DIÁRIO
DA BAHIA
Jornal diário vespertino, fundado em Salvador no dia 1º de
janeiro de 1856 por Demétrio Ciríaco Tourinho e Manuel Jesuíno Ferreira. Suas
oficinas foram definitivamente fechadas em 30 de maio de 1957.
Império: de 1856 a 1889
O
Diário da Bahia surgiu como órgão do Partido Liberal para fazer frente ao
Jornal da Bahia (1853-1878), porta-voz dos conservadores. Como a grande
maioria dos jornais da época, pretendia ser independente e imparcial,
posicionando-se de “atalaia contra os abusos e os opressores”, e “falando
sinceramente ao povo”.
Dificuldades financeiras e divergências em torno da diretriz
política do jornal fizeram com que o Diário da Bahia passasse, no
decorrer de sua existência, por sucessivos donos. Na sua primeira fase
(1856-1868), caracterizada pela instabilidade, moderação e acomodação, o jornal
passou, sucessivamente, por quatro proprietários, revertendo, no fim do
período, às mãos de Demétrio Tourinho. Em 1868, o jornal foi vendido a uma
sociedade anônima, sob a direção do conselheiro Manuel Pinto de Sousa Dantas e
constituída dos mais influentes membros da facção baiana do Partido Liberal,
então no ostracismo.
O período de 1868 a 1880 correspondeu à fase áurea do
Diário da Bahia. Do seu corpo de redação faziam parte os mais destacados
membros da elite intelectual da época: Leão Veloso (pai), Rui Barbosa, Rodolfo
Dantas, Sátiro Dias, Belarmino Barreto, Manuel Vitorino Pereira, Augusto
Guimarães e Xavier Marques, entre outros. O apoio financeiro vinha do setor
liberal da burguesia agrocomercial, da qual o jornal era porta-voz. Até 1872,
quando os liberais retornaram ao poder, o Diário da Bahia atuou em
franca oposição ao governo estabelecido, tornando-se o jornal de maior
circulação na província.
Com a volta dos liberais ao poder, o conselheiro Dantas
passou a fixar residência no Rio de Janeiro, e Rui Barbosa foi conduzido à
direção do jornal, onde se manteve por dez anos. Refletindo a intrepidez do seu
novo diretor, o Diário da Bahia engajou-se em todas as campanhas
político-sociais da época — da obrigatoriedade do serviço militar à ingerência
da Igreja nos assuntos políticos. Eleito deputado geral pela Bahia, Rui Barbosa
transferiu residência para o Rio de Janeiro em 1879, continuando, porém, a
colaborar com o jornal.
Em 1880, Augusto Álvares Guimarães, rico comerciante (casado
com a irmã de Castro Alves) adquiriu as partes dos demais acionistas do jornal,
tornando-se proprietário único. Era na sede do Diário da Bahia que,
diariamente, se reuniam os membros da comissão central do Partido Liberal, para
debater questões políticas, firmar os rumos do partido e do jornal. Os
primeiros anos desta terceira fase (1880-1896) corresponderam a um dos mais
ricos e movimentados períodos do jornal. Neles tiveram lugar as grandes
campanhas do Império: a reforma eleitoral pelo voto direto (1880), a reforma
educacional (de autoria de Rui Barbosa), a abolição da escravatura e a
propaganda republicana.
República Velha: de 1889 a 1930
A mudança do regime político em novembro de 1889 não alterou,
de pronto, a linha de atuação do Diário da Bahia. Através do editorial
“Nossa coerência”, Augusto Guimarães reafirmou sua crença nos princípios
liberais, colocando-os acima de qualquer forma de governo. Mas, organizado o
Partido Republicano Federalista (PRF), agremiação governista, Augusto Guimarães
foi convocado para integrar a sua comissão executiva, ao lado dos liberais
Severino Vieira e Sátiro Dias, e dos conservadores José Gonçalves da Silva e
Luís Viana. O Diário da Bahia tornou-se porta-voz do novo partido, cuja
essência programática era a defesa da autonomia regional, consubstanciada no
federalismo.
Esse alinhamento do jornal ao lado do governo durou pouco.
Disputas políticas entre o ex-governador José Gonçalves e Luís Viana provocaram
a desintegração do PRF. Quando as agremiações políticas reorganizaram-se,
posteriormente, Augusto Guimarães manteve-se solidário a José Gonçalves, chefe
do partido oposicionista. Em decorrência, o Diário da Bahia voltou a
desferir violentos ataques contra o governo, o que serviu de pretexto para uma
tentativa de empastelamento do jornal por um grupo de praças do regimento
policial (janeiro 1895). O Diário da Bahia responsabilizou o governador
Rodrigues Lima pelo crime e mobilizou o povo que, em passeata, condenou o
atentado, ao tempo em que dava vivas entusiásticos ao jornal.
Depois
da morte de Augusto Guimarães (março 1896), o Diário da Bahia passou por
uma fase de absenteísmo político. Artigos traduzidos do francês, informações
sobre acontecimentos sociais europeus, ampla seção de modas femininas,
substituíram os apaixonados artigos políticos de Augusto Guimarães, Xavier
Marques e Manuel Vitorino. Em conseqüência, a vendagem do jornal caiu
bruscamente e sua edição, que era diária (exceto às segundas-feiras), passou a
ocorrer em dias alternados e até com quatro dias de intervalo. Em abril de
1899, o jornal foi vendido a Domingos Rodrigues Guimarães, ex-magistrado e um
dos membros de destaque da elite comercial que, então, se encontrava em franca
oposição ao governo Luís Viana. Para fazer face ao candidato governista nas
eleições para a escolha do intendente de Salvador (12/11/1899), a Associação
Comercial da Bahia lançou a candidatura de Domingos Guimarães. Segundo praxe da
época, a vitória do candidato governista foi oficialmente anunciada, antes
mesmo das apurações finais. Em conseqüência, a elite comercial mobilizou
populares em manifestações de protesto; o governo recorreu à repressão armada;
o comércio fechou suas portas. Candidato derrotado, Domingos Guimarães
suspendeu a circulação do Diário da Bahia. Transferiu-o, em 1900, por
escritura pública, a Severino Vieira, governador recém-empossado.
O
Diário da Bahia voltou a circular em 1901, como órgão do Partido
Republicano da Bahia (PRB), fundado pelo governador Severino Vieira (1900-1904).
Atuou como porta-voz do governo e dos grupos no poder até 1907, quando o
domínio político de Severino foi contestado e o PRB cindiu-se em duas facções:
a severinista e a marcelinista, que reunia os seguidores do então governador
José Marcelino. Os dez anos que se seguiram e que coincidem com o ostracismo de
Severino correspondem à etapa de maior combatividade e doutrinação política do
Diário da Bahia em todo o período republicano. Uma série de
campanhas políticas foi então levada a efeito, valendo destacar a da sucessão
presidencial de 1909-1910 e a da sucessão estadual de 1919, que deu origem à
chamada revolução sertaneja. Na primeira, o Diário da Bahia
colocou-se contra o civilismo, que considerava sinônimo de anarquismo. Atacou
impiedosamente Rui Barbosa, ao tempo em que enaltecia a personalidade e os
feitos do marechal Hermes da Fonseca. Essa posição do jornal explica-se pelo
fato de Rui Barbosa ter se colocado a favor da facção marcelinista quando da
cisão do PRB, em 1907.
Após
a morte de Severino (23/9/1917), o Diário da Bahia foi adquirido por uma
sociedade anônima incorporada por Pedro Lago, deputado federal e herdeiro do
severinismo. O período de influência severinista terminou em 1921, quando o
Diário da Bahia foi vendido a Geraldo Rocha, advogado e pecuarista, homem
de negócios e de finanças, de atuação nacional e internacional. Radicado no
Rio, Geraldo Rocha liderou, através do Diário da Bahia, a campanha da
Reação Republicana (1922), defendendo a chapa J. J. Seabra-Nilo Peçanha e
combatendo a candidatura de Artur Bernardes. A vitória de Bernardes levou
Geraldo Rocha a vender o jornal a uma sociedade. Voltaria a comprá-lo em 1929,
quando já era proprietário de A Noite, no Rio, com o objetivo específico
de promover a campanha da chapa Júlio Prestes-Vital Soares, para as eleições
presidenciais de 1930.
De 1930 a 1957
A
oposição do Diário da Bahia à Aliança Liberal e à Revolução de 1930
revelava o compromisso político e financeiro assumido por seu novo
proprietário, Geraldo Rocha, com o governo estabelecido. Tendo-se como certa a
vitória eleitoral e a posse de Júlio Prestes na presidência da República, os
termos desse compromisso dariam a Geraldo Rocha o direito de encampar as
estradas de ferro que, no sul do país, estavam sob controle da Brazil Railway.
Mas a vitória do movimento outubrista não permitiu que as negociações fossem
concretizadas e Geraldo Rocha foi obrigado a abandonar o Brasil. Antes, porém,
transferiu seus direitos sobre o Diário da Bahia para Muniz Sodré,
diretor do jornal e ex-senador federal do grupo de J. J. Seabra.
Foi graças à atuação do grupo seabrista que a propaganda do
movimento de 1930 não esteve totalmente ausente na Bahia. A 24 de outubro,
portanto, sob a manchete “A epopéia gloriosa da revolução”, o Diário da
Bahia noticiou a marcha vitoriosa do movimento, ao tempo em que indicava o
nome de Muniz Sodré como “uma das grandes esperanças da Bahia redimida”.
O primeiro interventor federal na Bahia foi Leopoldo do
Amaral, membro do grupo seabrista, o que levou o Diário da Bahia a não
fazer oposição ao seu governo. O matutino também não combateu o governo
seguinte, apesar de a indicação de Artur Neiva (baiano, radicado em São Paulo) ter surgido em detrimento das aspirações dos seabristas. Contudo, a tônica
moderada do jornal transformou-se em oposição ferrenha quando o tenente Juraci
Magalhães, militar e cearense, foi nomeado terceiro interventor na Bahia
(setembro de 1931 a novembro de 1937). O editorial “Brios baianos” retratava a
humilhação da elite política baiana, que via o seu estado ser governado por um
militar e “forasteiro”.
Os
constantes ataques do jornal contra o governo Juraci Magalhães foram seguidos
de ações repressivas por parte das autoridades constituídas: prisão de
redatores, ameaças dirigidas aos vendedores, invasão da sede do jornal. No
início de 1932, por exemplo, Muniz Sodré foi indiciado na Justiça por ter
transcrito no seu jornal artigo estampado no Diário Carioca e que
denunciava acordo financeiro entabulado pelo governo da Bahia com credores
ingleses da Ethelburg Syndicate. O processo não chegou a ter andamento,
porque, ante a reação pública, o interventor retirou a queixa que havia
apresentado, baseado na lei da imprensa. Em abril do mesmo ano, a sede do
jornal foi invadida por um grupo de investigadores, de revólver em punho. Todos os presentes foram presos, inclusive o redator-chefe do jornal, Joel Presídio.
Foi então restabelecida a censura à imprensa baiana. Joel Presídio fixou
residência no Rio e a direção do matutino foi entregue ao ex-deputado federal
Lauro Vilas Boas e a gerência ao capitalista e proprietário coronel Francisco
Amado Soares Bahia.
Mas
o Diário da Bahia não silenciou em suas críticas ao governo e as
perseguições ao jornal continuaram. Lauro Vilas Boas e Francisco Bahia foram
intimados a comparecer ao palácio do governo, onde foram severamente
admoestados. Mais tarde foram, por algum tempo, recolhidos à Penitenciária do
Estado. Lauro Vilas Boas foi aposentado ex-officio do cargo de curador
de órfãos, que exercia há mais de 20 anos, o que consumou o esfacelamento do
jornal.
Em
1933, o Diário da Bahia foi adquirido por uma sociedade anônima,
formalmente constituída e dirigida por João Pacheco de Oliveira, ex-deputado
federal e elemento de apoio do interventor Juraci Magalhães. O objetivo da
compra era prover o governo e o recém-fundado Partido Social Democrático (PSD),
órgão governista, com um meio de divulgação e propaganda. Até o golpe de estado
de novembro de 1937 o Diário da Bahia desempenhou essa função. Com a
instalação do Estado Novo, passou a apoiar e a promover a ditadura getulista.
Daí por diante acelerou-se a decadência do jornal, que passou
a circular em períodos intermitentes. Em dezembro de 1951 reapareceu, depois de
algum tempo de ausência, sob a direção de Antonino de Oliveira Dias e de Murilo
Soares da Cunha. Seu proprietário oficial era a S.A. Diário da Bahia, mas o
dono de fato era o governo do estado. Sua função, portanto, era promover o
governo estabelecido e o PSD, partido oficial.
Duas colunas foram então responsáveis pelo soerguimento do
jornal, nesse período: “Política é o diabo”, assinada pelo escritor Wilson
Lins, sob o pseudônimo de Rubão Braz, e “Disseram”, assinada por Murilo Soares
da Cunha. Em tom satírico, a primeira fazia críticas contundentes ao jogo
político da época, e a segunda também tratava de assuntos da política nacional
e local, atacando com veemência a União Democrática Nacional (UDN) e, em
especial, o senador Juraci Magalhães.
No dia 10 de maio de 1955, com o editorial “Fale baixo,
coronel”, o Diário da Bahia refutava críticas formuladas por Juraci
Magalhães contra o ex-governador pessedista Régis Pacheco, acusado pelo
senador-coronel de ter enriquecido ilicitamente no governo do estado.
Considerando o editorial difamante e calunioso, Juraci Magalhães apresentou, em
juí- zo, queixa-crime contra os diretores do jornal, Murilo da Cunha e Antonino
Dias. A reedição do editorial, dois meses depois, motivou a apresentação de
outra queixa-crime contra os mesmos diretores, que deveriam, portanto,
responder a dois processos movidos pelo senador udenista. A ação judicial,
contudo, foi prescrita por decurso de prazo, o que levou o juiz a declarar a
absolvição dos réus.
A
partir de 1956 a situação financeira do jornal tornou-se particularmente grave.
Os salários dos funcionários deixaram de ser pagos, máquinas foram penhoradas.
O jornal passou a ser alvo de consecutivas ações trabalhistas movidas por seus
empregados. Para evitar a continuação de tais ações, a diretoria, de acordo com
o pseudoproprietário do jornal (S.A. Diário da Bahia) resolveu suspender a
circulação do mesmo. O Diário da Bahia circulou pela última vez no dia
30 de maio de 1957, depois de mais de 80 anos de atividades.
Consuelo
Novais Sampaio
colaboração especial
FONTES:
ENTREV. DIAS, A.; ENTREV. SAMPAIO, A.; SEABRA, J. Humilhação; SILVA, K.
Diário.