JUSTIÇA
DO TRABALHO
A
Constituição Federal de 1988 se incumbe, em seu artigo 114, de lhe dar o
conceito: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes
de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos
municípios, do Distrito Federal, dos estados e da União, e, na forma da lei,
outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios
que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive
coletivas.”
Trata‑se de uma justiça especial, ramo especializado do
Poder Judiciário (art. 92, IV, da Constituição), instituída para conhecer toda
e qualquer espécie de conflito de trabalho, individual ou coletivo, que se
manifeste entre empregado e empregador. Para poderem estar em juízo torna‑se
necessário que as partes provem que são entre si empregado e empregador, isto
é, que são vinculadas por uma relação de emprego. Não provando alguém que é
empregado subordinado de outrem, vê‑se desde logo julgado como carecedor
de ação, incompetente a justiça para o seu pedido.
Embora
nem todos os povos disponham de uma justiça especial em todos os seus graus,
cingindo‑se alguns a processos especiais perante os tribunais comuns,
origina‑se a Justiça do Trabalho da autonomia mesma do direito do
trabalho material. Para um direito especial, autônomo, uma justiça também
especial, autônoma. Numa reação circular, a especificidade de um fortalece a
especificidade da outra e nela se fortalece.
Histórico
Costumam
os autores dar como marco inicial da Justiça do Trabalho no mundo contemporâneo
a reabertura, por Napoleão, dos conseils de prud’hommes na cidade de
Lyon em 1806, com a incumbência de dirimir os graves litígios que estavam
ocorrendo entre operários e patrões. Mais tarde reformados, a partir de 1848,
passaram a órgãos paritários e permanentes, constituídos de empregados e
empregadores. Da França irradiaram‑se para todo o mundo, sendo também
admitidos na Itália, com o nome de consigli di probiviri, na última
década do século XIX, mais tarde transformados na Magistratura del Lavoro.
Consistiu a Justiça do
Trabalho em toda a parte na institucionalização dos conflitos de trabalho,
notadamente dos coletivos, pelas tensões que tais conflitos geram na sociedade
— greve, lockout com todas as seqüelas e repercussões sobre a
organização social e a produção econômica. Instituíram‑se então no início
da última década do século XIX as comissões permanentes de conciliação e
arbitragem para esses conflitos. Surpreendido, a princípio, pela luta operária
e suas formas de realização, o capitalismo criou os canais competentes para sua
solução, institucionalizando o conflito como próprio e inerente ao sistema.
No Brasil, coube ao
governo de Washington Luís inaugurar no estado de São Paulo — pela Lei Estadual
nº 1.869, de 12 de dezembro de 1922, regulamentada pelo Decreto nº 3.548, de 12
de dezembro do mesmo ano — os primeiros organismos de uma autêntica Justiça do
Trabalho, os chamados Tribunais Rurais. Compunham‑se esses tribunais do
juiz da comarca, como presidente, e de dois outros membros, brasileiros natos
ou naturalizados. Podiam conhecer de questões no valor de alçada até quinhentos
mil réis, decorrentes da interpretação e execução dos contratos de locação de
serviços agrícolas.
No plano
federal, a primeira grande manifestação consistiu na instituição — pelo
Decreto nº 16.027, de 30 de abril de 1923 — do Conselho Nacional do Trabalho,
com diversas funções tecnoburocráticas de trabalhos e providência, funcionando
como instância recursal nos inquéritos administrativos quando da apuração de
falta grave cometida por empregado com mais de dez anos de serviço nas empresas
ferroviárias.
Mais tarde, em 12 de maio
de 1932, pelo Decreto nº 21.396, criaram‑se as comissões mistas de
conciliação, compostas de três representantes de empregados e três de
empregadores, sob a presidência de um bacharel em direito, com funções
meramente conciliatórias em dissídios coletivos de trabalho. Em 25 de novembro
do mesmo ano, pelo Decreto nº 22.132, instituíram‑se as juntas de
conciliação e julgamento, constituídas de dois vogais, um de empregado e outro
de empregador, sob a presidência de um funcionário bacharel em direito, para os
dissídios individuais de trabalho, com poderes conciliatórios e judicantes, com
recurso de avocatória para o ministro do Trabalho.
Voltando
o país ao regime de Estado de direito, a Constituição de 1934 instituiu a
Justiça do Trabalho (art. 122) para dirimir questões entre empregados e
empregadores, regidas pela legislação social. A Carta de 1937 manteve o mesmo
mandamento (art. 139). Com as comissões e as juntas em pleno funcionamento,
inaugurou‑se, finalmente, a Justiça do Trabalho em 1º de maio de 1941, em
cumprimento ao que dispunham o Decreto‑Lei nº 1.237, de 2 de maio de
1939, e o Decreto nº 6.596, de 12 de dezembro de 1940.
As
constituições posteriores, a de 1946 (art. 122) e a de 1967, como sua Emenda nº
1 de 1969 (arts. 141/143) mantiveram os mandamentos anteriores, enquanto a
atual de 1988 (arts. 111 a 117) determinou a criação de um Tribunal Regional do
Trabalho em cada estado e no Distrito Federal (art. 112) e ampliou a sua
competência para julgar dissídios com a administração pública direta e
indireta. O parágrafo primeiro do art. 112 da Carta Magna admitiu, no entanto,
a eleição de árbitros no caso de frustrada a negociação coletiva.
Organização judiciária do
trabalho
Compõe‑se
a Justiça do Trabalho dos seguintes órgãos: o Tribunal Superior do Trabalho
(TST), com sede em Brasília, os tribunais regionais do trabalho, e os juízes do
trabalho. Nas comarcas onde não existirem varas do trabalho, sua jurisdição é
atribuída aos juízes de direito locais.
Para
efeito da jurisdição dos tribunais regionais, o território nacional é dividido
nas seguintes 24 regiões: 1ª Região — estado do Rio de Janeiro; 2ª Região —
estado de São Paulo (ver Leis nºs 7.520, de 1986, 9.254, de 1996, e 9.697, de
1998), 3ª Região — estado de Minas Gerais; 4ª Região — estado do Rio Grande do
Sul; 5ª Região — estado da Bahia; 6ª Região — estado de Pernambuco; 7ª Região —
estado do Ceará; 8ª Região — estados do Pará e do Amapá; 9ª Região — estado do
Paraná (ver Lei nº 6.241, de 1975); 10ª Região — Distrito Federal (ver Lei
nº 6.927, de 1981); 11ª Região — estados do Amazonas e Roraima (ver Lei nº
6.915, de 1981); 12ª Região — estado de Santa Catarina (ver Lei nº 6.928, de
1981); 13ª Região — estado da Paraíba (ver Lei nº 7.324, de 1985); 14ª
Região — estados de Rondônia e Acre (ver Lei nº 7.523, de 1986); 15ª Região —
estado de São Paulo (área não abrangida pela jurisdição estabelecida na 2ª
Região) (ver leis nºs 7.520, de 1986, 9.254, de 1996, e 9.698, de 1998); 16ª
Região — estado do Maranhão (ver Lei nº 7.671, de 1988); 17ª Região — estado do
Espírito Santo (ver Lei nº 7.872, de 1989); 18ª Região — estado de Goiás (ver
Lei nº 7.873, de 1989); 19ª Região — estado de Alagoas (ver Lei nº 8.219, de
1991); 20ª Região — estado de Sergipe (ver Lei nº 8.233, de 1991); 21ª Região —
estado do Rio Grande do Norte (ver Lei nº 8.215, de 1991); 22ª Região — estado
do Piauí (ver Lei nº 8.221, de 1991); 23ª Região — estado do Mato Grosso (ver
Lei nº 8.430, de 1992); 24ª Região — estado do Mato Grosso do Sul (ver Lei nº
8.431, de 1992).
Originariamente,
a Justiça do Trabalho era de composição paritária em todos os seus órgãos,
razão pela qual havia em cada um deles representação equivalente de empregados
e empregadores, independente de seus juízes togados. Com a Emenda
Constitucional nº 24, de 1999, as varas de trabalho passam a ser compostas de um
único magistrado, cujo ingresso se dá mediante concurso público, enquanto os
tribunais regionais são constituídos da seguinte forma: 1ª Região — 36 juízes;
2ª Região — 42 juízes; 3ª Região — 24 juízes; 4ª Região — 24 juízes; 5ª Região
— 19 juízes; 6ª Região — 12 juízes; 7ª Região — seis juízes; 8ª Região — 15
juízes, 9ª Região — 18 juízes, 10ª Região — 11 juízes, 11ª Região — seis
juízes; 12ª Região — 12 juízes; 13ª Região — seis juízes; 14ª Região — seis
juízes; 15ª Região — 24 juízes; 16ª Região — seis juízes; 17ª Região — seis
juízes; 18ª Região — seis juízes; 19ª Região — seis juízes; 20ª Região — seis
juízes; 21ª Região — seis juízes; 22ª Região — seis juízes; 23ª Região — seis
juízes; e 24ª Região — seis juízes.
Nos
termos do art. 94 da Constituição Federal, haverá uma proporcionalidade de
advogados e membros do Ministério Público na composição dos Tribunais. O
Tribunal Superior do Trabalho, por seu turno, é composto por 17 ministros, dos
quais 11 escolhidos entre juízes de carreira da magistratura trabalhista, três
entre advogados e três entre membros do Ministério Público do Trabalho.
Compete à
Justiça do Trabalho, quanto às pessoas, dirimir litígios entre empregados e
empregadores, desde que, quanto à matéria, sejam suas relações reguladas na
legislação social. A sua jurisdição é federal, abrangendo todo o território
nacional. Por disposição constitucional, errônea, continuam os acidentes do
trabalho na justiça comum.
Processo trabalhista
Por ser
particularista e especial, embora de maneira alguma independente nem isolado, o
direito processual do trabalho apresenta alguns princípios próprios que o
caracterizam, os quais podem ser aqui sumariamente enumerados: oralidade,
pessoalidade, imediação, concentração, inquisitoriedade, conciliação,
irrecorribilidade das interlocutórias, poder normativo nas sentenças coletivas
e ausência de coisa julgada nos dissídios coletivos. Goza o juiz trabalhista de
particular arbítrio, sendo‑lhe permitido dar o impulso processual nos
momentos decisivos da lide, podendo agir de ofício em numerosos casos — nas
provas, nas custas, na execução. Ao contrário do tradicional princípio
dispositivo, não fica aqui o juiz adstrito à iniciativa das partes, como um
fantoche, na conhecida imagem de Menger.
A ação
poderá ser proposta por escrito ou verbalmente, podendo as partes exercer todos
os atos do processo por si mesmas, independente de advogados. As audiências são
públicas, sendo obrigatória a proposta de conciliação pelo juiz em duas
oportunidades: antes do início da instrução e logo depois de encerrada esta,
antes da sentença.
Como o
artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) admite a aplicação
subsidiária do direito processual comum, em tudo em que não for incompatível
com o direito processual do trabalho, é totalmente aceito a aplicação dos
mecanismos previstos nos artigos 273 e 461 do CPC para a tutela antecipada e
específica dos direitos trabalhistas.
Admite a CLT os seguintes
recursos: ordinário, revista, embargos e agravo. O prazo de todos eles foi
uniformizado para oito dias, por força da Lei nº 5584, de 26 de junho de 1970.
0 recurso ordinário cabe das decisões definitivas de primeira instância para o
tribunal regional. A revista cabe das decisões do regional para uma das turmas
do Tribunal Superior, desde que preenchidos um ou ambos os requisitos da
preliminar de conhecimento: a) divergência jurisprudencial; ou b) violação de
literal disposição de lei ou de sentença normativa. Versa somente matéria de
direito, não transformando o Tribunal Superior em terceira instância ordinária.
Com a nova redação do artigo 896 da CLT, dada pela Lei nº 9.756, de 17 de
dezembro de 1998, o recurso de revista é dotado de efeito meramente devolutivo.
O agravo pode ser de
instrumento ou de petição. Cabe o primeiro em qualquer caso em que seja
denegado cabimento ou recebimento de recurso interposto. O segundo cabe somente
na execução. Embargos cabem em duas oportunidades, além, é claro, dos simples
embargos de declaração: a) das decisões das turmas do Tribunal Superior para o
mesmo tribunal pleno, quando proferidas contra a letra da lei federal ou
divergentes entre si ou das decisões daquele tribunal; b) na execução, uma vez
garantido o juízo, com depósito da quantia da condenação ou com bens dados em
penhora.
Dissídio coletivo
O sujeito do dissídio
coletivo é o sindicato, entidade a quem a lei atribui prerrogativa para
suscitá-la. Inexistindo sindicato, cabe à federação, ou na falta desta, à
confederação, suscitar o dissídio perante a Justiça do Trabalho, cujos órgãos
competentes são os tribunais regionais, e não as varas do trabalho, ambos
plenos, conforme o âmbito do conflito, se regional ou nacional. Sempre que
houver paralisação do trabalho, poderá o dissídio ser suscitado pelo Ministério
Público do Trabalho, nos termos da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989.
O artigo 114, parágrafo
2º, da Constituição federal, confere poder normativo à Justiça do Trabalho,
permitindo o artigo 766 da Consolidação das Leis do Trabalho a fixação de um
justo salário nos dissídios coletivos. Nos dias atuais, os dispositivos
reguladores do dissídio coletivo (CLT arts. 856/875, Instrução nº 4, de 1993,
do TST e MP nº 1875‑58/99) disciplinam a matéria da seguinte forma: a)
somente poderá ser ajuizado após a tentativa da negociação coletiva; b) as
partes deverão apresentar fundamentadamente suas propostas finais; c) a decisão
que puser fim ao dissídio será fundamentada, sob pena de nulidade; d) a decisão
deverá traduzir a justa composição do conflito de interesse das partes e
guardar adequação com o interesse da coletividade; e) a decisão não poderá
estipular ou fixar cláusula de reajuste ou correção salarial automática
vinculada a índice de preço; f) qualquer concessão de aumento salarial a título
de produtividade deverá estar amparada em indicadores objetivos; e g) o recurso
interposto de decisão normativa da Justiça do Trabalho terá efeito suspensivo.
Nestes quase 60 anos da
criação da Justiça do Trabalho podem ser citadas numerosas criações de novos
benefícios trabalhistas mediante sentença normativa, verdadeira fonte formal da
legislação do trabalho, ao lado da lei.
Evaristo de Morais
Filho/Antônio Carlos Flores de Morais colaboração
especial
FONTES:
BATALHA, W. Tratado; COSTA, C. Direito; GIGLIO, W. Direito;
MALTA, C. Prática; MARTINS NETO, M. Estrutura; MORAIS FILHO, E. Introdução;
NASCIMENTO, A. Elementos.
JUSTIÇA
DO TRABALHO – Pós Constituição de 1988
As
primeiras cortes do trabalho no Brasil surgiram há quase noventa anos e já naquelas
primeiras experiências, houve uma tendência à incorporação princípios já
estabelecidos internacionalmente, tais como: composição paritária e uma ênfase
na solução por conciliação das partes. Desde estabelecida formalmente a Justiça
do Trabalho, o Poder Normativo tem sido uma de suas características principais
e é entendido como fonte primordial do direito do trabalho.
Os primeiros conselhos permanentes de conciliação e
arbitragem foram estabelecidos pelo decreto legislativo 1.637, de 5 de janeiro
de 1907. Todavia, o conhecimento acerca de tais órgãos fica restrito àquilo delineado
no decreto, pois não há notícia de estudos que avaliaram o funcionamento da
lei. Para o estado de São Paulo, O governo de Washington Luís criou os
Tribunais Rurais pela Lei Estadual nº 1.869, de 12 de dezembro de 1922. O
efetivo funcionamento destes tribunais também carece de estudo aprofundado. No
âmbito federal, ao longo dos anos 1920, o Conselho Nacional do Trabalho assumiu
as feições de uma corte do trabalho e serviu como campo para experimentação da
forma judicial que amparou a regulação dos conflitos do trabalho na década
seguinte.
O Conselho Nacional do Trabalho (CNT) foi instituído pelo
Decreto nº. 16.027, de 30 de abril de 1923, e a sua função principal era
assistir ao governo federal em assuntos trabalhistas. Era composto por doze integrantes:
além de dois representantes do governo, seis pessoas de reconhecida competência
em assuntos relacionados ao trabalho e as cadeiras restantes eram ocupadas pela
representação paritária de operários e patrões, cada lado com dois assentos no
conselho. Dentre as suas atribuições estava o julgamento dos recursos em torno
das decisões tomadas pelas Caixas de Aposentadoria e Pensões, criadas pela lei
Elói Chaves, de 1923. Mais tarde, o Conselho Nacional do Trabalho ficou
responsável pela avaliação das demissões dos ferroviários com mais de dez anos
de trabalho, garantida também pela lei Elói Chaves. Assim, a administração das
Caixas de Aposentadoria e Pensões e a fiscalização do direito de estabilidade
levaram o CNT a intermediar os conflitos entre trabalhadores e patrões. O
caráter de instância judicial foi incrementado diante da demanda pela aplicação
da Lei de Férias, aprovada em 1925. Em 1928, Washington Luís decretou a
reorganização do CNT. Pelo decreto 18.074 de janeiro daquele ano, o órgão
incorporava novas atribuições definidas pela vigência das leis que foram
aprovados durante seus cinco anos de existência. Além de responder às consultas
feitas pelo poder público, o CNT ficava formalmente encarregado de fazer
cumprir as disposições legais relacionadas às Caixas de Aposentadoria e Pensões,
fiscalizar as empresas que operavam seguros contra acidentes de trabalho,
fiscalizar a concessão de férias e impor multas aos infratores das leis. No ano
de 1929, o CNT foi definitivamente instalado em prédio próprio, à Praça da
República, na Capital Federal, julgou 2.031 processos, dos quais 105 estavam
relacionados às Caixas de Aposentadoria e Pensão, e 1.926 à aplicação da lei de
férias.
Após 1930, o CNT passou da alçada do Ministério da
Agricultura para a administração do recém criado Ministério do Trabalho. A
criação das Comissões Mistas de Conciliação (Decreto n. 21.396, de 12 de maio
de 1932) e Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto n. 22.132, de 25 de
novembro de 1932) foi o primeiro passo do Governo Provisório para lidar com a
conciliação, arbitragem e julgamento dos conflitos individuais e coletivos
entre patrões e empregados. A distinção entre os dois tipos de dissídio
refletiu a influência dos critérios estabelecidos a partir de experiências
internacionais na judicialização dos conflitos do trabalho. De acordo com estes
critérios, a disputa individual está voltada para os “direitos legais”, ou
seja, relaciona-se à reclamação de um direito estabelecido em lei que,
porventura, foi lesado. Cabe à instituição julgadora, portanto, a avaliação do
direito lesado e a determinação de seu cumprimento. Por sua vez, a instância
coletiva firma-se no propósito de intermediar os “conflitos de interesses”.
Estes conflitos não estavam relacionados, necessariamente, às leis instituídas,
e a decisão final afetava toda a categoria envolvida na disputa. A questão
coletiva estipulava direitos das categorias envolvidas no litígio. Exemplos de
disputas coletivas são negociações referentes ao horário de trabalho, valor do
salário e etc.
De
maneira semelhante ao Conselho Nacional do Trabalho, as duas instituições
incorporavam em suas estruturas a representação paritária de patrões e
empregados. As Comissões Mistas de Conciliação eram compostas por dois ou
quatro “vogais” – dos quais a metade indicada por trabalhadores e metade por
patrões – e um presidente, pessoa alheia aos conflitos em jogo, escolhida
preferencialmente entre membros da Ordem dos Advogados do Brasil. As indicações
dos membros deveriam ser apresentadas em listas, elaboradas pelos sindicatos
das partes, ao Ministro do Trabalho, quem faria as nomeações.As Juntas de Conciliação e Julgamento
eram compostas por dois “vogais”, representantes de patrões e operários
coordenados por um presidente.
A constituição das Juntas de Conciliação e Julgamento estava
ancorada na necessidade de criação de uma justiça rápida, barata e acessível
para tratar dos dissídios individuais. Ao instituir na possibilidade de
reclamação verbal, a lei abriu possibilidades para a participação da grande
massa de trabalhadores analfabetos nas engrenagens da máquina jurídica que se
formava. As JCJ seguiam um padrão já utilizado em outros países onde as
reclamações podiam ser apresentadas tanto de forma escrita como oral. Entre
estes países estavam: Chile, França, Alemanha, Portugal, Itália, Romênia, União
Soviética e em vários cantões da Suíça.
Além da diferença entre os tipos de
dissídios que tratavam, as duas instituições diferenciavam-se pelo poder de
decisão em face dos conflitos. A considerar os critérios aceitos
internacionalmente para constituição das cortes do trabalho, as JCJ seriam as
instituições jurídicas por excelência, dado que tinham a prerrogativa de
expedir sentença. Por outro lado, a arbitragem das questões levadas às CMC
ocorreria apenas se as partes envolvidas no litígio não chegassem a nenhum
acordo e aceitassem submeter a questão à decisão arbitral, o que raramente
ocorria e tornava sua intervenção quase inoperante.
As Delegacias do
Trabalho Marítimo, criadas por decreto em 1933, possuíam uma Junta de
Conciliação e Julgamento para julgar os dissídios resultantes do trabalho nos
portos, navegação ou pesca, tanto de natureza individual como coletiva.
A Justiça do Trabalho, embora aprovada da constituição de 1934, incorporada à constituição de 1937, foi inaugurada somente em 1941. Desde a criação das Juntas de Conciliação e Julgamento, as sentenças que não eram
acatadas de bom grado pelos empregadores eram executadas apenas em juízo
federal. Em 1937, a execução das sentenças passou a ser uma atribuição da
morosa Justiça Comum. Em 1941, quando entrou em vigor o Decreto nº 6.596, de 12
de dezembro de 1940, ocorreu a integração dos vários órgãos criados desde os
anos 1920 no corpo da Justiça do Trabalho, as Juntas de Conciliação e
Julgamento permaneceram como a primeira instância, responsável por dissídios
individuais. As Comissões Mistas de Conciliação deram lugar aos Conselhos
Regionais do Trabalho, responsáveis pelo julgamento dos dissídios coletivos, e
o Conselho Nacional do Trabalho tornou-se a instância superior dos conflitos
trabalhistas. A Justiça do Trabalho de fato, deixou o Executivo e tornou-se um
órgão do Poder Judiciário em 1946, quando foi realizada a transformação do Conselho Nacional do Trabalho em Tribunal Superior do Trabalho e dos Conselhos Regionais do Trabalho em Tribunais Regionais do Trabalho.
A conciliação
Desde a instituição dos Conseil Prud’Hommes na França
napoleônica, o princípio da conciliação estava presente nas instituições de
julgamento dos dissídios no trabalho. No Brasil a conciliação foi a idéia
norteadora daquelas instituições de Justiça do Trabalho do governo Vargas.
Lindolfo Collor, ao falar aos representantes das Associações Operárias do Rio
de Janeiro em janeiro de 1930, assumiu o compromisso de substituir a “luta de
classes” pela “cooperação entre as classes”. Na mesma ocasião, salientou que
seria criado um sistema de conciliação, com tribunais de arbitramento, “para a
pacífica solução de todas as questões suscitadas nas relações de trabalho”.
Estas comissões seriam o canal de diálogo entre as instituições que deveriam
responder pela voz de trabalhadores e patrões, os sindicatos. Para o ministro,
sindicatos criados com regras uniformes, impressos na legalidade, evitariam a
desconfiança e descontentamento, que eram os motivos dos atritos que resultavam
em greves e lock outs. Para tanto, estas instituições, se
regulamentadas, funcionariam como “pára-choques” dos antagonismos entre as
classes. Em setembro de 1931, Collor assinou o decreto que criou as Comissões
Mistas de Conciliação e, em sua exposição de motivos, afirmou que as comissões
seriam a via “conciliatória dos conflitos do trabalho”. A conciliação seria a
formalização da idéia de paz social e tornou-se uma das bases do direito do
trabalho no Brasil. A Organização Internacional do Trabalho informava que na década
de 1930 a maioria dos países que estabeleceram órgãos judiciários do trabalho
fazia esforços de conciliação antes do início dos procedimentos judiciais. O
princípio adotado na constituição das Comissões Mistas de Conciliação e das
Juntas de Conciliação de Julgamento foi o da “conciliação obrigatória”. Por
este princípio, a tentativa de conciliação deveria antecipar qualquer
seguimento judicial da reclamação.
Poder Normativo
Ao lado da conciliação, o poder normativo era um
dos princípios do processo de judicialização das relações de trabalho ao longo
dos anos 1930. Por meio do Poder Normativo, as decisões resultantes de
dissídios coletivos adquiriam caráter de normas e estabeleceriam condições de
trabalho. A instituição deste poder, tão cara à proposta corporativista do
procurador jurídico do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, Oliveira
Vianna, seria o coroamento do projeto de colaboração entre as classes. O Poder
Normativo foi o epicentro dos debates em torno da regulamentação da Justiça do
Trabalho em 1935, após sua inclusão na constituição de 1934. Oliveira Vianna,
defensor do dispositivo, argumentava que o funcionamento satisfatório da
instância judicial dependia do seu poder de criar normas a partir das suas
decisões. Para Oliveira Vianna, os Tribunais do Trabalho seriam tribunais
diferenciados, ao contrário dos tribunais comuns, cujas decisões teriam
validade apenas para os litigantes, os primeiros teriam o poder de estender os
efeitos de sua decisão àqueles que não participaram do dissídio. A
possibilidade de estender a decisão a terceiros deveria funcionar como a gestão
de um pretor romano, que coincidia não só na aplicação da norma preexistente,
mas também em criar e aplicar uma norma nova, a partir das necessidades da vida
social. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o judiciário
trabalhista era composto pela administração da justiça, relacionada aos
dissídios individuais, que aplicava a lei; por outro lado havia a solução de
disputas, voltada aos dissídios coletivos, que criava a lei.
A decisão sobre a extensão do resultado final do julgamento a
toda a categoria dependeria, necessariamente, do caráter da disputa. Muitas
vezes, a decisão poderia afetar apenas uma empresa. Nestes casos, o poder
normativo era exercido porque a decisão se tornava uma norma que afetaria não
só todos os trabalhadores envolvidos na disputa, como os contratados após sua
resolução. Os casos mais freqüentes de decisões que afetariam uma categoria em
sua totalidade estariam relacionados aos dissídios de alterações em tabelas salariais.
Este era o ponto central da oposição feita pelo professor Waldemar Ferreira ao
projeto de regulamento da justiça do trabalho. A possibilidade de criação da
norma, de geração do direito estabelecida pelo poder normativo, de acordo com
Ferreira, infringia o art. 3º. da Constituição de 1934. De acordo com este
artigo, era vedado qualquer tipo de delegação de poderes. Se à
Justiça do Trabalho fosse dado o poder de legislar sobre as relações de
trabalho, esta estaria sendo dotada de uma prerrogativa que era exclusiva do
Poder Legislativo. Oliveira Vianna relativizou a interpretação do 3º artigo da
Constituição que, no seu ponto de vista, não poderia ser entendido com “critério
meramente literalista e gramatical”, como era feito por Waldemar Ferreira.
Vianna salientou que, mesmo que a função normativa fosse considerada uma
delegação de poderes, vários países de alta cultura “constitucional e política”
já tratavam tal ocorrência com certa tolerância, ditada pelas “conveniências da
administração pública e pelos imperativos de interesse coletivo”, estes,
resultantes das demandas sociais do mundo moderno.
Um novo projeto de Justiça do Trabalho foi elaborado pela
comissão composta pelos senhores: Luis Augusto Rego Monteiro, Deodato Maia,
Oscar Saraiva, Geraldo Augusto de Faria Baptista e Helvécio Xavier Lopes e,
presidida por Oliveira Vianna. O Ministro Waldemar Falcão publicou os
resultados dos trabalhos da comissão em 1938, para receber sugestões das
“classes interessadas”. O Estado Novo deu a palavra final, por meio de
Francisco Campos, às controvérsias que tomaram o Congresso Nacional ao longo
dos anos 1935 e 1936. De acordo com o Ministro da Justiça, o ramo judicial que se
criava era, definitivamente, parte do Poder Judiciário, contrariamente aos
pareceres de Waldemar Ferreira. Constituía-se uma jurisdição especial, à qual
não se aplicavam as “disposições adotadas relativamente à competência, ao
recrutamento e as prerrogativas da justiça comum”. A competência normativa da
Justiça do Trabalho definiria o seu caráter especial, ademais a possibilidade
de incorporar julgadores que não fossem magistrados ou bacharéis em direito –
os representantes de patrões e empregados – reforçaria o caráter diferenciado
deste ramo judicial.
A publicação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943,
determinou o crescente incremento das atribuições da recém criada Justiça do
Trabalho. A instituição tornou-se um campo de disputas entre projetos de
políticos, patrões e trabalhadores durante as décadas seguintes. Nos anos 1950
e 1960, as grandes greves de trabalhadores foram acompanhadas por disputas
acirradas nos tribunais. No período posterior ao golpe de 1964, marcado pela
intensa escalada da repressão, a Justiça do Trabalho foi um espaço para defesa
dos direitos dos trabalhadores. Os anos do “milagre econômico” testemunharam um
crescimento acelerado no número de ações trabalhistas e este movimento foi repetido,
em escala muito maior, durante os anos 1980 e 1990.
A estrutura da Justiça do Trabalho permaneceu quase
inalterável em seus quase 70 anos de existência. Todavia, a constituição de
1988 transformou as Juntas de Conciliação e Julgamento em Varas do Trabalho e a
figura dos “vogais”, representantes das partes interessadas, em Juízes Classistas, figura abolida pela Emenda Constitucional n. 24, de dezembro de 1999. A conciliação ainda hoje é proposta na primeira audiência, antes do seguimento do trâmite
judicial e, apesar de muitas tentativas de modificação, o Poder Normativo
prevalece parte integrante da Justiça do Trabalho.
Samuel Souza/ colaboração especial
FONTES: ARAÚJO, Rosa
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LOUZADA, Alfredo
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