CORREIO
DA MANHÃ
Jornal carioca diário e matutino fundado em 15 de junho de
1901, por Edmundo Bittencourt e extinto em 8 de julho de 1974. Foi durante
grande parte de sua existência um dos principais órgãos da imprensa brasileira,
tendo-se sempre destacado como um “jornal de opinião”.
A República Velha
A fundação do Correio da Manhã pode ser
relacionada à Revolução Federalista, deflagrada nos primeiros anos da República
(1893-1894) no estado do Rio Grande do Sul, e aos eventos que a ela se
sucederam no cenário político da nação.
Sabe-se
que Edmundo Bittencourt estava de alguma forma vinculado aos federalistas.
Ainda no Segundo Reinado, iniciara sua vida jornalística em Porto Alegre, colaborando em A Reforma, jornal pertencente ao conselheiro
Gaspar Silveira Martins. Essa formação gasparista e portanto oposicionista
parece explicar a linha “participante e combativa” que Bittencourt imprimiria a
seu próprio jornal.
De fato, declarando-se isento de qualquer tipo de compromisso
partidário, o Correio da Manhã apresentou-se como o defensor “da
causa da justiça, da lavoura e do comércio, isto é, do direito do povo, de seu
bem-estar e de suas liberdades”. Em outro nível, o jornal causou grande impacto
por sua independêndia da situação, vindo “romper com os louvores a Campos
Sales”, então presidente da República. Finalmente, outra característica do Correio
da Manhã no momento de sua fundação foi sua aproximação com as
camadas menos favorecidas da sociedade.
A primeira campanha levada a efeito pelo jornal — o combate
contra o aumento no preço das passagens dos bondes da Companhia São Cristóvão —
traduzia esse interesse pelo direito das massas. Desde o primeiro número, o
Correio fez também campanha contra os jogos de azar e denunciou os funcionários
públicos que extorquiam dinheiro de comerciantes. Evaristo de Morais, um de
seus colaboradores, chamava a atenção para os movimentos operários em todo o
mundo e para a ação coercitiva das leis brasileiras diante das reivindicações
partidas das camadas mais pobres. Além disso, o jornal dava destaque em suas
páginas a passeatas e movimentos coletivos.
O oposicionismo do Correio da Manhã foi visto pelo
próprio jornal em edições comemorativas posteriores como o “combate ao controle
do poder pelas oligarquias que tentaram durante a Primeira República deter o
país num estágio agrícola de produtor e exportador de matérias-primas e
importador de manufaturas.”
Na
verdade, o jornal era uma espécie de frente organizada para opor-se à situação.
Admitindo colaboradores das mais diversas tendências, como o conde de Afonso
Celso, monarquista, e Medeiros e Albuquerque, simpatizante do florianismo,
Edmundo Bittencourt empenhava-se no entanto em recusar caráter neutro a seu
jornal. Sua personalidade funcionava como uma espécie de denominador comum
entre as diferentes opções políticas de seus colaboradores, constituindo a
verdadeira força motriz que impulsionava o Correio da Manhã nessa
primeira fase. Essa relação entre proprietário e jornal e entre proprietário e
corpo de redatores é descrita em Recordações do escrivão Isaías
Caminha (1909), onde Lima Barreto, segundo chave fornecida por seu biógrafo
Francisco de Assis Barbosa, faz detida análise do Correio da Manhã nos
primeiros anos de sua existência. Numa referência a Edmundo Bittencourt, diz o
texto: “Nenhum dos seus redatores tinha uma personalidade suficientemente forte
para resistir ao ascendente da sua. Medíocres de caráter e inteligência, embora
alguns fossem mais ilustrados que ele, a ação deles no jornal recebia... o
sinete de sua paixão dominante, a sua característica; e esta era, a despeito de
sua fraca capacidade intelectual, a resistência que o seu cérebro oferecia ao
trabalho mental contínuo.”
Mantendo-se portanto sempre avesso tanto à neutralidade como
ao compromisso partidário, durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906) o Correio
da Manhã aplaudiu a nomeação de Pereira Passos para a prefeitura do
Distrito Federal, por considerá-lo homem “sem ligações partidárias e que se tem
distinguido principalmente como administrador”. No entanto, não tardaram as
críticas à maneira violenta pela qual era aplicada a obrigatoriedade da
vacinação contra a varíola, dando margem a uma revolta orientada
ideologicamente pela oposição. Esse movimento, deflagrado em novembro de 1904,
encontrou respaldo no jornal, que agia em dois níveis: de um lado, assumindo o
papel de aglutinador da frente formada contra a vacina obrigatória sob a
liderança de Mauro Sodré, Alexandre Barbosa Lima e Barata Ribeiro, e, de outro,
contestando a própria validade científica da vacina, a qual, segundo o
Apostolado Positivista do Brasil, não passava de um “ envenenamento
inconsciente da espécie humana através do pus da vaca”.
Essa
atitude do Correio da Manhã diante da vacinação obrigatória refletia a
posição do jornal frente a um fenômeno mais amplo, o do desenvolvimento
urbano-industrial do Rio de Janeiro verificado sob o governo Rodrigues Alves.
Assim como as medidas de saneamento, a remodelação da cidade iniciada em 1903
tendeu a atingir sobretudo os setores mais desfavorecidos da sociedade. Um
artigo assinado por Gil Vidal (pseudônimo de Leão Veloso Filho), primeiro
redator-chefe do jornal, chamava a atenção para o fato de que, embora a
vacinação fosse obrigatória para todos, “o todo é composto por partes
diferentes... Criado ou empregado de residência particular, empregado de
negociante, operário de fábrica, operário de oficina, são os casos em que a
admissão no emprego está condicionada à apresentação do atestado de vacina...
Para os poderosos e para os amigos do governo não haverá, entretanto, vacinação
obrigatória”.
Na verdade, o jornal, apoiando os setores menos favorecidos,
não fazia mais que arregimentar elementos para constituir aquilo que se poderia
denominar uma clientela urbana. Esta clientela iria dar conta da tradição
legalista do Correio da Manhã daí em diante: a orientação oposicionista,
baseada no respeito incondicional à letra da lei, atacando qualquer forma de
intervencionismo do Estado e pugnando pelo primado dos preceitos liberais,
tendia a cristalizar-se.
Em seguida à revolta popular contra a vacina obrigatória, o Correio
da Manhã tomou a defesa de Lauro Sodré, que fora detido num navio de
guerra. Pouco depois, ao se comemorar o 15º aniversário da República, o jornal
lamentou que esta forma de governo não tivesse, ao menos no Brasil, o conteúdo
liberal esperado, pois se havia convertido em “regime de insuportável opressão
e tirania”.
Em
1906, sentindo-se ofendido por matéria assinada por Edmundo Bittencourt,
Pinheiro Machado desafiou para um duelo o proprietário do Correio da Manhã, que
saiu ferido do embate. Esse fato foi significativo, na medida em que definiu
com rigor a linha política oposicionista do jornal, sobretudo se se levar em
consideração a posição governista do senador durante a Revolução Federalista.
Mais tarde, o jornal colocou-se contra a obrigatoriedade do serviço militar,
instituída por Hermes da Fonseca, ministro da Guerra do governo Afonso Pena.
Foi, no entanto, por ocasião do início do debate sucessório
do governo de Afonso Pena (1908) e dos fatos subseqüentes, que se definiu de
forma inequívoca a atuação política do Correio da Manhã durante a
República Velha.
Ao ser desarticulada a candidatura de Davi Campista, o jornal
aproximou-se de Hermes da Fonseca, declarando: “O marechal Hermes conquistou
definitivamente o coração do povo.” Em 12 de maio de 1909, data do aniversário
do marechal, o jornal fez ampla cobertura da homenagem que lhe foi prestada e
que se transformou em manifestação eleitoral. Por outro lado, no momento em que Hermes da Fonseca se declarou candidato, renunciando à pasta da Guerra, Rui Barbosa, que
ainda não havia lançado sua candidatura, manifestou-se contrário à eleição do
ex-ministro. O Correio da Manhã alegou então não haver “quem
ignore no país o velho desejo que tem o sr. Rui de ser presidente da
República”. A ligação do Correio da Manhã com Hermes da Fonseca era o
reflexo da aproximação de determinados setores civis com o Exército. O
rompimento de Hermes com a situação pareceu ter favorecido o apoio que o jornal
lhe conferiu inicialmente. O marechal era o candidato defendido por “cidadãos
fora dos círculos partidários”, não estando portanto comprometido com
interesses oligárquicos.
No
entanto, após a convenção de maio, que confirmou a indicação de Hermes, a
posição do Correio da Manhã sofreu uma alteração radical, passando a
encampar a candidatura Rui Barbosa. Em julho de 1909, artigo assinado por Gil
Vidal dizia que “a candidatura Hermes, na sua primeira fase... não [fora]
absolutamente do agrado dos chefes políticos que a adotaram na convenção de 22
de maio”. Assim, Hermes já não seria um “grande remédio aos grandes males”, ou
seja, não apareceria mais como elemento de contrapeso à existência das oligarquias.
Uma vez que o marechal perdera o “apoio popular”, não mais se justificava
apoiar ativamente sua candidatura.
Nessa fase, o Correio da Manhã, que dera boa acolhida
ao governo Nilo Peçanha, passou a atacá-lo com desabrida violência,
possivelmente em conseqüência das atitudes por este tomadas contra o antigo
ministério, as quais pareciam indicar uma orientação pró-hermista. No momento em que Rui Barbosa confirmou sua candidatura, em agosto de 1909, o jornal ingressou a seu lado
na Campanha Civilista. A partir de então, Hermes da Fonseca passou a ser
considerado “o candidato dos analfabetos”.
Com
a posse do candidato militar vitorioso, em 15 de outubro de 1910, o Correio
da Manhã passou a chefiar a oposição. Além de criticar o presidente
por não ter cumprido sua promessa de anistiar os implicados na revolta dos
marinheiros liderada por João Cândido, o jornal criticou também a incapacidade
de Hermes da Fonseca diante da hegemonia de Pinheiro Machado no Senado. Isso se
tornou ainda mais claro quando Pinheiro Machado passou a disputar com Nilo
Peçanha o governo do estado do Rio, e o jornal deu seu apoio ao segundo.
Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, Edmundo Bittencourt
dirigiu o Correio da Manhã para uma posição simpática à Alemanha,
o que contrastaria com a anglofilia que iria predominar a partir de 1929.
Em 1919, o jornal apoiou mais uma vez Rui Barbosa à
presidência, combatendo a candidatura de Epitácio Pessoa. Diante da vitória
deste último, o Correio capitaneou a oposição a seu governo.
Durante
a campanha da Reação Republicana, que, no momento da sucessão de Epitácio
Pessoa, promoveu a candidatura de Nilo Peçanha em oposição a Artur Bernardes, o
Correio da Manhã colocou-se ao lado do primeiro, declarando-se
decididamente antibernardista. O Correio foi também o órgão que em
outubro de 1921 publicou a série de “cartas falsas” supostamente dirigidas por
Artur Bernardes ao senador Raul Soares, nas quais era questionada a integridade
moral das forças armadas.
A primeira carta publicada pelo Correio da Manhã referia-se
a Hermes da Fonseca como um “sargentão sem compostura”, e terminava conclamando
Raul Soares a subornar os militares para conseguir adesões: “A situação não
admite contemporizações. Os que forem venais, que é quase a totalidade,
compre-os com todos os seus bordados e galões.” As cartas chegaram ao Correio
da Manhã através do senador antibernardista Irineu Machado, que pôs o
redator político Mário Rodrigues em contato com o detentor dos documentos
Oldemar Lacerda. Ao longo das diligências que se estabeleceram no sentido de
comprovar ou refutar a autenticidade das cartas, o Correio da Manhã insistiu
com veemência em sua veracidade. Por fim, Oldemar Lacerda confessou tê-las
falsificado.
Por ocasião do levante dos 18 do Forte, ocorrido em 5 de
julho de 1922, Edmundo Bittencourt foi preso devido à sua posição
antibernardista durante a campanha sucessória. Em sua ausência, o jornal foi
dirigido por Mário Rodrigues, que acusou o presidente Epitácio Pessoa de
favorecer os exportadores de açúcar, levantando medidas restritivas que haviam
sido impostas anteriormente pelo próprio governo. Epitácio Pessoa teria sido
subornado com um colar dado a sua mulher. Por suas acusações, Mário Rodrigues
foi condenado a um ano de prisão. Com o falecimento de Leão Veloso Filho em
1923, o senador alagoano Pedro da Costa Rego tornou-se redator chefe do Correio
da Manhã.
O Correio da Manhã foi um dos poucos jornais a
demonstrar simpatia pelos rebeldes das revoluções de 1922 e 1924. Em agosto de
1924, o jornal teve sua circulação suspensa a pretexto de estar imprimindo em
suas oficinas o folheto clandestino denominado Cinco de Julho, que
supostamente divulgaria as propostas tenentistas. O Correio da Manhã só voltou
a circular em maio de 1925. Sob o governo de Washington Luís, no momento da
aprovação da Lei de Imprensa pelo Senado (1927), o jornal, ainda o grande orgão
da oposição, publicou em manchete o artigo “Lei infame, lei celerada”.
A Aliança Liberal e a Revolução de 1930
Em
março de 1929, quando se iniciava a campanha de sucessão de Washington Luís,
Edmundo Bittencourt transmitiu a direção do Correio da Manhã a seu filho
Paulo Bittencourt.
Apoiando
a articulação entre os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba,
que resultou na formação da Aliança Liberal, o jornal defendeu o candidato
aliancista Getúlio Vargas contra o candidato oficial Júlio Prestes.
No mês de maio de 1930, o Correio protestou com
veemência contra o manifesto divulgado por Luís Carlos Prestes opondo-se à
Aliança Liberal. Ao mesmo tempo, no mês de junho, estando já confirmada a
vitória de Júlio Prestes nas urnas, o jornal manifestou grande decepção diante
do pronunciamento de Getúlio acatando os resultados eleitorais. Essa posição,
eqüidistante dos extremos, em última análise aproximava a linha política do
jornal das perspectivas tenentistas.
Em
24 de outubro de 1930, finalmente, o Correio da Manhã iniciou a
cobertura dos fatos relacionados com os primeiros movimentos da revolução. Sob
uma manchete que anunciava em letras vermelhas “Triunfou a revolução”, o jornal
descrevia a mobilização popular verificada no Rio de Janeiro, acrescentando
ainda não haver podido informar a população das notícias dos últimos cinco dias
em virtude de proibição governamental. O editorial dessa edição enfatizava o
clima de censura imposto à “imprensa independente” durante o governo de
Washington Luís, governo que o jornal qualificava de “criminoso” e
“detestável”. O mais importante, no entanto, era a análise do momento político:
“É na estrutura econômica e social da Primeira República que se encontra a
explicação dos acontecimentos que em poucos meses deram origem ao movimento
revolucionário de 1930. A política partidária, a direção dada às atividades
econômicas prepararam o país, lenta e seguramente, para a revolução.” Para o Correio
da Manhã, a Revolução de 1930 teria duas causas básicas: por um
lado, a política partidária impondo a hegemonia dos estados mais fortes e, por
outro, a posição tomada anteriormente por Washington Luís em relação à
valorização do café. Pode-se notar aqui a conjugação do programa tenentista,
encampado pelo jornal, e do descontentamento do Partido Democrático de São
Paulo, engrossado por dissidentes do Partido Republicano Paulista. Esse
conjunto de fatores seria, no entanto, para a maneira de ver do jornal,
conseqüência das transformações verificadas ao nível das idéias em todo o mundo
após a Primeira Guerra Mundial. As novas idéias privilegiariam uma mudança no
que se referia à “estrutura da velha sociedade capitalista e à crença na
democracia liberal”, e afetariam “todas as classes mais ou menos cultas do
país”. E os adeptos da revolução, em virtude de tais alterações, clamavam por
“representação e justiça”.
Ao eclodir a revolução, o Correio da Manhã defendia
basicamente a realização de eleições sem pressões aparentes dos governos, o
reconhecimento de deputados e senadores sem interferência do presidente da
República, o respeito à autonomia dos estados e, sobretudo, a escolha do chefe
do Executivo sem imposição do presidente em exercício.
O Governo Provisório e a Assembléia Constituinte
Durante
o Governo Provisório, o Correio da Manhã manteve-se numa posição
ambígua, apoiando parcialmente Getúlio Vargas. Com o desencadeamento em 1931 da
crise entre João Alberto Lins de Barros, interventor em São Paulo, e as lideranças políticas paulistas, o jornal manifestou-se em favor destas
últimas. Em janeiro de 1932, uma série de editoriais tornava clara a adesão do
jornal ao movimento paulista pela constitucionalização. Ainda assim, mesmo se
colocando em manifesta oposição aos interesses do Governo Provisório, quatro
dias após o início do movimento revolucionário em São Paulo, o jornal ressalvava não ter ligação com qualquer partido político, vinculando-se o
tempo todo às propostas defendidas no momento de sua fundação.
Em
setembro de 1933, em dois artigos publicados sob o título “Ratos, ratinhos e ratices”,
o Correio da Manhã reviveu uma antiga acusação à família Melo Franco, de
que esta se teria beneficiado da desapropriação de uma estrada de ferro em
1919, quando Afrânio de Melo Franco era ministro da Viação. Tais artigos tinham
por fim solidarizar o jornal com a campanha desencadeada contra o filho de
Afrânio, Virgílio de Melo Franco, forte candidato à sucessão de Olegário Maciel
em Minas Gerais, e acabaram por motivar a demissão de Afrânio da pasta das
Relações Exteriores. Afrânio, tão irritado quanto seu filho, presumiu que os
artigos em questão houvessem sido publicados pelo jornal com a anuência do
governo. Embora Getúlio Vargas afiançasse seu desconhecimento da matéria,
Afrânio não voltou atrás em seu pedido de demissão.
No
momento em que se aceleravam os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte
de 1934, o Correio da Manhã, dirigido então por M. Paulo Filho, teve a
preocupação de fazer uma cobertura minuciosa dos trabalhos parlamentares,
registrando tanto os assuntos em pauta como a atmosfera reinante na Assembléia.
A partir de janeiro, embora reservasse a primeira página para assuntos de
política internacional o jornal passou a manter diariamente duas colunas
destinadas à cobertura da assembléia. Uma delas, intitulada “O que houve ontem
na Assembléia Constituinte”, acompanhava as sessões passo a passo,
transcrevendo praticamente na íntegra os principais discursos. A outra,
intitulada “A situação política”, compunha-se de notas envolvendo as
articulações políticas feitas nos “corredores” da assembléia, bem como a
situação político-partidária dos estados. Esta última coluna pode ser
considerada de grande importância por cobrir acontecimentos ocorridos fora do
plenário, e portanto não registrados nos anais, e também por trazer notícias
políticas dos diversos estados da Federação, fornecidas pelos correspondentes
do jornal e por agências de notícias, como a Havas.
O jornal possuía também nessa época colunas assinadas, entre
as quais a mais significativa era a de Costa Rego, seu redator-chefe, que
defendia o federalismo, denunciava a situação das contas do governo
revolucionário e criticava o Decreto do Reajustamento Econômico. Esse decreto,
promulgado para auxiliar os fazendeiros de café, cujas dívidas haviam aumentado
em virtude da política cambial do governo, reduzia à metade as dívidas
existentes em 1º de dezembro de 1933, desde que contraídas antes de junho do
mesmo ano. Costa Rego dividia sua coluna em duas partes, denominando a segunda
“Juízo dos feitos da Fazenda revolucionária”. Aí eram denunciados gastos
indevidos feitos em diversos pontos do país, numa crítica evidente à atuação de
Osvaldo Aranha à frente do Ministério da Fazenda. A censura passou a vigiar
Costa Rego, que, em tom irônico, insinuava satisfação pelo fato de ter o censor
como leitor assíduo, e pedia a Getúlio que mantivesse essa situação.
Os editoriais do jornal, muitas vezes censurados, investiam
igualmente contra o Decreto do Reajustamento Econômico, e desfechavam
sucessivas críticas à imigração de elementos indesejáveis. Além de se opor à
entrada de sírios e japoneses no país, o Correio atacava o governo pela
ausência de planejamento no tocante à imigração. A nova reforma tarifária,
discutida por técnicos do Ministério da Fazenda e por empresários, recebia
também os ataques do jornal, que a acusava de favorecer o empresariado.
Em relação ao movimento integralista, cuja atuação se fazia
sentir na época, o Correio da Manhã limitou-se, como outros jornais, a
noticiar seus distúrbios e a satirizar seus rompantes. Na verdade, o jornal
ignorou sua existência. Entre janeiro e abril de 1935, período em que foi
discutido o anteprojeto da Lei de Segurança Nacional (projeto Bayma), o Correio
chegou a suspender sua circulação por 24 horas em sinal de protesto contra
o que chamou de “Lei de Opressão”.
A oposição a Getúlio Vargas prosseguia. Por ocasião do
aumento dos vencimentos do funcionalismo com base em dispositivos
constitucionais, o jornal argumentou que “os escrúpulos de ordem constitucional
repetem-se, vê-se, a cada passo, no espírito do homem que já destruiu uma
constituição e foi o candidato de si mesmo à sucessão de si próprio”.
O
ponto máximo das campanhas do jornal, no entanto, foi o lançamento, em 1937, da
candidatura do ministro José Américo de Almeida à presidência da República
através de um editorial censurado num dia e liberado no dia seguinte. A partir
daí, o Correio da Manhã sustentou a campanha, elogiando e
destacando a figura de José Américo e publicando quase que diariamente cartas
recebidas em apoio ao candidato.
O Estado Novo
No dia 5 de novembro de 1937, o Correio da Manhã, sempre
dirigido por Paulo Bittencourt, e com Costa Rego na chefia da redação, já
denunciava o golpe que ocorreria dias depois. Logo em seguida ao 10 de
novembro, iniciou-se o regime da censura rigorosa, com um censor instalado no
jornal lendo todas as matérias. Nesse período, desenvolveu-se o chamado “estilo
da censura”, que resultou em artigos com uma mensagem política tão sutil que
muitas vezes seu conteúdo não era apreendido nem pelo censor, nem pela imensa
maioria dos leitores. Entre os articulistas que se esmeraram nessa técnica
destacou-se o jornalista Rodolfo Mota Lima.
O controle do governo sobre o jornal fez com que este
ridicularizasse o fracasso do levante integralista de maio de 1938, em que o
líder Plínio Salgado pedia que “os fascistas do mundo inteiro se unissem contra
a influência dos judeus”.
A
posição do Correio da Manhã diante da Segunda Guerra Mundial oscilou de
um extremo a outro. Inicialmente, em relação aos acordos de Washington,
assinados em março de 1939, o jornal declarou que o intercâmbio comercial do
Brasil com determinados países europeus (como a Alemanha) não deveria ser
abandonado em nome de promessas vagas. Nessa fase, o jornal declarava também
que “o primeiro dever de uma nação distante é a neutralidade”. Após 1940,
porém, o Correio da Manhã mudou de posição, alegando que “nosso
país não podia continuar alheio aos anseios democráticos da época”. O jornal
acompanhava as decisões do governo em relação à política externa, pontuando sua
opinião de acordo com as oscilações que o próprio governo exibia diante da
questão. Não é possível, no entanto, assegurar com certeza se a posição do Correio
da Manhã era coincidente com a de Getúlio Vargas, refletindo as oscilações
deste em relação ao Eixo. É mais provável que, durante a ditadura, o controle
da censura sobre a matéria publicada fizesse com que esta refletisse em todos
os momentos os interesses do governo.
Já definido a favor dos Aliados, o Correio da Manhã
enfrentou a questão envolvendo o navio Siqueira Campos, aprisionado em
1940 pelos ingleses devido ao bloqueio continental quando transportava carga de
material bélico da Alemanha para o Brasil. Nesse momento, o general Góis
Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, iniciou através da imprensa
uma violenta campanha contra a Inglaterra e os interesses ingleses. A campanha
chegou a tal ponto que o ministro Osvaldo Aranha pediu a Lourival Fontes,
diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que recomendasse aos
jornais a diminuição da ênfase com que vinham tratando do assunto. Foi nesse
contexto que o Correio da Manhã publicou, a 19 de janeiro de 1941,
matéria paga da Comissão das Indústrias Britânicas, reproduzindo um comentário
favorável à Inglaterra feito por Osvaldo Aranha em novembro de 1940. Góis
Monteiro, agindo de comum acordo com o ministro da Guerra, Eurico Dutra,
decidiu fechar por tempo indefinido o jornal. No entanto, Getúlio, ao tomar
conhecimento da questão, recomendou que nada se fizesse contra o Correio da
Manhã.
De 1945 a 1964
Em
1945, no momento em que Getúlio Vargas começava a perder o controle da
situação, o Correio da Manhã publicou, no dia 22 de fevereiro, uma
importante entrevista concedida por José Américo de Almeida ao jornalista
Carlos Lacerda. Nessa entrevista, de extrema ousadia para o momento, José
Américo criticava abertamente o Estado Novo e reivindicava a convocação de
eleições, abrindo assim o caminho para outras manifestações da oposição na imprensa,
já que pela primeira vez o DIP não esboçou qualquer reação. A entrevista com
José Américo passou a ser posteriormente uma espécie de referencial das
posições liberais do jornal, sendo citada com destaque nas edições
comemorativas subseqüentes.
Uma vez marcadas as eleições para dezembro de 1945, o Correio
da Manhã optou pelo apoio à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes,
lançada pela União Democrática Nacional (UDN). Segundo Lurdes Sola, Paulo
Bittencourt teria figurado entre os primeiros integrantes desse partido, embora
logo em seguida tivesse entrado em desacordo com seus correligionários, achando
que estariam traindo o programa inicial. Sabe-se também que o diretor do Correio
havia sido amigo de infância de Eduardo Gomes, e que manteve com ele um
estreito relacionamento ao longo de toda a sua vida.
Embora houvesse feito oposição à candidatura Dutra, sob seu
governo o Correio da Manhã assumiu uma atitude de expectativa.
Carlos Lacerda escrevia artigos em forma epistolar, que terminavam geralmente com
uma chamada ao “generalzinho medíocre”. O grande ídolo do jornal continuava
sendo o brigadeiro Eduardo Gomes.
Em
novembro de 1946, durante a fase em que o Partido Comunista estava na
legalidade, o Correio da Manhã perguntava de que modo iria o governo opor
uma barreira à epidemia comunista. Ao mesmo tempo, mostrava-se violentamente
antiqueremista. Firme em manter suas tradições liberais, o jornal colocou-se à
disposição do ex-presidente Washington Luís, no momento em que este retornou do
exílio, para que se defendesse das acusações que pesavam sobre seu governo.
Nesse período, o jornal contribuiu ainda para o sucesso e a grande repercussão
que tiveram os comandos parlamentares de Café Filho, através da cobertura que
lhes dava o redator Heráclio Sales. Segundo o próprio Café Filho, os comandos
parlamentares eram incursões feitas de surpresa por deputados nos serviços e
repartições do governo. Tinham por fim confrontar as verbas e dotações
consignadas pelo orçamento geral da República aos serviços que eram objeto da
inspeção com as informações dos dirigentes e responsáveis pela aplicação dos
recursos.
No final do governo Dutra, o Correio da Manhã passou
a apoiar novamente o nome do brigadeiro Eduardo Gomes para a presidência da
República. Desviando-se de sua tradição de análise crítica, o jornal encampou
sem restrições a candidatura do brigadeiro, passando a apontar a eleição de
Eduardo Gomes como a solução para todos os problemas do país. A campanha se
iniciou com a manchete “Apoio dos estivadores ao brigadeiro”. Em linhas gerais,
o jornal procurava contrapor ao “falso trabalhismo dos pelegos” aquilo que
considerava um “trabalhismo autêntico”.
Diante da vitória de Getúlio Vargas nas eleições de 3 de
outubro de 1950, a UDN abriu a questão da maioria absoluta, tentando com isso
invalidar os resultados eleitorais. Se por um momento o Correio da Manhã encampou
a tese udenista, logo em seguida, ligado às suas tradições liberais, passou a
combatê-la, defendendo a posse do candidato eleito sem deixar de ressaltar,
entretanto, que fizera oposição a seu “trabalhismo falsificado”.
A
despeito de seu oposicionismo, o Correio da Manhã exerceu grande
influência durante o segundo governo Vargas, chegando a pesar nas decisões
políticas. Sendo inteiramente contra o monopólio estatal do petróleo, o jornal
publicou uma entrevista com mr. Anderson, presidente da Standard Oil, em que
chegava a defender, com base em seus pressupostos liberais, um princípio de
reciprocidade no que se referia à exploração do petróleo: os norte-americanos
deveriam ter liberdade para explorar petróleo no Brasil, da mesma forma que os
brasileiros o poderiam fazer nos Estados Unidos. No entanto, uma vez criada a
Petrobras, o jornal passaria a defender-lhe “o imenso patrimônio, propriedade
do povo brasileiro, contra a exploração política”.
A partir do decreto de janeiro de 1952, impondo um limite de
10% para as remessas de lucros, o Correio tornou a atacar Getúlio
Vargas, acusando-o de inclinar-se para a esquerda. Com a visita de Milton
Eisenhower, irmão do presidente dos Estados Unidos, o jornal acusou o governo
norte-americano de renegar promessas feitas por Truman, sobretudo diante das
imposições do Banco Mundial para a concessão de empréstimos, imposições essas
que não haviam sido apresentadas a Horácio Lafer, quando de sua visita aos
Estados Unidos em 1951.
O jornal discutiu igualmente a política financeira de
estabilização, que tinha por fim deter o avanço inflacionário. Num primeiro
momento, o ministro da Fazenda, Horácio Lafer, havia sido prejudicado em suas
tentativas de formular um programa viável de estabilização, pois enquanto
preconizava a limitação da expansão do crédito, o presidente do Banco do
Brasil, Ricardo Jaffet, insistia numa política de crédito fácil. Na questão
desencadeada entre Lafer e Jaffet, em junho de 1953, o Correio apoiou o
primeiro.
O
novo ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, e o novo presidente do Banco do
Brasil Sousa Dantas, concordavam quanto à necessidade de um completo programa
antiinflacionário. O déficit seria cortado através de uma política de estrita
economia. O Brasil deveria “conter prudentemente a velocidade do processo de
industrialização”, ao mesmo tempo “tendo em conta o alívio ou a sobrecarga no
balanço de pagamentos”. A partir daí, em outubro de 1953, nasceu o “Plano
Aranha”, programa de estabilização apresentado pelo novo ministro defendendo
uma política de restrição ao crédito e um novo sistema de controle cambial. O
Correio da Manhã opôs-se a esse plano.
Em
fevereiro de 1954, o jornal apoiou o Manifesto dos coronéis, documento
assinado por 82 coronéis e tenente-coronéis e dirigido à alta hierarquia
militar em protesto contra a exigüidade dos recursos destinados ao Exército e a
elevação do salário mínimo em 100%. Em 1º de maio, quando o salário mínimo foi
efetivamente majorado em 100%, o jornal desfechou violentas críticas a Getúlio,
afirmando: “Para o sr. Getúlio Vargas, que ia caindo em irremediável decadência
política, o pior será o melhor. Se a estrutura econômica e social do país entrar
a desmoronar, abalada por agitações e indicações perturbadoras, ele tentará
aparecer como seu salvador, com um novo regime. Se falhar, que importa? Depois
dele, o dilúvio.”
Durante esse período, o jornal chamou a atenção para os
pontos nevrálgicos do governo Vargas, travando uma violenta campanha contra a
Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil (Cexim). Em agosto de
1954, o jornal apoiou o inquérito policial-militar instaurado pela Aeronáutica
para apurar as responsabilidades pelo atentado da Toneleros, em que foi ferido
o jornalista Carlos Lacerda e morto o major-aviador Rubens Vaz. As
investigações trouxeram à luz o chamado “mar de lama”, em que, segundo a
oposição, se convertera o governo.
Com a morte de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, o Correio
da Manhã suspendeu os ataques que dirigia habitualmente ao presidente e
publicou um editorial ressaltando o lado trágico do evento. Logo em seguida à
posse de Café Filho como presidente da República, Paulo Bittencourt sugeriu-lhe
a nomeação de Eugênio Gudin para a pasta da Fazenda, no que foi prontamente
atendido. Embora este gesto demonstrasse a decisiva influência política do Correio
da Manhã, o próprio Gudin mais tarde negaria empréstimo solicitado pelo
jornal ao Banco do Brasil, tendo por fim a aquisição de novas máquinas. O
jornal insistia no que denominava “ortografia da casa”, ou seja, em sua linha
política sem compromissos com quaisquer partidos e orientada por uma nítida
inspiração liberal. Foi essa possivelmente a causa do rompimento entre Paulo
Bittencourt e Eduardo Gomes. O brigadeiro, apoiado pelo Correio da Manhã
nas eleições de 1945 e de 1950, e considerando a partir de então o jornal como
porta-voz da UDN, passara a pressionar Paulo Bittencourt para que este apoiasse
a candidatura de Juarez Távora nas eleições de 1955. Segundo vários
depoimentos, porém, Paulo Bittencourt não expressava preferência definida por
nenhum dos candidatos. Às vésperas das eleições, o jornal afirmou em editorial
que “o problema da grande maioria do eleitorado, o mais consciente das
realidades brasileiras e mais convicto dos princípios democráticos, era o mesmo
problema do Correio da Manhã: pela validade das candidaturas e sem
candidato que merecesse apoio”. A análise de Paulo Bittencourt acrescentava
ainda que, a despeito da existência de quatro candidatos (Ademar de Barros,
Juscelino Kubitschek, Juarez Távora e Plínio Salgado), o que ocorria na verdade
era a contraposição de duas tendências: por um lado, Juarez Távora e Plínio,
que, preocupados com “um moralismo esterilizante”, configurariam um “Brasil
passadista, estático e fascistoso, meio-termo entre a Quarta Internacional e a Rerum
novarum”, e por outro lado Juscelino Kubitschek e Ademar, os quais,
descontrolados em “aventurismo e confusão”, estariam voltados para um futuro
onde se cortariam as peias do passado. Embora indeciso entre as alternativas
que se punham à sua frente, o legalismo característico do Correio da Manhã fez
com que Paulo Bittencourt defendesse acima de tudo a necessidade do sufrágio:
“A soma total de votos, reiterando a expressão da inflexível vontade de
legalidade e democracia pode ser — quem sabe? — a salvação do Brasil.”
Por
outro lado, paralelamente à atitude de seu proprietário, o Correio da Manhã passou
a apresentar uma imagem pró-juscelinista, na medida em que um de seus
redatores, Álvaro Lins, movia intensa campanha em prol de Juscelino, e outro
deles, Edmundo Muniz, desferia violentos ataques contra Juarez Távora. A
posição do jornal nunca ficou, porém, definida em relação a um ou a outro
candidato. Para o jornalista Luís Alberto Bahia, a posição do Correio da
Manhã diante das eleições de 1955 deve ser explicada pela fase de transição
que a própria estrutura do jornal estaria atravessando naquele momento,
passando de uma empresa artesanal de propriedade familiar a uma grande empresa
moderna. Assim, verificava-se um conflito entre os pressupostos liberais da
primeira fase, em que o jornal defendia a tese da democracia do mercado, e os
novos princípios que acabavam de aparecer no cenário econômico brasileiro,
como, por exemplo, o combate ao ingresso do capital estrangeiro.
A
situação se precipitou com os acontecimentos verificados em novembro de 1955,
quando, procurando sustar uma tentativa de impedir a posse de Juscelino
Kubitschek, o marechal Henrique Lott afastou Carlos Luz da presidência interina
da República. Embora não fosse juscelinista, o Correio da Manhã passou a
apoiar o candidato eleito com base em seu princípio de defesa incondicional da
legalidade, manifestando-se contra a idéia de golpe. Em editorial dessa época o
jornal assinalava que “no palácio do Catete, mediante providências e
determinações legítimas do Poder Legislativo, já se acha constituído o poder
legal do sr. Nereu Ramos, a quem cabia substituir nos termos da Constituição o
mandatário infiel, já agora no abandono da presidência da República, lançado
aos mares em lugar incerto e não sabido”.
O Correio da Manhã, entretanto, havia pensado ter em Juscelino Kubitschek um presidente mais dócil do que este foi na realidade. Durante seu
governo, o jornal manteve-se contra a construção de Brasília, a qual, segundo
Antônio Calado, poderia provocar um esvaziamento político no Rio de Janeiro,
pouco interessante para o papel desempenhado pelo periódico até aquele
instante. A campanha de ridicularização do projeto incluiu a publicação de
fotos do planalto deserto sob o título “Aí está a nova capital”. O Correio fez
também oposição à política financeira de Juscelino, exigindo providências
urgentes contra a deterioração dos preços dos produtos de exportação do país.
Através do Correio da Manhã e da série de
reportagens efetuadas por Antônio Calado em fins de 1959 no Nordeste, as Ligas
Camponesas passaram a despertar maior atenção. Embora inteiramente contrário à
reforma agrária, o jornal, por ser um órgão liberal, permitiu que se
publicassem os textos de Calado. O jornal iniciou também uma campanha pela
consolidação da Sudene, defendendo o órgão das investidas que determinados
políticos faziam para transformá-lo em mera agência eleitoral.
A campanha eleitoral de 1960 reencontrou o Correio da
Manhã numa posição independente, mantendo-se ao mesmo tempo distante de
Jânio Quadros e considerando o marechal Lott um “homem burro, mas sério”.
O editorial “Sessenta anos”, publicado em 1961 por ocasião do
sexagésimo aniversário do jornal, refletia a ameaça sofrida pela antiga
“ortografia da casa”: o ideário liberal do Correio da Manhã começava a
se limitar diante da “arregimentação, da superorganização da vida pelo Estado.
Em lugar da vida humana, a vida do rebanho em uniforme”. O jornal considerava o
liberalismo individualista por ele sempre defendido como uma posição “a favor
do povo”. Declarava ter sempre desconfiado “do poder do Estado, que no mundo
inteiro só tem feito crescer, neste século”.
Sob o governo de Jânio Quadros, o Correio da Manhã mostrou-se
contrário à condecoração de Ernesto “Che” Guevara. Diante da renúncia do
presidente, em 25 de agosto de 1961, o jornal condenou em editorial sua
atitude, alegando não terem sido suficientemente esclarecidos os motivos de sua
“grave resolução”. Considerou que a mensagem de Jânio Quadros à nação era uma
“despedida demagógica, destinada a convulsionar o país,... pois só há vagas
alusões a forças reacionárias que teriam imposto a renúncia”. Além do
editorial, o jornal fez campanha contra a censura disfarçada e a apreensão de
jornais nas oficinas após a renúncia.
Mais
uma vez fiel à sua tradição legalista, o Correio bateu-se pela posse de
João Goulart, embora não o apoiasse enquanto político herdeiro de Getúlio
Vargas. Essa atitude valeu ao jornal uma edição apreendida, por determinação do
governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda, antigo jornalista da
própria casa.
Em
1962, na Conferência de Punta del Este, San Tiago Dantas defendeu a não-intervenção em Cuba. Entretanto, após o discurso em que Fidel Castro se declarou marxista-leninista, o Correio da Manhã, como órgão de
envergadura da imprensa brasileira, passou a receber de vários agentes de
publicidade pressões sutis no sentido de tomar posição contrária ao governo
cubano. Por essa ocasião, juntamente com a Folha de S. Paulo, o
Correio promoveu o Congresso Brasileiro para a Definição das Reformas de
Base, realizado em São Paulo.
Com o falecimento de Paulo Bittencourt em 1963, o Correio
da Manhã passou à propriedade de sua segunda mulher, Niomar Muniz Sodré
Bittencourt, após uma questão familiar entre esta e Sybil Bittencourt (filha do
casamento anterior de Paulo com Sílvia de Arruda Botelho), a quem coube o
imóvel em que funcionava o jornal. A questão só se resolveria definitivamente
em 1968.
O jornal manteve-se contrário ao governo de João Goulart,
acusando-o de radicalismo político, mas se opôs também ao governo estadual de
Carlos Lacerda (de 31/1/1961 a 31/1/1966). O editorial “Terra de ninguém”,
publicado em janeiro de 1964, oscilou entre ataques ao governo da União e ao
governo do estado, afirmando: “O povo da Guanabara já parece habituado a viver
em condições penosas, enfrentando as mais duras provas. A sonegação de gêneros
de primeira necessidade, a falta de água constante, a carestia, o racionamento
de luz e energia, que começa, acaba e recomeça sem que haja explicações
satisfatórias, os movimentos grevistas, as ameaças de lockout tudo
contribui para enrijecer a têmpora do povo carioca”(...) nem o sr. João
Goulart, mais interessado na radicalização política que no governo do país, nem
o sr. Carlos Lacerda, mais interessado em fazer da Guanabara um trampolim para
a presidência do país do que no governo do estado, ouviam apelos desta ordem.”
Três dias mais tarde um outro editorial acrescentava que “o regime é
federativo. Atribuições administrativas das mais importantes são confiadas aos
estados. Mas em todos os estados — e não só na Guanabara — verificam-se as
mesmas dificuldades de vida. Do Acre até o Rio Grande do Sul nada que funcione
como devia funcionar. Mas a culpa não é das instituições. É daqueles que são
responsáveis pelo funcionamento delas”.
A linha política do Correio da Manhã nesse momento é
classificada pelo jornalista Edmundo Muniz como liberal-conservadora. Edmundo
Muniz afirma peremptoriamente que o jornal não estava a par das conspirações
que precederam ao movimento militar de 1964, embora fizesse cerrada oposição ao
governo de João Goulart.
Em março de 1964, verificou-se novo ataque ao governo,
dirigido desta vez a duas medidas “de natureza demagógica” anunciadas no grande
comício promovido no dia 13 do mesmo mês por João Goulart na Central do Brasil:
o decreto que desapropriava as terras situadas às margens das rodovias federais
e dos açudes para reparti-las entre os lavradores, e o decreto de encampação
das refinarias de petróleo particulares. Em relação ao comício propriamente
dito, o jornal considerou-o “uma exibição sem outra finalidade a não ser a de
abrir a perspectiva para uma nova atuação governamental que deixa o país de
sobreaviso”.
A oposição a João Goulart significava na verdade uma reação
do Correio da Manhã à ameaça do avanço de uma organização
esquerdista de grande porte, o que poria em xeque seus pressupostos liberais. O
jornal apoiou a derrubada do presidente por desejar a resolução imediata da
crise política reinante. Desta forma, publicaram-se os editoriais “Basta!” e
“Fora!” (31/3 e 1/4/1964) no momento em que se deflagrou a revolução. O
primeiro configurava uma reação à política de João Goulart, reivindicando
basicamente o “respeito à Constituição”, pois o presidente estaria tomando para
si, por meio de decretos-leis, a função do Poder Legislativo, e perturbando a
nação em desenvolvimento através da luta desencadeada contra o Congresso e as reformas
de base por este votadas. Enquanto o primeiro editorial apontava uma solução, o
segundo exigia a renúncia do presidente: “em função do clima de intranqüilidade
e de insegurança em que se encontra o país surgido a partir do comando do sr.
João Goulart, verificou-se um crime de alta traição contra o regime.” O
presidente não poderia permanecer em seu cargo “não só porque se mostrou
incapaz de exercê-lo, como também porque conspirou” contra o mesmo, “como se
verificou pelos seus últimos pronunciamentos e nos seus últimos atos”.
Embora
a redação dos editoriais “Basta!” e “Fora!” seja atribuída a Edmundo Muniz,
este refuta a versão, asseverando terem sido ambos os textos coletivos. Apesar
de ter participado da elaboração do “Basta!”, Edmundo Muniz não concordou
inteiramente com o mesmo, e manteve-se alheio à feitura do editorial “Fora!”.
A Revolução de 1964 e os anos de declínio
Após a queda de João Goulart, o jornal manteve, segundo
Antônio Calado, “uma brevíssima lua-de-mel, com a situação. Depois do Ato
Institucional nº 1, o Correio da Manhã percebeu que havia um claro
indício de que se partia para uma ditadura militar. Passou desta forma a
denunciar torturas e arbitrariedades, publicando o editorial “Terrorismo, não”
— originariamente um artigo assinado por Edmundo Muniz, encampado por Niomar
Bittencourt como editorial do jornal.
Com
essa mudança de posição, algumas agências estrangeiras iniciaram um corte na
publicidade do Correio, o que significou também o início das
dificuldades econômicas do jornal. Como tentativa de solução, o Correio
foi compelido a aceitar um interventor ligado a essas agências. A partir de
então, iniciou-se um processo de remanejamento no quadro de redatores. O
cronista Carlos Heitor Cony foi dispensado após publicar um artigo onde dizia
ter o Brasil passado de Estados Unidos do Brasil a Brasil dos Estados Unidos.
Em seguida, Otto Maria Carpeaux, além de ter sua seção suprimida, ficou
impedido de assinar qualquer matéria. Apesar de todas as agruras que acarretou,
essa mudança de posição do Correio da Manhã definiu-se como um
marco na história do jornal.
Seguiram-se
diversas manobras do governador Carlos Lacerda contra o jornal, entre as quais
uma ameaça de intervenção que provocou indignação na Câmara dos Deputados.
Manifestaram-se também contra a atitude de Lacerda a Assembléia Legislativa
fluminense, que apoiou por unanimidade uma moção de apoio ao jornal, o Clube de
Engenharia de Brasília, e sessenta deputados estaduais paulistas, que enviaram
a Niomar Muniz Sodré Bittencourt uma “mensagem de solidariedade em que
manifesta sua veemente repulsa ao atentado que se deseja praticar contra a
soberania da imprensa livre, símbolo de um povo democrata”.
A
edição comemorativa do 64º aniversário do Correio (15/6/1965) reafirmava
a posição assumida contra a Revolução de 1964. Ressalvando que, embora no ano
anterior se tivesse colocado contra João Goulart por ter este se afastado da
democracia, o jornal agora passava a combater “os excessos do movimento
vitorioso”, e a se colocar “contra o terrorismo e a violência, contra a delação
oficializada que avilta o processo de amadurecimento político do nosso povo,
contra todas as medidas que se chocam com a ordem jurídica e os princípios
democráticos”. Passava também a denunciar cassações de mandatos e direitos
políticos, realizadas de “maneira primária, sem explicação e sem possibilidade
de defesa”. Clamava igualmente pelas reformas de base, e pelo reforço do
processo de industrialização, tendo por meta o desenvolvimento; por fim,
chamava a atenção para a necessidade que teriam as “classes produtoras... de
trabalho, de segurança, de tranqüilidade, de ação criadora para reativar o
ritmo de nosso desenvolvimento e melhorar as condições e o nível de vida,
assegurando, pelo equilíbrio social, a existência digna de todas as classes”.
Em janeiro de 1966, o Correio da Manhã denunciou a
infiltração de grupos estrangeiros na imprensa e criticou o sigilo em que
trabalhava a comissão criada por portaria ministerial com o objetivo de
investigar as denúncias, porque “a comissão existe justamente para quebrar
sigilos”.
Os
acontecimentos se precipitaram: no dia 7 de dezembro de 1968, uma bomba foi
jogada na sede do jornal, e em janeiro do ano seguinte, já na vigência do Ato
Institucional nº 5, Niomar Muniz Sodré Bittencourt foi presa, juntamente com os
jornalistas Osvaldo Peralva e Nélson Batista, membros da direção do jornal. A
diretoria e o corpo de redatores e gráficos denunciaram as prisões à Sociedade
Interamericana de Imprensa. O prédio do Correio da Manhã foi
cercado por agentes do DOPS, e o jornal foi submetido à censura prévia. No dia
22 de janeiro, Niomar Bittencourt e Osvaldo Peralva tiveram sua prisão
preventiva pedida por 30 dias; em março, Niomar continuava detida em sua
residência. Anteriormente, a 1ª Auditoria da Marinha havia ordenado a suspensão
da circulação do jornal por cinco dias.
Após esses episódios, sobreveio uma aguda crise financeira,
motivada basicamente pela queda de publicidade e a retração do número de
leitores. Em fins de 1969, finalmente, o Correio da Manhã foi arrendado
pelo prazo de cinco anos a um grupo liderado por Maurício Nunes de Alencar e
ligado à companhia Metropolitana, uma das maiores empreiteiras de obras do
país.
O editorial “Definição”, assinado por Maurício Nunes de
Alencar, Frederico Gomes da Silva e Paulo de Magalhães, representou uma
decisiva alteração na linha política do jornal. Conclamando “todos os
brasileiros a participarem da batalha pelo desenvolvimento”, o texto tentava
justificar uma série de medidas tomadas pelo governo: “Tem sido extraordinária
a colaboração das classes trabalhadora e média para o soerguimento da economia
nacional. Os efeitos do combate à inflação sobre elas tem se refletido mais
direta e intensamente.” Apesar de tudo, Franklin de Oliveira, diretor de
edição, fazia questão de declarar que “o velho Correio mudou de roupa,
mas não trocou de alma. Continua sendo o mesmo jornal, afeito às grandes causas
humanas, de Edmundo e Paulo Bittencourt”.
Ao que parece, porém, pela primeira vez o Correio da Manhã
se afastava da chamada “ortografia da casa”, ou seja, dos pressupostos
liberais que o orientaram desde sua fundação. Até então, suas oscilações em
relação ao poder haviam sido ditadas pela fidelidade que devotava à
Constituição; seu legalismo o levara alternadamente à oposição e à situação,
ainda que, mesmo em defesa do governo, mantivesse sempre uma posição crítica. A
partir do arrendamento, entretanto, o Correio da Manhã assumiu pela
primeira vez em sua história uma posição governista incondicional.
Em 1971, a edição comemorativa de 70 anos afirmava que
“construir o Brasil Grande, através do binômio industrialização e
desenvolvimento, é a ordem do dia para o atual governo”. Novamente o jornal
tentava remontar às origens, fazendo alarde dos antigos princípios liberais: “O
jornal já nasceu combatendo o controle do poder pelas oligarquias que tentaram
durante a Primeira República deter o país num estágio agrícola de produtor e
exportador de matérias-primas e importador de manufaturas.”
A
crise econômica se acentuou. No início de 1973, a Tribuna da Imprensa chegou a noticiar o possível fechamento do Correio da Manhã,
relacionando-o com a crise atravessada na ocasião pela Metropolitana, empresa
que seria em última análise responsável pelo arrendamento do jornal. A partir
do dia 10 de janeiro, o Correio diminuiu o número de páginas para poder
se manter em circulação. Ainda a partir desse mês, o jornalista Sebastião Néri,
em defesa de Niomar Bittencourt, iniciou através da Tribuna da Imprensa uma
campanha contra Maurício Alencar e seus irmãos. Estes, ao arrendar o Correio,
haviam-se comprometido a pagar seu déficit, que chegava na ocasião a quatro
milhões e quinhentos mil cruzeiros, e uma mensalidade de 50 mil cruzeiros a
Niomar Bittencourt. Apenas parte do acordo fora respeitado. A campanha
denunciava também que o dinheiro vinha da Metropolitana, e, embora não
explicitasse a razão pela qual os irmãos Alencar haviam arrendado o jornal,
Sebastião Néri insinuava tratar-se de “importante jogada política”. Em maio, o
mesmo jornalista noticiou, através da Tribuna da Imprensa, que Niomar
Bittencourt apresentara na 21ª Vara Cível da Guanabara uma notificação judicial
contra Maurício Nunes de Alencar e alguns outros acionistas da Metropolitana.
No dia 3 de agosto, o Correio foi à justiça contra seus arrendatários;
sua proprietária achava que o jornal havia sido transformado num “boletim de
empreiteiros”. Os arrendatários seriam “simples prepostos de poderoso grupo
econômico, que age sob a forma de sociedade de fato e que tem como membros
destacados a Metropolitana, Maurício Alencar, Frederico Gomes da Silva e a
Perfex”.
Em contrapartida, o deputado Nina Ribeiro foi à Câmara em defesa dos arrendatários, tentando demonstrar que a crise
atravessada pelo Correio da Manhã não era mais que o reflexo de um
processo mais amplo, o da “concentração” verificada na empresa jornalística nos
últimos anos e responsável pelo fechamento de diversos órgãos de imprensa em
todo o mundo. O mais importante, porém, em seu depoimento, eram as
considerações tecidas em relação à linha política do jornal; na verdade, a
causa da crise financeira havia sido o rompimento com os supostos ideais
democráticos da Revolução de 1964. Segundo Nina Ribeiro, Niomar Bittencourt esperava favores do novo governo e ao ver que tal não sucedera,
“obedecendo a interesses inconfessáveis, passou à cômoda posição da mais cega
oposição.”
Maurício
Alencar, um ano antes do término do prazo do arrendamento, teria desejado
devolver o jornal a Niomar Bittencourt, que se recusou a recebê-lo de volta. A
crise entretanto prosseguiu, e finalmente, a 8 de julho de 1974, o Correio
da Manhã deixou de circular. A última edição, de três mil exemplares, era
de um jornal com apenas oito páginas. A empresa devia salários atrasados a 182
empregados.
Em vista do disposto na Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de
1971, que em seu artigo 93 admite a caducidade do nome ou marca quando seu
direito não tenha sido exercido durante dois anos consecutivos, revolveu-se
editar um número extraordinário do jornal para que não se perdesse o título,
dois anos após o fechamento. Finalmente, a 13 de abril de 1977, o título foi
arrematado em leilão, pela soma de 480 mil cruzeiros, por um grupo representado
por Wilson Nogueira Rodrigues.
Evolução técnica
O Correio da Manhã iniciou suas atividades com uma
rotativa Marinoni, comprada por Edmundo Bittencourt de uma empresa pertencente
ao senador Francisco Glicério. O próprio Edmundo Bittencourt a substituiu
posteriormente por uma Scott, incompleta, que durou até 1929. Com Paulo
Bittencourt na direção, encomendou-se em Düsseldorf a máquina de marca Man, em
serviço até 1958, quando foi substituída por uma rotativa Hoc, de fabricação e
montagem norte-americanas.
Nos últimos tempos, o Correio da Manhã passou por duas
reformas gráficas básicas: a primeira, quando da substituição da máquina Man
pela Hoe, desencadeou uma crise interna, em função das alterações que se
verificaram no ritmo do trabalho. Segundo o jornalista Antônio Calado, então
redator-chefe, foi extremamente penosa a mudança, pois os operários, afeitos à
Man, tiveram que alterar toda a sua rotina de trabalho em função da nova
máquina. Esse período de crise, segundo alguns jornalistas do Correio da
Manhã, teria propiciado em parte o desenvolvimento de alguns jornais
rivais.
Finalmente,
a partir de 1969, com o arrendamento, esboçou-se uma nova feição gráfica, onde
se destacava a diagramação visualmente dinâmica, com a primeira página em
contínua mutação. O jornal passou também para 20 páginas diárias, das dez a que
havia sido reduzido durante o período crítico em que fora dirigido por Niomar
Bittencourt, e todas as edições passaram a vir acompanhadas de um tablóide.
Carlos
Eduardo Leal
FONTE: Correio
da Manhã.