COMUNIDADES
ECLESIAIS DE BASE (CEBs)
As comunidades eclesiais de base (CEBs) são organismos da
Igreja Católica que se caracterizam por: (a) celebração dominical realizada por
leigos ou leigas; (b) ampla participação na tomada de decisões, geralmente por
meio de assembléias; e (c) ligação entre a reflexão bíblica e a ação na sociedade.
Antecedentes
O
período de preparação do Concílio Vaticano II (c. 1960) favoreceu as
iniciativas que buscavam uma estrutura eclesial mais adequada ao diálogo com o
mundo moderno do que a paróquia, organismo medieval no qual todas as funções
religiosas recaíam sobre o padre. Nesse contexto, as “pequenas comunidades”
pareciam ser o meio mais favorável à participação leiga na Igreja e à sua
influência na sociedade urbana e industrial. Em 1968 a II Conferência dos Bispos da América Latina, reunida em Medellín Colômbia, propôs a Comunidade Eclesial de Base (CEB) como seu principal instrumento
pastoral, ligando a forma comunitária à opção preferencial pelos pobres. Formulou‑se
então a Teologia da Libertação que, retomando experiências ensaiadas desde os
anos 1950-1960 na Ação Católica, no Movimento de Educação de Base e em outros
setores renovadores da Igreja, inclusive em denominações protestantes,
fundamentava uma ação pastoral comprometida com as causas populares.
Desenvolvimento
As CEBs nasceram numa conjuntura sociopolítica marcada pelo
regime militar autoritário e pelo conseqüente fechamento dos canais de
participação política. Reagindo contra ele em nome dos direitos humanos, a
Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB) deu cobertura institucional às
CEBs e às pastorais (Indigenista, da Terra, Operária, da Juventude), mais
sujeitas à repressão policial militar. Assim, nos anos 1970 e no início da
década seguinte muitos setores sociais encontraram nas CEBs seu espaço de
atuação política, embora elas não deixassem de ser espaços propriamente
religiosos.
As CEBs se formaram, de modo geral, em regiões cuja população
não era freqüentemente atendida pelo padre. Dadas as grandes extensões territoriais
ou demográficas de muitas paróquias rurais e de periferia urbana, a Igreja
Católica passou a estimular leigos e leigas a assumirem por si mesmos os
serviços religiosos em sua comunidade. Ocupando uma posição de liderança
religiosa, essas pessoas tenderam a assumir também um lugar de destaque no
sistema de poder local. Inspirados por uma leitura libertadora da Bíblia
que fala do Reino de Deus já na História, os membros das CEBs procuraram
realizá‑lo atuando em movimentos sociais, associações de moradores,
sindicatos e partidos políticos, assumindo normalmente posições que podem ser
caracterizadas como de esquerda pela valorização do igualitarismo, da
democracia direta e da utopia socialista, o que explica a afinidade de muitos
de seus membros com o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a
Central de Movimentos Populares.
A partir de 1979, início do pontificado de João Paulo II,
ganhou força o movimento restaurador que, controlando a Cúria romana, favoreceu
os setores do episcopado que preferiam ver a Igreja distante dos movimentos
populares e voltada unicamente para as atividades de culto e catequese. Desde
então, as CEBs vêm perdendo sua caixa de ressonância na sociedade: a voz dos
bispos e teólogos oficiais. Continuaram, contudo, ativas em seu trabalho de
base, organizando grupos que unem a fé cristã à atuação sociopolítica na
comunidade local. Têm hoje menor visibilidade social e menor influência
institucional do que nos anos 1980, mas não deixaram de formar lideranças
populares atuantes em movimentos sociais, sindicais, políticos e culturais.
Organização
Grupos
locais cujo alcance confunde‑se normalmente com a vizinhança ampliada
(bairro, vila ou morro nas periferias urbanas; vilarejo, patrimônio ou
colônia na zona rural), as CEBs não seguem um modelo fixo, amoldando‑se
a diferentes contextos socioculturais. Em periferias urbanas podem congregar
mais de mil famílias, com inúmeros pequenos grupos: de reflexão bíblica; de
liturgia, catequese e outros serviços, grupos específicos (de vizinhos, jovens,
mulheres, operários, negros...) e ainda associações piedosas ou caritativas. Já
nas zonas rurais costumam ser pequenas e de pouca diversificação interna.
Embora faltem dados estatísticos precisos, pode‑se
estimar em cerca de 60 a 80 mil (dez vezes o número de paróquias) as CEBs hoje
espalhadas pelas quase 250 dioceses do Brasil. Dada sua condição de unidades
básicas da Igreja e espaço para a celebração dos sacramentos, elas subordinam‑se
ao bispo local. Não se confinam, contudo, ao âmbito diocesano: uma ampla rede
de relações coloca-as em interação e evita seu isolamento. A trama mais
importante dessa rede é constituída pelos encontros intereclesiais, iniciados
em 1975 e realizados a cada três ou quatro anos. A cada encontro é proposta uma
temática específica para ser debatida em nível local, diocesano e regional em
preparação ao encontro nacional, sempre usando o método
“ver/julgar/agir/avaliar”. Tal método obriga que se tome como ponto de
partida a experiência das comunidades, produzindo‑se então uma afinidade
fundada no consenso em torno de certas práticas pastorais e sociais — é o que
se chama “caminhada”. Sendo livre a adesão a esse consenso, ele permite
diferenças entre as comunidades plenamente identificadas com a pastoral
libertadora e as que dela se distanciam.
A rede das CEBs não tem dirigentes ou organismos
coordenadores. Aliás, elas não têm estatuto jurídico, embora sejam oficialmente
reconhecidas pela CNBB e por documentos pontifícios. Sua articulação se dá de
modo informal, no próprio processo de preparação de cada encontro
intereclesial. Uma equipe local funciona como secretaria executiva, enquanto um
grupo de representantes regionais funciona como instância deliberativa
nacional. Ambas contam com a participação de bispos e assessores teológicos que
asseguram sua ligação com outras instâncias eclesiásticas. Organização análoga
ocorre nos níveis regionais e nas dioceses, onde os representantes das bases
locais formam equipes encarregadas de promover seus encontros, sem, contudo,
interferir no cotidiano de cada comunidade, autônoma por natureza.
Essa
organização, contrastante com a estrutura medieval e monárquica do catolicismo
romano, foi definida em documento da CNBB como uma nova forma de ser Igreja.
Sua originalidade reside no fato de que, ao realizarem as atividades
pastorais habituais de modo popular e participativo, as CEBs rompem a relação
clerical e introduzem na Igreja Católica um outro modo de agir. Na medida em
que essa forma peculiar de ação social desdobra‑se para fora delas, as
CEBs passam a contribuir também para a renovação do cenário sociopolítico
brasileiro, incorporando‑lhe a prática participativa e igualitária
desenvolvida a partir da experiência comunitária nas bases populares.
Pedro
A. Ribeiro de Oliveiracolaboração especial
FONTES:
BOFF, C. Comunidades; BOFF, L. Eciesiogênese; CNBB. Comunidades;
TEIXEIRA, F. Encontros.