JUVENTUDE
UNIVERSITÁRIA CATÓLICA (JUC)
Associação civil católica reconhecida nacionalmente pela
hierarquia eclesiástica em julho de 1950 como setor especializado da Ação Católica
Brasileira (ACB). Seu objetivo era difundir os ensinamentos da Igreja no meio
universitário. Desapareceu entre os anos de 1966 e 1968, quando a nova
orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em relação aos
movimentos leigos da Igreja provocou o esvaziamento da ACB.
Origens e implantação da JUC
Logo após a criação da ACB em 1935, começaram a ser formar
nas dioceses mais importantes do país grupos especializados de atuação nos
meios estudantil e operário. Na diocese do Rio de Janeiro, a JUC substituiu a
Ação Universitária Católica, criada em inícios da década de 1930 com o objetivo
de preparar jovens militantes católicos.
A organização em nível nacional da JUC, da Juventude
Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Operária Católica (JOC) só se tornou
possível, porém, após as reformulações sofridas pela ACB a partir de 1942, ano
de falecimento de seu criador, o cardeal dom Sebastião Leme da Silveira Cintra.
Já a partir de 1949, uma direção nacional composta por
representantes de várias cidades procurou assegurar uma coordenação para a JUC.
Junto a ela, um assistente nacional, frei Romeu Dale, assegurou a articulação
com o episcopado.
A estruturação mais definitiva da JUC em plano nacional se
deu a partir do Encontro Interamericano da JEC e da JUC, realizado no Rio de
Janeiro em 1950. Nessa reunião, foi também discutido o compromisso político dos
universitários, tendo a delegação de Belo Horizonte, com o apoio de delegados
de outras cidades, insistido na incompatibilidade entre a filiação à JUC e a
atuação em grupos políticos de direita.
Ainda em 1950, a própria modificação dos critérios da ACB em
relação à organização do laicato contribuiu para a implantação nacional da JUC.
Foi adotado um novo modelo, de inspiração francesa, belga e canadense, que
reduzia a importância das dioceses e valorizava os grupos nacionais ligados a
meios sociais específicos. Foi também introduzido um novo método de “formação
para a ação”.
Uma vez reconhecida, a JUC filiou-se à Juventude Estudantil
Católica Internacional, sediada em Paris, e ao Movimento Internacional dos
Estudantes Católicos, com sede em Friburgo, na Suíça.
A década de 1950
A primeira reunião do conselho nacional da JUC, realizada em
1951 com reduzido número de equipes, estabeleceu os modelos definitivos de
organização do movimento desde seus grupos de base até a equipe nacional,
passando pelas equipes provinciais, regionais e conselhos correspondentes.
Os temas propostos pelo encontro de 1952 demonstraram ainda o
caráter limitado da organização, que se voltava principalmente para a
evangelização do meio universitário e para problemas culturais. Muitos
jucistas, no entanto, já faziam política estudantil no interior dos diretórios
acadêmicos.
As reuniões do conselho nacional em 1953 e 1954 mantiveram as
mesmas diretrizes anteriores, apenas aperfeiçoando o método “ver, julgar e
agir”. Tal método consistia basicamente em analisar a realidade a partir da
doutrina da Igreja e em seguida traçar linhas de ação. As dúvidas e os debates
sobre problemas sociais começaram a adquirir especial importância nessa época,
principalmente em 1954, quando o tema tratado pela JUC em todo o país foi a
questão social.
As
reuniões nacionais de Porto Alegre, em janeiro de 1956, e de Recife, em junho
de 1957, revelaram o interesse crescente dos jucistas pela discussão de
questões sociais e de temas políticos. Temas como a universidade e a sociedade
ou a saúde e a fome foram levantados pelas JUCs de Recife e de Belo Horizonte.
Na
reunião do conselho nacional de 1958, foram debatidas as dificuldades de
engajamento de uma organização apostólica subordinada à hierarquia
eclesiástica. Mesmo não cabendo a uma organização desse tipo posicionar-se
sobre questões sociais e políticas, era crescente o comprometimento dos
jucistas com esses problemas.
Na reunião de 1959, o padre Almeri Bezerra, assistente
eclesiástico da JUC de Pernambuco, introduziu um novo conceito — o de “ideal
histórico” —, sugerindo a elaboração de um quadro teórico que permitisse o
posicionamento da organização diante da realidade nacional. Essa reflexão era
tanto mais necessária quanto crescia a tendência a um engajamento real dos
cristãos na ordem temporal. A posição do padre Bezerra implicava na verdade o
reconhecimento tácito de dois dados fundamentais: a urgência de uma
transformação social e a inadequação da tradicional doutrina social da Igreja
ao papel de instrumento condutor dessa mudança.
Fora
do âmbito da Igreja, o final da década de 1950 e o início da década de 1960
foram também marcados por intensos debates em torno da questão do nacionalismo
e do desenvolvimento. A discussão se estendeu à universidade e o movimento
sindical urbano e rural se dinamizou. Surgiram movimentos de cultura popular,
dos quais participariam muitos jucistas.
De 1960 a 1964
A
partir do ano de 1960, aumentou significativamente o interesse dos
universitários, católicos inclusive, pela “realidade brasileira”.
Paralelamente, os artigos sobre “cristianismo e consciência histórica” do padre
jesuíta Henrique de Lima Vaz, ao lado de uma extensa literatura católica
européia traduzida para o português (Emmanuel Mounier, Teillard de Chardin, o
padre Lebret), começaram a exercer grande influência nos círculos católicos.
Uma série de artigos do frei dominicano Thomas Cardonnel foi também publicada
em O Metropolitano, jornal editado pela União Metropolitana de Estudantes
(UME), provocando forte polêmica com os setores católicos tradicionais.
Embora permanecesse subordinada à hierarquia eclesiástica, a
JUC passou a partir daí a reformular concretamente sua atuação. Sua preocupação
com questões de caráter social e político foi consolidada no congresso de 1960,
denominado Congresso dos Dez Anos, realizado no Rio de Janeiro com ampla
participação de delegados de todo o país.
Nessa ocasião, a equipe da região Centro-Oeste, fortemente
influenciada pelos estudantes de ciências sociais de Belo Horizonte, tendo à
frente Herbet José de Sousa, apresentou um extenso documento denominado
“Algumas diretivas de um ideal histórico cristão para o povo brasileiro”.
Pretendendo fazer uma avaliação da realidade brasileira, o trabalho propunha
também aos jucistas lutar contra o subdesenvolvimento e a primazia do capital
sobre o trabalho, em prol da reforma agrária e do controle estatal dos setores
de base da economia. Essas diretivas contrapunham-se à idéia tradicional de
harmonia entre as classes e de solidariedade cristã, defendidas pelos membros
dos setores reformistas católicos, entre os quais se destacava o sociólogo José
Artur Rios. Presente ao congresso, Rios entrou em choque com os dirigentes da
JUC.
Apesar de criticado por algumas delegações, o documento não
sofreu emendas. Ficaram então estabelecidas, como tarefas básicas da JUC, a
redefinição do mundo moderno em termos mais seculares e o compromisso com a transformação
desse mundo. Instalou-se ainda a convicção de que a ação política era um dos
meios mais eficientes para a execução desses objetivos.
Os
membros da hierarquia eclesiástica e alguns assistentes reagiram em face da
direção assumida pela JUC. A reação intensificou-se diante do envolvimento
crescente da organização na política estudantil. Ainda em 1960, um militante da
JUC foi proposto como pré-candidato à presidência da União Nacional dos
Estudantes (UNE) para o período 1960-1961. Feito um acordo entre cristãos e
comunistas, foi finalmente lançado um candidato comum das esquerdas.
A partir do Congresso dos Dez Anos, o debate ideológico
tornou-se muito intenso, chegando a atingir a grande imprensa. Os jornais
conservadores declaravam não poder mais contar com a JUC para combater o
marxismo.
No início de 1961, a UNE organizou um seminário nacional em
Salvador, que contou com a ampla participação de membros da JUC. Tal fato
provocou reações, uma vez que o seminário rejeitou o projeto oficial da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, que contava com o apoio do episcopado.
Em fevereiro de 1961, em Santos (SP), realizou-se um
seminário com 80 líderes da JUC no qual a influência do padre Henrique de Lima
Vaz mostrou ser bastante profunda. Nessa reunião, o padre Vaz formulou os
princípios da transição da noção de “ideal histórico” para a de “consciência
histórica”. Enquanto o primeiro conceito aparecia sob a forma de um modelo
social cristão, o segundo levava os cristãos a assumirem os problemas e as
lutas de seu tempo, em ação conjunta com pessoas de outras orientações e
crenças.
Segundo o padre Vaz, “se o que caracteriza a consciência
histórica dos tempos modernos é a concepção do homem como um ser que transcende
o mundo precisamente enquanto o transforma e humaniza, é possível demonstrar
que esta transcendência ativa do homem sobre o mundo se encontra de tal forma
no centro da ótica cristã que esta chega a situar a significação última do
mundo na direção dum movimento criado pelas iniciativas históricas do homem”.
A
noção de “consciência histórica” significava assim um passo adiante em relação
aos princípios expressos no documento do Congresso dos Dez Anos. Já em abril de
1961, essa noção serviu de base ao manifesto do Diretório Central dos
Estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O documento
declarava que “conservar a educação como instrumento cultural de dominação das
classes privilegiadas é servir à opressão dos humildes”, concluindo que “o
estudante cristão só tem uma arma a empunhar, a bandeira do homem”.
Em julho de 1961, realizou-se em Natal a reunião anual do
conselho da JUC. O tema central do encontro, “O Evangelho como fonte da
revolução brasileira”, revelava o nível de politização da organização. Ao mesmo
tempo, ficou evidente que a expectativa da JUC de uma maior liberdade de ação
divergia substancialmente do pensamento dominante na hierarquia eclesiástica.
Presente ao encontro como observador, dom Eugênio Sales, administrador
apostólico de Natal, desaprovou os rumos do movimento e desligou a JUC de Natal
da organização nacional. O assunto foi discutido com a comissão episcopal da
ACB, cujos membros apoiaram sua decisão.
Ainda
em 1961, além de proibir a publicação de qualquer texto discutido ou aprovado
pela reunião do conselho nacional da JUC, a mesma comissão episcopal solicitou
às diretorias nacionais e regionais da entidade que evitassem pronunciamentos
“radicais”, bem como o engajamento em atividades políticas consideradas
“indesejáveis”. A comissão esclareceu também os “verdadeiros” objetivos da JUC
como ramo especializado da ACB. Esse estreito vínculo obrigava-a a respeitar a
orientação da ACB que, por sua vez, se submetia à orientação mais geral da
hierarquia eclesiástica.
Antes mesmo dessa comunicação, um militante da JUC do Rio de
Janeiro — Aldo Arantes — havia sido eleito para o cargo de presidente da UNE
numa chapa única de esquerda com o apoio dos comunistas. Isso provocou a reação
de dom Jaime de Barros Câmara, cardeal do Rio de Janeiro, o que levou Arantes a
se retirar da JUC.
Ainda em 1961, em substituição ao frei Romeu Dale, foi
nomeado para o cargo de assistente nacional da JUC dom Cândido Padim, que havia
pouco fora nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Indicado para o cargo
aparentemente com o intuito de controlar a organização, dom Padim demonstraria
posteriormente ser favorável à militância social dentro da JUC.
À medida que as reivindicações de autonomia dos jucistas em
relação à Igreja aumentavam, alguns membros da organização — sobretudo de Belo
Horizonte — foram sentindo a necessidade de instituir um novo movimento não
confessional, de caráter exclusivamente político. Esse movimento foi
oficialmente lançado em junho de 1962, com o nome de Ação Popular (AP). Em seus
quadros havia muitos jovens profissionais, antigos militantes da JUC e da JEC,
além de estudantes recém-saídos dessas organizações.
Em outubro de 1962, a comissão central da CNBB se reuniu com
o objetivo de discutir a evolução da JUC e o surgimento da AP. Ainda nesse ano,
outro jucista, Vinícius Caldeira Brandt, foi eleito presidente da UNE.
Em 1963, realizou-se a reunião do conselho nacional em
Aracaju. O encontro foi precedido por uma “semana dos estados”, na qual a
influência do pensamento do padre Vaz se fez novamente presente.
O período pós-1964
Plenamente engajados na política universitária e em
movimentos de cultura e educação popular, os militantes da JUC e da JEC
passaram a sofrer perseguições após o movimento político-militar de março de
1964.
Entre
1965 e 1966, após várias discussões entre os grupos progressistas e
conservadores da Igreja sobre os rumos que a ACB deveria tomar, venceu a
proposta de defesa de uma subordinação maior da organização à hierarquia
eclesiástica. Isso significou limitar o envolvimento da ACB e de seus setores
especializados em assuntos temporais. Surgiu também uma proposta de revisão dos
estatutos da ACB, com a finalidade de desmantelar sua estrutura nacional e
promover um retorno às estruturas diocesanas, o que facilitaria o controle dos
bispos sobre os militantes. Dom Vicente Scherer, como presidente da comissão
episcopal da ACB e secretário do secretariado nacional do apostolado dos leigos
da CNBB, exerceu um papel decisivo nessa nova orientação.
Diante da contradição entre a orientação oficial e o
compromisso social e político de seus membros, a JUC decidiu, na reunião do
conselho de 1966, realizada em Antônio Carlos (MG), dissociar-se da hierarquia
eclesiástica, recomendando a seus militantes que prosseguissem a luta pela
transformação da sociedade.
Em janeiro de 1967, em seu programa radiofônico A voz do
pastor, dom Scherer anunciou sua intenção de reorganizar os movimentos
católicos leigos destinados à evangelização.
Por outro lado, não contando mais como apoio da Igreja e
pressionada pela crise estudantil e política que se instalou em 1968, a JUC
desapareceu. A JUC foi considerada mais tarde uma organização precursora da
atuação da Igreja brasileira na década de 1970 e do futuro trabalho das
pastorais voltadas para os problemas sociais. O teólogo peruano Gustavo
Gutierrez considera que a teologia da libertação deu seus primeiros passos em
1960 e 1961 na JUC do Brasil.
Mônica Kornis
FONTES: ALVES, M.
Igreja; ANTOINE, C. Church; BEOZZO, J. Mouvements; BRUNEAU, T.
Catolicismo; DELLA CAVA, R. Igreja; KADT, E. Catholic; LIMA, L. Evolução;
SANDERS, T. Catholic; SOUSA, L. L’évolution; THERRY, L. Dominant.