CRUZADA
DO ROSÁRIO EM FAMÍLIA
Organização
católica que entrou em atividade no Brasil a partir do final de 1963, liderada
pelo padre norte-americano Patrick Peyton. Seu objetivo era mobilizar a
população, através de maciça campanha anticomunista, contra o governo do
presidente João Goulart. Após a deposição de Goulart em 31 de março de 1964,
foi progressivamente saindo de cena.
Em fins de 1963, setores da Igreja Católica no Brasil
mostravam-se preocupados com a política de reformas sociais defendida pelo
governo Goulart, acreditando que o país seria tomado pelo comunismo. A situação
desses setores conservadores era incômoda, pois a Igreja era muito dependente
do Estado em termos financeiros. Além disso, o bispo dom Hélder Câmara,
secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), assim
como seus aliados, que ocupavam postos-chave na organização, era favorável à
política governamental. Por outro lado, era praticamente impossível se formar
uma frente de cardeais anti-Goulart devido à atuação do cardeal Carlos Carmelo
de Vasconcelos Mota, arcebispo de São Paulo, que apoiava o grupo de dom Hélder.
Para completar o quadro, externamente, os conservadores viam-se às voltas com o
posicionamento do próprio Vaticano, impulsionado pelo papa João XXIII e
favorável às transformações que levassem a uma maior justiça social. O núncio
apostólico no Brasil, dom Armando Lombardi, agia em consonância com essa linha.
Foi nessa conjuntura que o arcebispo do Rio de Janeiro, dom
Jaime de Barros Câmara, começou a fazer propaganda das qualidades de um padre
norte-americano, Patrick Peyton, que teria realizado milagres pela fé nas
Filipinas. Em pouco tempo, ainda no final de 1963, Peyton foi transferido para
o Rio de Janeiro. Dispondo de amplos recursos financeiros, sua Cruzada pelo
Rosário em Família recebeu apoio ostensivo dos jornais da grande imprensa e da
televisão.
Apresentando como slogan “A família que reza unida
permanece unida”, a cruzada teve como ponto de partida uma grande concentração
realizada no Rio, entre a igreja da Candelária e o prédio do Ministério da
Guerra. Os bispos conservadores apoiaram a iniciativa, ajudando na promoção e
na organização de outras manifestações nas principais cidades do país. Em pouco
tempo, os secretariados da Cruzada do Rosário em Família estavam instalados em
várias regiões do Brasil.
A
cruzada inseria-se no quadro mais vasto da mobilização das camadas médias
urbanas contra o governo Goulart, no qual era essencial para os setores
militares e civis, articulados para a deposição do presidente, contar com apoio
de massas. Atuando junto com outras organizações de direita — como a Campanha
da Mulher pela Democracia (Camde) e a União Cívica Feminina de São Paulo — a
cruzada preparava o terreno, através da propaganda anticomunista, das grandes
mobilizações de março de 1964, as marchas da Família com Deus pela Liberdade,
financiadas — segundo Márcio Moreira Alves — pelas grandes empresas
norte-americanas e pela Central Intelligence Agency (CIA).
Em
19 de março de 1964, seis dias depois do Comício das Reformas — manifestação
popular promovida pelo governo federal, no Rio, no decorrer da qual Goulart
anunciou medidas de cunho social —, quinhentas mil pessoas desfilaram nas ruas
de São Paulo, atendendo à convocação feita por uma frente de organizações de
direita, entre as quais a Cruzada do Rosário, para protestar contra as
iniciativas do Executivo. Uma semana mais tarde, teve lugar no Rio outra Marcha
com Deus, igualmente promovida por uma frente de organizações de direita que
incluía a cruzada.
Com a deposição de Goulart em 31 de março de 1964, a Cruzada do Rosário em Família deixou de ter interesse, tanto para as classes dirigentes
quanto para a hierarquia conservadora. O padre Peyton dispôs-se, contudo, a
continuar a campanha, sem qualquer despesa para os bispos, em todas as dioceses
com população superior a trezentos mil habitantes, durante um período de cinco
anos. Afirmava ter à disposição duzentos projetores de cinema, filmes de
propaganda e equipes especializadas. A reação do episcopado foi evasiva e a
cruzada dissolveu-se lentamente. Peyton esteve mais algumas vezes no Brasil,
sendo sempre bem recebido pelos governos militares. Em outubro de 1970, durante
o governo do general Emílio Garrastazu Médici, numa de suas visitas ao país,
foi encarregado de redigir a mensagem oficial para o Dia da Família.
Sérgio
Lamarão
FONTE: ALVES, M. Igreja.