GAZETA,
A
Jornal diário vespertino fundado em São Paulo no dia 16 de
maio de 1906, sob a direção de Adolfo Araújo.
O período 1906-1930
A
Gazeta instalou sua redação, administração e oficinas na rua 15 de novembro, nº
33. Ela “nasceu para se fazer paulatinamente, para crescer pouco a pouco,
obedecendo na vida da imprensa os mesmos fenômenos que presidem à biologia”,
segundo Adolfo Araújo (edição nº 1855, 16/5/1912). E mais: “Será A Gazeta...
uma folha de combate, mas eqüitativa e independente, desligada de preconceitos
sectários, refratária, à ação dos interesses... Essa folha propõe-se a ser
antes de tudo comercial e informativa e, muito embora o seu diretor manifeste
pessoalmente pendores por este ou aquele agrupamento político, a sua orientação
obedecerá inexoravelmente à mais inflexível e à mais rigorosa isenção de ânimo
enquanto concernir aos litígios partidários” (16/5/1912).
No
entender de seu primeiro diretor, A Gazeta foi “o primeiro jornal de São Paulo
a inaugurar a reportagem fotográfica”. Desenvolveu “campanhas políticas,
sociais e econômicas” — pela valorização do café, pelo ressurgimento da classe
agrícola, contra as Docas de Santos —, participando ainda da “campanha presidencial
que terminou com a eleição do dr. Albuquerque Lins ao governo do estado...
contra a implantação do militarismo” (16/5/1912). Essa linha editorial
implantada por Adolfo Araújo seria seguida, após seu falecimento no dia 15 de
dezembro de 1915, pelo seu sucessor Couto de Magalhães. Por sua vez o novo
diretor ocupou o cargo até 7 de novembro de 1916, quando “A Gazeta passou a ser
propriedade do dr. João Gonçalves Dente”, que se tornou também “seu único
diretor” (8/11/1916), tendo por redatores Couto de Magalhães e Antônio Augusto
Covelo.
Apesar
da intenção de manter uma linha editorial isenta em relação “aos litígios
partidários”, Adolfo Araújo mostrou sua inegável simpatia pelo Partido
Republicano Paulista (PRP) e as páginas do jornal freqüentemente foram ocupadas
com a apresentação de relatórios do governo e das secretarias de Estado. Tal
fato suscitou a ira dos adversários, que iniciaram campanha contrária ao jornal
acusando-o de “vendido ao governo”. A essas acusações, veiculadas sobretudo
pelo periódico carioca O País, as páginas de A Gazeta responderam nos seguintes
termos: “A gerência da Gazeta não tem relações financeiras com as secretarias
de Estado... que não sejam lícitas de publicações remuneradas em todas as
empresas jornalísticas. E essas publicações montam a soma tão ridícula, em
relação às despesas do nosso jornal, que a falta delas em nada alteraria o
orçamento desta empresa que conta com dez anos de existência e que se fez
sólida pelos esforços do seu proprietário.” E mais adiante: “Abra O País o seu
inquérito e há de verificar que as simpatias da Gazeta pelo Partido Republicano
Paulista e pelos cidadãos que o representam na administração pública são não
apenas independentes mas tradicionais” (22/5/1915). Para as eleições
provinciais desse mesmo ano A Gazeta apoiou os nomes de Altino Arantes e
Cândido Rodrigues para a presidência e vice-presidência de São Paulo, ambos
perrepistas.
A posição civilista e não-militarista do jornal já era
enunciada em 1910, quando do famoso episódio da Revolta da Armada. Em editorial
intitulado “A mazorca do Rio”, pode-se ler: “Sem discrepância, de ninguém nem
mesmo dos que mais exaltadamente pugnaram contra o advento do militarismo, que
desde já começa a exibir os temerosos arreganhos de que é capaz, todos tiveram
palavras de reprovação, todos exprimiram sentimentos de angústia ante a
explosão perturbadora de funesta indisciplina que neste momento se implantou
nos mais robustos elementos da defesa nacional” (24/11/1910).
Quanto
à modernização do parque gráfico, A Gazeta, em edição do dia 12 de março de
1921, anunciava que voltava a funcionar “à rua 15 de novembro 33 no novo
palacete construído no mesmo local”. A partir de meados desse mesmo mês o
jornal passou, a ser composto em máquinas Mergenthaler e impresso em máquinas
Duplex, tornando-se um dos jornais mais modernos de São Paulo e do Brasil.
Finalmente,
cabe alertar que a mudança de direção e do controle da empresa não foi motivada
por “dificuldades invencíveis” de seu diretor-proprietário Adolfo Araújo, como
sugere matéria da edição comemorativa do cinqüentenário da fundação do jornal
(16/5/1956). Com o falecimento deste passou a exercer interinamente o cargo de
diretor Couto de Magalhães, por um período de quase um ano. Foi somente a
partir de 8 de novembro de 1916 que A Gazeta se transformou numa “nova empresa”
com “nova orientação”: “A Gazeta, passando amanhã a nova empresa, reaparecerá
no dia imediato completamente remodelado em todas as suas seções. Sem ligações
políticas nem dependências de qualquer espécie, será folha popular e
absolutamente imparcial em suas críticas e comentários” (6/11/1916). E a partir
do dia 8 de novembro o subtítulo do jornal — “Jornal fundado pelo dr. Adolfo
Araújo” — foi substituído por “Jornal independente”.
Essa
mesma edição de 8 de novembro de 1916 continha o seguinte editorial: “A Gazeta
passou a ser propriedade do dr. João Dente, que é também seu único diretor...
Mudando hoje de proprietário, A Gazeta muda também de orientação. Não tem a
menor ligação com o passado, salvo o nome com que há dez anos apareceu... O
objetivo que colimamos é exatamente o de reverenciar, na sempre nobre
profissão, o apostolado dos princípios, através de calma e segura orientação, a
par desse outro fim dos diários modernos e que consiste em inteirar o leitor,
quanto possível, das notícias, telegramas e informações que o possam
interessar. A Gazeta não tem dependências partidárias, nem acentuadas simpatias
por este ou aquele grupo político. E essa circunstância basta por si só para
armá-la de indispensável imparcialidade.”
Ao
mesmo tempo em que se introduziram modificações formais quanto à paginação e
conteúdo do jornal, foram apresentados, nos dias subseqüentes, os seguintes
colaboradores: Carlos de Laet, Abner Mourão, Sílvio Romero Filho, Antônio Torres,
Campos de Medeiros, Brício Filho, Coelho Neto e Oliveira Lima, entre outros.
No decorrer de 1917 o tema de carestia tornou-se freqüente
nas páginas do jornal, a ele se somando o tema do trabalho do menor nas
indústrias (10/1/1917, por exemplo). Quanto ao tema da sucessão presidencial, A
Gazeta apoiou Rodrigues Alves. E quanto à questão internacional da guerra, ela
se posicionou favoravelmente aos Aliados, defendendo o rompimento de relações
diplomáticas com a Alemanha (edições de 10 a 16 de abril de 1917, e a partir de
outubro desse ano).
Em
abril de 1917 José Gonçalves Dente deixou a direção do jornal, assumindo o
cargo Antônio Covelo. A Gazeta não só mudou de direção, como também a redação e
as oficinas mudaram para “o magnífico prédio da rua Líbero Badaró”. E a partir
de 23 de abril o slogan “Jornal independente” desapareceu, surgindo em seu
lugar o nome do diretor-proprietário: Antônio Covelo. A partir de outubro de
1917 a linha editorial deu prioridade ao noticiário sobre a Primeira Guerra
Mundial, destacando os esforços dos países aliados em oposição à Alemanha. Em
novembro, na edição do dia 21 informava A Gazeta que os órgãos de imprensa
começavam a ser censurados: “Começou hoje a exercer-se a censura oficial na
imprensa. O Correio Paulistano — quem diria que a estréia seria do órgão
oficial? — já apareceu com um pedaço de coluna em branco.”
Em
16 de maio de 1918 Antônio A. Covelo deixou a direção de A Gazeta, assumindo
seu cargo Cásper Líbero: “Com a retirada do dr. A. A. Covelo, assumirá amanhã a
direção da Gazeta o dr. Cásper Líbero, provecto advogado e distinto jornalista,
que há meses vem exercendo a sua atividade nesta folha. O dr. Cásper Líbero é
um nome assaz conhecido na imprensa nacional, tendo sido um dos fundadores da
Última Hora, vespertino que alcançou um brilhante sucesso no Rio e que, na
vigência do estado de sítio da presidência Hermes, teve a sua publicação
suspensa” (16/5/1918).
Não
obstante a mudança de propriedade, não ocorreu uma reorientação do programa
editorial do jornal. A orientação continuou a mesma, passando Cásper Líbero de
diretor-gerente para diretor-proprietário e permanecendo Miguel de Arco e Flexa
como secretário de redação. O jornal continuou sendo “moderno e informativo”,
mantendo a condição de jornal “independente, desligado de compromissos
partidários”, e “moralmente orientado pelo ideal de grandeza do Brasil”. Essa
postura “independente”, todavia, nunca significou para A Gazeta isenção
política: Cásper Líbero apoiou em várias oportunidades os candidatos do PRP. Em
relação ao noticiário internacional, o jornal continuou apoiando os movimentos
republicanos e os aliados. Quanto à Revolução Russa, o jornal sempre informou-a
dentro da ótica republicana chefiada por Kerensky (edições de 11, 12, 14, 15,
17, 18 e 19 de setembro de 1917).
Embora
a linha perrepista se mantivesse, em termos materiais os primeiros anos da
gestão de Cásper Líbero foram marcados por dificuldades financeiras, passando o
jornal a circular com quatro páginas em vez de seis e sofrendo a impressão gráfica
uma transformação para pior. A partir de 26 de junho de 1920 o jornal passou a
ser impresso em máquina rotativa Marinoni.
Quanto
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, A Gazeta não manifestou
nos anos imediatos nenhum tipo de opinião ou comentário contrário ao mesmo. Já
no ano de 1926, o noticiário sobre a Coluna Prestes era abundante, assumindo o
periódico uma posição de neutralidade e distanciamento. Apresentava ele os
relatos sobre a coluna sem tomar posição política em relação aos revoltosos e
aceitando os apontamentos de Vale Cabral, Viriato Correia e Batista Luzardo.
Uma
posição anticomunista apareceu somente na iminência da Revolução de 1930, com a
adesão de Luís Carlos Prestes ao comunismo em maio daquele ano. Quanto ao
manifesto de Prestes, ele foi assim comentado: “A repulsa que a opinião pública
está oferecendo ao manifesto do comandante Prestes, chefe revolucionário que se
transformara numa espécie de Dalai Lama da demagogia nacional, é tudo quanto
pode haver de mais expressivo. Consigna-se por essa forma a vitória do bom
senso. Mesmo entre os elementos reacionários mais apaixonados a violenta
metamorfose do exilado de Buenos Aires não encontra o menor apoio” (2/6/1930).
E poucos dias depois: “A Aliança Liberal, que, em desespero de causa, entrou em
confabulações com os seus adversários de ontem, será capaz de insistir nos seus
processos. As suas manobras tornarão o carnaval comunista mil vezes mais
perigoso do que ele é na realidade. Antes, pois, de volvermos as vistas para os
figurantes dessa comédia que tem no Bloco Operário e Camponês a caricatura
mestiça dos soviéticos neste adorável país digno de melhor sorte e de melhor
gente, tenhamos de olho a camorra liberal” (5/6/1930).
Anteriormente a 1930, A Gazeta não havia tomado posição como
um periódico anticomunista, dando ênfase, ao contrário, ao direito de o PCB
existir como partido político legal. Mas, contraditoriamente, o periódico
revelava também uma certa simpatia pelo fascismo italiano, chegando a louvar a
Carta do trabalho de Mussolini. No plano federal, A Gazeta defendeu em 1925 a
candidatura de Washington Luís à presidência da República: “Toda gente está
cansada de saber que o candidato é o sr. Washington Luís; que contra ele, se
levantar a dissidência paulista, também se levantará, com todo o seu armamento
policial, o Rio Grande do Sul; que a Bahia só o apoiará se for seu companheiro
de chapa o sr. Góis Calmon; que, enfim, no Distrito Federal ele não terá um só
voto.” (15/5/1925).
O
último período presidencial da República Velha representou para o jornal a sua
fase áurea: sua tiragem dobrou, o que se deveu em parte ao processo de
progressiva modernização do vespertino, resultando na alteração de seu formato,
que passou a ser menor e de mais fácil manejo. Mas diante das eleições de março
de 1930, A Gazeta discordava tanto dos democráticos (ligados ao Partido
Democrático) quanto dos aliancistas (edições de 17 e 18 de fevereiro e de 15 de
março de 1930). Nesse ano, o grande candidato nacional era Júlio Prestes:
“Votar em Júlio Prestes é votar pela felicidade do Brasil e da República”
(25/2/1930).
O período 1930-1945
O jornal deixou de circular entre os dias 25 de outubro e 16
de novembro de 1930, quando retornou sob a direção de Pedro Mota Lima: “Reaparecendo
hoje sob a direção técnica do sr. Pedro Mota Lima, A Gazeta manterá o caráter
de jornal informativo por excelência... O comentário político... o leitor
encontrará em artigo assinado pelo sr. Pedro Mota Lima... jornalista de grande
atuação na corrente revolucionária” (16/11/1930). Mas poucos meses depois houve
nova mudança na direção, agora ocupada por Eurico Martins, e a partir de então
o jornal tomou posição cada vez mais agressiva em relação aos novos
governantes, tanto em nível estadual quanto federal. O tema mais freqüentemente
apresentado era o da volta à normalidade institucional, vale dizer, ao estado
de direito.
A
edição de 8 de outubro de 1931 anunciava uma postura de franca oposição ao
governo outubrista: “Colocamo-nos hoje em franca e desabrida oposição ao
governo nascido de um movimento que seria o mais justo e o mais belo, se
conduzido sinceramente por aqueles que o encabeçaram.” O ano de 1932 foi
marcado, na evolução da linha editorial de A Gazeta, pela defesa da
“reconstitucionalização” do país: “De São Paulo partiu o brado da
Independência; de São Paulo também parte agora o brado pela Constituição”
(11/7/1932). Derrotado o movimento de 1932, A Gazeta conclamou o povo “rumo ao
trabalho” e portanto à ordem, embora o tema da reconstitucionalização do país
permanecesse em suas páginas. Por outro lado, embora a linha editorial do
jornal fosse simpática ao fascismo italiano, essa simpatia não se traduzia no
apoio aos integralistas liderados por Plínio Salgado: “Num país que depende do
capital estrangeiro e luta com a extensão territorial despovoada, o fascismo só
pode ser ficção de literatos ociosos” (5/6/1933).
A
8 de maio de 1933 o nome de Cásper Líbero passou novamente a figurar como
diretor de A Gazeta tendo dias antes o jornal apoiado, nas eleições para a
Constituinte, a Chapa Única por São Paulo Unido. Quanto à interventoria no
estado de São Paulo, o jornal apoiou a escolha de Armando de Sales Oliveira,
“nomeação que vem ao encontro das aspirações da maioria do povo paulista”
(16/8/1933). Mas já no decorrer do primeiro semestre de 1934, A Gazeta começou
a discordar do governo civil e paulista, pois sua gestão representava, para o
jornal, uma política de capitulação frente ao governo federal. “Para que São
Paulo recupere a influência na esfera da política federal, não precisa que o
seu interventor se curve perante o sr. Getúlio Vargas” (23/8/1934). E poucos
dias depois: “O sr. Armando de Sales Oliveira não representa, no governo, o
povo de São Paulo. Representa, quando muito, um grupo de interessados em
defender grandes interesses perante o governo da União” (8/9/1934).
Ainda
em 1934 A Gazeta aceitou a acusação de que teria havido fraude nas eleições de
outubro daquele ano, e se respaldou no editorial do Correio Paulistano, órgão
do PRP. No ano seguinte, criticou veementemente a Lei de Segurança Nacional,
defendida por Filinto Müller. A oposição ao governo Vargas continuou e o
comunismo era visto como produto da Revolução de 1930: “Irrompendo o movimento
revolucionário de 1930, os políticos militares que a ele se filiaram, alguns
por idealismo, outros por ambição ou despeito, aceitaram a cooperação de
conhecidos adeptos do credo de Moscou, firmando com eles compromissos”
(26/11/1935).
A partir do Estado Novo, A Gazeta perdeu sua personalidade
política, deixou de ser um jornal oposicionista e teve seus editoriais
controlados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No plano
internacional, o jornal continuou demonstrando simpatia pelo fascismo italiano,
pelo nazismo e pelo nacionalismo franquista. O novo interventor em São Paulo,
Ademar de Barros, ex-deputado perrepista, foi acolhido pelo jornal com o
seguinte cabeçalho: “São Paulo retoma a sua caminhada para a frente”
(10/5/1938).
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial as páginas do jornal
foram ocupadas pelos feitos norte-americanos e dos Aliados, embora Cásper
Líbero tivesse recém-adquirido uma nova máquina rotativa da Alemanha.
A partir de 1942 A Gazeta tornou-se um jornal completamente
simpático a Vargas, tratado como “o presidente amigo dos trabalhadores”. Não
obstante, a questão da democracia se colocou antes mesmo da vitória aliada:
“Felizmente, as nações da democracia souberam firmar, antes de tudo, o pacto
sincero que há de refundir os alicerces e as linhas estruturais da vida dos
povos na era que vem vinda. Justiça e liberdade — eis os direitos eternos que a
Carta do Atlântico defende e garante a todas as gentes” (29/6/1943).
No dia 27 de agosto de 1943 Cásper Líbero morreu num desastre
aéreo. O falecimento do diretor-proprietário de A Gazeta resultou na
transformação da empresa em Fundação Cásper Líbero. Em janeiro de 1944
tornou-se diretor de A Gazeta Miguel de Arco e Flexa, antigo funcionário do
jornal.
No
processo de redemocratização do país o jornal veiculou informações sobre o
general Eurico Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes, assumindo claramente posição
de ataque ao candidato comunista Iedo Fiúza: “É necessário que a reconquista
democrática não seja desnaturada por ideologias adversas à nossa fé e às nossas
prerrogativas de povo inadaptável a arbítrios pessoais e a ditames de
extremismos de quaisquer procedências” (28/11/1945).
O período pós-1945
A
eleição de Dutra foi recebida por A Gazeta com satisfação: “Recebemos, com
satisfação, a posse do novo presidente. Trata-se de brasileiro ilustre por
todos os motivos, a cuja visão é entregue a salvaguarda do futuro da pátria”
(31/1/1946). E de março de 1946 a maio de 1947 o tema mais freqüente das
análises políticas de A Gazeta girou em torno da extinção do PCB: “Tudo se movimenta
a respeito de duas questões: a provável suspensão do PCB e o quadro
político-administrativo de São Paulo. Dois pontos delicados para o governo
federal que foi instituído através da jornada de redemocratização”. E mais
adiante: “Qual a posição do sr. Ademar de Barros... eleito com o apoio do PCB?
Teria indagado o general Góis Monteiro se é caso de intervenção? Não cremos.
Intervenção assusta, é ato que só coaduna com os regimes de força do Estado
Novo. Na democracia a diferença é enorme” (5/5/1947).
Formalmente, A Gazeta manteve-se neutra e apartidária em
relação ao pleito de 3 de outubro de 1950, permitindo essa posição a veiculação
em massa de apelos políticos em prol dos candidatos do Partido Social
Progressista (PSP) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Getúlio Vargas e
Lucas Nogueira Garcez. Isso ocorreu a despeito do fato de os editorialistas do
jornal serem mais propensos às candidaturas do brigadeiro Eduardo Gomes e de
Cristiano Machado. A vitória de Getúlio Vargas foi assim vista: “Passada a agudeza
da traumatizante impressão causada pelo resultado das urnas de 3 de outubro,
começa a preocupar os espíritos a apreciação das possíveis e prováveis
tendências que hão de conduzir a política interna e externa do sr. Getúlio
Vargas. É certo que a vitória estrondosa do candidato trabalhista lhe defere a
mais ampla procuração e um crédito limitado de confiança, por parte do povo,
para conduzir os destinos do Brasil” (17/10/1950).
A carta-testamento de Vargas foi anunciada sem nenhum
destaque, sendo preocupação do jornal a formação do ministério que excluía da
lista os paulistas. Quanto às eleições estaduais, A Gazeta emprestou seu apoio
a Prestes Maia, derrotado por Jânio Quadros. Em nível federal, o jornal sofreu
nova decepção com a eleição de Juscelino Kubitschek, pois suas simpatias
recaíam sobre Juarez Távora. Muito embora o resultado das eleições não fosse do
seu agrado, o jornal assumiu a defesa das posições legalistas para garantir a
posse do presidente eleito, que receberia o apoio do jornal durante sua gestão.
Entre os anos de 1954 e 1955 Miguel de Arco e Flexa se
aposentou, sendo substituído por Pedro Monteleone até 1966. A partir de então o
novo diretor foi Américo Bologna, até que Otávio Frias de Oliveira,
diretor-presidente da Empresa Folha da Manhã S.A., assumiu também a direção de
A Gazeta.
No plano político, a linha editorial de A Gazeta manteve uma
desconfiada distância da gestão de Juscelino Kubitschek, assumindo postura
bastante crítica: “Em 55 meses de governo J.K. emitiu mais de cem bilhões de
cruzeiros” (8/9/1960), ou: “Apenas o Judiciário está funcionando: acéfalos os
poderes Executivo e Legislativo em Brasília”. Ou ainda: “Apenas o Poder
Judiciário funciona normalmente em Brasília JK ausente há vários dias e os
ministros também — No Legislativo não há sessões há duas semanas” (9/9/1960).
Na
sucessão presidencial o jornal apoiou o candidato Jânio Quadros: “O êxito está
propício a Jânio. A vassoura prepondera como símbolo. Expressa novos processos
de política e de administração, a República tem de evoluir na ascendência das
reivindicações sociais, livre das peias do passado e daquela mentalidade de
arbítrio, prepotência e retrogradismo que culminou no mito liberticida de
aventura totalitária. A bandeira de Jânio significa outras finalidades de
governo. Reclama isso, o povo. Exausta de ludíbrios, de dificuldades de vida, e
de desvirtuamento da democracia, a nação, por sua maioria, já elegeu Jânio”
(5/9/1960). Segundo o jornal, Jânio Quadros já havia revelado suas qualidades
enquanto governador de São Paulo: “Restabeleceu a confiança e o crédito do
Tesouro de São Paulo. Concretizou em menos de dois anos obras e serviços em
maior quantidade que todas as administrações anteriores... O povo do Brasil
resolveu elevar à chefia de nação o político e administrador capaz de conduzir
aos seus legítimos destinos a República democrática. Como duvidar do triunfo
janista?” (5/9/1960).
Quanto à política internacional, o periódico defendeu
alinhamento junto aos EUA para fazer frente ao comunismo internacional
comandado por Moscou: “Os consorciados sob a bandeira da foice e do martelo
objetivam derrubar o prestígio norte-americano, pretendem desmembrar a
coligação do hemisfério, para aqui disseminar as células de provocações das
rebeldias e de infiltração por meio da guerra fria, como sucede já na Cuba de
Sierra Maestra, na propaganda aberta sob a complacência do Uruguai, e nas
repetidas amotinações ou tentativas de revolta em cada República aquém do Rio
Grande” (2/1/1961).
Essas
considerações foram veiculadas pelo jornal antes da posse de Jânio Quadros. A
posse do novo presidente significaria uma completa reviravolta na política
internacional brasileira: Cuba e União Soviética tornaram-se manchete, marcando
a política de autodeterminação dos povos, francamente favorável aos países do
Terceiro Mundo e hostil aos EUA. A Gazeta absorveu discretamente essa nova
orientação da política externa do país.O editorial de 17 de fevereiro de 1961,
intitulado “A política externa brasileira”, afirmava: “Está definida a orientação
política do presidente Jânio Quadros no setor internacional. Três decisões
tomadas agora confirmam o ponto de vista do chefe do governo, preocupado em
manter solidariedade aos povos que defendem a própria liberdade e a democracia,
como em sustentar a garantia da paz no hemisfério e em secundar as
reivindicações da América Latina.” A política externa independente de Jânio
Quadros tornou-se manchete quase diária do jornal em fevereiro de 1961 a agosto
desse mesmo ano: “O presidente da República transmite ao Itamarati: apoio do
Brasil à admissão da China Comunista na ONU” (23/2/1961); “Confirma o chanceler
Arinos, Jânio irá a Moscou” (10/8/1961), e finalmente, “Condecoramento de Che
Guevara foi estopim: crise entre o presidente J. Q. e o governador Carlos Lacerda
ainda não foi superada” (21/8/1961).
Com
o recrudescimento da crise política, A Gazeta assumiu de forma mais clara a
defesa da política externa independente do governo, e condenou as críticas que
Carlos Lacerda e setores mais conservadores dirigiam ao poder central. No
editorial “A nação e o presidente” afirmava-se: “O governador de Minas coordena
os chefes de Executivo estaduais udenistas, no intento de prestigiarem a
política exterior que se mantém fiel aos compromissos com o sistema das
democracias ocidentais... A maioria da nação, a maioria esmagadora está firme
com Jânio Quadros” (25/8/1961).
Diante da renúncia do presidente e da crise política que se
instalou em virtude do veto dos militares à posse de João Goulart, A Gazeta só
assumiria posição favorável à posse do vice-presidente no dia 1º de setembro de
1961: “Nós, na estacada de A Gazeta, fomos fiéis à São Paulo e à Constituição.
Hoje, novamente na luta pelo esclarecimento dos que palmilham o roteiro das
soluções absurdas, lembramos que, sem Constituição, a República democrática
desaparece.”
Ainda antes do final de 1961 operou-se nova mudança na
direção do periódico: Pedro Monteleone solicitou licença e foi substituído por
José Líbero, irmão de Cásper Líbero.
A
partir de 1962, A Gazeta iniciou um período de decadência: a edição de
segunda-feira, que chegou a circular com 44 páginas, passou para 22. Os anos de
1963 e 1964, um período dos mais conturbados da história republicana
brasileira, foi documentado por A Gazeta, que não chegou a se colocar
manifestamente contra João Goulart: a defesa do texto constitucional era clara,
assim como a aposta na habilidade política do presidente para a superação da
crise. A edição do dia 1º de abril de 1963 trazia o seguinte editorial: “Temos,
sim, uma só Constituição. É democrática e cristã — assim, contra todas as
tiranias. Não admite solidariedades e totalitarismos, como o castro-sovietismo
de Cuba. Nenhum governador, nenhum ministro, nem o presidente da República,
ninguém pode interpretá-la a seu talento... Nem é por outro motivo,
evidentemente, que o presidente João Goulart acaba de reafirmar ‘jamais dará
guarida’ a extremismos, de todo ‘incompatíveis com nossos sentimentos de fé
cristã e liberdade democrática’.”
Nos
primeiros dias de março de 1964 A Gazeta se pronunciou francamente contrária às
várias medidas pretendidas pelo governo João Goulart, desde desapropriações das
glebas situadas nas margens das ferrovias até o comício do dia 13. No dia 1º de
abril, o periódico anunciou o movimento de 31 de março de 1964: “Ergue-se o
Brasil pela Constituição... A sorte da democracia está lançada. Os brasileiros
dignos, os que cultuam as tradições da família, da fraternidade, da pátria una
e indivisível, estão de pé lidando contra o ateísmo que representa regime de
exceção, a escravidão de um povo.” E mais adiante: “Estamos de novo nas
trincheiras da lei. Não é um ato de rebeldia, inspirado em interesses
político-partidários... De novo, marchamos pela Constituição.”
Poucos
dias depois, cassação dos mandatos parlamentares era considerada medida
insatisfatória, pois o expurgo devia ser geral: “Só a cassação de mandatos
legislativos, ainda que abrangendo as assembléias estaduais e incluindo as
edilidades — não basta. Há comunistas no Supremo Tribunal e outros órgãos do
Judiciário, nos comandos militares e altos cargos civis, nas repartições
públicas e organismos paraestatais, nas empresas privadas e entidades de
classes, nos jornais, tevês e rádios, no cinema, noutros setores, até nas
igrejas. O expurgo deve ser geral e apanhá-los todos” (7/4/1964). O fantasma do
comunismo justificava todas as medidas arbitrárias do novo regime autoritário.
O editorial do dia 15 de janeiro de 1965, intitulado “Luta contra o comunismo”
defendia as medidas excepcionais utilizadas pelos militares.
A
partir de 10 de janeiro de 1967 passaram a figurar no expediente de A Gazeta os
seguintes nomes: Américo Bologna como diretor, Gumercindo Fleury como
redator-chefe, Lúcio Barbosa como secretário. Entre os anos de 1967 e 1968 A
Gazeta passou a ser controlada pelos proprietários da Folha de S. Paulo. Otávio
Frias de Oliveira passou a ocupar a presidência da Fundação Cásper Líbero,
sendo o jornal a partir de então impresso nas gráficas da Empresa Folha da
Manhã S.A. Em 1969 o diretor responsável continuou sendo Américo Bologna,
mudando o editor-chefe e o redator-chefe, que passaram a ser respectivamente
Múcio Borges da Fonseca e Gumercindo de Pádua Fleury. Com a imposição da nova
Lei de Imprensa e censura aos assuntos considerados de segurança nacional, os
comentários políticos perderam a marca de opinião do jornal, sendo apenas
noticiados como fatos políticos. A política do diálogo e da distensão somente
chegaria às páginas de A Gazeta no governo Ernesto Geisel. Pouco tempo depois,
em 24 de agosto de 1979, A Gazeta deixou de circular como jornal autônomo, após
um longo período de declínio de sua expressão na imprensa paulista. A partir de
então passou a circular como encarte da Gazeta Esportiva.
Amélia Cohn/Sedi Hirano colaboração especial
FONTES: