CRUZEIRO,
O
Revista semanal ilustrada, fundada por Assis Chateaubriand,
com sede na cidade do Rio de Janeiro, iniciou sua circulação em 10 de novembro
de 1928.
O
Cruzeiro nasceu de um projeto do jornalista português Carlos
Malheiro Dias, que buscava editar uma revista de circulação nacional, criando
assim, a Empresa Gráfica Cruzeiro S.A. Não tendo recursos para pôr em prática
seu projeto, Malheiro Dias passou o controle da recém-criada empresa para o
jornalista e empresário Assis Chateaubriand. Através de um empréstimo fornecido
pelo Banco da Província, de propriedade de Antônio Mostardeiros (recém-nomeado
presidente do Banco do Brasil) e intermediado pelo então ministro da Fazenda,
Getúlio Vargas, Chateaubriand conseguiu lançar o primeiro número, alargando os
horizontes de sua cadeia de órgãos de imprensa, que futuramente seria conhecida
como Diários Associados. Em 1927, Vargas não deixou dúvidas quanto ao interesse
no potencial político da nova revista.
A
proposta de Assis Chateaubriand para a revista era bastante ambiciosa, como o
seu lançamento já o denunciava. No dia 5 de dezembro de 1928 (cinco dias antes
de o primeiro número chegar às bancas de jornais), quatro milhões de prospectos
foram jogados do alto dos prédios da Cinelândia, Rio Branco e Ouvidor, no
Centro da cidade do Rio de Janeiro. Anunciavam: “Cruzeiro, a revista
contemporânea dos arranhas-céus!” ou “Sábado! A revista Cruzeiro atravessará
o Brasil de extremo a extremo”. Impressão em quatro cores pelo sistema de
rotogravura, diversas fotografias, a utilização de papel de melhor qualidade,
grandes jornalistas nacionais e internacionais, circulação em todas as capitais
e principais cidades do Brasil eram algumas das novidades apresentadas.
Com
uma tiragem de 50 mil exemplares, o primeiro número da revista Cruzeiro (sem
o artigo inicial de seu título, que só foi incorporado em 1929) estampava em
sua capa o rosto de uma mulher sobre o qual foram colocadas as cinco estrelas
da constelação do Cruzeiro do Sul. Seu nome foi inspirado, segundo o editorial,
tanto na constelação, como na nova moeda “em que ressuscitará a circulação do
ouro”. Apresentando-se como “a mais moderna revista brasileira’’ e, portanto,
como “o espelho que se refletirá, em períodos semanais, a civilização
ascensional do Brasil em todas as suas manifestações”, a revista pretendia “ser
o comentário múltiplo, instantâneo e fiel dessa viagem de uma nação para o seu
grandioso porvir; ser o documento registrador, o vasto anúncio ilustrado, o
filme de cada sete dias de um povo”.
O Cruzeiro teve
como primeiro diretor justamente o idealizador da revista, Carlos Malheiro
Dias, e como diretor presidente, José Mariano Filho. Apoiou-se em agências em
todas as maiores cidades do Brasil, mantendo também correspondentes
internacionais em Lisboa, Paris, Roma, Madri, Londres, Berlim e Nova Iorque.
Suas páginas eram recheadas de anunciantes de todos os tipos. Com a
Metro-Goldwyn-Mayer, por exemplo, firmou-se um acordo de divulgação dos
lançamentos cinematográficos na revista, em troca da exibição de anúncios de O
Cruzeiro antecedendo as projeções de filmes distribuídos pela Metro.
Como uma revista de variedades, suas matérias eram bastante
diversificadas, incluindo desde “A evolução da moeda no Brasil”, esporte, moda,
contos, poemas, cinema, até o colunismo social (“R. Societ”), charges e
caricaturas, acontecimentos e fatos da semana, passando ainda por história,
crônicas, concursos de fotografia e cobertura internacional (“Pelas cinco
partes do mundo”).
1930-1945
Em setembro de 1929, as convenções partidárias oficializaram
as candidaturas presidenciais de Júlio Prestes, pela situação, e Getúlio
Vargas, pela oposição. Tendo o então presidente da Paraíba como candidato a
vice-presidente, Vargas formava a chapa da Aliança Liberal. Assis Chateaubriand
colocou todos os seus órgãos de imprensa a serviço da causa aliancista. No Rio
de Janeiro, contava com O Jornal e com a revista O Cruzeiro.
Graças a financiamentos concedidos pelos membros da Aliança Liberal,
Chateaubriand lançou mais um jornal popular na capital, o Diário da Noite,
e em Minas Gerais comprou O Estado de Minas, ampliando assim a cadeia
dos Diários Associados. Nesse mesmo ano, Assis Chateaubriand aproveitou-se do
apoio financeiro dado pela Aliança Liberal para contratar através da firma
Oscar Flues e Cia. a importação, dos EUA, de cinco grandes impressoras de
rotogravuras em quatro cores — as primeiras no Brasil — para rodar a revista O
Cruzeiro e imprimir suplementos coloridos para seus jornais do Rio, São
Paulo e Minas Gerais.
A
campanha da Aliança Liberal percorreu todo o país e, especialmente nas grandes
capitais, promoveu grandes mobilizações em seus comícios e manifestações.
Contribuiu para este perfil, inédito no país, de uma campanha política que
mobilizava a opinião pública, a dinamização recente da grande imprensa
brasileira, então já instalada em bases nacionais. Durante a campanha
presidencial, o apoio político de O Cruzeiro à candidatura de
Vargas-João Pessoa tornou-se evidente pela diferenciação entre a ampla cobertura
(cerca de oito páginas ilustradas por fotos a cada edição) das atividades dos
candidatos aliancistas, contra o espaço restrito da candidatura oficial, que
tinha de pagar para estar nas páginas da revista.
Após
a realização do pleito presidencial, em março de 1930, com a vitória da
candidatura de Júlio Prestes, parte das forças que apoiaram a campanha da
Aliança Liberal passou a conspirar em torno de uma saída insurrecional para o
processo, de forma a impedir a posse do presidente eleito. Naquele momento,
segundo Fernando de Morais, o prestígio de Assis Chateaubriand junto ao alto
comando aliancista “não era apenas um reconhecimento pelos serviços prestados
por seus jornais e O Cruzeiro à causa da Aliança Liberal. Ele era
efetivamente considerado um dos membros do primeiro e mais fechado círculo da
conspiração”.
Foi naquele contexto que o assassinato de João Pessoa — um
crime passional, embora cometido por um adversário político, ocorrido em 26 de
julho numa confeitaria do Recife — foi explorado pela rede dos Diários
Associados, como uma grande arma política contra o governo e o presidente
eleito Júlio Prestes. Acusando o governo federal pelo crime, O Cruzeiro,
durante quase um mês, publicou matérias ricamente ilustradas sobre a morte e os
funerais de João Pessoa. Na edição de 16 de agosto de 1930, por exemplo, a
reportagem sobre o enterro, ocorrido no Rio de Janeiro, começava justamente nas
duas páginas centrais da revista, com quatro fotos, e anunciava no título: “O
exaltado funeral do presidente da Parayba”. Em 3 de outubro do mesmo ano,
começou o levante militar que 21 dias depois depôs o presidente Washington Luís
e instalou uma junta governativa, que entregou a presidência da República a
Getúlio Vargas em 3 de novembro.
Instaurado
o Governo Provisório, O Cruzeiro definiu o movimento, em editorial da
edição de 8 de novembro de 1930, como a “Revolução triunfante”. A capa daquela
edição não deixou qualquer dúvida sobre o apoio ao Governo Provisório; trazia
estampada uma foto de Getúlio Vargas e a manchete “Um sorriso que promete a
vitória”. Em matéria no corpo da revista, afirmou-se que “as forças armadas e a
população do Rio de Janeiro restauraram a paz do Brasil”. O sinal mais evidente
do tom triunfalista da revista foi dado, na mesma edição de 8 de novembro de
1930, pela mudança na numeração de O Cruzeiro. Aquele passou a ser o
número 1 (apesar do ano III) da revista, evidenciando que, como o país, O
Cruzeiro também renascia com a Revolução. No final do ano, O Cruzeiro lançou
uma edição especial: “A revolução nacional: documentos para a história”, onde
publicou o seguinte juízo: “A grande revolução, que se ultimou pelo triunfo
estrondoso do candidato da Aliança Liberal, teve na eleição presidencial de
março o seu prólogo combativo e sua gênese vitoriosa.”
Ainda em 1930, O Cruzeiro lançou seu primeiro concurso
de beleza. Através de ampla propaganda e de um número especial, a revista promoveu
a eleição da miss Universo 1930, em disputa realizada no Rio de Janeiro. Com o
concurso, que a partir daí passou a ser uma das marcas registradas da revista
ao longo de toda a sua existência, a tiragem de O Cruzeiro subiu para 80
mil exemplares.
A
harmonia entre o Governo Provisório de Vargas e os órgãos de imprensa de Assis
Chateaubriand não durou muito. Ligando-se ao grupo de Lindolfo Collor, João
Batista Luzardo e Raul Pilla, Chateaubriand passou a referir-se, em fins de
1931, àquela fase do governo Vargas como o início de uma ditadura, engrossando
assim o coro dos que defendiam uma rápida reconstitucionalização do país. O
Cruzeiro, apesar de seu perfil dominante de revista de variedades, voltou a
ganhar um tom de comprometimento mais direto com a política, tornando-se em
1932 um veículo da propaganda da reconstitucionalização. Assim, transformou-se
rapidamente, cobrindo semanalmente os atos cotidianos do governo e os fatos da
conjuntura política. A revista de costumes, voltada para os problemas da
família e do lar, abriu espaço ao semanário ágil e politizado.
Pelo apoio à Revolução Constitucionalista de 1932, Assis
Chateaubriand teve sua deportação decretada. Escapando, permaneceu vários meses
refugiado no interior do país. As notícias sobre a tentativa de sua deportação
num navio de bandeira japonesa foram censuradas, não sendo divulgadas sequer
nas páginas de O Cruzeiro ou dos demais jornais da cadeia dos Diários.
Os desdobramentos da luta em São Paulo foram acompanhados pela revista, apesar
de forte censura. No final do ano, O Cruzeiro saiu de circulação por um
mês, sob pressão do governo. Durante a ausência de Chateaubriand, a tiragem da
revista caiu para 20 mil exemplares.
Com a instalação da Assembléia Constituinte em novembro de
1933, o proprietário de O Cruzeiro retornou à cena pública e retomou o
controle de O Jornal (que havia sido confiscado pelo governo em 1932).
Nessa época, Assis Chateaubriand reconciliou-se com Vargas. A partir daí, e
durante toda a década de 1930, novos esforços foram aplicados para o
revigoramento de seus jornais e principalmente de O Cruzeiro.
Carlos
Malheiros Dias deixou a revista que havia idealizado no início dos anos 1930.
Através de contratos publicitários, com destaque para o firmado com a General
Electric do Brasil, que permitiram a compra de novo maquinário, O Cruzeiro
ganhou novo impulso, capitaneando o reerguimento dos Diários Associados. Dando
curso ao movimento de modernização da revista, Assis Chateaubriand convidou
Dario de Almeida Magalhães para a presidência de O Cruzeiro. A partir de
1934, com a chegada de Dario, alguns nomes consagrados e outros que mais tarde
foram aclamados como a nata do jornalismo, da literatura e das artes plásticas
no país passaram a colaborar com a revista: Manuel Bandeira, Graça Aranha,
Viriato Correia, Davi Nasser, Edmar Morel, Carlos Castelo Branco, Cândido
Portinari, Aldo Bonadei, Anita Malfatti, Ismael Néri, Di Cavalcanti e mais
tarde Otto Maria Carpeaux, que durante alguns anos atuou como redator da
revista, entre outros.
Em
1937, Assis Chateaubriand esteve novamente na oposição a Getúlio Vargas,
apoiando a candidatura de Armando Sales à presidência nas eleições previstas
para janeiro de 1938. O Cruzeiro colocou-se a serviço da candidatura de
Sales, através de seus repórteres e fotógrafos que acompanhavam a caravana do
candidato pelo país, cobrindo seus comícios e outras atividades de campanha.
Porém, a decretação do Estado Novo alterou novamente o relacionamento de
Chateaubriand e seus órgãos de imprensa, com o governo. Adaptando-se à nova
realidade política, O Cruzeiro abriu suas páginas à divulgação dos
feitos de Vargas e do regime ditatorial, transformando-se em mais um veículo a
serviço da propaganda do Estado Novo.
A
partir de 1943, sob a direção de Frederico Chateaubriand, O Cruzeiro
atingiu aquela que foi considerada a sua melhor fase. Freddy Chateaubriand foi
o responsável pela contratação do fotógrafo francês Jean Manzon. Com Jean
Manzon, O Cruzeiro alterou sensivelmente seu aspecto editorial, criando
uma nova estética na distribuição das fotos em suas páginas. Ex-repórter
fotográfico da revista Paris-Match e do diário Paris Soir, e com
larga experiência na área, Manzon ao chegar ao Brasil, em 1942, foi convidado a
montar o departamento de fotografia e cinema do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), órgão encarregado da censura à imprensa e propaganda do
regime no período do Estado Novo. Ao lado de Davi Nasser, que foi para O
Cruzeiro por sua indicação, Jean Manzon, durante quase 15 anos,
esteve à frente das grandes reportagens, que passaram desde então a ser o
carro-chefe da revista. Este novo padrão foi inaugurado com uma grande matéria
sobre os índios xavantes que marcou época, sendo considerada por muitos como o
ponto de partida da redescoberta do índio brasileiro.
A
dupla Manzon-Nasser foi apenas uma das aquisições da equipe de O Cruzeiro
sob a direção de Frederico Chateaubriand, nos anos 1940. Nélson Rodrigues,
Franklin de Oliveira, Joel Silveira, Hélio Fernandes e Millôr Fernandes eram
alguns dos jornalistas contratados dos Diários Associados que atuavam em O Cruzeiro naquele momento de expansão da revista. Millôr seria o responsável — sob o
pseudônimo de Vão Gogo — pelo texto da seção humorística Pif-Paf, outro grande
sucesso da revista na época. Péricles foi o responsável pelas ilustrações de
Pif-Paf, em seus primeiros anos. Ele foi o autor, também, do mais conhecido
personagem do desenho de humor brasileiro — o Amigo da Onça — publicado nas
páginas de O Cruzeiro a partir de outubro de 1943, continuando a ser
produzido pela equipe de desenhistas da revista mesmo após a sua morte em 1961.
Na área de cinema, a introdução de entrevistas ilustradas com
astros internacionais das telas, acompanhou a vigorosa expansão do cinema
norte-americano no Brasil dos anos 1940. A cultura nacional, porém, continuou a marcar presença nas páginas da revista, através dos textos de Raquel de
Queirós, Gilberto Freire e José Lins do Rego, por exemplo.
1945-1964
As
reviravoltas da política nacional haviam colocado à prova toda a habilidade de
Assis Chateaubriand em manter-se ativo na cena política nacional, oscilando
entre posições políticas aparentemente contraditórias. O Cruzeiro, como
órgão mais destacado da cadeia dos Diários Associados, espelharia tais
flutuações. Em 1945, Chateaubriand e sua imprensa apoiaram a redemocratização
do país e atacaram Getúlio Vargas. A cobertura da deposição de Vargas, em
outubro de 1945, ganhou destaque em O Cruzeiro, contando com reportagem de Manzon-Nasser sobre o último dia do presidente no Catete. Na campanha
eleitoral, Chateaubriand apoiou o candidato da União Democrática Nacional
(UDN), brigadeiro Eduardo Gomes, com anúncios publicados gratuitamente na
revista e nos jornais da rede dos Diários. Ainda assim, as referências ao
candidato do Partido Social Democrático (PSD), o general Dutra, foram sempre
elogiosas. Com a vitória de Dutra, e sua posse, em janeiro de 1946, os órgãos
dos Diários passaram a apoiar o novo governo, sob o argumento da conciliação
nacional.
A segunda metade da década de 1940 e os anos 1950 foram a
época de ouro de O Cruzeiro. O sucesso da publicação podia ser medido
pela expansão de suas tiragens: dos duzentos mil exemplares, ainda nos anos 1940, a revista atingiu a média de 550 mil exemplares em meados da década de 1950, patamar que seria
mantido até o início dos anos 1960. O recorde de setecentos mil exemplares
seria atingido na edição que circulou dois dias após o suicídio de Vargas em
agosto de 1954.
A expansão do parque gráfico que produzia a revista, com a
compra de oito rotativas em cores e 12 impressoras, em 1946, deu suporte a este
crescimento das tiragens. Também o corpo de jornalistas da revista continuou a
reunir os melhores nomes da imprensa nacional. Em 1947, Samuel Wainer foi
contratado e passou a produzir algumas das mais destacadas reportagens da
época. Na área internacional, cobriu a formação do Estado de Israel e no país
fez a cobertura da vitoriosa campanha presidencial de Getúlio Vargas,
acompanhando o regresso do antigo ditador à cena política, desde o “exílio” em São Borja até a posse no Catete, em janeiro de 1951.
Em seu período áureo, O Cruzeiro, manteve a tradição
de cobertura da vida literária do país. Além de continuar a reunir diversos
literatos de renome entre seus colaboradores, passou a publicar, em 1948, a já então famosa coluna “Os arquivos implacáveis” de João Condé. Condé permaneceu escrevendo
para a revista por 19 anos.
Já
em 1950, percebendo as dificuldades da candidatura udenista do brigadeiro
Eduardo Gomes, Chateaubriand apoiou discretamente a campanha de Getúlio. As
entrevistas de Samuel Wainer com Vargas em São Borja, publicadas com apelos sensacionalistas por O Cruzeiro, foram fundamentais para que o ex-presidente
pudesse lançar-se candidato.
Logo
nos primeiros momentos do segundo governo Vargas, entretanto, Chateaubriand
voltou à oposição, passando inclusive a atuar no Congresso Nacional, para o
qual se elegeu senador, em 1952, pela Paraíba. O Cruzeiro fez propaganda
aberta da candidatura de seu proprietário. O principal ponto de discórdia
público de Chateaubriand com Vargas foram as propostas nacionalistas de setores
do governo, em especial as que desaguaram na criação da Petrobras, a partir da
campanha “O petróleo é nosso”, atacada pelo dono de O Cruzeiro através
de todos os seus periódicos. No campo específico do jornalismo, Chateaubriand
tinha outro grande motivo para atacar Getúlio: o apoio do presidente ao
ex-repórter de O Cruzeiro, Samuel Wainer, para que este criasse o jornal
Útima Hora, denunciado como escandaloso desvio de dinheiro público pela
cadeia dos Diários.
Em
1952, as sete páginas da reportagem “Os últimos dias de Eva Perón” foram um
exemplo da capacidade de O Cruzeiro em competir mesmo com a imprensa
internacional na cobertura de grandes eventos. O anúncio do câncer que acabaria
por levar Evita à morte foi um furo de reportagem até mesmo para a imprensa
argentina e acabou gerando uma crise diplomática entre o Brasil e o governo
argentino, que não queria a divulgação da notícia. Este investimento
jornalístico ampliou-se com a criação de O Cruzeiro Internacional,
escrito em espanhol, que circulou no Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Peru,
Venezuela, Bolívia, repúblicas do Caribe e sul dos Estados Unidos. Para
viabilizar a revista, organizou-se uma redação específica, dirigida por Wilson
Aguiar e Odilo Costa Filho, que contava com repórteres cruzando o Prata e
margeando o Pacífico em busca de reportagens, além de jornalistas
sul-americanos trabalhando na edição do texto da revista de forma a adaptá-lo
às peculiaridades da língua, respeitando as diversidades nacionais. Em 1957, O
Cruzeiro Internacional alcançou a tiragem de 307 mil exemplares.
Na crise que se seguiu ao atentado contra Carlos Lacerda na
rua Toneleros, em 5 de agosto de 1954, O Cruzeiro teve papel destacado
na cobertura dos acontecimentos. A revista cobriu desde as declarações de
Lacerda ainda no hospital — “se eu tombar numa dessas emboscadas, peço a Deus
para que não seja em vão” — até a perseguição ao autor dos disparos, passando
pelas etapas do processo instalado pela Aeronáutica para apurar a morte do
major Rubens Vaz no incidente.
O
suicídio de Getúlio seria documentado em O Cruzeiro com um furo de reportagem de Arlindo Silva, que estava no palácio do Catete e documentou em
primeira mão o fato. Além da reportagem de Arlindo Silva e das fotos de Vargas
em seu leito de morte, a revista que circulou com data de 4 de setembro trazia
ainda matérias sobre os protestos da população carioca e a comoção popular
durante o enterro. Ainda assim, o texto de O Cruzeiro sobre o suicídio
procurou isentar de culpa as oposições, alvo da ira popular: “A verdade irá,
portanto, prevalecendo, de modo a deixar claro que nem o jornalista Carlos
Lacerda, nem o general Zenóbio da Costa, nem a Aeronáutica, nem a UDN mataram o
sr. Getúlio Vargas. A constatação desse fato terá certamente a devida
repercussão na vida política.”
Nos
anos seguintes, a revista seguiu espelhando as oscilações políticas de seu
proprietário, que apoiou sem muito alarde a candidatura de Juscelino Kubitschek
à presidência da República, em 1955. Nas eleições seguintes, o marechal Lott
seria o candidato apoiado pelos Diários, que se colocaram contra Jânio Quadros
quando este venceu as eleições de 1960. Os jornais da rede e O Cruzeiro
mantiveram uma posição de apoio à posse de João Goulart, quando do episódio da
renúncia de Jânio, em agosto de 1961. O apoio de Chateaubriand ao novo
presidente, entretanto, não duraria muito tempo.
Entre 1959 e 1961, a revista entrou numa fase de decadência.
A crise financeira sofrida pela cadeia dos Diários Associados começou a
refletir-se em O Cruzeiro, que passou a economizar na produção,
substituindo as grandes reportagens por matérias pagas, cada vez mais freqüentes
e visíveis. Os primeiros a deixar a revista foram justamente aqueles que
estiveram por trás de sua ascensão 15 anos antes. Após desavenças freqüentes
com os novos administradores das empresas jornalísticas de Chateaubriand,
Freddy Chateaubriand deixou a revista para trabalhar em jornais dos Diários e
Jean Manzon demitiu-se, passando a trabalhar para Manchete, a maior
concorrente de O Cruzeiro, criada por Adolfo Bloch. Mais de 15 dos
principais jornalistas da revista demitiram-se ou foram mandados embora nesta
fase. A queda na qualidade da revista refletiu-se na vendagem. Com a rápida
queda nas vendas, a revista deixou de publicar a tiragem em seu expediente.
Embora O Cruzeiro continuasse a circular por mais duas décadas, com
momentos de intervalo, o prestígio e a popularidade de que a publicação gozava
nos anos 1950 não seriam recuperados.
Mas O Cruzeiro enfrentava também problemas de forma.
Para Nadja Peregrino, o nó do problema encontrava-se na “incapacidade de
renovação do gênero jornalístico de O Cruzeiro, petrificado em formas
anteriores que não surtiam efeito na década de 60”, principalmente com o advento da TV.
1964-1981
Durante o governo de João Goulart, O Cruzeiro esteve
na oposição como os demais órgãos dos Diários Associados. Chateaubriand
participou ativamente da conspiração contra Goulart. Através da figura de Davi
Nasser, que além de principal redator tornou-se diretor, a revista ocupou-se em
atacar principalmente o deputado Leonel Brizola, acusando-o, em artigos semanais,
de corrupção. Na ocasião do golpe militar, O Cruzeiro demonstrou que
estava perdendo o seu fôlego. A edição de 4 de abril de 1964 estampou em sua
capa uma foto da artista Brigitte Bardot, além de trazer uma matéria sobre o
Comício das Reformas, do presidente já então deposto João Goulart, não
mencionando os acontecimentos de 31 de março e 1º de abril. Em 10 de abril de
1964, foi posta nas bancas finalmente a edição extra, com o título “Edição
histórica da Revolução”. Sua capa trazia a fotografia do governador de Minas
Gerais, Magalhães Pinto, consagrado pela revista como o “herói da Revolução”.
Em grande destaque, nas suas primeiras páginas, as fotos da prisão do
governador de Pernambuco Miguel Arrais. Esta edição especial teve a tiragem de
450 mil exemplares. Duas semanas depois, O Cruzeiro ainda saudava o
golpe. Em 25 de abril a manchete da capa foi “Castelo Branco — o cérebro da
Revolução”.
A
partir de meados dos anos 1960, a decadência de O Cruzeiro já era
bastante visível. Desde fins do governo de Juscelino Kubitschek, os Diários
Associados não tinham acesso a qualquer financiamento vindo dos cofres
públicos. Com a concorrência crescendo vertiginosamente, tornou-se cada vez
mais escassa a publicidade paga na revista. Somando-se a isto, as relações com
o governo de Castelo Branco já estavam bastante arranhadas e Roberto Marinho,
dono do conglomerado jornalístico construído a partir do jornal O Globo,
e que nesta época encontrava-se em plena expansão, despontou como o novo grande
concorrente de Assis Chateaubriand, não só no mercado das comunicações, como
também na proximidade com o poder que o proprietário dos Diários conservara por
tanto tempo.
Com
o falecimento de Chateaubriand, em 4 de abril de 1968, ampliou-se uma
crise em torno da direção dos Diários Associados, que teve origem nove anos
antes, quando Chateaubriand havia iniciado um processo de partilha do controle
acionário das empresas entre 22 de seus auxiliares. Entre os envolvidos no
conflito, nos anos 1960, encontravam-se Gilberto Chateaubriand (filho de Assis
Chateaubriand) e o presidente dos Diários Associados, João Calmon. A crise
aberta com a morte de Chateaubriand abalou ainda mais as estruturas da revista.
Em meados da década de 1960, o prejuízo anual acumulado por O Cruzeiro
era estimado em 340 milhões de cruzeiros (correspondentes a duzentos mil
dólares da época, ou mais de oitocentos mil dólares em valores atualizados para
1994). As dívidas da revista consumiriam em poucos meses o resultado da venda
do laboratório farmacêutico Schering e de outras propriedades de Chateaubriand.
Quando
O Cruzeiro deixou de circular em 1975, suas máquinas foram vendidas. Seu
valioso arquivo foi entregue ao estado de Minas e, como última liquidação, o
próprio título foi entregue, como pagamento de dívidas trabalhistas a um
diretor de publicidade. Seu ressurgimento em 1979 nada mais tinha a ver com os
Diários Associados, mas com seus novos proprietários, Hélio Bianco e Joaquim
José Freire Lagreca. A revista circulou ainda por cerca de um ano, mas sofrendo
dificuldades financeiras, passou para as mãos da Editora Von Baumgarten
Indústria e Comércio Ltda., com José de Anchieta Távora na direção. Pouco
depois, porém, foi comprada por A. A. Editores Associados Ltda., tendo como
diretor presidente Antônio Abissâmara. O Cruzeiro desapareceu
definitivamente em 1981.
Entretanto, O Cruzeiro, em outubro de 1982, voltou a
fazer parte das manchetes em bancas de jornais em todo o país. No dia 25
daquele mês, foi encontrado o cadáver de Alexandre von Baumgarten — que havia
dedicado seus últimos anos de vida a tentar reerguer a revista. Baumgarten, sua
esposa Janete Hansen e o barqueiro Manoel Valente Pires estavam desaparecidos
desde o dia 13, quando teriam embarcado na traineira Mirini para uma
pescaria. A morte de Baumgarten, noticiada primeiramente como resultado de
afogamento e mais tarde apresentada como um assassinato a bala, ganhou
notoriedade em fevereiro do ano seguinte, quando a revista Veja publicou
um dossiê escrito pelo jornalista em 1981, após a falência de O Cruzeiro, em
que relatava seus contatos com o Serviço Nacional de Informações (SNI) desde
1979, quando buscou o apoio do órgão de informação para reerguer a revista. No
dossiê, Baumgarten reuniu 21 documentos, em 74 páginas, tentando mostrar que as
dificuldades da revista, suas relações com o SNI e as negociações de que
participara davam amparo ao temor de ser eliminado pelo órgão ou seus agentes.
Citava nominalmente o ministro-chefe do SNI, general Otávio Medeiros, e o chefe
da Agência Central do serviço em Brasília, general Newton Cruz, apresentando
dúvidas sobre qual dos dois teria decidido a sua eliminação.
A divulgação de outros dossiês, semelhantes entre si, por
jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo ampliou as especulações sobre a morte
do jornalista, abalando a imagem tanto do SNI, quanto dos seus dirigentes. A
polícia, entretanto, ignorou os dossiês na investigação do crime, cujo
inquérito não resultou em conclusão sobre quem fora o assassino.
Muza
Clara Chaves Velasquez
FONTES: Cruzeiro,
Rio (1928-1981); FAUSTO, B. História do Brasil; Larousse Cultural;
MORAIS, F. Chatô; Nosso Século (1945-1960); PEREGRINO, N. Cruzeiro; SILVA,
M. Prazer; SODRÉ, N. História da imprensa.