JACAREACANGA,
Revolta de
Rebelião militar que se estendeu de 10 a 29 de fevereiro de
1956, liderada pelo major Haroldo Veloso e pelo capitão José Chaves Lameirão,
ambos oficiais da Aeronáutica. Sediados na base aérea de Jacareacanga, no Pará,
os rebeldes lograram manter sob seu controle por alguns dias a cidade de
Santarém e mais três pequenos povoados. A revolta consistiu, em essência, num
teste à autoridade do governo de Juscelino Kubitschek, que fora inaugurado em
31 de janeiro de 1956 e enfrentava a aberta hostilidade de grande parte da
oficialidade da Aeronáutica e da Marinha.
Antecedentes
A Revolta de Jacareacanga foi uma manifestação de
descontentamento com a situação criada pelo Movimento do 11 de Novembro de 1955
no meio militar. Nessa data, o presidente interino Carlos Luz fora
destituído pelo general Henrique Lott, ministro da Guerra demissionário, sob a
acusação de estar envolvido com civis e militares que pretendiam impedir a posse
de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Eleitos presidente e vice-presidente da
República em 3 de outubro de 1955, Juscelino e Goulart representavam para seus
adversários o retorno do getulismo ao poder.
A ala militar vitoriosa em novembro era chefiada pelo general
Lott que, à frente do Ministério da Guerra, constituiu o principal sustentáculo
na área militar ao governo Kubitschek. Os militares derrotados — grande parte
da oficialidade da Aeronáutica e da Marinha e um setor minoritário do Exército
— temiam ser prejudicados, como efetivamente o foram, na escala de promoções,
ou seja, “no acesso a comandos e outros direitos e regalias da vida militar”.
Na Força Aérea, um pequeno grupo de oficiais mais exaltados opunha-se
firmemente à permanência do brigadeiro Vasco Alves Seco, homem ligado a Lott, à
frente do Ministério da Aeronáutica.
A tomada de Jacareacanga
Na
noite de 10 de fevereiro de 1956, o major Veloso e o capitão Lameirão se
apoderaram de um caça AT-11 carregado de armas e explosivos e partiram do Campo
dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Depois de fazer escala na base de Cachimbo, o
avião aterrissou em Jacareacanga, no sul do Pará. Lá foi instalado o
quartel-general dos rebeldes e começaram a se organizar batalhões improvisados
de índios e seringueiros, conhecidos de Veloso desde 1949, quando o major
estivera pela primeira vez na região.
O
objetivo de Veloso, principal líder da revolta e profundo conhecedor da
Amazônia, era controlar pontos estratégicos do interior do Brasil e desse modo
forçar um ataque de tropas lideradas por oficiais fiéis a Kubitschek. Essa
reação, segundo os cálculos de Veloso, deveria levar os militares que se
opunham ao presidente a pegar em armas contra o governo. Um elemento essencial
para o êxito do plano dos rebeldes era a tomada de Santarém, cidade localizada
às margens do rio Tapajós e segundo centro urbano do estado do Pará.
No Rio, o ministro Vasco Seco, em nota à imprensa, afirmou
que o episódio não significava uma rebelião, mas apenas “um ato de indisciplina
pessoal de dois oficiais que serão rigorosamente punidos”. Por outro lado, os
aviões enviados de Belém para capturar os rebeldes não conseguiram aterrissar
em Jacareacanga porque a pista de pouso da base fora ocupada por galões
contendo gasolina.
No dia 16 de fevereiro, o movimento ganhou a adesão do major
Paulo Vítor da Silva, engenheiro de rotas do Departamento de Aviação Civil
(DAC) e amigo pessoal de Veloso e Lameirão. Encarregado de reprimir a revolta
pelo brigadeiro Antônio Alves Cabral, comandante da I Zona Aérea, sediada em
Belém, Paulo Vítor partiu de Belém com destino a Jacareacanga a bordo de um
Douglas C-47, que transportava 20 homens e armamentos. Chegando a Jacareacanga,
Paulo Vítor passou-se para o lado rebelde.
Os três sublevados usaram o C-47 para transportar os
batalhões improvisados para Itaituba e Belterra, pequenas localidades ao sul de
Santarém que foram logo ocupadas. A população de Santarém aderiu à rebelião e
em pouco tempo o aeroporto da cidade estava em poder de elementos favoráveis à
revolta. Em 19 de fevereiro, Santarém, Belterra, Itaituba e Cachimbo, além de
Aragarças, encontravam-se em poder dos rebeldes. Os vôos comerciais para essa
parte do Brasil foram suspensos por ordem do governo.
No
dia anterior, os ministros militares Lott, Vasco Seco e o ministro da Marinha,
Antônio Alves Câmara Júnior — haviam decidido que as forças armadas efetuariam
uma operação conjunta para acabar com a revolta. Os soldados enviados a Belém
seriam transportados em um navio da Marinha para Santarém. Caberia aos efetivos
do Exército a tarefa de ocupar a cidade e a pára-quedistas da Aeronáutica a de
reconquistar o aeroporto. O comando da operação ficou a cargo do brigadeiro
Antônio Alves Cabral.
A
decisão dos ministros provocou imediata reação. No Campo dos Afonsos, 40
oficiais da Aeronáutica recusaram-se a participar da repressão à rebelião de
Jacareacanga. Todos eles foram presos. Em Salvador, o comandante do esquadrão
aéreo e 15 oficiais foram detidos por insubordinação. O comandante da Base
Aérea de Fortaleza e seu assessor foram presos por se recusarem a mandar aviões
para bombardear as bases rebeldes. O capitão da Marinha Edir Rocha, diretor do
Serviço de Navegação Amazônica e Administração do Porto do Pará (SNAPP — órgão
ao qual pertencia o navio Presidente Vargas, escolhido para levar os soldados
para Santarém — renunciou ao cargo. Rocha enviou um telegrama ao presidente
Kubitschek, recusando-se a cumprir “aquela odiosa missão”, sendo por isso
detido.
O Presidente Vargas partiu de Belém em 21 de fevereiro com
450 homens a bordo. Enquanto o navio começava a subir o rio
Amazonas, aviões do governo fizeram vários vôos com o objetivo de alvejar as
posições rebeldes, sem contudo causar vítimas. No entanto, depois que um grande
avião anfíbio da FAB atirou sobre o aeroporto de Santarém, o major Veloso
enviou uma mensagem a Alves Cabral, advertindo que o edifício do aeroporto
abrigava civis, inclusive mulheres.
O fim da revolta
O
navio Presidente Vargas chegou a Santarém na manhã de 24 de fevereiro. Na mesma
ocasião, o aeroporto da cidade foi ocupado por aviões militares que
imediatamente iniciaram vôos sobre Jacareacanga. Garantindo o controle de
Santarém, as tropas legalistas, comandadas pelo tenente-coronel aviador Hugo
Delayte, iniciaram a perseguição a Veloso, que 48 horas antes havia deixado a
cidade, seguindo para o sul. Em 26 de fevereiro, Itaituba foi retomada pelos
soldados do governo.
No dia 28, com os rebeldes limitados a Jacareacanga, o
brigadeiro Cabral exigiu a rendição imediata da base, ameaçando bombardeá-la.
Divulgada a notícia de que Cabral pretendia bombardear o quartel-general
rebelde, o brigadeiro Antônio Guedes Muniz enviou-lhe do Rio um telegrama,
responsabilizando-o pela morte eventual de “índios, trabalhadores civis e suas
famílias” e fazendo severas críticas ao governo. Esse telegrama valeu a Guedes
Muniz dez dias de prisão. Anteriormente, outros militares sabidamente
contrários a Juscelino já haviam sido punidos por suas declarações. O almirante
Carlos Pena Boto, presidente da Cruzada Brasileira Anticomunista, recebeu dez
dias de detenção por seus ataques ao governo Kubitschek a propósito de
Jacareacanga. O almirante Edmundo Jordão Amorim do Vale, ministro da Marinha do
governo Café Filho, foi punido com prisão domiciliar por ter declarado que Juscelino
e Goulart não tinham o direito de ocupar os postos que ocupavam.
O ataque final a Jacareacanga ocorreu em 29 de fevereiro;
Veloso foi preso e enviado para Belém a bordo do Presidente Vargas Lameirão,
Paulo Vítor e o sargento João Gunther deixaram Jacareacanga poucas horas antes
da captura de Veloso, partindo no C-47 para a Bolívia, onde obtiveram asilo.
Entretanto, o presidente Kubitschek estava preocupado em
governar em uma atmosfera de distensão, sem focos de oposição. Dentro dessa
perspectiva obteve do Congresso a concessão de uma anistia “ampla e irrestrita”
para todos os civis e militares acusados de terem cometido “atos
revolucionários” entre 10 de novembro de 1955 e 1º de março de 1956, incluindo
assim os rebeldes de Jacareacanga.
Sérgio Lamarão
FONTES: CARNEIRO,
G. História; DULLES, J. Unrest.