INFLAÇÃO
Inflação
é o fenômeno caracterizado pelo aumento sustentado do nível de preços da
economia e é medida pela taxa de crescimento de um índice de preços.
Existem
vários índices, usados para diferentes propósitos. Os mais populares são os
índices de preços ao consumidor, de preços ao atacado e o deflator implícito do
produto. O primeiro mede o custo de uma cesta de bens e serviços adquirida por
um consumidor típico, que pertença a uma certa faixa de renda. O índice de
preços ao atacado, como o próprio nome indica, mede o custo de uma cesta de
bens no comércio atacadista. O deflator implícito do produto é um índice de
preços obtido no cálculo do crescimento do produto real da economia, e que mede
a evolução dos preços dos bens e serviços produzidos no país. No Brasil as
principais instituições que produzem índices de preços são a Fundação Getúlio
Vargas, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) da Universidade de
São Paulo, e a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE).
Um
ponto importante precisa ser esclarecido logo de saída: um aumento transitório
do nível de preços da economia não é definido como inflação, embora no curto
prazo acarrete um aumento na taxa de inflação medida nos diferentes índices de
preços. Um aumento transitório é um fenômeno que acontece uma única vez, e que
não tem um caráter repetitivo. Para exemplificar este tipo de situação,
imagine-se que em determinado ano o governo elevou as alíquotas de impostos que
incidem sobre um conjunto de bens e serviços, e que os preços destes bens e
serviços subiram. Como conseqüência o nível de preços da economia aumentou, a
taxa de inflação não aumentou de maneira permanente, mas apenas
transitoriamente, durante o período em que os preços se acomodaram às novas alíquotas.
A
perda sistemática do valor da moeda é uma maneira equivalente de se definir
inflação, pois o valor da moeda é dado pelo inverso do nível de preços. Isto é,
o valor de um real é a quantidade de bens, ou serviços, que se obtém com um
real, e quanto maior o nível de preços menor o valor da moeda. Portanto, para
se compreender o fenômeno da inflação é preciso analisar os mecanismos de
criação e destruição da moeda, e como o público se comporta em relação à
quantidade de moeda que ele deseja manter em sua posse para fazer face às
operações de compra e venda de bens e serviços. No jargão dos economistas, isto
corresponde a dizer que para estudar a inflação é preciso analisar as forças
que determinam a oferta e a demanda de moeda.
Antes
de tudo, é importante precisar o conceito de moeda. O que é moeda? A moeda é um
ativo usado como meio de trocas e, ao mesmo tempo, é uma reserva temporária de
poder de compra. Na história da humanidade vários instrumentos foram usados
como moeda, entre eles o ouro, a prata, o cigarro em campos de concentração
etc. No mundo moderno, a moeda tem a forma de papel-moeda, ou de moeda
escritural criada pelo sistema financeiro, e é baseada na confiança que as
pessoas têm que outras pessoas a aceitarão como forma de pagamento nas suas
transações. A contrapartida empírica do que é moeda hoje em dia não é,
portanto, uma tarefa tão fácil em virtude das inovações financeiras, que
permitem que vários ativos sejam usados como moeda. Na prática existem vários
conceitos de moeda, que são publicados nas estatísticas de cada país. Todavia,
para o propósito de entender a inflação, vamos definir moeda como sendo o
papel-moeda em poder do público e os depósitos à vista nos bancos comerciais.
Nas
sociedades modernas uma instituição chamada Banco Central tem o monopólio da
emissão do papel-moeda usado pelo público e das reservas bancárias que
lastreiam os depósitos nos bancos comerciais. O Banco Central é uma instituição
muito peculiar, pois compra e vende a sua própria moeda, sem concorrentes, e ninguém
mais pode produzi-la, sob pena de cometer um ato ilegal. O Banco Central de
cada país, e somente ele, tem o poder de determinar o estoque nominal de moeda
na economia, isto é, de reais no Brasil, de dólares nos Estados Unidos, de
ienes no Japão etc.
O
público usa a moeda como meio de trocas e decide a quantidade que deseja manter
em sua posse em função do poder de compra que ela é capaz de comandar. Em
outras palavras, o público não está interessado no valor nominal, mas sim na
quantidade de bens e serviços que pode comprar com seu estoque nominal de
moeda. Enquanto o Banco Central controla o estoque nominal de moeda, o público
decide a quantidade real de moeda que deseja; ao público somente interessa o
valor do estoque nominal de moeda dividido por um índice de preços dos bens e
serviços que ele adquire. A quantidade real de moeda que o público demanda
depende do nível de renda da economia, pois quanto maior o nível de renda,
maior o volume de transações; a quantidade demandada de moeda também depende do
custo de oportunidade de mantê-la, ao invés de outro ativo. Quanto maior a taxa
de juros paga pelo ativo alternativo, menor a quantidade demandada de moeda.
Quando
o Banco Central aumenta o estoque nominal de moeda da economia e o público
deseja reter em sua carteira de ativos um valor nominal correspondente a um
estoque real de moeda, equivalente a uma quantidade de bens e serviços, surge
um desequilíbrio entre o que o Banco Central decide e aquilo que o público
deseja. No curto prazo a taxa de juros cai, os preços dos ativos sobem, a
produção de bens e serviços é estimulada em virtude do aumento dos gastos dos
consumidores e das empresas. O aumento da utilização da capacidade instalada da
economia termina provocando o aumento dos preços de bens e serviços, recompondo
o equilíbrio no mercado monetário. No final das contas, a ação do Banco Central
causou apenas uma elevação nos preços da economia. A mesma história se repete
quando o Banco Central decide aumentar o estoque nominal de moeda a uma determinada
taxa de crescimento, pois o público procura se desfazer do excesso de moeda
comprando bens e serviços. Entretanto, a sociedade como um todo não pode
reduzir a quantidade nominal de moeda, pois somente o Banco Central tem este
poder. O resultado das ações de cada indivíduo procurando reduzir a quantidade
de moeda em sua posse é fazer com que os preços cresçam na mesma proporção do
crescimento do estoque de moeda, recompondo a lógica do sistema.
A
inflação e o regime cambial
O
regime cambial de um país determina o grau de liberdade que ele deseja ter com
relação a escolha da taxa de inflação de longo prazo. No regime de câmbio fixo,
o país prefere seguir a liderança de outro país, adotando a escolha dele como
sua; nos regimes de câmbio flexível e de câmbio administrado, os países são
livres para determinarem sua própria opção.
Quais
os procedimentos que o Banco Central usa para comprar e vender a sua moeda? No
regime de câmbio fixo, o Banco Central fixa o preço da moeda estrangeira, o
dólar por exemplo, e assume o compromisso de comprar e vender a sua moeda
quando o público desejar lhe vender ou comprar dólares. Neste tipo de regime o
Banco Central é passivo, pois a iniciativa da operação é do mercado. O Banco
Central não controla o estoque de sua moeda, mas é o público quem determina a
quantidade que deseja. Como conseqüência, o Banco Central não tem liberdade
para escolher a taxa de inflação do país.
No
curto prazo, a taxa de inflação do país que adota o regime de câmbio fixo é
afetada por inúmeros fatores, mas no longo prazo é determinada pela taxa de
inflação do país ao qual a moeda doméstica foi atrelada. Para compreender este
fato, os bens e serviços que são produzidos e consumidos em um país podem ser
classificados em dois grupos: aqueles que participam do comércio exterior - o
café, por exemplo -, e aqueles que não são objeto de transações com outros
países, como o corte do cabelo. No longo prazo, em virtude de arbitragem do
comércio exterior, os bens e serviços passíveis de serem exportados e
importados terão seus preços equalizados internacionalmente, e os preços em
moeda doméstica destes bens e serviços serão dados pelo produto dos seus preços
internacionais, em dólares, pela taxa de câmbio. Com o câmbio fixo, toda vez
que os preços em dólares destes bens e serviços subirem, os preços domésticos
também sobem.
Os
preços dos bens e serviços que não são objeto do comércio exterior não são
atrelados diretamente à taxa de câmbio, mas, no longo prazo, também são
determinados pela taxa de câmbio. A razão para que isto ocorra é que o preço
relativo entre estes dois tipos de bens e serviços - os comercializáveis e os
não-comercializáveis, no linguajar técnico - depende, no longo prazo, de
fatores ligados às preferências dos consumidores, aos processos tecnológicos
adotados nas empresas e à política fiscal do governo. Portanto, para um dado
preço relativo, conhecendo-se um preço, o outro preço será determinado, e o
índice de preços, que é uma média ponderada dos preços destes dois tipos de
bens e serviços, varia diretamente com a taxa de câmbio. No jargão técnico, o
fato de que no longo prazo a taxa de câmbio, no regime de câmbio fixo,
determina o nível de preços da economia é conhecido pelo nome de âncora
cambial.
No
sistema de câmbio flexível o Banco Central não intervém no mercado de câmbio, e
o preço da moeda estrangeira é determinado pelas forças de mercado. Neste
regime o Banco Central tem liberdade para controlar o estoque de sua moeda. Que
procedimentos ele utiliza para comprar e vender sua moeda? O procedimento mais
comum é a operação de compra e venda de títulos públicos no mercado aberto, um
mercado secundário dos títulos públicos emitidos pelo governo. Quando compra
títulos públicos para sua carteira de ativos, o Banco Central vende sua moeda;
quando vende títulos públicos de sua carteira de ativos, o Banco Central compra
sua moeda. O regime de câmbio flexível não é um regime puro, pois
ocasionalmente o Banco Central intervém no mercado de câmbio, comprando ou
vendendo divisas estrangeiras. A operação de compra de moeda estrangeira
corresponde a uma venda de moeda doméstica, e uma venda de moeda estrangeira é
feita através da compra da moeda doméstica. O terceiro procedimento de compra e
venda de moeda do Banco Central ocorre através do mecanismo de redesconto e de
assistência de liquidez ao sistema financeiro. Neste mecanismo, toda vez que
empresta recursos aos bancos, o Banco Central vende sua moeda comprando títulos
dos bancos. Quando os bancos liquidam seus empréstimos, o Banco Central compra
de volta sua moeda, em troca dos títulos dos bancos que estavam na sua carteira
de ativos. No regime de câmbio flexível a taxa de inflação do país é
determinada, no longo prazo, pelo próprio Banco Central, pois ele tem o
controle efetivo do estoque nominal de moeda na economia.
Cabe
à sociedade, através de sua organização política, desenhar o arcabouço
institucional do Banco Central. Em muitos países o Banco Central é independente
do Poder Executivo, e tem autonomia para escolher livremente a taxa de
inflação. Em outros países o Poder Executivo escolhe a taxa de inflação, e o
Banco Central tem liberdade operacional para implementar a política monetária.
São encontrados outros tipos de arranjos institucionais, nem sempre eficientes
para o propósito do controle da inflação, na experiência internacional.
Os
regimes de câmbio fixo e de câmbio flexível são casos polares, e na prática nem
o câmbio fixo é imutável nem tampouco o mercado apenas determina o preço da
divisa estrangeira no regime de câmbio flexível. O câmbio fixo é eterno
enquanto dura, como diz o poeta, e o câmbio flexível é sujo, pois o Banco
Central intervém no mercado cambial de vez em quando. Em muitos países em
desenvolvimento, como foi o caso do Brasil durante quase toda segunda metade do
século XX, adotou-se um regime híbrido de taxa de câmbio, o regime de câmbio
administrado, conhecido na literatura em inglês pelo nome de crawling peg.
Nesse regime, o Banco Central intervém de modo sistemático no mercado cambial,
fixando o preço da divisa estrangeira, seguindo, em geral, uma regra
pré-anunciada ou então explicitada pelo seu padrão de intervenção. Uma regra
bastante popular consiste em desvalorizar o câmbio pela diferença entre a
inflação interna e a inflação externa, seguindo a paridade de poder de compra
entre as moedas.
No
sistema de câmbio administrado, o país prefere não se submeter à regra rígida
do regime de taxa de câmbio fixo, mas sim escolher a sua própria taxa de
inflação. O Banco Central, como no regime de taxa de câmbio fixo, substitui o
mercado na fixação do preço da moeda estrangeira. O inconveniente neste regime
é que ele termina provocando crises cambiais, ou mesmo crises de endividamento
externo, como aconteceu na América Latina no início da década de 1980, quando a
taxa de câmbio foi mantida artificialmente baixa. A vantagem do regime de
câmbio administrado é permitir ao país que o adota conviver durante um bom
tempo com a inflação, como foi o caso do Brasil entre agosto de 1968 e dezembro
de 1979.
O
imposto inflacionário
No
mundo observa-se países com diferentes patamares de taxas de inflação. A
pergunta que surge naturalmente é a seguinte: qual a razão para esta
diversidade de comportamento? A resposta é bastante simples: a inflação é um
tipo de imposto, e cada país decide se deseja, ou não, cobrar um imposto sobre
a sua moeda. Todo imposto tem uma base de incidência e uma alíquota. O imposto
inflacionário tem como base a quantidade real de moeda e como alíquota a taxa
de inflação. Todavia ele é um imposto diferente, pois não é cobrado pela
Receita Federal, nem pago através de um documento de arrecadação tributária.
O
Banco Central emite moeda comprando ativos denominados em moeda estrangeira ou
em moeda nacional. Os ativos denominados em moeda nacional, na carteira do
Banco Central, são títulos públicos emitidos pelo Tesouro, ou então obrigações
de responsabilidade do sistema financeiro nacional. Na maioria dos casos a
principal fonte de expansão da base monetária - a moeda emitida pelo Banco
Central - é a compra de títulos públicos para financiar o déficit público do
governo. Esta compra de títulos corresponde a uma transferência de recursos
para o governo, que serão usados ou no pagamento de despesas, ou na redução de
impostos tradicionais, ou ainda na redução dos títulos públicos em poder do
mercado. Qualquer que seja a opção do governo, a emissão de moeda corresponde
a uma transferência de renda de um grupo da sociedade para outro. Como ocorre,
então, o pagamento do imposto inflacionário?
O
público deseja manter, nos ativos que compõem seu patrimônio, um estoque
nominal de moeda que corresponda a um determinado poder de compra de bens e
serviços que usualmente adquire. Quando os preços destes bens e serviços
aumentam, as pessoas necessitam de uma maior quantidade de moeda para
comprá-los. Elas têm que alocar parte da renda, que seria usada para outros
propósitos, no aumento de seus estoques nominais de moeda. Esta parcela da
renda usada para adquirir a quantidade adicional de moeda é justamente o
imposto inflacionário arrecadado pelo governo. Numa situação em que a taxa de
inflação é constante, o público tem que aumentar o seu estoque nominal de moeda
a uma taxa igual à taxa de inflação, para manter a mesma quantidade real de
moeda. Logo, o governo consegue arrecadar um total de recursos reais
equivalente ao produto da taxa de inflação pela quantidade real de moeda que o
público deseja manter em sua posse. A taxa de inflação é, portanto, a alíquota
do imposto inflacionário e a base do mesmo é a quantidade real de moeda em
poder do público.
Esta
história não está completa se não mencionarmos o fato de que, diferente de
outros impostos, o imposto inflacionário não é compulsório. As pessoas podem
evitá-lo reduzindo a quantidade real de moeda que mantêm em sua posse. Em
países com experiência de inflação crônica o sistema financeiro tem um grande
incentivo para criar substitutos próximos de moeda, porque os indivíduos
economizam no pagamento do imposto inflacionário. As pessoas fogem deste
imposto como o diabo foge da cruz. Mas nem todo mundo consegue fazê-lo. As
classes de renda mais elevada dispõem de instrumentos que lhes permitem reduzir
o pagamento deste tipo de tributação. O imposto inflacionário torna-se, então,
bastante regressivo porque ele acaba incidindo sobre as camadas mais pobres da
população, constituindo-se numa forma perversa de taxação e de injustiça
social. Este fato explica porque a maioria dos países do mundo prefere uma taxa
de inflação bastante baixa, e têm uma arrecadação do imposto inflacionário
desprezível, quando comparada a outras formas de tributação.
Taxonomias
da inflação
Existem
várias classificações da inflação. Cada uma delas identifica uma característica
como base para a classificação. Uma das mais populares classifica a inflação, de
acordo com as causas mais próximas da mesma, em quatro tipos: i) inflação de
custos, ii) inflação de demanda, e iii) inflação estrutural e iv) inflação
inercial.
A
inflação de custos seria causada pelo aumento dos custos de produção da
empresa, em virtude de aumento de salários, aumento de preços de
matérias-primas, ou qualquer outro item de custos que sofra elevação. O
problema principal com este conceito é que ele explica uma elevação do nível de
preços, mas não a taxa de inflação. Caso o Banco Central decida acomodar a
subida de preços provocada pelo aumento de custos, injetando mais moeda na
economia, de modo sistemático a uma nova taxa de crescimento, a pressão de
custos se transformará em inflação. Caso contrário, haverá apenas um aumento do
nível de preços.
A
inflação de demanda seria causada pelo aumento da demanda agregada da
economia, em virtude de políticas fiscal e monetária expansionistas e em
aumentos da demanda externa por produtos domésticos. Novamente este conceito
confunde mudança do nível de preços com taxa de inflação. Uma política fiscal
expansionista, através de aumento do déficit público, ou uma maior demanda por
produtos domésticos, pode acarretar uma mudança no nível de preços mas não da
taxa de inflação. Todavia, no caso da política monetária a denominação inflação
de demanda não tem nenhuma contra-indicação, desde que seja entendida como uma
mudança da taxa de crescimento do estoque de moeda.
A
inflação estrutural seria causada por mudanças de preços relativos na economia.
Esta hipótese foi desenvolvida por economistas latino-americanos, que
acreditavam que o processo de industrialização, ao provocar uma migração do
campo para as cidades, aumentava os preços dos alimentos em relação aos preços
dos produtos industriais por duas razões. Em primeiro lugar pelo aumento da
demanda de produtos agrícolas, e em segundo lugar pela falta de resposta dos
produtores agrícolas ao estímulo de preços, em virtude da estrutura fundiária
da propriedade agrícola, que serviria como um ativo de preservação do valor,
mas não como um meio de produção. Os estudos empíricos mostraram que os
produtores agrícolas respondem aos estímulos de preços, e que esta mudança de
preços relativos entre produtos agrícolas e industriais acontece de maneira
esporádica, em anos de condições climáticas desfavoráveis, mas não ocorre de
modo sistemático. Como no caso da inflação de custos, a inflação estrutural
pode explicar uma mudança do nível de preços, mas não da taxa de
inflação.
A
inflação inercial ocorre quando a inflação é causada pela própria inflação. Os
preços aumentam hoje porque eles aumentaram ontem, e assim sucessivamente. No
Brasil este conceito tornou-se bastante popular, e chegou a inspirar alguns
planos de estabilização que fracassaram, como os Planos Cruzado, Bresser e
Verão, no governo do presidente José Sarney (1985-1990), e o Plano Collor, no
governo do presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992). A questão crucial
deste conceito é confundir o mecanismo de propagação com a origem do processo. O
impulso que gera a inflação, o aumento do estoque de moeda a uma velocidade
maior que a taxa de crescimento do produto real da economia, leva algum tempo
para se transmitir aos preços criando uma certa inércia na taxa de inflação.
Quando a inflação torna-se crônica, o público desenvolve mecanismos para
conviver com o aumento freqüente dos preços, introduzindo regras de indexação
que reajustam preços de acordo com a taxa de inflação do passado recente,
aumentando o grau de inércia do sistema. No curto prazo a inflação tem uma
componente inercial, mas no longo prazo ela não é determinada pela sua própria
história, mas sim pelo que ocorreu com a produção de moeda no país.
Uma
outra classificação de inflação toma como característica o valor da taxa de
inflação, e classifica as inflações em alta, média e baixa. Este tipo de
classificação, ou qualquer outra assemelhada, não acrescenta nada, e serve
apenas para confundir, pois alguém poderia imaginar que existiria alguma
diferença nas origens da inflação, quando ela muda de patamar. Todavia, um caso
excepcional merece tratamento especial. Trata-se da hiperinflação, situação
extrema em que o valor da moeda é destruído num tempo finito, pois o nível de
preços cresce a uma velocidade cada vez maior e tende para infinito. No século
XX houve várias experiências de hiperinflação na Europa, na América Latina e na
Ásia. Em todos os casos, os países não conseguiam financiar as despesas do
governo através de impostos tradicionais - impostos sobre a renda, o consumo,
ou a propriedade - e apelavam para o imposto inflacionário. Como o valor que a
sociedade pode arrecadar deste imposto é limitado, pois quando a alíquota (a
taxa de inflação) sobe, a base da tributação( a quantidade real de moeda que o
público deseja) diminui, o resultado é uma elevação da taxa de inflação que
chega a percentuais de três dígitos ao mês, e que só termina com a introdução
de uma nova moeda, e a mudança das regras do jogo.
Custos e
benefícios da inflação
Uma
inflação que seja perfeitamente antecipada pela sociedade tem como único custo
a distorção causada pelo imposto inflacionário na alocação de recursos da
sociedade. Este custo é similar ao custo de qualquer outro tipo de imposto,
que diminui o bem estar da sociedade, e em princípio poderia ser comparado com
as alternativas de taxação ao alcance do governo. Todavia, a inflação nem
sempre é perfeitamente antecipada e cria uma série de distorções. Em primeiro
lugar, quando não é antecipada, a inflação prejudica algumas pessoas e
beneficia outras, através da redistribuição de renda entre credores e
devedores. Em segundo lugar, a inflação desvia recursos de setores produtivos
para o setor financeiro, que cria mecanismos e serviços para atender a demanda
da sociedade por instrumentos que lhes permita evitar o imposto inflacionário.
Em terceiro lugar, a inflação aumenta o grau de incerteza na economia,
dificulta a percepção da mudança de preços relativos, ou seja, torna mais
difícil saber o que está caro e o que está barato, e contribui para a
ineficiência econômica na alocação de recursos.
Quais
os benefícios da inflação? No longo prazo nenhum. No curto prazo, a inflação
não antecipada estimula a economia, aumentando o nível de emprego e de
produção. Os consumidores e produtores mudam suas decisões, os primeiros
aumentando os gastos na compra de bens e serviços e os segundos expandindo a
produção, contratando mais mão-de-obra e adquirindo mais matéria-prima.
Entretanto, com o decorrer do tempo eles percebem que tudo foi ilusão
passageira, e que o melhor a fazer é retornarem às suas decisões anteriores.
Este estímulo transitório da política monetária é certamente uma presa fácil de
todo político populista, que não se importa com as conseqüências de longo prazo
de suas ações, mas somente com os benefícios que pode auferir no curto prazo.
A inflação no Brasil
A
inflação era um fenômeno tão enraizado na economia brasileira antes do Plano
Real que se constituía, com o futebol e o carnaval, numa característica de
nossa sociedade. Alguns chegavam a identificá-la como parte da nossa cultura, e
não como um imposto cobrado de quem não tinha, para financiar quem não
precisava.
A
experiência inflacionária brasileira na segunda metade do século XX é
extremamente rica, como mostra a tabela abaixo com dados de anos selecionados.
A inflação mantém-se estável nos primeiros anos da década de 1950, com taxas de
dois dígitos. O ano de 1957é atípico, com inflação de um dígito. A inflação
aumenta no final dos anos 1950 e no início da década dos 60. Esta aceleração
foi interrompida com o programa de estabilização do governo do marechal
Humberto Castelo Branco (1964-1967), um programa de combate à inflação que teve
êxito e que trouxe a inflação para um patamar próximo a 20% ao ano. Em 1974 a
inflação começa a subir, atingindo em 1975 a taxa de 29% ao ano. No restante do
governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) a inflação anual ficou em torno
de 40 %. No final do governo Geisel, há uma aceleração na velocidade de
crescimento dos preços, e no início do governo do general João Batista
Figueiredo (1979-1985), que encerra o regime autoritário, ultrapassa a marca
dos 100% ao ano. Ao término desta última administração militar, a inflação
anual já é superior aos 200%. No primeiro governo depois da redemocratização do
país, o governo Sarney, a inflação explode e o Brasil tem sua experiência de
hiperinflação, que continua no governo Collor. Houve várias tentativas de
estabilização, com planos mal concebidos - planos Cruzado, Bresser, Verão e
Collor- e que deram errado.
Inflação
(Índice: IGP-DI, FGV, % ao ano)
Ano
|
Inflação
|
1950
|
12
|
1955
|
12
|
1960
|
31
|
1965
|
34
|
1970
|
19
|
1975
|
29
|
1980
|
110
|
1985
|
235
|
1990
|
1477
|
1995
|
15
|
Fonte:
FGV
A
inflação no Brasil atravessou diferentes governos e regimes políticos, conviveu
com a democracia e com o autoritarismo, testemunhou o suicídio, a renúncia, a
deposição e o impeachment de presidentes; foi administrada por ministros
que a identificaram como um poderoso adversário a ser combatido com todas as
armas e por outros que não se incomodaram com sua companhia; assistiu à
transformação de uma economia predominantemente rural em uma economia
urbano-industrial; foi responsabilizada por uns pela concentração de renda
verificada em boa parte do período e utilizada por outros como redistribuição
de renda. As causas mais diversas para explicar a sua vitalidade foram
apontadas, algumas tão pitorescas e exóticas como o chuchu, os salões de
beleza, os xeiques do petróleo, e a própria inflação; inúmeros medicamentos,
como a correção monetária, foram desenvolvidos a pretexto de eliminar seus
efeitos, e mesmo assim continuou prejudicando a maioria e beneficiando uns
poucos.
No
governo de Itamar Franco (1992-1994), o Plano Real acabou com o processo
hiperinflacionário no Brasil. Em 1995 a taxa de inflação, medida pelo índice
geral de preços(IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, foi igual a 15%. Nos anos
seguintes a inflação anual medida por este índice permaneceu em um dígito, com
exceção de 1999 quando ocorreu a mudança do regime cambial.
O
Plano Real teve cinco fases distintas. Na primeira houve um ajuste fiscal
transitório, com a criação do Fundo de Emergência Social. A segunda fase
consistiu na superindexação da economia através da Unidade Real de Valor (URV)
- uma unidade de conta para a conversão de valores da antiga na nova moeda. A
terceira fase iniciou-se com a introdução da nova moeda - o real - em 1º de
julho de 1994, prosseguiu com a mudança do regime monetário, em que o Banco
Central deixou de financiar o déficit público, e terminou quando o Banco
Central, após uma rápida experiência com o câmbio flutuante no terceiro
trimestre de 1994, fez a opção pelo sistema de câmbio fixo. Todavia, a questão
fiscal não tinha sido resolvida e o imposto inflacionário foi substituído pelo
endividamento público.
A
quarta fase do Plano Real abrange todo o primeiro mandato do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, quando foi implementada uma estratégia de alto
risco, que consistia em ajustes graduais do câmbio e do déficit público. Esta
estratégia para funcionar dependia do financiamento externo, e portanto, da
entrada de capital estrangeiro. Depois de vários avisos, com as crises do
México em 1995 e da Ásia em 1997, a crise da Rússia em 1998 afetou o fluxo de
capitais para o Brasil e decretou a morte do nosso regime de câmbio fixo. O
real foi obrigado a flutuar em janeiro de 1999. Esta crise tornou claro para a
sociedade brasileira que o ajuste fiscal era condição essencial para o sucesso
do Plano Real, pois a trajetória de endividamento público não seria
sustentável. O presidente Fernando Henrique Cardoso comprometeu-se, interna e
externamente, que manteria um superávit primário de cerca de 3% do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro no restante de seu segundo mandato, suficiente
para estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB. O Brasil ainda não
tem instituições sólidas capazes de assegurar a disciplina fiscal qualquer que
seja o governante, mas já existe algum progresso nesta direção através de
reformas submetidas ao Congresso Nacional com este objetivo, como é o caso da
Lei de Responsabilidade Fiscal, que procura coibir práticas que levam ao
endividamento público insustentável.
A
quinta fase do Plano Real corresponde ao período de turbulência depois da
mudança do regime cambial, de janeiro até o final do primeiro semestre de 1999,
quando o Banco Central anunciou o novo sistema de metas inflacionárias para o
país, fixando metas de 8%, 6% e 4%, com uma variação para mais ou para menos de
2%, para a taxa de inflação medida pelo índice de preços ao consumidor da
FIBGE. A meta de 1999 foi atingida, e a inflação medida pelo índice de preços
ao consumidor ficou ligeiramente acima de 8%. Muitos analistas acreditavam que
a inflação anual de dois dígitos estaria de volta com o novo sistema cambial, e
que ele não funcionaria de modo adequado. Na verdade, o regime de câmbio
flutuante produz muita volatilidade na taxa de câmbio, mas este regime
certamente impedirá que crises cambiais ocorram na economia brasileira, como
aconteceu em todas as décadas na segunda metade do século XX.
Qual
a garantia de que a inflação anual de dois dígitos não voltará ao Brasil?
Nenhuma, porque a sociedade brasileira pode decidir novamente usar o imposto
inflacionário como mecanismo de financiamento do déficit público. Todavia, o
comportamento da maioria dos eleitores nos pleitos presidenciais de 1989 e
1994, com a eleição dos presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando
Henrique Cardoso, e a reeleição deste último em 1998, que tinham como principal
meta eleitoral o combate à inflação, mostrou que a população brasileira prefere
viver numa economia com taxas de inflação anuais de um dígito. O Plano Real
será, portanto, um marco da nossa história econômica, pois sepultará de vez a
idéia de que existe uma cultura inflacionária no Brasil.
Paul Singer
Fernando de Holanda Barbosa
colaboração especial
FONTES:
ARIDA, P. & RESENDE, A. Inertial; BARBOSA, F. Inflação;
BARBOSA, F. & SIMONSEN, M. Plano Cruzado; FRANCO, G. Plano Real;
FRIEDMAN, M. Cause; LOPES, F. Choque; PEREIRA, L. & NAKANO,
Y. Inflação; RANGEL, I. Inflação; SIMONSEN, M. Inflação;
TOBIN, J. Diagnosing.