IMPRENSA
ALTERNATIVA
Jornais de formato tablóide ou minitablóide, muitas vezes de
tiragem irregular, alguns vendidos em bancas, outros de circulação restrita e
quase sempre de oposição ao regime militar instalado em 1964. A chamada imprensa alternativa era no entanto formada também por jornais feministas, de
reivindicação de direitos de minorias como negros e homossexuais, e que nem
sempre tinham conotação de contestação direta ao regime militar.
Durante
os anos de governo militar — e, notadamente, durante a década de 1970 —
proliferou, no Brasil, um tipo de imprensa que ficou conhecida como “imprensa
alternativa”. Durante a ditadura estes jornais questionaram o regime,
denunciaram a violência e a arbitrariedade, expressando uma opinião e uma
posição de esquerda num país que havia suprimido, praticamente, quase todos os
canais de organização e manifestação política de oposição.
A
imprensa alternativa congregava jornais de vários tipos: 1) jornais de esquerda
(que se vinculavam tanto a jornalistas de oposição quanto aos partidos e
organizações políticas clandestinas); 2) revistas de “contracultura” (que
reuniam intelectuais e artistas “alternativos” ou “malditos” — artistas que
produziam fora do esquema comercial) e 3) publicações de movimentos sociais
(englobando neste campo o movimento estudantil, os movimentos de bairro e,
principalmente, um tipo específico de imprensa alternativa, aquela vinculada a
grupos e movimentos de minorias políticas, como a imprensa feminista, a chamada
“imprensa negra”, os jornais de grupos homossexuais organizados, as publicações
indígenas etc.).
Cada um destes três tipos apresenta características e
dinâmicas próprias, havendo em cada um dos três blocos uma diversidade interna
muito grande, de conteúdos, de propostas e de posições. A riqueza da imprensa
alternativa durante os anos 1970 refere-se à própria multiplicidade do
movimento social e político da época.
Os jornais de esquerda
Podem ser chamados de
jornais de esquerda aquelas publicações influenciadas direta ou indiretamente
pelos partidos e organizações políticas de esquerda, que na época se
encontravam na clandestinidade. Impossibilitados de fazer circular seus órgãos
oficiais de divulgação de pensamento, opinião e crítica ao regime, muitos
destes partidos e destas organizações utilizavam-se de jornais que não eram
oficialmente partidários, como “braços legais” para expressão de suas posições.
Nem todos os que trabalhavam nestes jornais eram militantes políticos
organizados, mas a orientação política fundamental era dada pela organização —
ou pela frente de organizações — que sustentava e animava ideologicamente o
projeto daquela publicação. As mudanças na linha editorial do jornal refletiam,
basicamente, as mudanças na linha política da organização. Algumas vezes,
quando o jornal representava a expressão legal não de uma mas de uma frente de
organizações, sua trajetória exprimia as oscilações políticas internas desta
frente.
Os
jornais alternativos de esquerda representavam, de um lado, a busca de novos
espaços por parte de jornalistas que se sentiam bloqueados em sua atividade
crítica na chamada grande imprensa; de outro, a necessidade — que tocava a
muitos intelectuais, artistas e estudantes universitários daquela época — de
construir espaços de “resistência” ao regime militar. Dessa forma, a imprensa alternativa
representava não apenas um fenômeno jornalístico mas, também, um fenômeno
político. Ela representava uma das possibilidades de luta política na época — e
das mais importantes.
Entre os
principais jornais alternativos de esquerda da década de 1970, podemos citar O
Pasquim, Opinião, Movimento, Versus e Em Tempo. Cabe ainda lembrar a experiência particular do Coojornal — publicação de
um grupo de jornalistas gaúchos — que, embora sem vinculações partidárias
orgânicas, foi importante na criação de um campo jornalístico de oposição
nacional.
Movimento
Jornal
originário de uma dissidência do Opinião. Um grupo de jornalistas,
liderado por Raimundo Pereira, decidiu criar um outro jornal que superasse os
problemas mais candentes da publicação anterior. Mais especificamente, o
objetivo era ultrapassar, na direção de uma postura política mais definida, a
tônica excessivamente intelectual daquele periódico. Movimento nasceu em
julho de 1975, em São Paulo, com a proposta explícita de ser um jornal de
frente política.
O editor e idealizador do
jornal foi Raimundo Rodrigues Pereira. O conselho de redação era composto de
Aguinaldo Silva, Elifas Andreatto, Jean-Claude Bernardet, Maurício Azedo,
Teodomiro Braga, entre outros. O diretor responsável era Antônio Carlos
Ferreira e os editores especiais, além de Raimundo Pereira, eram Bernardo
Kucinski e Marcos Gomes.
A partir
de seu nascimento, efetivamente, o jornal funcionou como um espaço de
reaglutinação de militantes e de grupos políticos. Segundo Bernardo Kucinski,
ativistas que saíam da cadeia, antigos militantes que tinham se afastado da
luta armada e remanescentes de antigos grupos que se haviam desmantelado se
aproximaram do jornal movidos pela possibilidade de uma atividade política
legal, não clandestina. Em várias regiões do país organizaram-se sucursais do
jornal. Sendo, na verdade, o jornal uma “frente” política, em cada sucursal
predominava uma posição diferente, em função da predominância deste ou daquele
grupo político.
A linha
política e teórica mais ampla do jornal era dada, contudo, pelo PCdoB (Partido
Comunista do Brasil). Embora sem vínculos orgânicos, o editor Raimundo Pereira
alinhava-se às teses gerais deste partido e sofria grande influência
intelectual de um antigo dirigente da organização maoísta APML — o jornalista
Duarte Pacheco, na época vivendo na clandestinidade e mais próximo das teses do
PCdoB.
Em pouco
tempo o conselho editorial do jornal passou a expressar um conflito político
interno que se estendia, também, às sucursais regionais: de um lado, os
militantes do PCdoB e, de outro, os demais grupos políticos, os jornalistas
independentes e os intelectuais de formação acadêmica. As teses do PCdoB
referentes à caracterização da sociedade brasileira e, sobretudo, à definição
do caráter da revolução no Brasil eram objeto de polêmica entre os grupos
políticos da época e dividiam os militantes. Questões como “burguesia
nacional”, “feudalismo” e “aliança com empresários” demarcavam campos de
profundas divergências dentro do jornal.
Mas não
apenas as questões internas dividiam os participantes de Movimento. O
choque internacional entre as duas grandes potências comunistas da época —
China e URSS — também interferia na crise política interna do jornal, na medida
em que o PCdoB aderia, sem reservas, à linha chinesa.
A
agudização da crise política dentro do jornal terminou por provocar uma grande
crise em abril de 1977, quando jornalistas independentes e militantes de vários
grupos políticos se retiraram. Movimento passou então a ser,
efetivamente, um jornal que representava os pontos de vista do PCdoB. Mas
transformar-se no jornal de um partido não resolveu o problema das divergências
internas. Movimento passou a expressar a luta interna do PCdoB —
acirrada, na época, pelo processo de avaliação da guerrilha do Araguaia. A
total subordinação de Movimento às questões políticas internas do PCdoB
terminou por inviabilizar o jornal. Em 1981 uma convenção nacional de
trabalhadores do jornal aprovou a proposta de seu editor, Raimundo Pereira, de
fechamento da publicação.
Versus
O jornal Versus começou
como uma publicação essencialmente cultural, com a proposta, contudo, de
entender a cultura como uma “ação política”. Foi lançado em São Paulo, inicialmente como bimestral. Seu diretor responsável era o jornalista gaúcho
Marcos Faerman. Entre os participantes: Moacir Amâncio, Elifas Andreatto, Carlos Rangel, João Antônio, Luís Egypto, Cláudio Bojunga, Joca Pereira, Modesto Carone.
A
trajetória do jornal aponta para os problemas e dificuldades da delicada
relação entre cultura e esquerda. Entre o primeiro número, lançado em outubro
de 1975, e o último, editado em outubro de 1979, a história do jornal traduziu a oposição entre, de um lado, intelectuais e jornalistas com
projeto de uma publicação cultural, pluralista e inovadora em termos estéticos,
e de outro, militantes organizados que viam o jornal como instrumento de luta
política. Este confronto terminou por sepultar a publicação.
O jornal
trazia grandes artigos e reportagens dedicados ao debate das novas teorias
discutidas na Europa, naquela época: em especial as teses de filósofos como
Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari. Valorizava a estética como
manifestação política e a arte como um agente revolucionário. Nesse sentido, Versus
procurava inovar, também, em sua apresentação visual. A ilustração, em suas
páginas, não pretendia ser apenas o reforço de uma matéria. Ela seria um signo
em si própria; algumas vezes, seria a própria matéria.
A América Latina —
vivendo, em sua maioria, naqueles anos, sob ditaduras militares — era um dos
temas mais importantes do jornal. Ela era vista como uma entidade unificada
política e culturalmente. O jornal buscava contribuir para a criação de um
sentimento de “latinidade” que marcou certos setores intelectuais e artísticos
nos anos 1970. Além disso, foi responsável pela divulgação de inúmeros
intelectuais latino-americanos no Brasil, publicando textos não apenas de nomes
conhecidos como Julio Cortázar, Gabriel García Márquez, Jorge Luis Borges e
Octavio Paz, mas, também, de autores de público mais restrito como Miguel Ángel
Asturias, Carlos Fuentes e Ernesto Sábato.
O jornal
fugia de uma compreensão da política como essencialmente partidária. Valorizava
a política nos temas ligados ao comportamento, ao cotidiano, às relações
pessoais, à estética e à sensibilidade. Artigos e reportagens denunciavam a
repressão exercida sobres as mulheres, os loucos, os presos.
Nos seus
dois primeiros anos de existência, Versus era um jornal vanguardista,
entrosado com as novas correntes internacionais, voltado para o debate
intelectual e estético e, essencialmente, pluralista. Buscando inovar tanto na
forma como no conteúdo — afirmando, inclusive que, em muitos casos, a forma era
o próprio conteúdo.
Esta foi a marca do jornal
até o final do ano de 1977 — quando houve a entrada, na administração e na
redação do jornal, de um contingente significativo de militantes da
Convergência Socialista (tendência legal da organização clandestina de
inspiração trotskista — Liga Operária). Este fato mudou inteiramente o tom do
jornal. Versus passou a ser um jornal político, praticamente o órgão
divulgador das posições da Convergência.
Antes
desta transformação mais radical, ocorrida em 1977, já havia, no jornal, a
presença de militantes políticos e de jornalistas de esquerda, muitos deles com
alguma influência trotskista. Tratava-se, contudo, de uma influência teórica e
não de uma vinculação orgânica. Versus representava, em seu projeto
inicial, um ponto de vista de esquerda de crítica ao stalinismo e ao modelo
soviético. Mas a sua transformação em órgão da Convergência Socialista o
inseriu no quadro de um discurso mais doutrinário e dogmático. O jornal
modificou sua aparência e seu conteúdo e os jornalistas ligados ao projeto
inicial terminaram por se retirar. Como um jornal nitidamente político, Versus
continuou saindo até meados de 1979, quando deixou de circular.
Em
Tempo
Mais do
que todos os outros jornais citados anteriormente, Em Tempo era,
explicitamente, uma frente de organizações de esquerda. Dele participavam
militantes do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), da APML (Ação
Popular Marxista Leninista), do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro),
da Polop (Política Operária) e de diferentes grupos de inspiração trotskista,
tais como a Libelu (Liberdade e Luta), o grupo mineiro Centelha e o grupo
gaúcho Nova Proposta. Estes dois últimos vieram a se juntar constituindo a
organização Democracia Socialista (DS). Além dos militantes organizados ou
influenciados por estas organizações, o jornal reunia ainda muitos jornalistas
independentes egressos de experiências anteriores na imprensa alternativa. Em
comum entre todas estas tendências, a perspectiva crítica em relação aos dois
partidos comunistas mais tradicionais do Brasil (o PCB e o PCdoB) e à tática
por eles preconizada de uma etapa democrático-burguesa (ou
democrático-nacional) para a revolução brasileira. Em oposição a esta visão
considerada “etapista”, Em Tempo pretendia reunir partidos, organizações
e militantes que acreditassem na possibilidade de uma imediata revolução
socialista no país.
O
primeiro número foi lançado em São Paulo em janeiro de 1978 mas, antes dele,
saíram três exemplares experimentais no final de 1977. No princípio teve como
diretores Antônio de Pádua Prado Jr., Bernardo Kucinski, Jorge Batista, Roberto
Aires, Tibério Canuto. E como editores: José Arrabal, Maria Rita Kehl, Sérgio
Mateus e Carlos Tibúrcio. Tinha um vasto conselho editorial e administrativo do
qual faziam parte, entre outros, Eder Sader, Sérgio Alli, Flávio Aguiar, Robson
Aires, Flávio Andrade etc. Entre os redatores, José Veiga, Elvira Oliveira,
Virgínia Pinheiro, Guido Mantega.
A luta política acirrada
entre as diversas tendências e organizações que o compunham foi uma constante
na dinâmica do jornal, que tinha seus impasses decididos em assembléias. A partir de 1979, Em Tempo também incorporou muitos exilados políticos
que retornavam ao país (trazendo com eles novas tendências políticas como o
grupo dos “autonomistas”, que propunham a autonomia do movimento operário em
relação aos partidos políticos, mesmo aos de esquerda).
Como um jornal de frente, Em
Tempo traduziu, em suas páginas, alguns dos principais conflitos entre as
diversas correntes da esquerda brasileira. Mas não conseguiu manter este
caráter plural durante muito tempo. A agudização destes conflitos levou a
sucessivas crises que, paulatinamente, foram excluindo do jornal a variada gama
de correntes políticas que o compunham. No início de 1980 Em Tempo
tinha-se tornado um jornal de partido. Era um órgão da DS — o grupo trotskista
Democracia Socialista.
Coojornal
Diferentemente
dos jornais anteriores, o Coojornal não tinha ligações orgânicas com os
grupos políticos da época. Era uma experiência de jornalistas gaúchos — muitos
deles egressos da Folha da Manhã, outros recém-saídos das escolas de
comunicação do Rio Grande do Sul — que visavam a um jornalismo crítico,
independente e livre, inspirado no modelo do Il Giornale italiano.
Em agosto
de 1975 foi fundada a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre Ltda. com o
objetivo de prestar serviços jornalísticos e de editar seu próprio jornal. A
cooperativa começou produzindo jornais para diversos sindicatos e associações
e, finalmente, em outubro de 1976, lançou sua própria publicação: o Coojornal,
tendo Elmar Bones como editor e Osmar Trindade como secretário.
O forte
de Coojornal eram as grandes reportagens políticas, de cunho
documentário, “reportagens-denúncias”. Muitas delas foram furos jornalísticos e
lhe valeram prisões e processos. Uma das mais importantes foi publicada em
julho de 1977 e apresentava o primeiro levantamento exaustivo do número de
punidos (demitidos, cassados e exilados) pelos atos institucionais do regime
militar. Outra reportagem de impacto, em março de 1980, provocou a prisão de
alguns jornalistas por 17 dias. O Coojornal comprou informações
sigilosas do Exército e publicou um relatório do general José Canavarro Pereira
sobre a guerrilha do vale do Ribeira, comandada por Carlos Lamarca (1970). O
jornal foi processado pelo Exército pela divulgação de documentos secretos; os
jornalistas foram presos e condenados, mas soltos por habeas-corpus.
Os principais problemas
enfrentados pelo Coojornal teriam decorrido de sua principal
característica: a forma cooperativa de produção dentro de um mercado de
competição capitalista. Assim, os principais conflitos giravam em torno das
formas de pagamento aos jornalistas — opondo “veteranos”, “jovens” freelances.
Além disso, as pressões políticas sofridas pelo jornal terminaram por assustar
os anunciantes, que retiraram seus produtos. Para o Coojornal, que, ao
contrário da maioria dos jornais alternativos, tinha sua receita baseada na
publicidade, isto foi um duro golpe. Em março de 1983 saiu a sua última edição.
O
processo vivido pela maioria dos jornais apresentados (com exceção do Coojornal,
que possui características diferenciadas) aponta uma das contradições mais
importantes da imprensa alternativa de esquerda: eles representavam a busca de
um espaço legal, não clandestino, de atuação política. Mas sua dinâmica era
dada por partidos e organizações de esquerda, na época, clandestinos. Por não
conseguir superar esta marca, a vida dos jornais alternativos de esquerda da
década de 1970 foi pautada por uma série de crises, cisões e atrelamento
partidário. Ao longo dos anos 1980 a imprensa alternativa de esquerda foi
substituída por um outro tipo de imprensa — que assumia, explicitamente, uma
vinculação partidária ou sindical.
Jornais
ligados a movimentos sociais
Ao lado
desta imprensa alternativa de esquerda que reunia jornalistas independentes,
militantes políticos e intelectuais, um outro tipo de publicação alternativa se
fazia igualmente importante: eram os jornais ligados aos movimentos sociais.
Estes jornais, em sua maioria, não eram elaborados por jornalistas, nem por
militantes organizados, mas por pessoas diretamente vinculadas aos movimentos
sociais que buscavam representar. Era deste tipo a imprensa feminista, a
chamada “imprensa negra”, os jornais do movimento estudantil, as publicações
voltadas para a defesa da causa indígena, os jornais de grupos homossexuais, os
jornais de bairro etc. Neste conjunto, um tipo específico merece destaque por
sua importância política: os jornais ligados a movimentos de minorias políticas
(mulheres, negros e homossexuais). Esta imprensa representava uma novidade em
relação aos outros tipos de publicação existentes — mesmo a imprensa
alternativa de esquerda. Ela vinculava-se a movimentos de novo tipo,
recém-surgidos no cenário brasileiro, sob influência de idéias internacionais.
Esforçando-se para se fazer presentes na vida política do país, estes
movimentos criavam seus próprios jornais. Jornais que funcionavam não apenas
como porta-vozes de seus interesses e de suas posições mas que, na maioria das
vezes, representavam o principal espaço de organização de seus militantes e de
formulação de sua política e de sua visão de mundo. A imprensa feminista, a
chamada “imprensa negra”, e a imprensa homossexual tiveram papel fundamental na
constituição e no desenvolvimento dos movimentos feministas, negros e
homossexuais do Brasil dos anos 1970-1980.
A
imprensa feminista
Entre os
mais importantes jornais feministas do período destacam-se Brasil Mulher
e Nós Mulheres (ambos da década de 1970); e Mulherio (editado já
nos anos 1980).
O jornal Brasil
Mulher era editado em Londrina, no Paraná, mas criou sucursais nas
principais capitais do país como São Paulo e Rio de Janeiro, servindo, sempre,
como um elemento motivador dos movimentos de mulheres. Diretora responsável:
Laís Oreb. Editora: Joana Lopes. Conselho editorial: Edezina de Lima Oliveira,
Rosane de Lurdes Silva, Ethel Kasminski, Rose Mary Sousa Serra, Teresinha
Zerbini, Marina D’Andrea. O primeiro número foi lançado em 1975. O número
especial de março de 1979 foi uma realização conjunta de várias entidades
feministas e femininas.
Nós Mulheres
começou a ser editado em junho de 1976 em São Paulo. Diretora responsável: Marisa Correia. Dentre os colaboradores: Adélia Borges,
Maria Morais, Suzana Kfouri.
O jornal Mulherio,
lançado já em 1981, representou um estágio mais avançado das lutas feministas
no Brasil. Seu conselho editorial era formado por nomes já consagrados de
intelectuais feministas brasileiras: Carmem da Silva, Heleieth Saffioti, Lélia
Gonzales, Maria Carneiro da Cunha, Maria Rita Khel. As principais editoras eram
Adélia Borges e Fúlvia Rosemberg. Mulherio era uma publicação bimestral
patrocinada pela Fundação Carlos Chagas (SP).
Em que pese às diferenças
entre estes jornais (algumas vezes dadas pela influência das organizações de
esquerda no interior dos jornais), todos eles apresentavam alguns traços fortes
em comum. O mais evidente era uma concepção alternativa de política.
Criticavam a visão tradicional da esquerda e propunham uma idéia de política
que valorizava o cotidiano, as relações pessoais, a subjetividade, as
experiências particulares de vida. Criticavam a idéia da “representação”
política, tanto a partidária quanto a sindical, alegando que os problemas
específicos das mulheres (e de outras minorias políticas) se diluíam numa representação
mais geral. Valorizavam, portanto, um sujeito político que falava a partir de
sua própria e singular experiência. Procuravam articular a luta mais geral pelo
socialismo com a luta pela emancipação das mulheres, buscando dar um cunho
“feminino” à luta socialista. Um editorial do jornal Nós Mulheres
afirma:
“Se fazer política
significa deixar que o ‘individual’ se mantenha fragmentado, separado do
‘social’ e esquecer que somos homens, mulheres, velhos, crianças, negros,
brancos ou índios com os problemas específicos dessa diversidade, então,
certamente, resultará daí apenas uma mudança parcial, nunca uma verdadeira
revolução” (março, 1978).
Ao lado da valorização do
específico e do pontual, da experiência particular, concreta, vivida, havia,
também, a presença, nos artigos mais importantes e nos editoriais, de um tom
particularmente mais intimista e confessional. Um tom de cumplicidade que
rejeitava e criticava a abordagem pretensamente objetiva da esquerda e da
intelectualidade, e que punha em destaque sentimentos e emoções. Como neste
editorial, ainda do jornal Nós Mulheres:
“Hoje é
possível pensar em mim sem esquecer de você ou de todas nós; pensar em todas
nós sem me sentir dividida na luta política mais ampla e pensar em política sem
que para tal tenha que esquecer de mim ou de nós. E isso já é mais que um
começo” (junho, 1977).
A
imprensa feminista representou, durante as décadas de 1970 e 1980, um dos
principais espaços onde se tentou formular e construir uma concepção muito
particular de política — extremamente ligada às descobertas do próprio
movimento feminista.
A
“imprensa negra”
Os
jornais ligados às diferentes correntes do movimento negro intitulavam-se, a si
próprios, de “imprensa negra”. E, da mesma forma que a imprensa feminista,
representavam um local privilegiado para a construção de um discurso político
deste movimento. Os principais jornais que começaram a ser editados na segunda
metade da década de 1970 e durante os anos 1980 representaram um renascer do
movimento negro no Brasil (após a repressão indiscriminada dos primeiros anos
de regime militar) e espelhavam os principais debates e pontos de conflito
dentro deste movimento. Diferentemente, porém, da imprensa feminista, o tempo
de vida destes jornais era bem mais curto. As dificuldades eram maiores — tanto
financeiras quanto políticas. Muitos circulavam apenas por alguns meses,
lançando poucos números. Na verdade, as dificuldades desta imprensa decorriam
da própria marginalidade do movimento negro no cenário político nacional. Mas
isto não impediu que, em torno dos principais jornais, se consolidasse um grupo
de militância que teve grande importância no desenvolvimento do movimento negro
brasileiro
Entre os
principais jornais deste período cabe citar Tição, Sinba e Koisa de
Crioulo.
Tição era um jornal de Porto Alegre (RS). Seu primeiro número foi
lançado em 1978. Redação: Edilson Canabarro, Emílio Chagas, Jeanice Viola,
Jorge Freitas, Nazaré Almeida.
Sinba, publicado no Rio de Janeiro, era órgão da Sociedade de
Intercâmbio Brasil-África. Diretor: Carlos Silveira. Redatores: Amauri Mendes
Pereira, Célio de Oliveira, Iedo Ferreira, Togo Ioruba. Foi lançado em 1977.
Após dois anos de ausência, voltou a circular entre 1979-1981.
Em fevereiro de 1981 foi
lançado o jornal Koisa de Crioulo, também vinculado à Sociedade de
Intercâmbio Brasil-África (RJ) e reunindo muitos dos nomes que já tinham
participado da experiência anterior. O conselho editorial era composto por:
Adalton Pereira, Amauri Mendes Pereira, Bárbara Margarida, Iedo Ferreira, Togo
Ioruba, Lourival Madeira.
Também
nos anos 1980 circulou, primeiro como boletim e depois como jornal, Nego —
órgão do Movimento Negro Unificado (MNU). O primeiro número foi lançado em
julho de 1981 na Bahia. Os últimos números saíram no final de 1986. De todos os
jornais da imprensa negra foi o que teve vida mais longa.
Embora
vinculados a diferentes grupos com diferentes visões da luta anti-racista no
Brasil, os jornais da imprensa negra procuravam, todos eles, valorizar a
história e a presença do negro no país. Buscavam reconstruir um patrimônio
próprio que marcasse a especificidade da inserção do negro no Brasil. Episódios
como a Revolta da Chibata, a Revolta dos Malês e a história dos quilombos eram
sempre destacados nas páginas dos jornais.
O grupo
de militantes vinculados aos jornais do Rio de Janeiro distinguia-se, no
entanto, por uma formulação política distinta. Em primeiro lugar, faziam uma
crítica ao que chamavam de “culturalismo”, ou seja, a exagerada valorização e
folclorização de aspectos da cultura negra (como o samba e a capoeira). Em
segundo lugar, criticavam uma perspectiva considerada “elitista” da luta contra
o racismo — perspectiva que favoreceria alguns poucos negros a furarem o
bloqueio da sociedade e a constituírem uma “elite” negra, em detrimento da
grande massa da população que permaneceria marginalizada. Desta forma o
movimento era encarado não como uma luta contra discriminações individuais e
localizadas mas como um movimento social mais amplo. Em setembro de 1980 um
artigo do jornal Sinba declarava:
“Seria,
sim, possível, a um sistema racista como temos no Brasil, absorver, através da
cooptação, alguns negros, conceder-lhes alguma quantidade de poder (...) Seria
no entanto impossível, por parte deste sistema classista e racista, absorver a
grande massa negra porque isto subverteria completamente a ordem e o regime
vigentes. Fica mais do que claro, portanto, que a questão racial no Brasil é
uma questão política.”
A
imprensa gay
Os jornais porta-vozes de
grupos homossexuais organizados e voltados para este público foram extremamente
numerosos entre as décadas de 1970 e 1980. Os jornais procuravam, de uma forma
geral, politizar a questão do homossexualismo e inseri-la numa luta mais ampla,
postulando que uma sociedade realmente livre seria aquela que permitisse a
livre opção sexual e o livre exercício do prazer.
O Gente
Gay (direção de Agildo Bezerra) e o jornal da Aliança de Ativistas
Homossexuais foram lançados, no Rio de Janeiro, em 1977. Em 1980 surgiu,
ainda no Rio, o Boca da Noite — que dava destaque à questão homossexual
mas não exclusivamente. Declarava-se um jornal porta-voz dos “feios e
oprimidos”. O Boca congregou em torno de si um grupo destacado de
ativistas em prol das minorias sexuais: Ronaldo Oliveira, Leila Micollis, Luís
Garcia, Elaine Fortunato, Edi Star. O Lampião da Esquina, lançado em
1981, também no Rio de Janeiro foi, talvez, um dos mais importantes jornais da
imprensa homossexual militante e o mais explicitamente político. Participavam
de seu conselho editorial: Aguinaldo Silva, Clóvis Marques, Darci Penteado,
João Silvério Trevisan e Peter Fry. Ainda em 1981 foi publicado em São Paulo o jornal Corpo, do grupo Somos (que já havia editado, em 1979, a revista Suruba).
Publicações
de “contracultura”
As publicações de
“contracultura” marcaram época nos anos 1970 constituindo-se, mesmo, como uma
das marcas registradas da década, tornando conhecido, no Rio de Janeiro, um
grupo de poetas e literatos chamados de “poetas de mimeógrafo” e “artistas
malditos”: Chacal, Jorge Salomão, Waly Sailormoon, Torquato Neto, Capinam, Luís
Carlos Maciel e Jorge Mautner são alguns representantes desta geração. As
principais publicações foram Flor do Mal (editado por O Pasquim,
saíram cinco números durante o ano de 1971); Biscoitos Finos e o Almanaque
Biotônico Vitalidade, uma produção do grupo Nuvem Cigana. O único número do
Almanaque saiu em 1976. Imitando uma bula de remédio, apresentava
“indicações” e “contra-indicações”. Entre as “indicações”: “Contra a inércia;
contra a lei da gravidade; contra marcar bobeira; contra a cultura oficial;
contra a cópia; a favor da liberdade; contra o irremediável. É muito eficaz nos
casos de desânimo geral.”
A
imprensa alternativa produziu, também, revistas e jornais culturais e voltados
para o debate de idéias. Entre os mais importantes está o Beijo, que
circulou entre 1977 e 1978 no Rio de Janeiro. A melhor classificação para esta
publicação, que reunia intelectuais e escritores cariocas, era a de um jornal
político-cultural. Antenado a posturas teóricas de vanguarda, fazia uma crítica
à esquerda tradicional. Apresentava artigos sobre arte, cultura e ideologia.
Faziam parte do conselho editorial: Júlio César Montenegro, Genilson César, Ana
Cristina César, Carlos Henrique Escobar, Ítalo Moricone, Ronaldo Brito, Roberto
Ventura, Silviano Santiago, entre outros.
Um outro tipo de
publicação que merece ser lembrado por ser muito representativo da época, foram
os jornais e revistas que, respaldados por um discurso psicanalítico,
enfatizavam o corpo e a sexualidade. Alguns deles chegavam a se declarar como
alinhados a uma “política do corpo”. Como a revista Rádice, editada por
Ralph Viana, no Rio de Janeiro, entre 1977 e 1981. Um pouco mais tarde, o
jornal Luta e Prazer, editado já no início dos anos 1980, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, continuou a proposta da revista.
Outras
publicações
Fazem
parte ainda da chamada “imprensa alternativa” uma extensa lista de jornais do
movimento estudantil (como o Boca no Trombone, jornal dos estudantes do
Grande Rio, e o Terra Roxa do DCE da Universidade de Londrina);
publicações da Igreja, vinculadas às pastorais e à Teologia da Libertação (como
os Cadernos do CEAS, editados na Bahia); jornais ligados à luta indígena
(Borduna, Nimuendaju) e as primeiras publicações ecológicas brasileiras
(como a Folha Alternativa publicada em 1979).
Maria
Paula Nascimento Araújo
FONTES: ACERVO
FUND. RIO-ARTE; ACERVO PROGR. EST. TEMPO PRES. UFRJ; COL. TOGO IORUBA;
KUCINSKI, B. Jornalistas; MICCOLIS, L. Catálogo.