve-se em contato permanente com o ministro da Fazenda Horácio Lafer. Em
setembro de 1951, Lafer foi a Washington e aí declarou que o governo Vargas
estava disposto a cumprir as recomendações feitas pela Missão Abbink e mencionadas
a João Neves da Fontoura seis meses antes pelo Departamento de Estado como
indispensáveis à obtenção da ajuda norte-americana, ou seja, o país
comprometia-se a manter o equilíbrio orçamentário, a combater a inflação e a
apoiar a indústria privada nacional e estrangeira.
O encaminhamento dos projetos era a própria base tanto para a
obtenção do financiamento externo quanto para a dinamização das inversões
internas. O exame das condições nacionais de financiamento dos projetos também
foi preocupação da Comissão Mista, dele surgindo o projeto do BNDE, que se
tornou uma agência de singular impacto no processo de desenvolvimento
brasileiro.
Depois de elaborados — ao todo foram 41 os projetos da
Comissão Mista —, eram encaminhados ao ministro da Fazenda, que os enviava ao
presidente da República para aprovação. Aceitos pelo presidente, voltavam à
comissão, que os remetia ao Departamento de Estado norte-americano. Este, por
sua vez, inquiria o BIRD ou o Eximbank sobre sua disposição de encaminhar
empréstimo referente a cada um dos projetos.
Conclusão
O relatório final da Comissão Mista limitou-se, na verdade, à
análise de dois setores: transportes e energia.
Paralelamente a essa limitação, o governo brasileiro fora
informado de que havia conseguido um crédito de quinhentos milhões de dólares,
o que não correspondia à realidade das negociações mantidas pelo ministro João
Neves da Fontoura em Washington. A informação fornecida por João Neves da
Fontoura ao presidente Vargas fora inexata. O Banco Mundial nunca acertou com
as autoridades brasileiras, nem nessa, nem em outras ocasiões, um crédito fixo
para um conjunto de projetos, com o objetivo de tornar exeqüível um programa de
reaparelhamento econômico. Fixou, isto sim, a possibilidade de financiamento de
projetos específicos, mediante a aprovação da Comissão Mista. Falhou, portanto,
a comissão, ao trabalhar a partir de negociações que não correspondiam à
realidade.
A
contribuição técnica da Comissão Mista, assim como das missões que a
antecederam, representou contudo um importante papel: o de formar uma equipe de
técnicos nacionais aptos a elaborar projetos para o desenvolvimento econômico
do Brasil. Esse grupo, que mais tarde fundou a Consultec, elaborou todos os
projetos do BNDE, base para o futuro Conselho do Desenvolvimento que preparou o
chamado Programa de Metas do governo Kubitschek (1956-1961).
Após a dissolução da Comissão Mista, em dezembro de 1953,
coube ao BNDE o encargo de levar avante as negociações para execução dos projetos
por ela recomendados.
Vera
Calicchio
FONTES: ALMEIDA, R.
Vargas; FRANCO, C. Criação; MARTINS, L. Politique;
Observador Econ. Fin. (4/55).