INSTITUTO
DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS (IPÊS)
Organização
de empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo estruturada no decorrer de 1961
e fundada oficialmente em 2 de fevereiro de 1962, com o objetivo de “defender a
liberdade pessoal e da empresa, ameaçada pelo plano de socialização dormente no
seio do governo João Goulart”, através de um “aperfeiçoamento de consciência
cívica e democrática do povo”. Após o triunfo do movimento militar de março de
1964, de cuja preparação participou ativamente, reduziu suas atividades,
desaparecendo completamente em 1972.
Antecedentes
A idéia de criação do IPÊS surgiu de uma série de reuniões
informais de homens de negócios do Rio de Janeiro, realizadas a partir do
início de 1961. A renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto daquele ano,
e a subseqüente posse de João Goulart — vista com desconfiança pelo empresariado
devido às suas ligações com o movimento sindical — deram uma nova dimensão aos
encontros que vinham sendo mantidos. Preocupados com a inflação, com a falta de
planejamento econômico do governo e, sobretudo, com a crescente influência de
radicais comunistas e o aumento da intervenção estatal, os empresários
resolveram intensificar suas articulações. Gilberto Huber, ex-vice-presidente
do Conselho Nacional das Classes Produtoras e presidente das Listas Telefônicas
Brasileiras S.A., foi incumbido de arregimentar adeptos entre o empresariado
paulista.
A tarefa de Huber foi facilitada pelo fato de já vir mantendo
contatos com o industrial Paulo Aires, ex-diretor do Banco do Brasil, que desde
a década de 1950 estava alerta à “infiltração de comunistas em associações
estudantis, sindicatos operários, sociedades profissionais patronais e
associações comerciais”. Aires, por sua vez, entrou em contato com João Batista
Leopoldo Figueiredo, presidente do Banco do Brasil durante o mandato
presidencial de Jânio e ex-presidente da Federação do Comércio do Estado de São
Paulo. Formou-se assim o núcleo do IPÊS de São Paulo.
Fundado oficialmente em 2 de fevereiro de 1962, no Rio de
Janeiro, o IPÊS resultou da fusão dos grupos de empresários organizados no Rio
e em São Paulo. A nova organização foi recebida com entusiasmo pelos jornais
cariocas O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e pelo arcebispo do Rio de
Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara.
Organização
Estruturado
inicialmente de forma federativa, o IPÊS possuía dois órgãos centrais de
direção: o comitê executivo e a comissão diretora, que tomava as principais
decisões. Com a cisão entre os grupos carioca e paulista, ocorrida no início de
1964, o IPÊS do Rio elaborou um novo estatuto, mantendo em linhas gerais a mesma
estrutura organizativa da fase anterior. Antes da cisão, o IPÊS foi presidido
por João Batista Leopoldo Figueiredo. De 1964 a 1972, Harold Cecil Polland
presidiu o IPÊS do Rio, tendo como vice-presidente Glycon de Paiva. O IPÊS
carioca possuía uma assembléia geral, formada por todos os membros da
organização, que se reuniam uma vez por ano para ouvir o relatório geral e
preencher os cargos vagos; um conselho orientador, composto de 40 membros, que
se reuniam três vezes por ano e cuja função principal era eleger os membros da
diretoria, e uma diretoria, órgão máximo da entidade, composta de sete membros
que se reuniam semanalmente. Havia ainda um conselho fiscal, que se encarregava
do controle financeiro.
A
diretoria coordenava a atuação de diversos grupos de trabalho, cujos
integrantes eram recrutados de preferência entre ex-alunos, civis e militares,
da Escola Superior de Guerra (ESG). O grupo de pesquisas e informações
dedicava-se ao estudo da infiltração comunista no país. Até o movimento de
março de 1964 foi o grupo mais ativo e influente do IPÊS do Rio, e era chefiado
pelo general Golberi do Couto e Silva. O grupo de estudos era formado por
pessoas interessadas na elaboração de uma filosofia política para o
empresariado, e era chefiado por Paulo de Assis Ribeiro. O grupo empresarial
dedicava-se a estudos sobre educação e propaganda. Ao grupo de integração,
criado em 1963, cabia organizar debates sobre a realidade brasileira.
Finalmente, o grupo de opinião pública encarregava-se de redigir e editar o Boletim
Mensal, órgão informativo do IPÊS.
Podiam
se filiar ao IPÊS empresários e profissionais liberais — enquanto pessoas
físicas — e empresas — enquanto pessoas jurídicas. Em 1963, o grupo do Rio
contava com cerca de quinhentos membros. Em março de 1966, o número de filiados
baixou para 330: 149 empresas e 151 membros individuais. O instituto era
mantido através das contribuições dos seus associados.
Segundo Muniz Bandeira, empresas estrangeiras também
contribuíram para os cofres da organização, tanto no Rio quanto em São Paulo. A
Light teria contribuído mensalmente com duzentos mil cruzeiros antigos entre
dezembro de 1961 e agosto de 1963. A Konrad Adenauer Stiftung, instituição
ligada ao Partido Democrata Cristão da Alemanha Ocidental então no poder naquele
país, teria colaborado financeiramente por intermédio da Mannesmann e da
Mercedes-Benz. Outras firmas estrangeiras, sobretudo norte-americanas, teriam
também destinado regularmente importâncias elevadas à organização.
Participaram
do IPÊS carioca, entre outros, os generais Golberi do Couto e Silva, Heitor de
Almeida Herrera e João Batista Tubino, Paulo Assis Ribeiro, Dênio Chagas
Nogueira, Glycon de Paiva, José Garrido Torres, os empresários Jorge Melo
Flores, Harold Polland, Guilherme Borghoff, Israel Klabin, Antônio Gallotti,
Augusto Trajano de Azevedo Antunes, Cândido Guinle de Paula Machado, Rui Gomes
de Almeida, José Ermírio de Morais Filho, Guilherme da Silveira Filho e Zulfo
Malmann. O grupo paulista incluiu Paulo Reis de Magalhães, Carlos Eduardo d’Álamo
Lousada, o deputado federal udenista Herbert Levy, o general da reserva
Sebastião Dalísio Mena Barreto, o empresário dinamarquês Albert Boilensen e
outros.
Atuação
O
IPÊS desenvolveu intensa propaganda anticomunista através de cursos,
semanários, conferências públicas e artigos enviados para os jornais, cujo
conteúdo versava invariavelmente sobre as vantagens do regime democrático e da
livre iniciativa. Publicou e distribuiu grande número de livros, folhetos e
panfletos de oposição ao governo Goulart e de combate ao marxismo, entre os
quais o livreto Nossos males e seus remédios, destinado aos empregados da
indústria e do comércio, e o livro UNE, instrumento de subversão, de Sônia
Seganfredo, dirigido aos estudantes universitários. Para atingir o grande
público, o instituto produziu uma série de 14 filmes de doutrinação
democrática, que foram apresentados em todo o país.
Além
desse tipo de prática, o IPÊS patrocinou viagens de estudantes aos Estados
Unidos e contribuiu financeiramente para associações estudantis, operárias e
femininas anticomunistas do Rio e de São Paulo. Entre as organizações
beneficiadas com doações do instituto figuravam os Círculos Operários carioca e
paulista, a Confederação Brasileira de Trabalhadores Cristãos, a Campanha da Mulher
pela Democracia (Camde) do Rio, a União Cívica Feminina de São Paulo, o
Instituto Universitário do Livro, e o Movimento Universitário de
Desfavelamento. O grupo do Rio auxiliava a Associação de Diplomados da Escola
Superior de Guerra.
A filosofia política do IPÊS, elaborada pelo grupo do Rio,
via a reforma moderada do sistema econômico e político do Brasil como uma
necessidade imperiosa, através da qual seria possível neutralizar o avanço
comunista no país. Baseada na encíclica Mater et magistra, do papa João XXIII,
e no programa da Aliança para o Progresso, iniciativa do governo
norte-americano do começo da década de 1960, a orientação seguida pelo
instituto também refletia a visão da Escola Superior de Guerra (ESG) sobre a
realidade brasileira da época. Muitos dos principais civis integrantes do IPÊS
do Rio se haviam diplomado na ESG antes da fundação do próprio instituto.
Entre
outros pontos, a declaração de princípios do instituto — apresentada na
publicação O que é o IPÊS? — afirmava que os homens de negócios deveriam ter
maiores responsabilidades políticas, o que seria “uma maneira legítima de
combater as distorções da direita e da esquerda”. A instituição era favorável à
reforma agrária, da habitação e da saúde, de acordo com o estabelecido pela
Aliança para o Progresso. Sua posição pró-reforma agrária baseava-se na
convicção de que “o homem que possui sua própria terra torna-se o melhor
defensor da sua própria liberdade”.
O eixo da argumentação do instituto era a defesa da livre
iniciativa: a ausência da propriedade privada significava a supressão das
liberdades individuais. O IPÊS enfatizava que “os regimes que não reconhecem a
propriedade privada e a produção privada dos bens e serviços são responsáveis
pela opressão e supressão das liberdades individuais”. Conseqüentemente, a
organização opunha-se à intervenção do Estado na economia, admitindo-a apenas
de forma indireta, através do crédito e do controle fiscal ou quando fosse
necessário garantir o mercado livre contra os monopólios, promover o
desenvolvimento econômico e contribuir para a paz social.
As posições reformistas do IPÊS carioca foram, desde o
início, alvo de crítica por parte do grupo paulista. A partir do final de 1962,
quando a discussão sobre as chamadas “reformas de base” — reforma agrária,
reforma urbana, reforma bancária e reforma tributária —, promovida pelo governo
Goulart, tornou-se mais intensa, as divergências entre as duas alas da
organização acentuaram-se bastante. A oposição “intelectual” do grupo do Rio
frente à orientação “radical” seguida pela Presidência da República passou a
ser considerada pouco eficaz pelo grupo de São Paulo.
Já nessa época, a perspectiva de ação do IPÊS paulista,
embora não fosse assumida publicamente, delineava-se no sentido da derrubada do
governo Goulart, ao passo que os cariocas, preocupados em não ferir a
Constituição, adotavam um comportamento defensivo. O importante para eles era
impedir um eventual golpe continuísta de Goulart e garantir a realização das
eleições presidenciais de 1965. A visão mais pragmática do grupo de São Paulo
não implicou o abandono do trabalho propagandístico efetuado pela instituição,
mas sim a iniciativa tomada por muitos de seus membros de procurar
individualmente formas mais diretas de atuação. Articulando-se com outros
profissionais liberais e homens de negócios oposicionistas, esses associados
participaram direta ou indiretamente das diversas organizações anticomunistas
que surgiram no Brasil nesse período. Esses grupos pichavam paredes com slogans
contrários ao governo, faziam comícios e procuravam corromper políticos.
Algumas organizações, considerando inevitável a guerra civil, chegaram a
treinar homens em operações de guerrilha.
Um dos movimentos mais importantes contra Goulart em São Paulo
foi criado por três sócios do IPÊS, os advogados Flávio Galvão,
secretário-geral executivo da organização, Luís Werneck e João Adelino Prado
Neto. Galvão, que também trabalhava em O Estado de S. Paulo, entrou em contato
com o proprietário do jornal, Júlio de Mesquita Filho, que acabou tornando-se o
chefe nominal do grupo. Paralelamente foram feitas ligações nos meios militares
com oficiais do II Exército e da Aeronáutica diretamente envolvidos na
conspiração contra o governo.
Por outro lado, em maio de 1963, o IPÊS foi submetido a uma
comissão parlamentar de inquérito, instalada a pedido do deputado Paulo de
Tarso, do Partido Democrata Cristão de São Paulo. Acusado de envolvimento com o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que auxiliara financeiramente
a campanha de vários candidatos oposicionistas nas eleições legislativas de
1962, o instituto foi absolvido em dezembro de 1963.
No início de 1964, culminado o processo de afastamento
observado desde o final de 1962, as alas paulista e carioca do IPÊS
separaram-se, passando a constituir duas entidades distintas e autônomas: o
IPÊS do Rio e o IPÊS de São Paulo. Após o triunfo do movimento político-militar
de 31 de março, o IPÊS paulista foi desativado, encerrando definitivamente suas
atividades em 1970.
O
IPÊS carioca, apesar de ter tido uma participação mais discreta na deposição de
Goulart, desempenhou um papel destacado no primeiro governo militar, o do
general Humberto de Alencar Castelo Branco. Esse fato pode ser explicado pelos
estreitos vínculos existentes entre o instituto e o chamado “grupo da
Sorbonne”, ala da ESG liderada pelo general Golberi que, embora não tivesse
atuado diretamente no 31 de março, era a força politicamente mais consistente
dentro das forças armadas. O IPÊS e o “grupo da Sorbonne” foram favoráveis à
indicação de Castelo Branco para a presidência da República. Os empresários do
Rio decidiram-se por Castelo porque este mantinha ligações com a ESG e com o
meio civil e também porque era “apolítico”, isto é, não estava comprometido com
nenhum dos três governadores que pretendiam concorrer às eleições presidenciais
de 1965: Carlos Lacerda, do então estado da Guanabara, José de Magalhães Pinto,
de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo.
Diversas recomendações sugeridas pelo IPÊS foram seguidas
pelo governo Castelo Branco, como a criação do Banco Central e do Conselho
Monetário Nacional, que tinham por objetivo controlar a inflação e elaborar a
política monetária do país. Alguns projetos do instituto foram aproveitados pelo
novo governo na lei de reforma agrária, na reforma bancária, no programa de
habitação e na lei de estabilidade de emprego dos trabalhadores.
Ao
mesmo tempo, numerosos integrantes do IPÊS carioca ocuparam cargos de destaque
no primeiro governo militar. O general Golberi chefiou o Serviço Nacional de
Informações (que foi organizado com base no grupo de pesquisas e informações do
IPÊS, utilizando inclusive seu vasto arquivo), Paulo Assis Ribeiro tornou-se
presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, Dênio Chagas Nogueira
foi indicado para a presidência do Banco Central, José Garrido Torres presidiu
o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, Harold Polland foi nomeado
presidente do Conselho Nacional de Economia, Glycon de Paiva foi assessor deste
conselho, Guilherme Borghoff dirigiu a Superintendência Nacional de
Abastecimento e o general João Batista Tubino foi interventor no estado de
Alagoas.
No
governo do general Artur da Costa e Silva e nos primeiros anos do governo do
general Emílio Garrastazu Médici, o instituto preocupou-se com o
aperfeiçoamento da empresa e do empresário, promovendo cursos de esclarecimento
e a introdução de novos métodos para aumentar a produtividade nos meios
empresariais. Em 1970, o IPÊS elaborou o seu último trabalho de maior
envergadura, um projeto de desenvolvimento para o governador Raimundo Padilha,
do estado do Rio de Janeiro.
Em
junho de 1971, a direção do IPÊS enviou uma circular aos seus associados
informando sobre as dificuldades financeiras que a organização atravessava.
Nessa mesma circular, comunicou que “muitos membros da diretoria e muitos dos
grandes contribuintes... chegaram à conclusão de que a missão para a qual o
IPÊS havia sido criado achava-se efetivamente e plenamente cumprida”. Em 29 de
março de 1972, em assembléia geral extraordinária, decidiu-se encerrar as
atividades do instituto.
Sérgio Lamarão
FONTES: ASSEMB.
GER. EXT. Ata; BANDEIRA, M. Governo; BANDEIRA, M. Presença; BLUME, N.
Pressure; DULLES, J. Unrest; FIECHTER, G. Regime; INST. PESQ. EST. SOCIAIS.
Circular; RAMOS, P. Como; SCHMITTER, P. Interest; SILVA, H. 1964; STEPAN, A.
Militares.