JORNAL,
O
Jornal carioca diário fundado em 17 de julho de 1919 por
Renato de Toledo Lopes. Cinco anos após sua fundação, foi adquirido por
Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, tornando-se o primeiro elo e
o órgão líder da cadeia dos Diários Associados. Foi extinto em abril de 1974.
Toledo Lopes, anteriormente vinculado à política, na época da
fundação de O Jornal era diretor da edição vespertina do Jornal do Comércio. Em
função de uma desavença com a direção geral desse órgão, demitiu-se para fundar
uma folha própria, cujo título constituía já uma provocação: o Jornal do
Comércio era também conhecido como “o jornal”.
O
Jornal pretendia marcar sua atuação pela “independência e austeridade”,
dedicando-se a assuntos literários e científicos. Para compor sua redação foi
reunido um grupo em sua maioria estranho à imprensa, do qual faziam parte
Arrojado Lisboa, engenheiro e diretor da Central do Brasil, João Lopes,
ex-presidente da Câmara Federal, Bertino de Miranda, Alceu Amoroso Lima, Manuel
Amoroso Costa, Vladimir Bernardes, Belarmino Austregésilo de Ataíde e Vitorino
de Oliveira. Desse grupo, apenas Vitorino de Oliveira era jornalista
profissional.
O novo periódico permaneceu nas mãos de Toledo Lopes até 2 de
outubro de 1924, quando foi vendido a Assis Chateaubriand. Durante esse período
inicial, assumiu quase sempre o que Austregésilo de Ataíde chama de “posições
moderadas e oficiais”. O caráter situacionista do jornal não o impediu contudo
de apoiar em 1922 a Reação Republicana, movimento liderado por grupos
oligárquicos dissidentes, tendo à frente Nilo Peçanha, que combatia a
candidatura oficial de Artur Bernardes à sucessão de Epitácio Pessoa na
presidência da República.
Do momento em que O Jornal passou às mãos de seu novo
proprietário, foi iniciada uma campanha contra o governo de Artur Bernardes,
considerado de cunho nacionalista. Tendo já uma visão econômica definida, o
periódico defendia o favorecimento do capital estrangeiro e, em escala mais
ampla, o antinacionalismo. De modo geral, todos os movimentos contra o governo
eram apoiados por Chateaubriand. Data desse momento a intensa campanha movida
contra O Jornal pelo periódico governista O Mundo, de propriedade de Geraldo
Rocha.
O
oposicionismo de O Jornal fê-lo aproximar-se do movimento tenentista, principal
foco de oposição à estrutura política da República Velha. Mesmo após as
revoltas abortadas de 1922 e 1924, os “tenentes” prosseguiam em sua luta pela
“regeneração nacional” e pela “modernização”. No final do governo de Washington
Luís, a posição de O Jornal levou-o a apoiar com entusiasmo a articulação dos
estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba visando à formação da
Aliança Liberal.
Apoiando
a candidatura aliancista de Getúlio Vargas à presidência da República, O Jornal
— segundo Austregésilo de Ataíde — teve sua sede várias vezes visitada por
este, que conspirava com Chateaubriand contra Washington Luís. O periódico deu
grande destaque à Revolta de Princesa, deflagrada na Paraíba em fevereiro de
1930 contra o presidente estadual João Pessoa, também candidato à
vice-presidência da República na chapa de Getúlio. No mês de julho, o jornal
acusou formalmente o governo federal de responsável pelo assassinato de João
Pessoa. Finalmente, no mês de outubro, O Jornal deu total apoio à Revolução de
1930.
Entretanto,
pouco tempo depois da instalação do Governo Provisório de Getúlio Vargas,
começaram a surgir divergências entre O Jornal e a situação. Chateaubriand,
ligado ao grupo integrado por Lindolfo Collor, Batista Luzardo e Raul Pilla,
clamava pela rápida reconstitucionalização do país, temendo o estabelecimento
de um governo ditatorial. Dentro dessa perspectiva, O Jornal apoiou a Revolução
Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Essa atitude resultou — por
instigação de João Alberto Lins de Barros — no confisco da sede e da maquinaria
do periódico e no exílio de Chateaubriand. Na sede de O Jornal passou a ser
impressa uma folha governista, intitulada A Nação.
Em fins de 1933, de volta ao Brasil, Chateaubriand conseguiu
reaver seu jornal e passou a direção geral a seu sogro, Zózimo Barroso do
Amaral. Segundo Austregésilo de Ataíde, Zózimo B. do Amaral era governista, e
sua presença à frente de O Jornal representou uma tentativa de reconciliação de
Chateaubriand com Vargas. A partir desse momento, a oposição do jornal ao
governo tornou-se mais moderada. Para o arrefecimento da oposição de O Jornal a
Vargas contribuiu também o andamento dos trabalhos da Assembléia Nacional
Constituinte, instalada em novembro de 1933. Chateaubriand aproximou-se então
da ala mais conservadora da política getulista, estabelecendo contato com os
irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco, entre outros. O compromisso com
a facção conservadora do governo fez com que O Jornal desencadeasse violenta
campanha contra a Aliança Nacional Libertadora e seu líder Luís Carlos Prestes,
e contra a Revolta Comunista de 1935. O periódico mostrou-se por outro lado
favorável às reivindicações integralistas.
Quando da abertura da questão sucessória ao final do mandato
constitucional de Getúlio Vargas, O Jornal apoiou a candidatura oposicionista
de Armando de Sales Oliveira à presidência da República, nas eleições previstas
para 1938, opondo-se ao candidato oficial José Américo de Almeida.
Após
o golpe de 10 de novembro de 1937, que instaurou o Estado Novo, O Jornal passou
a sofrer rigoroso controle por parte do governo, sendo forçado a apoiar Vargas
para sobreviver. Segundo o próprio Assis Chateaubriand, “era necessário
atravessar um túnel, na esperança de que o futuro abrisse perspectivas para a
restauração de um regime democrático”.
Com o fim do Estado Novo e o início da redemocratização, O
Jornal apoiou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da
República, lançada pela União Democrática Nacional (UDN). Não obstante, o
periódico deu apoio às principais medidas do governo do general Eurico Dutra,
candidato vitorioso do Partido Social Democrático (PSD).
No momento da sucessão de Dutra (1950), considerando que a
situação se havia alterado e que Eduardo Gomes não teria mais uma vez condições
de se eleger presidente, O Jornal deu discreto apoio à candidatura de Getúlio
Vargas. Seguindo depoimento de Austregésilo de Ataíde, na época redator-chefe
do jornal, teria sido o próprio Chateaubriand o promotor da candidatura Vargas,
enviando à estância gaúcha onde este se encontrava o jornalista Samuel Wainer,
com a missão de obter uma série de entrevistas sensacionalistas aventando a
hipótese de sua volta ao poder. Além disso, ainda segundo a mesma fonte, O
Jornal não se identificava plenamente naquele momento com os pressupostos da
UDN. Chateaubriand consideraria os udenistas como “um grupo de idealistas pouco
afeito à consideração dos problemas econômicos, sociais e políticos da nação em
sua realidade”.
Iniciado o segundo governo Vargas, entretanto, as
divergências logo vieram à tona. Chateaubriand considerava impossível, tanto do
ponto de vista econômico como financeiro e técnico, o ingresso do Brasil na
exploração petrolífera sem auxílio externo. Através de O Jornal, eram
recordados exemplos de países desenvolvidos, como o Canadá, que utilizavam o
capital estrangeiro para desenvolver sua economia. Para Chateaubriand, os
investimentos externos deveriam financiar não só a prospecção do petróleo, como
também a construção de portos, ferrovias e rodovias.
Por
fim, na última fase do governo Vargas, O Jornal já se encontrava alinhado nas
fileiras da oposição. Por ocasião do atentado da Toneleros (5/8/1954), no qual
foi ferido o líder oposicionista Carlos Lacerda e perdeu a vida o major-aviador
Rubens Vaz, e do subseqüente inquérito policial militar instaurado pela
Aeronáutica na base aérea do Galeão, o periódico já se encontrava firmemente
vinculado à UDN.
Após
a morte de Vargas (24/8/1954), O Jornal apoiou o governo do vice-presidente
João Café Filho, que se cercou de quadros udenistas. O periódico justificou
esse apoio declarando que naquele momento “as forças democráticas não deveriam
manter um clima divisionista”. Entretanto, quando o general Henrique Teixeira
Lott, em 11 de novembro de 1955, depôs o presidente interino Carlos Luz para
garantir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, O Jornal mais uma
vez se afastou da UDN, apoiando o movimento legalista.
Durante
o governo Kubitschek, O Jornal assumiu atitudes contraditórias, apoiando apenas
as medidas governamentais que considerava “de interesse nacional”. Nesse
período, Assis Chateaubriand foi eleito senador pelo Maranhão na legenda do PSD
e foi também embaixador do Brasil em Londres. A construção de Brasília foi
vista por O Jornal ao mesmo tempo como possível deflagradora de um processo
inflacionário e como “uma abertura para o oeste e um núcleo político e social
no centro do país”.
No final do mandato de Juscelino, O Jornal apoiou a
candidatura do marechal Henrique Lott à presidência da República, lançada pelo
PTB. O candidato udenista Jânio Quadros era considerado portador de qualidades
políticas negativas, evidenciadas durante sua gestão no governo de São Paulo.
As primeiras medidas do governo de Jânio Quadros foram
recebidas com cautela por O Jornal. A política externa independente
adotada e a condecoração concedida ao ministro cubano Ernesto “Che” Guevara
foram atacadas com veemência. Jânio estaria conduzindo o país a uma “ordem de
preocupação internacional” incompatível com “nossas responsabilidades
históricas no continente e no mundo”.
A
renúncia de Jânio foi considerada como um “ato manhoso”, através do qual o
ex-presidente estaria procurando ser reconduzido ao poder por um movimento
popular. O Jornal entreviu na medida o primeiro passo para a instalação de um
governo ditatorial e autoritário.
O Jornal defendeu em seguida a posse do vice-presidente João
Goulart e opôs-se à adoção do parlamentarismo, regime que vigorou no país de
setembro de 1961 a janeiro de 1963. A volta ao presidencialismo foi
inteiramente apoiada pelo periódico.
Segundo Austregésilo de Ataíde, embora não houvesse
hostilidade de O Jornal contra Goulart, à direção do órgão desagradava a
“anarquia de esquerda” permitida pelo presidente, “um joguete na mão dos
pelegos”. O periódico opôs-se violentamente às reformas de base propostas pelo
Executivo e com o tempo passou a considerar o governo Goulart como “corrosivo à
ordem constitucional”.
Assim, O Jornal deu firme apoio ao movimento político-militar
de março de 1964, recebendo com aplausos o marechal Humberto de Alencar Castelo
Branco na presidência da República. No final do governo Castelo Branco,
entretanto, Chateaubriand desentendeu-se com o presidente. O proprietário dos
Diários Associados havia promovido a campanha “Dê ouro para o bem do Brasil”,
destinada a sanar os problemas financeiro da nação. O montante arrecadado
permanecera sob custódia do governo. Em dado momento, Chateaubriand pedira ao
presidente que lhe fosse entregue o resultado da campanha, para que pudesse
realizar uma “obra de interesse nacional”. Castelo Branco recusara o pedido,
passando a sofrer a oposição de O Jornal.
O Jornal apoiou os governos seguintes do marechal Artur da
Costa e Silva e do general Garrastazu Médici, mas acabou por fechar suas portas
em abril de 1974, em conseqüência das péssimas condições financeiras em que se
encontrava, resultado da má administração dos últimos anos.
Carlos Eduardo Leal
FONTES: ENTREV.
ATAÍDE, B.; Jornal; Veja (1/5/74).