DÍVIDA
EXTERNA
Antes
da Segunda Guerra Mundial, embora de acordo com as precárias informações
disponíveis o endividamento externo do setor privado no Brasil não fosse
desprezível, o grosso da dívida externa era constituído por títulos da dívida
pública federal, estadual, municipal e de órgãos públicos envolvidos nos
esforços de valorização do café. Não cabe insistir aqui na importância dos
empréstimos públicos externos para o financiamento da implantação da
infra-estrutura de exportação e para atender aos requisitos do rápido processo
de urbanização, pois a partir de 1930, com a completa interrupção do lançamento
de títulos da dívida pública externa, o problema transformou-se. Não se
tratava mais de adotar políticas que assegurassem o fluxo de capitais
associados à dívida pública, mas sim de adequar o pagamento do serviço da
dívida à crônica escassez de divisas.
Em
fins de 1930, a dívida pública externa brasileira totalizava 253 milhões de
libras, dos quais 65% correspondiam a títulos britânicos, 30% a títulos
norte-americanos e 5% a títulos franceses. Todos os empréstimos
norte-americanos haviam sido contraídos entre 1922 e 1930, a taxas de juro mais
elevadas e com menores prazos de amortização do que os empréstimos mais antigos.
O serviço da dívida correspondia a cerca de 21 milhões de libras, o que equivalia
em 1929 a 18% e, em 1931, a 38% das exportações totais.
A
deterioração da posição cambial brasileira a partir de 1929, devido à queda do
valor das exportações e à interrupção dos fluxos normais de capitais
estrangeiros público e privados, tornou evidente que não seria possível manter
o pagamento integral do serviço contratual. Além disto, a depreciação cambial
e a queda da arrecadação dos tributos de importação aumentaram sensivelmente a
proporção da arrecadação absorvida pelo pagamento da dívida (de 19% em 1929 para
32% em 1931).
O
reajuste do serviço da dívida às reais possibilidades de pagamento da economia
brasileira foi objeto de sucessivas negociações entre 1931 e 1943. Pelo menos
até 1934, a política brasileira orientou-se no sentido de adequar o serviço à
"capacidade de pagamento" da economia, o que, na prática,
correspondia a cerca de 50% do saldo na conta corrente da balança de
pagamentos. A partir de 1937, com a interrupção do pagamento do serviço entre
1937 e 1940 e na negociação dos acordos de 1940 e 1943, tornou-se clara uma
mudança de política, os compromissos relacionados à dívida sendo considerados
de prioridade secundária em relação à manutenção a um nível considerado
"adequado" de importações essenciais.
Em
fins de 1931 o governo brasileiro decidiu unilateralmente suspender o
pagamento do serviço da dívida externa, obrigando os credores a negociar.
Desta negociação resultou o funding loan de 1931 através do qual o
serviço da maior parte da dívida passou a ser pago, por três anos, pela
emissão de títulos especiais a 5% aumentando-se assim o total da dívida em
circulação. O serviço de alguns empréstimos mais importantes continuou a ser
pago, embora com pagamentos de amortização e/ou juros reduzidos. Este arranjo
demonstrou ser desfavorável ao Brasil, pois continuou a aumentar o total da
dívida em circulação, pagando-se juros grosso modo equivalentes aos
previstos contratualmente.
Em
1934, com o término do prazo de três anos do funding loan, foi negociado
o esquema Osvaldo Aranha, realmente inspirado em idéias de sir Otto Niemeyer,
que previa pagamento do serviço a uma escala reduzida, de um número maior de
empréstimos. Os empréstimos foram divididos em oito categorias, sendo
relativamente mais bem tratados os empréstimos melhor classificados. O esquema,
em princípio, vigoraria por quatro anos, prevendo-se pagamentos da ordem de
oito milhões de libras ao ano. O esquema previa não apenas o adiamento da amortizacão mas, também, a redução efetiva das taxas de juros
contratuais pelo seu prazo de vigência.
Tanto
no caso do funding loan, quanto do acordo de 1934 os interesses
norte-americanos foram relativamente prejudicados, pois uma proporção maior de
empréstimos em dólares foi classificada em categorias inferiores. Embora esta
tendência possa ser explicada parcialmente pela maior importância relativa dos
empréstimos não-federais norte-americanos, não há dúvida de que a influência
britânica na primeira metade da década foi uma importante razão para o mau
tratamento dos interesses dos detentores de títulos norte-americanos. Além
disto, é perceptível que a maximização dos pagamentos financeiros era meta
prioritária da política econômica internacional britânica, enquanto neste
período os norte-americanos concentravam sua atenção em problemas de natureza
comercial.
Em
novembro de 1937, como conseqüência do golpe que implantou o Estado Novo,
decidiu-se suspender unilateralmente o pagamento do serviço da dívida,
apresentando-se como justificativa a impossibilidade de conciliar estes
pagamentos com a manutenção das importações essenciais ao desenvolvimento
econômico do país e o reequipamento das forças armadas. Os pagamentos do serviço
só foram retomados, sob pressão note-americana, com a negociação de novo
acordo temporário em 1940 que previa, por quatro anos, pagamentos a uma escala
equivalente a 50% da escala de pagamentos do esquema Osvaldo Aranha.
Já então os negociadores norte-americanos exerceram seu poder de barganha para
corrigir algumas das "distorções" de acordos anteriores que eram
consideradas particularmente lesivas aos seus interesses.
Em
1943, preocupado com a acumulação de saldos em libras inconversíveis em Londres
e antecipando que seria menos vantajoso negociar a dívida externa em 1944,
pois o Brasil acumulava rapidamente reservas cambiais, o ministro Artur de
Sousa Costa tomou a iniciativa de negociar um acordo permanente com os
credores do Brasil. O acordo previa redução considerável da dívida em
circulação, resgatada a preços abaixo de 30% do valor nominal,
liquidação de atrasados e oferecia duas opções aos detentores de títulos
brasileiros. Em ambos os casos o serviço anual seria da ordem de oito milhões
de libras, embora variassem as condições aplicáveis a diferentes empréstimos.
A negociação deste acordo, somada a resgates efetuados durante a guerra,
permitiu a redução da dívida em circulação de um máximo de 283 milhões de
libras em 1931 para 169 milhões de libras em 1945. Os negociadores
norte-americanos aproveitaram a ocasião para corrigir as
"distorções" ainda a seu juízo existentes quanto ao tratamento
discriminatório dos empréstimos em dólares. Cabe notar que no período 1945-1950
resgates extraordinários da dívida pública externa configuraram importante
modo de dispender libras bloqueadas que, por decisão britânica, não
podiam ser utilizadas na importação de bens e serviços.
Ainda
nos anos da guerra verificou-se importante aumento do fluxo de empréstimos de
supridores, especialmente agências governamentais norte-americanas, que,
juntamente com empréstimos em dinheiro, iriam constituir o grosso da dívida
externa brasileira no período de pós-guerra.
Marcelo de Paiva A breu
colaboração especial
FONTES: ABREU, M. Dívida;
BOUÇAS, V. Finanças.
De
1945 a 1982
Após
a Segunda Guerra Mundial, o endividamento externo do país passou por duas
fases expansivas: a primeira, de mais curta duração, se estendeu de 1953 a 1961
e a segunda, iniciada após um interregno de sete anos, se prolongaria até
1982, diferindo da anterior não só pela distinta natureza da dívida e do
próprio sistema financeiro internacional como pelo seu ritmo de crescimento
muitas vezes superior. Entretanto, ambos os períodos têm em comum o fato de
que os próprios encargos da dívida reforçara os desequilíbrios do balanço de
pagamentos, contribuindo para gerar crises cambiais profundas, seguidas de uma
ruptura consubstanciada em renegociações com credores e instituições oficiais
internacionais. Também, em ambos os casos, a deterioração do perfil da dívida,
com o acúmulo de compromissos de curto prazo, prenunciou a eclosão da crise.
Substituição de importações, industrialização pesada e
dívida externa
Ao
se encerrar o conflito mundial, as contas externas do Brasil encontravam-se em
situação bastante favorável. O montante da dívida externa havia sido contraído
substancialmente nos 15 anos anteriores, reduzindo a carga de seu serviço para
os anos vindouros. As reservas acumuladas durante o período da guerra, devido
aos reiterados superávits obtidos no balanço de pagamentos, chegavam a cerca
de 650 milhões de dólares em 1945. No qüinqüênio que se seguiu, entretanto,
começariam a se manifestar os desequilíbrios nas transações externas que, exacerbados
no início da década de 1950, fariam o país voltar a recorrer a capitais de
empréstimo em escala crescente.
O
liberalismo cambial do início do governo Dutra criou as condições para que a
demanda reprimida por importações, herdada do período da guerra, se
convertesse numa expansão acumulada das compras externas em 1946 e 1947 da
ordem de 170%. E apesar dos controles cambiais estabelecidos a partir de
meados de 1947, o rápido crescimento da produção industrial sustentou em
elevado nível as importações nos anos subseqüentes. Não fora a tendência
altista dos preços do conjunto dos produtos de exportação até 1948, seguida
pela elevação espetacular das cotações do café no mercado internacional a
partir de 1949, e o país logo se teria visto ameaçado por um profundo estrangulamento
externo. Mas a melhoria dos termos de intercâmbio tornou possível a obtenção
de um ligeiro superávit nas contas correntes ao longo dos cinco anos.
Os
desequilíbrios que então apareceram foram parciais, isto é, localizaram-se nas
rejeições comerciais com as áreas de moeda conversível, mas nem por isso
deixaram de ter importância. Pelo contrário, deles resultaram o quase
esgotamento das reservas em moeda conversível, o acúmulo de atrasados
comerciais no valor de 72 milhões de dólares, e o recurso a um crédito de 80 milhões
de dólares junto ao Federal Reserve Bank, para fechar o balanço de pagamentos
em 1947.
Voltando
aos resultados globais, e tendo em conta o conjunto do qüinqüênio, cabe
assinalar que, com o superávit em transações correntes e a utilização das
reservas, logrou-se que as amortizações da dívida preexistentes superassem os
ingressos de novos empréstimos e financiamentos. Disto decorreu uma redução
de mais de 10% da dívida externa brasileira no período.
A
continuidade da industrialização em ritmo acelerado manteve uma forte pressão
por importações na primeira metade da década de 1950. Era da natureza do
processo de industrialização por substituição de importações, pelo qual
passava o país à época, que à eliminação de uma série de produtos da pauta de
importações correspondesse a entrada de novos bens (intermediários e de capital),
bem como o aumento do nível global das compras externas, sendo este último
fenômeno explicado pela expansão do produto interno e seus efeitos sobre as
importações.
Além
deste condicionante geral, o balanço comercial dos anos de 1951 e 1952 foi
fortemente influenciado pelas expectativas criadas pela guerra da Coréia. O
receio de novas restrições da oferta internacional de produtos industriais e de
matérias-primas levou a um afrouxamento dos controles de câmbio e as
importações subiram para um patamar 80% superior ao verificado nos três anos
precedentes. As tensões cambiais que se vinham desenvolvendo, de modo parcial,
desde 1946, desembocaram subitamente num imenso desequilíbrio externo,
manifesto no déficit em transações correntes, que alcançou a cifra acumulada
de um bilhão de dólares nestes dois anos. Na ausência de influxos de capitais
autônomos capazes de financiar uma parcela significativa deste déficit, o país
incorreu em atrasados comerciais que somaram 570 milhões de dólares, além de
sofrer nova importante sangria em suas reservas, que baixaram de cerca de 590
milhões de dólares em 1950 para algo em torno de trezentos milhões de dólares
em 1952.
Os
atrasados comerciais seriam convertidos em dívidas nos dois anos seguintes,
através de empréstimos arranjados com instituições oficiais e consórcios de
bancos, com a finalidade de saldar os compromissos com os exportadores de
seus países e regularizar o balanço de pagamentos brasileiro. Através destas
negociações o Brasil receberia, em 1953, empréstimos de trezentos milhões de
dólares do Export and Import Bank (Eximbank), de 158 milhões de
banqueiros londrinos e de 28 milhões do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em 1954, mais duzentos milhões de dólares seriam obtidos de um grupo de bancos
norte-americanos. Ainda em 1954 seriam captados 48 milhões de dólares através
de operações swaps, inaugurando então uma modalidade de operação financeira
de curto prazo, à qual se recorreria largamente alguns anos mais tarde.
Este
conjunto de operações foi responsável pela duplicação da dívida externa
brasileira no curto espaço de dois anos. Ao finais de 1954, a posição devedora
do Brasil frente ao exterior já alcançava a casa de 1,3 bilhão de dólares. E
desta feita, a reversão do processo se tornara quase impossível.
De
fato, dispondo-se de um baixíssimo nível de reservas, a única possibilidade de
se conter a expansão da dívida seria através da obtenção de sucessivos e
volumosos superávits na conta comercial. Teoricamente não seria uma façanha
inviável, dado que o nível do endividamento não era então desproporcional em
relação às exportações do país (a dívida líquida representava 56% seu serviço
12% das exportações, enquanto que posteriormente estes coeficientes passariam
para, respectivamente, 210% e 40% em 1960, 150% e 54% em 1970 e 233% e
65% em 1980). Mas a situação histórica concreta apontaria os limites desta
alternativa: a evolução do mercado internacional para os produtos primários, a
partir de meados da década de 1950, foi bastante desfavorável penalizando
duramente as exportações brasileiras. Em particular, a tendência altista do
preço internacional do café infletiu-se depois de 1954, dando início a uma
baixa prolongada das cotações deste produto. O valor das exportações
brasileiras, e portanto capacidade de pagamento das importações de bens e
serviços e amortização da dívida contraiu-se de imediato, ficando estagnada até
meados da década de 1960.
Frente
a este quadro, a continuidade do crescimento industrial acelerado na segunda
metade da década de 1950 implicaria, por sua pressão sobre as importações, a
necessidade de se recorrer a novos aportes de capitais externos, que
engrossariam o estoque da dívida externa do país. A opção de fazer avançar o
processo de industrialização, vale dizer, de dar um "salto" neste
processo implantando a indústria pesada e integrando a estrutura produtiva do país,
estava sujeita a este condicionante. Assim, o Plano de Metas do governo de
Juscelino Kubitschek teve que contar, para sua viabilização, com um esquema de
financiamento externo, o qual dependia, evidentemente, não só de medidas
internas de atração de capitais, mas também das condições de oferta do mercado
financeiro internacional.
Do
ponto de vista da atração de capitais, além das medidas favoráveis ao
investimento direto estrangeiro, como a Instrução 113 da Superintendência da
Moeda e do Crédito (Sumoc), legada pelo governo anterior, incentivou-se o
ingresso de capitais de empréstimo através da concessão de câmbio de custo para
o pagamento de juros e amortizações ao exterior. Adicionalmente, através de
oferecimento do aval do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE),
facilitava-se o acesso do setor privado ao financiamento externo.
Por
outro lado, a forte concentração de bens de capital na pauta de importações
permitiu que se recorresse largamente a supplier's credits (créditos de
fornecedores que constituíam a modalidade de crédito mais disponível nesta
etapa do desenvolvimento do sistema financeiro internacional. Assim, o volume
médio anual de empréstimos e financiamentos, que havia sido de 51 milhões de
dólares na primeira metade da década, passou para 342 milhões de dólares no
período 1956-1960; e desta última cifra, cerca de 2/3 corresponderam ao
financiamento da importação de equipamentos.
O
influxo ampliado de capitais autônomos não foi, entretanto, suficiente para
cobrir a crescente brecha que se abria nas transações correntes do país,
levando a que se lançasse mão de empréstimos de regularização do balanço de
pagamentos: 37 milhões de dólares do FMI em 1957 e 195 milhões em 1958, dos
quais 37 milhões do FMI, cem milhões do Eximbank e 58 milhões de banqueiros
norte-americanos. Entretanto a concessão de novos empréstimos externos desta
natureza, no ano seguinte, estava condicionada à aprovação pelo FMI de um
programa de estabilização monetária, o qual foi elaborado por Lucas Lopes
(ministro da Fazenda) e Roberto Campos (diretor do BNDE), e implementado a
partir de fins de 1958. As metas de crescimento chocavam-se, entretanto, com a
execução de um rígido programa de estabilização, e o governo teria que fazer
uma escolha entre os dois objetivos em conflito.
A
opção de Kubitschek pelo primeiro deles, e a sua decisão de romper as negociações
com o FMI em meados de 1959, tiveram como conseqüência o fechamento daqueles
canais de crédito. Não havia então outra alternativa senão recorrer a um
outro tipo de financiamento compensatório - as swaps - para evitar que
o estrangulamento externo comprometesse a consecução das metas internas. Este
mecanismo de financiamento tinha porém duas grandes desvantagens: seu custo
para os cofres públicos, já que o governo arcava com o risco de câmbio, e seu
prazo curto, que exigia permanentemente novas contratações destas operações
para cobrir aquelas que venciam. A deterioração do perfil da dívida, com a
concentração de vencimentos no curto prazo, anunciava o desfecho da crise
cambial. Já em 1961, o novo governo deveria empreender uma renegociação
da dívida externa brasileira.
Ao
longo da década de 1950 o nível de endividamento externo havia se multiplicado
por cinco, lado a lado com importantes mudanças na sua composição e perfil.
Assim, a dívida pública externa, que era o componente mais importante até os
primeiros anos do pós-guerra, não chegaria a representar 5% do total do débito
em 1960. Em compensação outras modalidades ganharam peso, chegando a atingir,
neste último ano, as seguintes participações no total: 45% da dívida estavam
vinculados aos financiamentos de importações, cerca de 13% às swaps
e 21% aos empréstimos compensatórios.
Observe-se
que os dados da dívida externa do Brasil não são muito precisos para anos
anteriores a 1967. Observam-se discrepâncias importantes entre as informações
utilizadas por autores diversos. Estas divergências decorrem não só da fonte
primária International Financial Statistes (IFS) do FMI, relatórios da Sumoc,
como também da abrangência do conceito de dívida externa. Os dados aqui
utilizados para o período 1956-1966 são oriundos dos relatórios da Sumoc e do
Banco Central, e incorporam as dívidas de curto prazo (como as swaps) e
outros débitos, como aqueles pendentes após a extinção de acordos bilaterais.
A crise econômica e a estabilização
da dívida externa
De
1961 a 1967 a dívida externa brasileira manteve-se relativamente estável, com
variações não muito grandes em torno de um patamar de pouco mais de três
bilhões de dólares. A crise econômica que o país atravessou no período
permitiu a obtenção de superávits substanciais na conta comercial, e portanto
uma melhoria progressiva nas contas correntes. Em particular, a política
econômica posta em prática a partir de 1964, pelos seus efeitos
contracionistas sobre a demanda agregada, e portanto sobre as importações,
acabou por gerar superávits comerciais superiores aos déficits em serviços, de
modo que se logrou obter razoáveis saldos positivos em transações correntes
durante três anos consecutivos (1964-1966). Cessavam assim as pressões reais,
ao nível do balanço de pagamentos, para a expansão da dívida.
A
primeira fase deste período, de 1961 a 1964, foi marcada por tensões nas
relações externas. E as renegociações que acabaram se realizando, especialmente
as de 1964, se por um lado contribuíram para a digestão da crise cambial
precedente, por outro só foram viabilizadas a partir da adoção de políticas
internas com efeitos perversos sobre a produção, emprego e salários.
Com
a mudança de governo em 1961 e a aprovação pelo FMI do programa antiinflacionário
de Jânio Quadros, o país voltou a ter acesso aos créditos compensatórios de organismos
internacionais. Conseqüentemente, abriu-se o caminho para negociar com os credores
externos o reescalonamento da dívida, tendo se chegado a um acordo com os europeus
para a consolidação de obrigações oriundas de supplier's credits. Mas
o quadro logo mudaria com a renúncia de Jânio e o governo Goulart se defrontaria
com renovadas dificuldades cambiais. O retorno de tensões com o FMI, o Banco
Mundial e o governo norte-americano, e portanto o inevitável malogro da
tentativa de um novo reescalonamento, levariam a uma progressiva asfixia
cambial, em decorrência da dificuldade para renovar as dívidas que venciam,
isto é, para manter o nível do endividamento.
Finalmente,
após o movimento militar de 1964, o novo governo empreendeu uma severa
política de estabilização, contando com o apoio dos principais organismos
financeiros internacionais. Uma nova rodada de renegociação da dívida
externa resultou então no reescalonamento de cerca de quatrocentos milhões de
dólares - que deveriam vencer em 1964 e 1965 - junto a governos estrangeiros,
fornecedores privados e instituições financeiras internacionais. A crise
cambial foi cedendo, em face da melhor distribuição das amortizações no tempo
- aliviando a conta de capital - e das melhorias já mencionadas nas contas
correntes.
Crescimento com endividamento: a longa jornada e a
crise
O
ano de 1967 foi um período de transição. O desequilíbrio em conta corrente
reapareceu, mas não foi financiado com ingresso líquido de capitais de
empréstimo, e sim através da utilização de reservas. Estas se reduziram para
duzentos milhões de dólares ao final do ano, ficando bem abaixo dos limites
convencionais de segurança. A prudência recomendaria o recurso a financiamentos
adicionais para recompor a liquidez internacional do país. Nada porém estava a
sugerir a expansão inusitada do endividamento externo que se processaria a
partir de então; havia sim, é verdade, a conformação de condições extremamente
propícias para o mesmo, derivadas de transformações ocorridas no front interno
e, principalmente, no externo.
As
modificações no campo da legislação sobre capitais estrangeiros, com a criação
de novos instrumentos legais, preparou o terreno internamente para a captação
de grandes massas de recursos sob a modalidade de empréstimos em moeda, isto
é, operações de crédito sem qualquer vinculação com transações comerciais. A
Lei nº. 4.131, de 3 de setembro de 1962, alterada pela Lei nº. 4.390, de 29 de
agosto de 1964, que constitui a legislação geral sobre capitais estrangeiros,
embora tratasse daquela modalidade de crédito, e assegurasse a remessa de
rendimentos, não contemplava as operações de curto prazo. A Instrução 289 da
Sumoc, de janeiro de 1965, autorizava empréstimos externos em moeda, para
capital de giro, por prazos inferiores a 360 dias; além do mais, garantia cobertura
cambial para o retorno do principal. Estando o crédito doméstico restrito
pela política econômica em vigor, este instrumento serviu de válvula de escape
para as empresas estrangeiras, que podiam assim dispor de financiamento para
suas operações correntes. O mecanismo discriminava as empresas nacionais, já
que estas não tinham acesso ao mercado financeiro internacional (por serem
desconhecidas, não terem conta bancária em estabelecimentos estrangeiros
etc.). Este tratamento diferenciado só seria reparado com o advento das
resoluções 63 e 64, de agosto de 1967, através das quais os bancos comerciais,
de investimento, e o BNDE foram autorizados a captar recursos externos e
repassá-los a tomadores nacionais, para financiamento de capital fixo ou de
giro. Mais tarde, com o aumento das facilidades para a captação de recursos de
longo prazo no mercado internacional, foi extinta a Instrução 289 (pela
Resolução 237, de outubro de 1972, do Banco Central), ficando a Lei nº. 4.131 e
a Resolução 63 como os dois instrumentos básicos de captação de empréstimos em
moeda até os dias de hoje.
O
condicionante externo de maior importância foi sem dúvida o desenvolvimento do
mercado de eurodólares durante a década de 1960, e o impulso extraordinário que
ganhou a partir do final da década e início da década de 1970, alimentado
pelos déficits do balanço de pagamentos norte-americanos. O excesso de
liquidez levou os bancos que operavam neste mercado a buscar novos clientes e
melhorar as condições dos empréstimos, esticando os prazos e reduzindo as taxas
de juros. O conjunto dos países atrasados passava a ter acesso a créditos
abundantes, a baixo custo, e sem as exigências e interferências na condução da
política econômica características das operações com organismos financeiros
oficiais. A resposta positiva à atração exercida por estas condições foi
bastante. generalizada nos países em desenvolvimento.
A
economia brasileira foi atrelada a esta trajetória expansiva dos fluxos
financeiros internacionais, figurando entre as três maiores tomadoras de
recursos no mercado de euro-moedas ao longo da década de 1970. Já no período
1968-1973, a dívida externa brasileira evoluiu rapidamente da cifra de 3,3 bilhões
de dólares para 12,6 bilhões. Sua composição passou, evidentemente por
grandes mudanças, à medida que ganhava peso a dívida em moeda (62% do total em
1973 contra 28% em 1968) em detrimento daquelas resultantes de empréstimos
compensatórios (2% em 1973 contra 29% em 1968), créditos de fornecedores (27%
em 1973 contra 29% em 1968) e outras modalidades.
Apesar
das elevadas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 1968 e
1973, seria incorreto atribuir a disparada do endividamento às necessidades de
financiamento externo da economia em expansão. Com efeito, os influxos anuais
de capitais de empréstimo superaram largamente os déficits em transações
correntes, resultando numa excessiva acumulação de reservas, as quais chegam
a atingir, em finais de 1973, o nível de 6,4 bilhões de dólares, suficiente
para cobrir mais de um ano de importações à época. Do aumento da dívida no
período, 2/3 se destinaram à formação de reservas, e não ao financiamento do
déficit externo.
Outra
explicação corrente para o fenômeno é que os capitais externos, de longo prazo,
supriam as deficiências do sistema financeiro nacional, cujas operações eram
predominantemente de curto prazo. Mas também este motivo seria insuficiente
para explicar o acelerado ritmo de endividamento externo no período, seja
porque boa parte dos créditos externos foi utilizada para o financiamento de
capital de giro e para aplicações de curto prazo, seja porque a criação de
recursos de longo prazo poderia ser promovida por instituições financeiras
oficiais nacionais diretamente, sem a passagem pelo crédito externo. Neste
último caso, entretanto, a ampliação do poder financeiro do Estado e o aumento
de sua capacidade de arbitragem sobre a destinação de recursos para o investimento
seriam politicamente mais complicados do que delegar a tarefa alocativa às
"forças impessoais do mercado".
Dada
a diretriz acentuadamente pragmática da política econômica de então, sob o
comando do ministro Antônio Delfim Neto, e tendo em conta as condições
altamente favoráveis do mercado financeiro internacional, pode-se atribuir a
opção pelo endividamento a uma combinação dos fatores acima mencionados.
Mas
se é possível caracterizar o endividamento de 1968 a 1973 como resultado de
uma escolha, o mesmo não se pode dizer do crescente recurso a capitais externos
de empréstimo a partir de 1974. A dívida acumulada até 1973, montando a 12,6
bilhões de dólares, já começava, então, a ganhar uma dinâmica própria: seu
serviço (amortizações + juros) crescia rapidamente, e não podendo ser pago com
exportações, era financiado com novas dívidas, as quais por sua vez ampliavam
os encargos financeiros para os anos posteriores, e assim por diante.
Esta
tendência auto-expansiva da dívida foi imensamente agravada pelo choque do petróleo
em finais de 1973. A quadruplicação dos preços deste insumo vital para a
economia brasileira abriu uma enorme brecha no balanço comercial brasileiro.
A manutenção do fluxo normal de importações essenciais de bens de serviços e
do pagamento dos encargos financeiros exigiu a captação de enorme massa de
recursos externos a partir de então, elevando a dívida para o nível de 43,5
bilhões de dólares em finais de 1978.
Pelo
lado da oferta, a viabilização da expansão do crédito ao Brasil, e aos demais
países em desenvolvimento importadores de petróleo, se deu através da
reciclagem dos excedentes acumulados pelos países da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) promovida pelo sistema financeiro privado
internacional. Esta intermediação financeira, que parecia estar resolvendo adequadamente
os problemas resultantes dos acentuados desequilíbrios nas transações reais
entre os países, começou a ser posta em xeque a partir do segundo choque do
petróleo.
As
sucessivas elevações do preço do petróleo após a revolução iraniana, compondo
um aumento de 140% entre janeiro de 1979 e agosto de 1980, produziram novamente
um grande impacto sobre o balanço de pagamentos brasileiro: o déficit comercial
triplicou depois de 1978, ficando próximo da casa dos três bilhões de dólares
em 1979 e 1980. As expectativas do governo de que não haveria grandes
problemas para se financiar o enorme déficit nas transações correntes se
frustraram. Imaginava-se que os superávits obtidos pela OPEP (cerca de 110
bilhões de dólares em 1980) teriam que ser reciclados, de uma maneira ou de
outra, em direção aos países deficitários.
Entretanto,
o sistema bancário internacional recuou diante da possibilidade de intermediar
aquela massa de recursos para os países deficitários, os quais já apresentavam
elevados graus de endividamento. O volume de passivos de curto e médio prazos
empregados em aplicações de longo prazo cresceria perigosamente em relação ao
capital dos bancos. Além do mais, tenderam a aumentar os controles dos bancos
centrais dos países industrializados sobre os empréstimos internacionais que
representassem alto risco. Nesta conjuntura de indefinição, as dificuldades
para países como o Brasil aumentaram de maneira drástica. Os bancos se
retraíram, elevaram os spreads (comissões de repasse) cobrados nos
empréstimos, e pressionaram o país para que recorresse ao FMI.
As
autoridades da área econômica acabaram por adotar, a partir de finais de 1980,
um conjunto de medidas de austeridade nos moldes preconizados pelo FMI, sem
entretanto firmar qualquer acordo de empréstimo com a instituição. A política
recessiva posta em prática teve como conseqüência a redução de 10% do produto
industrial, a queda das importações e a obtenção de um superávit de 1,2 bilhão
de dólares no balanço comercial em 1981. O saldo comercial obtido já era, a
esta altura, pouco significativo frente ao déficit de 13,1 bilhões de dólares
do balanço de serviços, derivado fundamentalmente do pagamento de juros.
Entretanto, o restabelecimento da confiança da comunidade financeira internacional
desobstruiu os canais de financiamento, permitindo novos influxos volumosos de
capital de empréstimo.
Mas
ao segundo choque do petróleo juntaram-se novas circunstâncias extremamente
danosas para o balanço de pagamento do país: a elevação brutal e persistente
das taxas de juros internacionais a partir do último trimestre de 1979 e a
queda acentuada dos preços dos produtos primários no mercado internacional.
De um lado aumentavam os encargos de juros na conta serviços, e de outro a
receita de exportação de primários era afetada. E mais, à medida em que a
crise foi paralisando os mercados das regiões subdesenvolvidas, as vendas
externas de manufaturados foram duramente atingidas. Com seus diversos componentes
afetados, as exportações brasileiras sofreram, em 1982, a sua primeira contração
(-13%) em 15 anos, e justamente no momento em que se tornava mais grave o
déficit em serviços.
Nesse
ano, o presidente João Batista Figueiredo revelou que a dívida externa do país
ascendia a 80 bilhões de dólares, cifra muito superior a até então estimada, já
que, pela primeira vez, se computavam também os débitos de curto prazo. De
fato, ao final do ano, segundo dados do Banco Central, essa cifra era igual a
83,3 bilhões de dólares, dos quais 13,6 bilhões constituídos de compromissos
de curto prazo.
Começavam
a se delinear os contornos de uma crise cambial sem precedentes. A circunstância
decisiva para sua precipitação foi o grande abalo sofrido pelo sistema
financeiro internacional em conseqüência das sucessivas renegociações das
dívidas de países que se tornavam insolventes, incluindo importantes devedores
como a Polônia, e que culminou com a declaração da moratória mexicana em agosto
de 1982. À fracassada reunião anual do FMI, nos primeiros dias de setembro, seguiu-se
uma virtual paralisação do mercado financeiro internacional. As reservas
brasileiras esgotaram-se rapidamente e as autoridades da área econômica
recorreram a diversos expedientes de emergência, incluindo-se a contratação de
empréstimos de curto prazo junto a entidades oficiais (BIS, Tesouro Americano)
e consórcio de bancos privados. A dívida de curto prazo, que já vinha
crescendo desde a ocorrência das primeiras dificuldades em 1980, foi engrossada
por cerca de quatro bilhões de dólares no último trimestre de 1982. O perfil
da dívida deteriorava-se rapidamente, aprofundando a crise cambial.
Finalmente,
em novembro de 1982, o Brasil recorreu ao FMI, solicitando empréstimos num
valor total de aproximadamente seis bilhões de dólares. E com o apoio deste
organismo, os ministros Delfim Neto e Ernâni Galveias, juntamente com Carlos
Langoni, presidente do Banco Central, reuniram os principais credores
externos do país a 20 de dezembro, em Nova Iorque, para apresentar o plano de renegociação
da dívida externa brasileira.
Chegava ao fim o "ciclo" de endividamento
iniciado 15 anos antes; mas a crise cambial ainda haveria de ter seus
desdobramentos, seja porque a enorme carga de juros continuou a pesar sobre o
balanço de pagamentos (por não ter sido objeto da renegociação), seja porque o
reescalonamento limitou-se às amortizações a vencerem em 1983, ou ainda porque
as metas do balanço de pagamentos e do fluxo de caixa, que serviram de base
para as negociações, foram mal dimensionadas.
Francisco Eduardo Pires de Sousa
colaboração especial
FONTES:
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório; BATISTA JÚNIOR P. Participação;
Conjuntura Econômica (11/77); DOELLINGER, C. Política brasileira;
DONNELLY, J. External; MALAN, P. Política; SKIDMORE, T. Brasil;
WELLS, J. Endividamento; WELLS, J. Eurodólares.
De
1983 a 1999
A guerra das Malvinas, em maio de 1982, e a moratória
mexicana, em agosto, selaram o fim do ciclo de desenvolvimento com
endividamento inaugurado em 1968. A contração de liquidez nos mercados
financeiros internacionais se iniciara ainda ao final de 1979, com a nova
política monetária americana, que iria elevar as taxas de juros em dólares a
níveis sem precedentes, impondo ônus insuportável sobre o balanço de pagamentos
brasileiro. Em março de 1980 a Libor (taxa interbancária do mercado de
eurodólares) chegou a 18,7%a.a., e em dezembro, a Prime Rate americana
estava a 20,2 %a.a.
Entre junho e julho de 1982, verificou-se uma corrida
sobre os depósitos interbancários das agências e subsidiárias de bancos
brasileiros nos centros financeiros internacionais, importante fonte do
financiamento externo brasileiro. A pressão aguda dos saques, que atingiu
principalmente os bancos oficiais - Banco do Brasil e Banespa
-
pôde ser enfrentada, mas a drenagem de depósitos continuou ao longo do segundo
semestre, conjugada à retração, agora, também, das linhas de crédito
comerciais, tudo isso se somando à completa paralisação das operações de médio
prazo, a partir de setembro.
A presença daqueles bancos no exterior havia crescido
consideravelmente desde 1979, passando a constituir fonte significativa de
créditos num período em que o processo de financiamento externo era
crescentemente difícil. Captavam depósitos interbancários de até seis meses no
mercado de euromoedas, e os reciclavam em operações de oito anos no Brasil.
Daí a sua fragilidade quando se explicitou a crise, tendo a situação dessas
agências se tornado um ponto particularmente vulnerável para as autoridades
brasileiras durante o longo período de dificuldades financeiras externas que se
seguiria.
O déficit do balanço de pagamentos em transações
correntes, que se havia reduzido em 1981 para US$ 11,4 bilhões, voltara a
aumentar em 1982, para US$ 16,3 bilhões (6 % do PIB). A dívida externa líquida
em dezembro de 1981 correspondia a 259% das exportações de bens e serviços do
mesmo ano, atingindo 370% em dezembro de 1982. Nesse último ano, o pagamento
de juros absorvia 53% das exportações de bens e serviços.
A conjugação de fatores externos adversos, na esteira
do segundo choque do petróleo, era realmente extraordinária, mas o Brasil, como
ademais o restante da América Latina, estava pagando também o preço da
imprevidência. O programa de ajustamento macroeconômico, iniciado em março de
1979, fora interrompido em agosto, quando o ministro Mário Henrique Simonsen
deixou o governo. Somente em 1981 a política econômica voltou a ser
restritiva, porém aí já era tarde e a conjuntura internacional negativa para as
exportações.
Sob tal conjunto de circunstâncias, as reservas
internacionais caíram a níveis críticos, e, na iminência de uma crise cambial,
o governo brasileiro, em 20 de novembro de 1982, recorreu ao Fundo Monetário
Internacional (FMI). Simultaneamente, orquestrou um conjunto de medidas
emergenciais para evitar inadimplências, ganhando tempo até que um pacote de
refinanciamento mais abrangente pudesse ser montado com o sistema bancário
internacional, responsável por aproximadamente 3/4 do endividamento global do
País.
Com o apoio do Tesouro americano e do Federal Reserve
Bank de Nova Yorque, o Banco Central estruturou, em conjunto com os
principais bancos credores, uma “rede de segurança” (safety net) para
fechar as posições diárias de caixa das agências externas, basicamente dirigida
ao Banco do Brasil, de longe o mais exposto e maior credor externo individual
do País. Ao mesmo tempo, montou um pacote de empréstimos-ponte, que atingiram
US$ 3,7 bilhões, sendo US$ 0,9 bilhão do Tesouro americano (ingressos brutos de
US$ 1.480 milhões e repagamentos no próprio exercício de US$ 604 milhões), US$
500 milhões do Bank for International Settlements (BIS) e US$ 2,3 bilhões dos
próprios bancos comerciais. Os adiantamentos do governo americano e do BIS
eram contra os saques futuros do FMI, enquanto os dos bancos, ou seriam
descontados de desembolsos relativos a empréstimos contratados mas não
desembolsados em 1982, ou de suas participações no pacote de dinheiro novo do
acordo de reestruturação da dívida que então se desenhava para 1983.
Este acordo, denominado Plano Brasileiro de
Financiamento - Fase I, veio a ser anunciado à comunidade financeira
internacional em reunião no Hotel Plaza em Nova Iorque, no dia 20 de dezembro
de 1982, tendo sido concluído e assinado em 25 de fevereiro de 1983. Do acordo
constavam quatro projetos, a saber: Projeto 1 - dinheiro novo para
financiamento do déficit em transações correntes, no valor de US$ 4,4 bilhões;
Projeto 2 - refinanciamento das amortizações vincendas em 1983, da dívida
bancária de médio prazo registrada no Banco Central; Projetos 3 e 4 -
representavam apenas promessas, sem compromisso, de manutenção das linhas de
crédito comerciais (Projeto 3), e interbancárias (Projeto 4).
Não obstante todos esses esforços, os atrasos de
pagamentos ao exterior já em fevereiro de 1983 foram inevitáveis. Como recurso
de última instância, o governo promoveu uma maxidesvalorização cambial de 30%
em 21 de fevereiro.
A primeira tranche do dinheiro novo dos bancos, no
valor de US$ 2,5 bilhões, chegou a ser desembolsada em março, mas a drenagem
das linhas de curto prazo, comerciais e interbancárias, persistiu ao longo do
primeiro semestre, e os atrasos de pagamentos se acumularam, tendo alcançado
US$ 1,1 bilhão em julho. Tal situação requeria urgente ordenação normativa,
materializada na Resolução 851, de 29 de julho de 1983, do Conselho Monetário
Nacional, que consagrou a centralização absoluta do mercado de câmbio e fixou
critérios de prioridade para liberação das remessas, em função da
disponibilidade de divisas.
Em junho de 1983, à medida em que prosperavam as
negociações com o FMI para reformulação do programa inicial, aprovado em
fevereiro, mas rapidamente ultrapassado, inclusive pelas novas circunstâncias
decorrentes da maxidesvalorização, o governo brasileiro instituiu o Comitê
Assessor dos Bancos - Bank Advisory Committee for Brazil -
composto pelos 14 principais bancos credores, sob a presidência de William
Rhodes, representando o Citibank. Este comitê coordenou todo o longo processo
de reestruturações da dívida externa bancária, até sua conclusão, com o acordo
de 1993, sob a égide do Plano Brady.
Trabalhando de forma coordenada com o comitê, o Banco
Central logrou deter a hemorragia de linhas de curto prazo durante o segundo
semestre de 1983; em novembro, o FMI aprovava o novo programa econômico e o
governo brasileiro celebrava acordo com o Clube de Paris envolvendo as dívidas
junto aos credores oficiais, por financiamentos ou garantias de financiamentos
de importações brasileiras, que representavam cerca de 15% da dívida global. O
contrato compreendia o reescalonamento de principal e juros vencidos e
vincendos, de agosto de 1983 a dezembro de 1984.
Em janeiro de 1984 foram assinados os instrumentos
relativos à Fase II do Plano Brasileiro de Financiamento, com dinheiro novo de
US$ 6,5 bilhões (Projeto A ou Credit and Guaranty Agreement) e contratos
formais de compromissos de manutenção das linhas comerciais (Projeto C ou Trade
Commitment Letter) e interbancárias (Projeto D ou Interbank Commitment Letter),
além do reescalonamento das prestações de principal vincendas durante o ano
(Projeto B ou Deposit Facility Agreement - DFA).
Entre 1983 e 1984 a situação econômica apresentou
sensível melhora, com a recuperação da atividade econômica internacional,
tendência favorável dos termos de intercâmbio, reação surpreendente das
exportações e redução das importações, tanto por força da retração econômica de
1983 (queda de 2,9% no PIB), quanto por expansão da produção doméstica
substitutiva. Em 1984 o PIB cresceu 5,4%, os pagamentos ao exterior foram
devidamente regularizados, a Resolução 851 revogada em março, e as reservas
internacionais restabelecidas em US$ 12 bilhões. O balanço de pagamentos em
transações correntes equilibrou-se, após um déficit de US$ 6,8 bilhões, em
1983.
A crise, entretanto, cobrava o seu preço. A queda
acumulada do PIB no triênio 1981-1983 foi de 6,3%, e a contrapartida do
equilíbrio externo acabou sendo o agravamento de desequilíbrios internos, dadas
as limitações para o ajuste fiscal. A taxa de inflação duplicou, passando da
faixa de 100%a.a., em 1982, para 211%a.a. em 1983, e 224%a.a em 1984,
intensificando-se as insatisfações sociais.
O programa econômico acertado em novembro de 1983 com o
FMI tropeçava em descumprimentos das metas fiscais e monetárias, que por fim
contribuíram para embargar a requerida manifestação formal daquele organismo,
com vistas à celebração de um acordo multianual de reescalonamento da dívida
junto aos bancos. Tal acordo refinanciaria os vencimentos de principal de 1985
a 1991, inclusive os da Fase I vincendos no período, com 16 anos de prazo e
sete de carência. Tratava-se do mais ambicioso pacote de reestruturação até
então concebido, que abriria caminho para um contrato análogo com os credores
oficiais, e que estava muito próximo do fechamento em janeiro de 1985.
Entretanto, a recusa do FMI em emitir um documento
inequivocamente positivo sobre os progressos na reformulação do programa
econômico, em virtude dos acidentes de percurso anteriores, aliados a naturais
incertezas em relação às diretrizes do novo governo que assumiria em março,
frustrou a consecução do projeto. Os bancos, representados pelo Advisory
Committee, não aceitaram a proposta brasileira de seguir adiante, mesmo sem o
suporte do Fundo, com base em compromisso do presidente eleito, Tancredo Neves,
de que o Brasil honraria os contratos que estivessem assinados.
Assim, o novo governo, que acabou chefiado pelo
vice-presidente, José Sarney, em virtude do falecimento de Tancredo Neves,
tomou posse com toda a questão financeira externa em aberto. Não havia
programa econômico com o FMI em andamento, e o acordo com os bancos estava
sendo objeto de prorrogações trimestrais ad hoc, para os Projetos B, C e
D, que envolviam rolagens do principal das dívidas de médio e de curto prazo.
Com o Clube de Paris, o acordo de 1983 alcançava apenas os vencimentos até
dezembro de 1984, estando, portanto, vencido.
A liquidez internacional, por outro lado, continuava
apertada e as taxas de juros (Libor e Prime) ainda elevadas,
embora houvessem caído substancialmente em relação aos valores extravagantes do
início da década. Os fluxos espontâneos de capitais não ressurgiram, de modo
que o Brasil teve que continuar mantendo o equilíbrio da conta corrente,
sustentando pesadas transferências de recursos reais ao exterior, que atingiram
5,45% do PIB em 1985 (2,7% em 1983, e 6,24% em 1984).
O custo interno foi alto, com aumento das pressões
sobre as finanças públicas. O grau de compromisso com o ajuste fiscal havia se
reduzido, inclusive pelas circunstâncias políticas da redemocratização plena,
com a liberação de forças sociais de conteúdo reivindicatório.
Por outro lado, o discurso oposicionista, desde 1983,
dava destaque aos ônus daquelas transferências de recursos reais, exigindo uma
postura soberana na condução das negociações da dívida externa. A idéia era de
que o equilíbrio econômico dos contratos relativos ao endividamento externo do
ciclo 1968-1982 repousava em dois pressupostos: a manutenção de um nível
razoável das taxas de juros, e a possibilidade de refinanciamentos, tanto do
principal como de pelo menos parte dos juros, ou seja, de rolagem da dívida.
Seria claro para toda a comunidade financeira internacional que os prazos de
maturação, implícitos nos projetos de desenvolvimento econômico financiados
pelos empréstimos, eram muito mais longos que os prazos indicados nos contratos
específicos. Portanto, não se podia esperar que o Brasil já dispusesse de
bases econômicas suficientemente sólidas para amparar megasuperávits na balança
comercial, que viabilizassem aqueles níveis exagerados de transferência de
recursos reais. Assim, quebradas as bases de sustentação dos contratos, o
Brasil poderia, retirando-se de um mercado financeiro com o qual não conseguia
mais operar em bases comerciais correntes, colocar soberanamente seus termos
para os pagamentos da dívida externa, subordinando-os aos objetivos de
equilíbrio interno - crescimento sem inflação.
Representantes dessa corrente de pensamento passaram a
ter assento e influência no governo Sarney. A unicidade de comando da política
financeira externa que vigorara até então, com uma perfeita coordenação
política entre os ministros Ernâne Galvêas, da Fazenda, e Delfim Neto, do
Planejamento, foi quebrada. Entre março e agosto de 1985 desenvolveu-se uma
luta de bastidores entre o ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, defensor
da estratégia de não-confrontação, em prática desde 1982, e João Sayad,
ministro do Planejamento, em torno de quem se aglutinaram os grupos confrontacionistas.
No final de agosto Dornelles demite-se, sendo substituído por Dilson Funaro,
industrial paulista vinculado às alas mais radicais das teses de confrontação.
A política econômica se tornou ainda menos contracionista, as pressões
inflacionárias se agudizaram no final de 1985, e a taxa de inflação atingiu
17,8% ao mês, em janeiro de 1986.
Em 1o de março de 1986 foi lançado o Plano
Cruzado. Concebido para quebrar a inércia da inflação, exigia, para ter êxito,
que a estrutura de preços relativos, que viesse a se formar com a estabilização
monetária, fosse compatível, simultaneamente, com o equilíbrio fiscal interno e
com a sustentação do equilíbrio de transações correntes, dado o persistente
bloqueio do fluxo de recursos financeiros externos. Exceto por uma suspensão
unilateral de pagamentos, não havia, portanto, alternativa à sustentação dos
patamares anteriores de transferências de recursos reais ao exterior, o que
exigiria um conjunto de políticas restritivas, no âmbito fiscal, monetário,
creditício e salarial.
Isto não ocorreu, a taxa de câmbio valorizou-se e o
déficit de transações correntes alcançou US$ 5,3 bilhões em 1986. As reservas
internacionais caíram a níveis críticos e, em 20 de fevereiro de 1987, o
governo brasileiro declarou moratória nos pagamentos de juros da dívida
bancária de médio prazo, num movimento de clara confrontação à comunidade
financeira internacional. Assim, durante a gestão do ministro Funaro, entre
setembro de 1985 e fins de abril de 1987, cristalizou-se uma situação de impasse
com os credores privados e oficiais e com o FMI.
Não obstante, os vencimentos de principal da dívida
bancária continuavam sendo retidos desde janeiro de 1985, com base em
extensões ad hoc dos acordos de 1984. Em fevereiro de 1986 fechara-se um
acordo com os bancos (assinado em julho), para regularização dos valores
relativos a 1985, e reconhecimento das retenções de 1986, que seriam mantidas
como depósitos transitórios junto ao Banco Central até abril de 1987. No mesmo
contrato, estendeu-se o prazo de validade da Trade Commitment Letter e da
Interbank Commitment Letter até março de 1987. Previu-se, ainda, que as
agências de bancos brasileiros no exterior começariam a receber amortizações de
principal, ficando dispensadas das retenções do DFA, como forma de melhorar a
sua liquidez e aliviar as pressões no Projeto D. Finalmente, este foi o
primeiro acordo de reestruturação de dívida que dispensou o aval do FMI.
Embora sem qualquer base contratual, o governo
brasileiro continuara retendo o valor de principal e juros dos credores
oficiais vencidos a partir de 1º de janeiro de 1985, por analogia com o
esquema acertado com os bancos. O Clube de Paris, entretanto, manifestou seu
descontentamento com o que considerava um tratamento discriminatório, de vez que
os bancos tinham retidas apenas as parcelas de principal, enquanto, dos
credores oficiais, o Banco Central bloqueava também os juros.
No início de 1986, o governo brasileiro comunicou ao
Clube de Paris que os montantes retidos entre 1º.de janeiro de 1985 e 30 de
abril de 1986 seriam pagos em nove anos e meio, com cinco de carência e down-payment
de 15%, sendo 9% de imediato, em junho, e os restantes 6%, em duas parcelas,
uma em dezembro e outra em junho de 1987.
Esta medida unilateral foi tomada após o malogro de
reuniões em Paris, onde se encontrou posição absolutamente fechada do Clube
quanto à necessidade de um acordo prévio com o FMI, para quaisquer conversações
de reescalonamento da dívida.
A partir de 1º de maio o Brasil passou a liberar as
parcelas de juros das prestações vincendas, continuando a reter o principal e,
em junho, pagou pontualmente a primeira prestação do down-payment.
Porém, as agências de financiamento de exportações dos países industrializados
continuavam fechadas para novos créditos ao Brasil, e não assinaram nenhum
contrato bilateral que legitimasse as condições estabelecidas unilateralmente
em abril. No caso do Clube de Paris, ao contrário dos bancos, o governo fechava
um acordo genérico (“agreed minute”), no qual se determinava o período de
consolidação, o prazo e a carência do reescalonamento. Bilateralmente o Banco
Central negociava, com cada agência específica (Eximbanks e agências de seguros
de crédito de exportação), as taxas de juros.
Entretanto, entre abril e dezembro de 1986, o Clube de
Paris paulatinamente passou a mostrar maior flexibilidade nos contatos com o
governo brasileiro, no sentido de celebrar um acordo formal, dispensando o
programa econômico com o FMI, a exemplo do que tinha sido assinado com os
bancos em julho. Em janeiro de 1987 finalmente chegou-se a um entendimento,
tendo sido assinada uma agreed minute relativa à Fase II, com a
seguinte estrutura: 100% da dívida vencida e não paga entre 1º de janeiro de
1985 e 31 de dezembro de 1986, referente a contratos firmados ou concluídos
anteriormente a 31 de março de 1983, seria liquidada em seis parcelas
semestrais, a partir de 1º de janeiro de 1990; os juros retidos seriam pagos em
três parcelas semestrais, vencendo-se a primeira em 30 de junho de 1988; os
vencimentos de principal do 1º semestre de 1987 seriam reprogramados nas
mesmas condições do primeiro ponto, sob a condição de manifestação positiva do
FMI quanto ao andamento da política econômica brasileira.
De resto, 1987 foi um ano de transição para saída da
situação de moratória, com vistas aos novos pacotes de reestrututração que
seriam assinados em 1988, com os bancos (Fase IV), e com o Clube de Paris (Fase
III).
Ao final de abril, desgastado pelo fracasso do Plano
Cruzado, pelo recrudescimento da inflação e pela confrontação com o establishment
financeiro internacional, Funaro foi substituído na pasta da Fazenda por
Bresser Pereira. O novo ministro, embora comungasse com as idéias de que os
termos de reestruturação da dívida externa teriam que se alterar profundamente,
de forma a tornar os acordos viáveis, não era partidário da confrontação
aberta. Entendia que seria possível persuadir os credores da impossibilidade
prática de levar adiante políticas econômicas que implicassem em transferências
de recursos reais ao exterior superiores a 2 ou 3% do PIB, ano após ano. Ainda
mais, não havia perspectivas de que os mercados financeiros internacionais
voltassem tão cedo a se abrir para créditos novos à América Latina. Aliás, este
bloqueio persistente é que, basicamente, fizera a balança pender para o lado
mais confrontacionista em 1985. Bresser defendia a idéia de securitização da
dívida externa, mediante emissões de bônus com um deságio, de forma a permitir
uma efetiva redução da dívida. Entretanto, lançado prematuramente e sem estar
devidamente acompanhado de complementos que reforçassem as garantias e a
liquidez da dívida, o conceito foi rechaçado pelo Tesouro Americano.
Finalmente, após marchas e contramarchas, assinou-se em
dezembro de 1987 um acordo com os bancos para regularizar o pagamento de juros
em mora, conseqüência da moratória - o Interim Financing
Agreement (IFA) - no montante de US$ 3 bilhões, equivalente
a 2/3 dos juros atrasados. O restante, US$ 1,5 bilhão, foi liquidado à vista.
Em dezembro, Bresser deixou o Ministério da Fazenda. As
tentativas de persuasão junto ao establishment financeiro internacional
resultaram infrutíferas, o plano de estabilização, lançado em junho, deteve
transitoriamente as pressões inflacionárias, mas esbarrou nas restrições de
balanço de pagamentos e na insuficiência de compromisso fiscal do governo.
O novo Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega,
retornou aos termos de renegociação da dívida externa pré-1985, tendo liberado
desde logo os fluxos de juros bancários vincendos, com o objetivo de iniciar um
processo de recuperação da credibilidade do país, seriamente afetada pela
moratória de 1987. Em junho de 1988, chegou a um acordo abrangente com o Comitê
dos Bancos, que veio a ser assinado em setembro, obtendo o respaldo de um novo
programa econômico avalizado pelo FMI. As negociações foram difíceis, mas
lograram êxito, inclusive pela introdução de novos conceitos, como por exemplo,
o estabelecimento de princípios que impediam o arresto sumário das reservas
internacionais do Brasil em caso de eventuais inadimplências.
Eram óbvias as inviabilidades, tanto do acordo, como do
programa econômico. Os mercados financeiros internacionais continuavam
paralisados e, portanto, as transferências de recursos reais requeridas iriam
novamente esbarrar nas limitações fiscais, gerando tensões inflacionárias
desestabilizadoras. O cenário político não favorecia restrições ao consumo
interno, de sorte que, nove meses depois das assinaturas, em julho de 1989, o
acordo já estava em default, com outra interrupção dos pagamentos de
juros da dívida bancária e dos compromissos com o Clube de Paris, em meio a
fortes desequilíbrios macroeconômicos internos e externos. Contudo, os acordos
de 1988 foram importantes para reordenar, ainda que transitoriamente, as
relações financeiras externas do País.
O dinheiro novo dos bancos foi limitado a US$ 5,2
bilhões, dos quais US$ 3 bilhões eram apropriados contra os desembolsos do IFA,
de dezembro de 1987. A Trade Commitment Letter e a Interbank Commitment Letter
foram prorrogadas por dois anos e meio, até abril de 1991, quando puderam ser
finalmente extintas, num contexto já de maior liquidez nos mercados financeiros
internacionais, que voltavam a se abrir para a América Latina, prenunciando o
encerramento dos anos da crise.
O antigo Deposit Facility Agreement (DFA), que tratava
do reescalonamento dos valores do principal da dívida, transformou-se em
Multi-Year Deposit Facility Agreement (MYDFA), tendo sido, de acordo com
Cerqueira, “reescalonadas as parcelas de principal dos compromissos de natureza
financeira devidos às instituições financeiras no exterior com vencimentos no
período de 1º.01.87 a 31.12.93, inclusive aquelas relacionadas aos contratos de
dinheiro novo de 1983 e 1984 e, ainda, aos recursos já estruturados relativos
aos anos de 1983 (Fase I), 1984 (Fase II) e 1985 (Fase III)”. Os montantes
relativos a 1986 haviam ficados depositados no Banco Central com vencimento no
ano seguinte, e, portanto, passaram a integrar o principal de 1987.
O prazo de amortização foi fixado em 20 anos, em
parcelas semestrais crescentes, com início em março de 1995.
A agreed minute assinada com o Clube de Paris em
janeiro de 1987 previa a reestruturação do principal do primeiro semestre
daquele ano, condicionada a alguma forma de manifestação pública do FMI quanto
aos avanços da política econômica de estabilização. Isto jamais ocorreu, de
modo que esses valores passaram a ser considerados atrasados de pagamentos.
Durante o restante do exercício de 1987 e em 1988, o Brasil continuou pagando
juros dos credores oficiais e retendo as parcelas de principal. Nesse sentido,
portanto, a moratória de 20 de fevereiro de 1987 jamais se estendeu ao Clube de
Paris.
Assim, a agreed minute de 29 de julho de 1988,
três dias depois da aprovação pela diretoria do FMI do novo acordo stand by,
contemplou o seguinte esquema, reproduzido por Cerqueira, para as parcelas de
principal e juros relativas às obrigações contraídas anteriormente a 31 de
março de 1983: “100% das parcelas de principal devidas de 1º.08.88 a 31.03.90
(período de consolidação): repagamento em dez prestações semestrais, sendo a
primeira em 1º.04.95 e a última em 1º.10.99; 70% das parcelas de juros devidas
de 1º.08.88 a 31.03.90: repagamento em dez prestações semestrais, sendo a primeira
em 1º.04.95 e a última em 1º.10.99; 30% das parcelas de juros devidas de
1º.08.88 a 31.03.90: repagamento em duas parcelas (1º.04.90 e 1º.04.91); 100%
das parcelas de principal devidas até 31.07.88 - incluindo valores
de principal de 1º.01.87 a 30.07.87 - (atrasados): repagamento
em dez prestações semestrais, sendo a primeira em 1º.08.93 e a última em
1º.02.98”.
A nova moratória iniciada em julho de 1989 não teve o
caráter de confrontação da anterior, a de 1987. A interrupção de pagamentos se
deu num contexto de restrições políticas que supostamente dificultavam a
implementação dos ajustes internos necessários ao serviço regular da dívida
externa.
De mais a mais, a eleição do novo presidente e o
anúncio de sua política econômica é que iriam definir a questão financeira
externa. Nada mais se esperava do governo em exercício, exceto que evitasse o
caos de uma hiperinflação aberta até março de 1990.
Em julho de 1990, missão do FMI visitou o Brasil para
iniciar os contatos com vistas a novo acordo de respaldo à política econômica,
que cobrisse o último trimestre do ano e o exercício de 1991. Em outubro,
delegação do governo reabriu conversações com o Comitê dos Bancos, porém com
base em outras premissas, e uma nova postura, que rompia com o interlúdio conciliatório
dos acordos de 1988. Diante desta posição negocial, os entendimentos com o FMI
foram temporariamente congelados.
O governo diagnosticava que o problema da dívida
externa brasileira era de natureza eminentemente fiscal, e não cambial. Como a
restrição fiscal era mais forte que a cambial, os esquemas de reestruturação
que se baseassem na capacidade de pagamento derivada do balanço de pagamentos
estariam fadados ao fracasso. Embora a economia demonstrasse capacidade para
gerar robustos superávits na balança comercial, não haveria condições fiscais
adequadas para proporcionar o lastro fiscal requerido. O conseqüente
desequilíbrio interno provocava pressões inflacionárias e insatisfações
políticas, que forçavam o abandono das próprias medidas de equilíbrio externo.
O governo brasileiro argumentava, ainda, que o setor público era solvente, isto
é, tinha condições de sustentar um nível de superávit primário compatível com
uma trajetória de redução da relação dívida/PIB, de modo que, em tese, a
totalidade da dívida poderia ser saldada a longo prazo. De imediato, contudo,
teria condições de pagar apenas cerca de 1/3 do serviço de juros.
Supunha-se, por outro lado, que, em algum momento
futuro, os mercados financeiros internacionais se normalizassem, de modo que
não seria necessário efetivamente amortizar a totalidade da dívida externa.
Assim, (a) se houvesse refinanciamentos parciais de juros garantidos, durante
certo período de tempo (dinheiro novo assegurado) e (b) se as taxas de juros
internacionais se mantivessem em patamares razoáveis, a credibilidade seria
paulatinamente restabelecida, uma vez que os controles fiscais poderiam ser
dosados de forma compatível, simultaneamente, com o serviço da dívida externa,
renegociada nas novas condições, e com o equilíbrio interno.
Daí surgiu o conceito de capacidade de pagamento que,
propunha o governo, deveria pautar um processo de reestruturação definitiva da
dívida externa. Na verdade, um conceito de “capacidade de pagamento” sempre
esteve presente nas três grandes rodadas anteriores, em 1983, 1984 e 1988.
Agora, porém, havia duas diferenças fundamentais: a capacidade de pagamento se
estimava a partir das restrições fiscais, e não do balanço de pagamentos; os
limites eram calculados de modo a respeitar o funcionamento normal do setor
público, sem impor um padrão de restrições que a experiência havia demonstrado
impraticáveis, e cujos resultados tinham sido taxas de inflação extravagantes e
corrosão da credibilidade da política econômica.
Coerente com suas premissas, o governo autorizou, a
partir de 1º de janeiro de 1991, a remessa ao exterior de 30% dos juros
correntes devidos pelo setor público aos bancos, interrompendo a moratória
total que vinha desde julho de 1989. Liberou do processo de renegociação os
pagamentos de dívida externa do setor privado e também das estatais Vale do Rio
Doce e Petrobrás, que, pela suas condições próprias e independência financeira
do governo, poderiam operar com liberdade nos mercados de capitais
internacionais. Igual tratamento tiveram as instituições financeiras oficiais.
Completando o processo, o governo abriu mão dos contratos para as linhas de
crédito comerciais de curto prazo e interbancárias, devolvendo-lhes o caráter
completamente voluntário, de modo que, a partir daí, a questão se concentrou na
dívida de médio e longo prazo da União ou por ela garantida.
Tudo isso era um retorno às idéias que haviam permeado
as posições de 1986 e 1987, e foram, da mesma forma, rechaçadas pelo Comitê dos
Bancos, causando significativo desgaste junto ao establishment
financeiro internacional.
Em março de 1989 havia sido lançado o Plano Brady, que
consagrava a inviabilidade do pagamento integral da dívida externa dos países
em desenvolvimento. Apresentado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos,
o novo plano ofereceu o patrocínio do governo americano junto aos organismos
financeiros internacionais e ao sistema bancário privado, no sentido de um
perdão parcial da dívida que permitisse uma solução definitiva para a questão.
A proposta conjugava um processo de securitização com a aplicação de um deságio
sobre o valor de face da dívida, ou, alternativamente, um rebatimento
equivalente na taxa de juros.
A securitização fazia com que a dívida passasse a se
expressar em bônus, facilitando a sua negociação. Os bancos, que a essa altura
já tinham base de capital suficiente para suportar o deságio, poderiam vender
os novos bônus nos mercados secundários e aliviar suas carteiras contra países
em desenvolvimento, melhorando a sua avaliação nos mercados de capitais.
O conteúdo do Plano era semelhante ao projeto lançado
em 1987 pelo ministro Bresser Pereira. Agora, entretanto, o sistema bancário
internacional estava fortalecido e a liquidez aumentava, ampliando o espaço
para colocação dos bônus que adviriam das renegociações com base no Plano
Brady. Ademais, a securitização da dívida se fazia com melhoria das condições
de garantia e liquidez. O México fez logo a sua reestruturação, ainda em 1989,
e a Venezuela o seguiu, em 1990. A base de descontos para a troca de dívida
por bônus foi estabelecida na faixa dos 30 a 35%.
A delegação brasileira sustentou, nas conversações de
Nova Iorque entre outubro de 1990 e fevereiro de 1991, que tal patamar de
deságio seria ainda insuficiente para que o Brasil pudesse sustentar o serviço
da dívida externa, na medida em que os mercados financeiros internacionais
permanecessem bloqueados. Assim, o governo insistiu nas suas posições de
assegurar o serviço integral da dívida, sem descontos, tendo como contrapartida
a garantia de aportes de dinheiro novo por um período longo.
Embora o princípio da securitização estivesse embutido
na proposta, os bancos não tinham o menor interesse em assumir compromissos
futuros com os países em desenvolvimento. O Plano Brady lhes oferecia porta de
saída imediata. Cabia aos devedores adequar suas políticas fiscais e cambiais
ao desconto da dívida suportável pelos bancos. Assim, verificou-se uma
escalada das pressões do establishment financeiro contra a posição
negocial brasileira, inclusive com vetos a empréstimos do BID, e o Governo teve
que contemporizar. Aceitou um acordo sobre os juros atrasados de 1º.07.89 a
31.12.90, que deu origem aos bônus Interest Due and Unpaid (IDU), colocando,
entretanto, a condição de que estes bônus só seriam emitidos se e quando
houvesse um acordo global sobre a dívida externa pública.
Não se anteviu, à época, que a maior permeabilidade, já
percebida de forma difusa nos mercados financeiros, era o prenúncio de um novo
ciclo de liquidez internacional abundante. O México e o Chile já estavam
começando a receber novos ingressos de capitais. As taxas de juros iriam baixar
significativamente, e logo adiante se restabeleceriam os fluxos voluntários de
dinheiro novo para o Brasil, circunstância que viabilizaria o acordo de
novembro de 1993, sob o marco do Plano Brady.
Assim, foi este novo cenário que permitiu ao ministro
Marcílio Marques Moreira, que substituíra Zélia Cardoso de Melo no Ministério
da Economia em maio de 1991, retomar as negociações nos termos do Plano Brady,
concluindo um acordo preliminar com o Comitê dos Bancos em julho de 1992.
Devido à necessidade de aprovação legislativa,
introduzida pela Constituição de 1988, e à discussão de vários desdobramentos
do acordo preliminar e a tecnicalidades jurídicas, os termos daquele acordo só
foram formalmente apresentados à comunidade financeira internacional em janeiro
de 1993, após ratificação pelo Senado em dezembro de 1992. Finalmente assinado
em novembro do mesmo ano, já pelo ministro Fernando Henrique Cardoso, o acordo
não contou com o suporte de um programa econômico aprovado pelo FMI.
Os contatos com o FMI haviam sido descongelados
imediatamente depois da posse de Marcílio Marques Moreira. Em dezembro de 1991
estava pronta a carta de Intenções, com o standy by aprovado pela
diretoria do FMI em janeiro de 1992. A primeira revisão de desempenho estava em
curso em agosto, quando foi interrompida pela precipitação da crise política
que culminou na aprovação, pela Câmara dos Deputados, do pedido de impeachment
do presidente Fernando Collor de Melo em 29 de setembro de 1992.
Não obstante, os contatos com o FMI foram mantidos
durante o interregno de oito meses, de setembro de 1992 a maio de 1993, já no
governo de Itamar Franco, período em que se sucederam três ministros na pasta
da Fazenda. Em seguida, o governo ainda tentou, sem êxito, recompor o standy
by, com vistas ao Acordo Brady com os bancos. Contudo, o FMI entendeu que a
política econômica em curso carecia de alicerces fiscais que sustentassem o
equilíbrio interno e externo da economia, e negou seu aval.
Desta feita, entretanto, o Comitê dos Bancos não
hesitou em prosseguir sem o FMI. A liquidez elevada e as taxas de juros baixas
nos mercados financeiros internacionais exponenciavam a demanda por oportunidades
de investimentos de alto retorno, mesmo que de maior risco. O mercado já
estava em pleno ciclo de expansão e euforia: não havia tempo a perder.
O acordo consolidou toda a dívida pública, inclusive
das negociações anteriores, além dos juros atrasados, compreendendo todo o
MYDFA de 1988, e agora também parcelas do principal com vencimento entre 1991 e
1993 (down payments), que, pelos contratos de 1988, seriam normalmente
remetidas ao exterior, mais os vencimentos posteriores a 1993, não contemplados
no MYDFA. Assim, foram oferecidos aos credores sete bônus para troca pela
dívida:
1. Discount
Bond:
emitido com desconto de 35% do valor de face na troca da dívida velha, prazo de
30 anos, pagamento ao final (bullet), taxa de juros flutuante (Libor)
mais 13/16 de 1%a.a.. O principal é garantido por zero coupon bonds
de 30 anos do Tesouro americano adquiridos pelo Banco Central e depositados
junto ao BIS. Existe ainda uma garantia de 12 meses de pagamento de juros, num
sistema móvel de depósitos feitos pelo Banco Central especialmente para esse
fim. O valor emitido atingiu US$ 7,3 bilhões.
2. Par
Bond:
prazo de 30 anos, bullet, taxa de juros crescente, começando com 4%a.a.
no 1º ano e subindo 0,25 pontos de percentagem por ano, até o sétimo ano, a
partir do qual se torna fixa em 6%a.a. Com a mesma estrutura de garantias do
anterior, sua emissão chegou a US$ 10,5 bilhões.
3. Bônus
de Redução Temporária de Juros (FLIRB): 15 anos de prazo com
nove de carência, juros crescentes nos primeiros anos (4% nos dois primeiros
anos; 4,5% no 3º e 4º; 5% no 5º e 6º), passando a flutuantes a partir do sétimo
ano (Libor mais 13/16 de 1% a.a.). Valor emitido: US$ 1,7 bilhão.
4. Bônus
de Capitalização (C-Bond): prazo de 20 anos com dez de
carência. Taxas de juros crescentes, começando com 4% para os dois primeiros
anos, 4,5% no 3º e 4º, 5% no 5º e 6º, passando a 8%a.a. a partir do sétimo ano.
As diferenças das taxas de juros dos seis primeiros anos em relação à taxa de
8% a.a. eram capitalizadas. Valor emitido: US$ 7,9 bilhões.
5. Debt
Convertion Bond: prazo de 18 anos com dez de carência,
taxas de juros flutuantes de Libor mais 7/8 de 1% a.a. Emitido para os
credores que preferissem aportar dinheiro novo. Assim, para cada US$ 5,50 de
dívida antiga transformada em Debt Convertion Bond, o credor obrigava-se
a emprestar US$ 1,00 de dinheiro novo, mediante aquisição de New Money Bonds.
Valor emitido: US$ 8,5 bilhões.
6. New
Money Bond: prazo de 15 anos com sete de carência e mesma taxa de
juros do Debt Convertion Bond. Valor emitido: US$ 2,2 bilhões.
7. EI-Bonds:
emitidos para regularização do saldo remanescente de atrasados (US$ 5,6
bilhões), com 12 anos de prazo e três de carência, sistema de amortizações
crescentes e juros de Libor mais 13/16 de 1%a.a.. Os EI-Bonds cobriram
o equivalente a 70% das obrigações de juros do exercício de 1991, e 50% das de
1992 até 15 de abril de 1994, data da entrada em vigor do novo pacote. A partir
de dezembro de 1992, quando da aprovação pelo Senado do acordo em princípio com
os bancos, os pagamentos correntes de juros foram elevados de 30% para 50%. Em
janeiro de 1993 foi acertada a diferença do período julho a dezembro de 1992;
em março e dezembro foi paga, em duas parcelas, a diferença (20%) dos juros
contratuais vencidos de janeiro a julho de 1992.
Em fevereiro de 1992, logo após aprovação do stand
by com o FMI, foi assinada com o Clube de Paris a agreed minute
relativa à Fase IV de renegociação com os credores oficiais, onde se incluíram
vencimentos relativos aos acordos anteriores (Fases I, II e III). O período de
consolidação compreendeu os vencimentos de 1º de janeiro de 1992 a 31 de agosto
de 1993 (dívida consolidada) e os atrasados de 1º de janeiro de 1990 a 31 de
dezembro de 1991.
As dívidas incluídas foram as seguintes:100% dos
vencimentos de principal e juros da dívida original (contratada até 31 de março
de 1983 - cutoff date)
relativos ao período de consolidação; 100% dos vencimentos de principal e juros
das renegociações das Fases II e III relativos ao período de consolidação; 100%
dos vencimentos de principal e juros da Fase I relativos ao período de 1º de
janeiro de 1990 a 31 de dezembro de 1991 (atrasados).
Os valores referentes à dívida original e à Fase II
tiveram down payment de 10% e 90%, reescalonados em 11 anos e meio,
começando o pagamento em 30.06.95. Para a Fase III, apenas 5% de down
payment e 95% no mesmo esquema anterior. Quanto à Fase I, 20% de down
payment e 80% em dois anos e meio, a começar em 30 de junho de 1994.
Os acordos de fevereiro de 1992, com o Clube de Paris,
e novembro de 1993, com os bancos, encerram o ciclo de 11 anos de
reestruturações recorrentes da dívida externa. Os fluxos de capitais
voluntários já estavam em plena recomposição ao longo de 1992, quando o
ingresso de investimentos externos diretos alcançou US$ 5,4 bilhões. Entre 1983
e 1991 a média anual foi de US$ 960 milhões, tendo atingido apenas US$ 1,2
bilhão, ainda em 1991. Ao mesmo tempo, começavam a se destacar os instrumentos
que iriam moldar a captação de recursos externos nos anos finais do século XX: notes,
bonds e commercial papers. Os investidores institucionais passavam,
doravante, a constituir as grandes fontes de financiamento.
Esta nova feição dos mercados internacionais, onde os
empréstimos bancários passaram a se concentrar nas operações de prazo curto,
associou ingredientes de estabilidade e volatilidade no financiamento do
balanço de pagamentos. Estabilidade pela participação mais expressiva dos
investimentos diretos. Instabilidade pelo caráter mais volátil das aplicações
em bolsas de valores e dos fundos voltados para arbitragem de juros, além da
natureza eventualmente mais nervosa dos mercados de bônus e notes,
relativamente às captações dos anos 1970, comandadas pelos grandes bancos
comerciais.
Entre 1991 e 1998 a dívida externa bruta quase
duplicou, alcançando US$ 235 bilhões ao final do período, com taxa de
crescimento média anual de 9,6%. A velocidade de crescimento da dívida foi bem
menor que a dos anos 1970 (25,6% a.a. entre 1971 e 1980). Isso se explica em
parte porque os investimentos diretos passaram a ter uma importância muito
maior, e em parte porque os déficits em transações correntes relevantes só
vieram a aparecer a partir de 1995. Entre 1992 e 1997 os investimentos
estrangeiros diretos representaram 42% das entradas de capitais. Entre 1971 e 1982,
apenas 16%.
No triênio 1993-1995 o PIB cresceu à taxa média de 5,0%
a.a., e o ambiente favorável dos mercados financeiros internacionais
condicionou o êxito de um plano de estabilização - o Plano Real,
lançado em 1994 - que eliminou o imposto inflacionário e
tornou possível aumento significativo de consumo interno, principalmente das
classes de renda mais baixa.
Entretanto, o sucesso do Plano acabou muito ligado à
valorização inicial da taxa de câmbio e à sua sustentação como âncora de
preços. Assim, quando da primeira turbulência no cenário financeiro
internacional, representada pela crise do México, em dezembro de 1994, o
governo se viu obrigado a subir as taxas de juros e adotar severas restrições
ao crédito, para evitar impactos na taxa de câmbio. Houve uma pequena
desvalorização e foi estabelecido um sistema de crawling peg, projetando
uma recuperação vagarosa e de longo prazo da taxa de câmbio real.
O fluxo de capitais externos se restabeleceu de pronto,
mas o governo federal teve, em seguida, que acomodar o impacto da consolidação
de pesadas dívidas dos estados, das quais parte significativa se encontrava
camuflada nos bancos estaduais. A estabilidade de preços explicitou a situação
de desequilíbrio patrimonial latente daqueles bancos, tendo o governo
implementado o Programa de Privatização e Encerramento de Atividades das
Instituições Financeiras Estaduais (PROES), com impacto direto na sua dívida
mobiliária. Tudo isto, somado à necessidade de saneamento do sistema bancário
privado (PROER) e ao imperativo de manter juros internos mais elevados para
sustentar um equilíbrio cambial tênue, fez com que a dívida mobiliária federal
crescesse à média mensal de 3,8% entre dezembro de 1994 e setembro de 1997.
Assim, quando sobreveio a crise da Ásia, em outubro, e
o Banco Central foi levado a aumentar extraordinariamente as taxa de juros, a
situação da dívida pública se agravou rapidamente. A política fiscal não reagiu
de forma compensatória, de modo que a superposição da crise da Rússia, entre
maio e agosto de 1998, provocou nova onda de fuga de capitais, que o governo
procurou contrarrestar com outro choque de juros. A situação das finanças
públicas federais já era delicada, e a nova rodada de aumento dos juros começou
a levantar preocupações quanto à própria sustentabilidade da divida pública.
O crescimento econômico havia declinado para a faixa de
3,2% a.a. em 1996 e 1997, mas o déficit do balanço de pagamentos continuou a
aumentar, atingindo 4,1% do PIB em 1997 e 4,5% do PIB, em 1998, apesar da
estagnação econômica desse último ano, quando o PIB cresceu apenas 0,15%.
Após maciças saídas de divisas em agosto e setembro de
1998, o governo resolveu recorrer ao FMI. Um programa foi acertado e aprovado
no início de dezembro, e o Banco Central tentou baixar os juros. As pressões no
mercado de câmbio recrudesceram, e, naquele mês, a saída líquida de divisas
superou US$ 5 bilhões.
As tensões continuaram ao longo dos primeiros dias de
janeiro de 1999 e, finalmente, no dia 13, o Banco Central anunciou o
alargamento da banda cambial, permitindo que o dólar variasse de R$ 1,21 até R$
1,32. Em meio a grande turbulência dos mercados, e irresistíveis pressões
compradoras, o Banco Central extinguiu a banda no dia 15 e deixou o dólar
flutuar livremente.
Encerrava-se a primeira fase do novo ciclo de
endividamento externo brasileiro, conduzido sob um regime cambial rígido.
Carlos Eduardo de Freitas
colaboração
especial
FONTES:
BANCO
CENTRAL. Relatório (1979-1984); CERQUEIRA, C. Dívida; FREITAS,
C. Breve; KRUGMAN, P. & OBSTFELD, M. International; MIN.
ECON., FAZ. E PLANEJ. Brazil’s; PEREIRA, L. Turning.