INSTITUTO
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA MÉDICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (INAMPS)
O
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS),
autarquia federal, foi criado em 1977, pela Lei nº 6.439, que instituiu o
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), definindo um
novo desenho institucional para o sistema previdenciário, voltado para a
especialização e integração de suas diferentes atividades e instituições. O
novo sistema transferiu parte das funções até então exercidas pelo Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS) para duas novas instituições. A
assistência médica aos segurados foi atribuída ao INAMPS e a gestão financeira,
ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
(Iapas), permanecendo no INPS apenas a competência para a concessão de
benefícios.
O
INAMPS foi extinto em 1993, pela Lei nº 8.689, e suas competências transferidas
às instâncias federal, estadual e municipal gestoras do Sistema Único de Saúde
(SUS), criado pela Constituição de 1988, que consagrou o direito universal à
saúde e a unificação/descentralização para os estados e municípios da
responsabilidade pela gestão dos serviços de saúde.
Seus 16 anos de existência correspondem ao período em que o
país transitou de um sistema de saúde segmentado, voltado principalmente para a
prestação de serviços médico-hospitalares a clientelas previdenciárias, nos
marcos da idéia meritocrática de seguro social, para um sistema de saúde
desenhado para garantir o acesso universal aos serviços e ações de saúde, com
base no princípio da seguridade social. Nesse período, representou também um
espaço institucional privilegiado onde se ensaiaram propostas de mudança do
sistema, tornando-se uma das principais arenas setoriais onde se disputou e
decidiu a agenda de reformas que mobilizou o país ao longo da década de 1980,
dando-lhe uma nova configuração institucional e novo padrão de políticas
sociais, especialmente na área da saúde.
Nascimento e consolidação da medicina previdenciária
A
política previdenciária de saúde teve origem na criação das primeiras
instituições de proteção social, as caixas de aposentadoria e pensões (CAPs),
instituídas pela Lei Elói Chaves em 1923, cujo artigo 9º, parágrafo 1º,
estabelecia o direito dos contribuintes “a socorros médicos em caso de doença
em sua pessoa ou pessoa de sua família”. No mesmo artigo, o parágrafo 2º
garantia o direito “a medicamentos obtidos por preço especial”. Pode-se afirmar
que o modelo de proteção social adotado pelas CAPs foi abrangente e pródigo, já
que incluía benefícios previdenciários e assistência médica e farmacêutica,
extensiva aos familiares. Para compensar a ausência de oferta de serviços no
mercado, as instituições previdenciárias passaram a criar serviços próprios
para atenção à saúde de seus segurados.
A criação dos institutos de aposentadoria e pensões (IAPs),
na década de 1930, representou uma mudança na postura do Estado em relação à
política de proteção social, que passou a assumi-la, cada vez mais, como sua
atribuição. Ainda que preservando a forma fragmentada de organização
institucional, o Estado passa a participar como co-financiador e co-gestor. A
centralização política implicada neste processo determinou o predomínio de uma
postura contencionista em relação aos gastos dos institutos, afetando
claramente o nível de dispêndio com a atenção médica. Nessa fase, chegou-se a
questionar, entre os técnicos da área previdenciária, a pertinência de se
manterem programas de atenção à saúde como parte dos benefícios
previdenciários, dados seus custos crescentes.
Apesar da hegemonia da corrente contencionista, a
fragmentação institucional e o processo político de barganha com as distintas
frações da classe trabalhadora terminaram resultando em padrões diversificados
de políticas de atenção à saúde, que variaram conforme o instituto. Assim,
enquanto no IAPI (industriários) predominou a linha dos técnicos contrários ao
dispêndio com benefícios em saúde, levando este instituto a comprar serviços
médicos no mercado, no IAPB (bancários) investiu-se na oferta própria de
serviços, o que o levou a possuir a melhor rede própria de hospitais e postos
de atenção à saúde.
A partir de 1945, com a industrialização crescente e com a
liberação da participação política dos trabalhadores, ocorreu um aumento
significativo e progressivo da demanda por atenção à saúde. Independentemente
da postura técnica mais ou menos favorável à ampliação da rede de serviços de
saúde no sistema previdenciário, esse aumento de demanda incidiu sobre todos os
institutos.
Tal
processo de expansão culminou com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência
Social (LOPS), em 1960, que promoveu a uniformização dos benefícios, ou seja,
padronizou o cardápio de serviços de saúde a que todos os segurados teriam
direito, independentemente do instituto a que estivessem filiados. Como a
uniformização dos benefícios não foi seguida da unificação dos institutos, nem
significou a universalização da atenção à saúde para toda a população, o
resultado foi um aumento da irracionalidade na prestação de serviços, ao mesmo
tempo em que a população não previdenciária era mantida discriminada, não
podendo ser atendida na rede da previdência.
Por
força de sua lógica de resposta à demanda crescente por serviços de atenção
individual, a política previdenciária de saúde, a esta época, já apresentava
uma elevada concentração da rede própria nas grandes cidades do país, como
também o caráter exclusivamente curativo do modelo de atenção médica adotado.
A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
em 1966, pelo governo militar, unificando todas as instituições previdenciárias
setoriais, significou para a saúde previdenciária a consolidação da tendência
da contratação de produtores privados de serviços de saúde, como estratégia
dominante para a expansão da oferta de serviços. Progressivamente, foram
desativados e/ou sucateados os serviços hospitalares próprios da previdência,
ao mesmo tempo em que se ampliou o número de serviços privados credenciados
e/ou conveniados. O atendimento ambulatorial, no entanto, continuou como rede
de serviços próprios e expandiu-se neste período.
As conseqüências dessa política privatizante apareceram
rapidamente, erodindo a capacidade gestora do sistema e reforçando sua
irracionalidade. De um lado, a baixa capacidade de controle sobre os
prestadores de serviço contratados ou conveniados, já que cada paciente era
considerado como “um cheque em branco”, tendo a previdência que pagar as
faturas que lhe eram enviadas, após a prestação dos serviços. De outro, era
quase impossível um planejamento racional, já que os credenciamentos não
obedeciam a critérios técnicos mas sim a exigências políticas. Ao lado disso,
explodiam os custos do sistema, tanto em razão da opção pela medicina curativa,
cujos custos eram crescentes em função do alto ritmo de incorporação
tecnológica, quanto em razão da forma de compra de serviços pela previdência.
Realizada através das unidades de serviços (USs), que em geral valorizavam os
procedimentos mais especializados e sofisticados, a compra descentralizada era
especialmente suscetível a fraudes, cujo controle apresentava enorme
dificuldade técnica.
Anos 1970: expansão e crise do modelo
médico-previdenciário
A década de 1970 foi marcada por uma elevação constante da
cobertura do sistema, levando ao aumento da oferta de serviços
médico-hospitalares e, conseqüentemente, a uma pressão por aumento nos gastos.
Ao mesmo tempo, intensificaram-se os esforços de racionalização técnica e
financeira do sistema.
A expansão da cobertura deu-se tanto pela incorporação de
novos grupos ocupacionais ao sistema previdenciário (empregadas domésticas,
trabalhadores autônomos, trabalhadores rurais), quanto pela extensão da oferta
de serviços à população não previdenciária. A demanda crescente por serviços de
saúde assim ocasionada ocorria no bojo de um processo político de busca de
legitimação do regime militar que, principalmente a partir de 1974 com o II
Plano Nacional de Desenvolvimento, implementou um esforço de incorporação da
dimensão social em seu projeto de desenvolvimento econômico.
As tentativas de disciplinar a oferta de serviços de saúde,
através de mecanismos de planejamento normativo, como o Plano de Pronta Ação de
1974 e a Lei do Sistema Nacional de Saúde de 1975, não foram capazes de fazer
frente aos problemas apontados, já que se restringiam meramente a delimitar os
campos de ação dos vários órgãos provedores. Curiosamente, tais tentativas
disciplinadoras, além de apresentarem baixo impacto em termos de racionalização
da oferta, tinham o efeito paradoxal de expandi-la, já que propunham a remoção
de barreiras burocráticas para o atendimento médico, o que na prática
viabilizava o atendimento a clientelas não previdenciárias, representando uma
espécie de universalização branca do acesso.
A
criação do INAMPS, em 1977, deu-se num contexto de aguçamento de contradições
do sistema previdenciário, cada vez mais pressionado pela crescente ampliação
da cobertura e pelas dificuldades de reduzir os custos da atenção médica, em
face do modelo privatista e curativo vigente. A nova autarquia representou,
assim como o conjunto do Sinpas, um projeto modernizante, racionalizador, de
reformatação institucional de políticas públicas. Através de uma lógica
sistêmica, pretendeu-se simultaneamente articular as ações de saúde entre si e
estas com o conjunto das políticas de proteção social. No primeiro caso,
através do Sistema Nacional de Saúde; no segundo caso, através do Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social. Como componente simultâneo do SNS
e do Sinpas, esperava-se do INAMPS o cumprimento do papel de braço assistencial
do sistema de saúde e de braço da saúde do sistema de proteção social.
O
Sistema Nacional de Saúde foi criado pela Lei nº 6.229, de julho de 1975,
visando a superar a descoordenação imperante no campo das ações de saúde. O SNS
foi constituído pelo “complexo de serviços, do setor público e do setor
privado, voltados para ações de interesse da saúde... organizados e
disciplinados nos termos desta lei...”. Em relação à política pública de saúde,
esta lei atribuiu ao Ministério da Saúde a formulação da política, bem como a
promoção ou execução de ações voltadas para o atendimento de interesse
coletivo, enquanto o MPAS, através do INPS (depois INAMPS),
responsabilizava-se, principalmente, pelas ações médico-assistenciais
individualizadas.
Apesar de sua pretensa racionalidade sistêmica, tal projeto
jamais chegou a ter importância significativa na solução ou prevenção da crise
que se avizinhava. O Sistema Nacional de Saúde, na realidade, foi mais um
protocolo de especialização de funções do que um mecanismo de integração dos
dois principais órgãos responsáveis pela política de saúde. Embora fosse
atribuída ao Ministério da Saúde a função reitora na formulação da política de
saúde, na prática era o Ministério da Previdência e Assistência Social que, por
deter a maior parte dos recursos públicos destinados à área de saúde,
predominava na definição da linha política setorial.
Por
sua vez, o INAMPS, como o braço da saúde do Sinpas, teve suas ações
condicionadas ou limitadas pela disponibilidade dos recursos existentes, já que
os benefícios previdenciários, por sua natureza contratual, têm primazia na
alocação dos recursos do sistema. As despesas do INAMPS, que em 1976
correspondiam a 30% do orçamento da previdência social, em 1982 atingiram
apenas 20% do total, correspondendo a uma perda de 1/3 da participação nos
gastos.
Anos 1980 e a transição para a seguridade social
O INAMPS entrou, então, na década de 1980, vivendo o
agravamento da crise financeira e tendo de equacioná-la não simplesmente como o
gestor da assistência médica aos segurados da previdência, mas cada vez mais
como o responsável pela assistência médica individual ao conjunto da população.
Ou seja, a crise deveria ser enfrentada num contexto não apenas de extensão de
benefícios a alguns setores, mas de universalização progressiva do direito à
saúde e do acesso aos serviços.
O aumento de serviços e gastos, decorrentes dessa ampliação
de cobertura, teria de ser enfrentado num quadro de redução das receitas
previdenciárias, provocada pela política econômica recessiva que, desde 1977,
reduzia a oferta de empregos, a massa salarial e levava ao esgotamento das
fontes de financiamento baseadas na incorporação de contingentes de
contribuintes.
Nesse
quadro, a estratégia racionalizadora privilegiou, de um lado, o controle de
gastos via combate a fraudes e outras evasões, e de outro, a contenção da
expansão dos contratos com prestadores privados, passando a privilegiar o setor
público das três esferas governamentais.
Para o combate às fraudes, já havia sido criada no MPAS a
Empresa de Processamento de Dados da Previdência, a Dataprev, encarregada de
processar também as contas hospitalares. Através de instrumentos cada vez mais
sofisticados de controle, procurou-se reduzir o volume de fraudes, ainda que
tais mecanismos fossem incapazes de reduzir o custo da atenção prestada.
Na área da assistência médica, o esforço de adequar oferta e
demanda, sem aumentar o déficit financeiro da previdência, direcionou-se para o
estabelecimento de convênios com outros órgãos públicos de saúde, pertencentes
às secretarias de saúde, ao Ministério da Saúde ou às universidades públicas.
Além de prestar serviços a um custo inferior à rede privada, a forma de repasse
de recursos do INAMPS para os serviços públicos conveniados, via orçamento
global, permitia maior controle e planejamento dos gastos. Dessa forma, o
INAMPS inicia um processo de integração da rede pública que viria a culminar
com a dissolução das diferenças entre a clientela segurada e a não-segurada.
Em 1981, o agravamento da crise financeira da previdência
social provocou uma intensificação do esforço de racionalizar a oferta de
serviços, o que se deu acentuando a tendência anterior de integração da rede
pública de atenção à saúde.
O
marco inicial desse período é a criação do Conselho Consultivo de Administração
de Saúde Previdenciária (Conasp), através do Decreto nº 86.329/81. Composto por
notáveis da medicina, representantes de vários ministérios, dos trabalhadores e
dos empresários, o conselho recebeu a missão de reorganizar a assistência
médica, sugerir critérios de alocação de recursos no sistema de saúde,
estabelecer mecanismos de controle de custos e reavaliar o financiamento da
assistência médico-hospitalar. Estabeleceu então um conjunto de medidas racionalizadoras,
fixando parâmetros de cobertura assistencial e de concentração de consultas e
hospitalizações por habitante, além de medidas para conter o credenciamento
indiscriminado de médicos e hospitais (Portaria nº 3.046, de 20 de julho de
1982).
Os dois programas mais importantes do Conasp foram a
implantação do Sistema de Atenção Médico-Hospitalar da Previdência Social
(SAMHPS) e o das ações integradas de saúde (AISs): o primeiro, voltado para
disciplinar o financiamento e o controle da rede assistencial privada
contratada; o segundo, com a finalidade de revitalizar e racionalizar a oferta
do setor público, estabelecendo mecanismos de regionalização e hierarquização
da rede pública das três esferas governamentais, até então completamente
desarticuladas.
Enquanto o SAMHPS permitiu melhorar o controle institucional
sobre os gastos hospitalares, viabilizando maior racionalidade para planejar,
as AISs constituíram-se no principal caminho de mudança estratégica do sistema.
A partir deste último programa, o sistema caminhou progressivamente para a
universalização de clientelas, para a integração/unificação operacional das
diversas instâncias do sistema público e para a descentralização dos serviços e
ações em direção aos municípios.
Pode-se dizer então que, sob a pressão da crise financeira,
surgiu no interior da previdência e do INAMPS um processo de reforma que,
embora inicialmente movido pela necessidade da contenção financeira, se ampliou
e incorporou elementos de uma crítica estrutural ao sistema, seja pelo seu
caráter privatista, seja pelo seu caráter médico-hospitalocêntrico. Isso
ocorreu num quadro de perda crescente de legitimidade social e política do
sistema, em razão de sua ineficiência e baixa efetividade, viabilizando-se pela
presença de técnicos e intelectuais progressistas no interior da máquina
burocrática, inspirados nas propostas de eqüidade e expansão do direito à
saúde, então sintetizados no lema internacional da Saúde para Todos até o Ano
2000.
Embora as AISs fossem financeiramente um programa marginal do
INAMPS — em 1984, representavam 6,2% do orçamento, enquanto a rede privada
contratada recebia em torno de 58,3% —, foi através delas que se construiu uma
base técnica e se formularam os princípios estratégicos que resultaram nas
mudanças institucionais ocorridas no final da década. Na secretaria de
planejamento do INAMPS, encarregada de cuidar dos recursos financeiros e legais
da relação com estados e municípios, foram elaborados os instrumentos
precursores do que seria um planejamento nacional integrado das ações de saúde,
pactuado entre as três esferas governamentais. A chamada POI — Programação e
Orçamentação Integradas — teve um papel pioneiro na consideração dos estados e
municípios como co-gestores do sistema de saúde, e não simplesmente como
vendedores de serviços ao sistema federal. Embora freqüentemente atropelado
pelas limitações orçamentárias e pelas injunções da política clientelista, esse
instrumento de programação muito contribuiu para a mudança da cultura técnica
institucional.
As
AISs demarcaram também o início de um processo de coordenação
interinstitucional e de gestão colegiada entre as esferas de governo e entre os
órgãos setoriais do governo federal. A partir da Comissão Interministerial de
Planejamento e Coordenação (Ciplan), composta pelos ministérios da Previdência,
Saúde, Educação e, mais tarde, Trabalho, e das comissões interinstitucionais
estaduais, regionais e municipais (CIS, CRIS, CIMS etc.), consolidou-se um
espaço institucional de pactação de políticas, metas e recursos dos gestores
entre si e destes com os prestadores, e até mesmo com os usuários, já que, em
algumas dessas comissões, houve a participação de associações profissionais e
de moradores. Além do fato de que os representantes institucionais não dispunham
de autonomia decisória, já que a descentralização administrativa era ainda
incipiente, havia uma evidente assimetria de poder entre os parceiros, já que o
financiamento dos serviços se dava através de repasses financeiros do INAMPS
aos estados e municípios convenentes, com base na sua produção de serviços,
dentro de tetos orçamentários preestabelecidos de acordo com a capacidade
instalada.
O
advento da Nova República, em 1985, representou a derrota da solução ortodoxa
privatista para a crise da previdência e o predomínio de uma visão publicista,
comprometida com a reforma sanitária. O comando do INAMPS foi assumido pelo
grupo progressista, que tratou de disseminar os convênios das AISs por todo o
país, aprofundando seus aspectos mais inovadores. Os 130 municípios signatários
em março de 1985 passaram para 644 em dezembro e para 2.500 no final de 1986.
Este movimento de expansão das AISs, no biênio 1985-1986,
correspondeu ao período de maior efervescência dos debates sobre as formas de
organização das políticas sociais na Nova República, que terminaram por fazer
prevalecer a estratégia da descentralização de competências, recursos e
gerência relativos aos diversos programas setoriais. Expresso no I Plano
Nacional de Desenvolvimento da Nova República, o princípio da descentralização,
cuja implementação foi liderada pela saúde, ao mesmo tempo em que impulsionou e
fortaleceu o modelo de reorganização da assistência expresso pelas AISs,
colocou em xeque o próprio INAMPS: nele permanecia concentrado um amplo poder,
baseado principalmente no monopólio do relacionamento com o setor privado, que
continuava representando a maior parte tanto da oferta hospitalar quanto dos
recursos financeiros.
A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de
1986, alcançou grande representatividade e cumpriu o papel de sistematizar
tecnicamente e disseminar politicamente um projeto democrático de reforma
sanitária, dirigido à universalização do acesso, eqüidade no atendimento,
integralidade da atenção, unificação institucional do sistema,
descentralização, regionalização e hierarquização da rede de serviços, bem como
participação da comunidade.
Em julho de 1987, foram criados os sistemas unificados e
descentralizados de saúde (SUDS), através do Decreto nº 95.657. Os debates e iniciativas
de reorganização do pacto federativo no país, assim como os resultados
eleitorais de novembro de 1986, criaram o clima favorável a essa medida que
apontava os estados e municípios como os gestores do futuro sistema de saúde. A
exposição de motivos conjunta dos ministros da Saúde e da Previdência é
explícita quanto ao propósito de consolidar e desenvolver qualitativamente e
quantitativamente as AISs, reforçando suas características básicas
(descentralização, gestão colegiada e participativa e integração de recursos)
como pontos de agregação para o novo sistema, a ser formalmente “unificado e
descentralizado”. Sacramentava o compromisso com a democratização do acesso aos
serviços de saúde, superando as categorias diversificadas de cidadãos e reorganizando
a rede sob padrões técnicos apropriados.
O
programa dos SUDSs representou a extinção legal da idéia de assistência médica
previdenciária, redefinindo as funções e atribuições das três esferas gestoras
no campo da saúde, reforçando a descentralização e restringindo o nível federal
apenas às funções de coordenação política, planejamento, supervisão,
normatização, regulamentação do relacionamento com o setor privado. Quanto ao
INAMPS, estabelece a progressiva transferência aos estados e municípios de suas
unidades, recursos humanos e financeiros, atribuições de gestão direta e de
convênios e contratos assistenciais, e sua completa reestruturação para cumprir
funções de planejamento, orçamentação e acompanhamento. É preconizada uma
redução drástica em sua estrutura e no seu quadro de pessoal, tanto no nível da
direção geral, que foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília, quanto no
das superintendências regionais.
A nova Constituição Federal, promulgada a 3 de outubro de
1988, instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), cuja formatação final e
regulamentação ocorreram mais tarde através das leis nºs 8.080 e 8.142, ambas de 1990.
O ano de 1989, entretanto, junto com o retrocesso político
ocasionado pelo fracasso de sucessivos planos econômicos de combate à inflação,
assistiu a um recrudescimento das resistências do setor privado e da burocracia
federal à dissolução das atribuições e dos recursos do INAMPS nas esferas
estadual e municipal. O grupo progressista foi deslocado do comando do órgão,
onde grupos conservadores estabeleceram uma última trincheira pela preservação
de sua estrutura e funções. A ausência de um projeto claro de restauração do
sistema anterior, assim como o crescente peso político de novos atores na arena
setorial, como os secretários municipais e estaduais de saúde, organizados em
entidades nacionais (Conasems e Conass), fez com que tais resistências tivessem
pouco fôlego.
Em 7 de março de 1990, na última semana do governo Sarney, o
INAMPS foi finalmente transferido do Ministério da Previdência e Assistência
Social para o Ministério da Saúde, através do Decreto nº 99.060. A partir daí,
a presidência da autarquia passou a ser exercida pelo secretário de Assistência
à Saúde do Ministério da Saúde, numa progressiva diluição de sua identidade
institucional. O processo de formatação e operacionalização do SUS nos estados
e municípios, através das normas operacionais básicas de 1991 e de 1993, que
formalizaram a transferência da gestão da saúde a essas esferas governamentais,
tem nas comissões intergestoras tri e bipartites o espaço institucional de
distribuição pactuada de recursos e atribuições entre os níveis federal,
estadual e municipal.
A extinção legal do INAMPS, ocorrida em julho de 1993, deu-se
de forma quase natural, como conseqüência de seu desaparecimento orgânico e
funcional no emergente Sistema Único de Saúde.
Sônia
Fleury/Antônio Ivo de Carvalho
FONTES: CORDEIRO,
H. Sistema; GUIMARÃES, R. & TAVARES, R. Saúde; OLIVEIRA, J.
& TEIXEIRA, S. Previdência.