LIGA
DA DEFESA NACIONAL (LDN)
Associação
civil fundada em 7 de setembro de 1916 no Rio de Janeiro por Olavo Bilac, Pedro
Lessa e Álvaro Alberto, entre outros. Seu objetivo central, de acordo com os
estatutos de 1916, ainda hoje em vigor, é “congregar os sentimentos patrióticos
dos brasileiros de todas as classes”, difundindo “a educação cívica, o amor à
justiça e o culto do patriotismo”. Foi considerada de utilidade pública pelo
Decreto nº 67.576, de 16 de novembro de 1970.
Organização
Em termos organizativos, a Liga da Defesa Nacional (LDN) é
constituída por um diretório central, com sede no Rio de Janeiro, e por
diretórios regionais instalados nas capitais dos estados e territórios e no
Distrito Federal. A presidência da instituição — na prática um cargo honorífico
— é exercida sempre pelo presidente da República.
Entre os 50 membros que compõem o diretório central são
escolhidos os integrantes da comissão executiva, do conselho fiscal e os 11
vice-presidentes da LDN. A comissão executiva — principal órgão de direção da
liga — é formada por um presidente, um vice-presidente, um secretário-geral,
dois secretários e um tesoureiro. O presidente da comissão executiva é o
representante oficial da instituição em todos os atos sociais e jurídicos. O
conselho fiscal, integrado por três elementos, é responsável pela fiscalização
da situação econômico-financeira da liga.
Os diretórios regionais são compostos por um mínimo de dez e
um máximo de 25 membros permanentes; em caso de morte, desistência ou perda de
cargo, as vagas são preenchidas por nomeação do diretório central.
Antecedentes
A criação da Liga da Defesa Nacional foi um desdobramento da
campanha promovida entre 1915 e 1916 pelo poeta Olavo Bilac em prol da
implantação do serviço militar obrigatório no Brasil. Essa campanha, lançada
pela primeira vez em 1907, quando o general Hermes da Fonseca ocupava a pasta
da Guerra, recebeu o apoio do general Caetano de Faria, ministro da Guerra do
presidente Venceslau Brás (período 1914-1918).
O serviço militar era concebido pelos seus defensores como um
instrumento capaz de apagar as fronteiras entre civis e militares, através da
disseminação da “consciência civil” nos quartéis. O “cidadão-soldado”, fruto
desse processo de amálgama que desembocaria na identificação Exército-nação,
constituiria uma “força nacional real”, de grande importância para a solução
dos problemas do país.
A
defesa do serviço militar obrigatório instituído em outubro de 1916 inseria-se
no quadro maior de uma campanha nacionalista em grande escala, centrada no tema
do patriotismo e do culto às tradições brasileiras. Essa cruzada de civismo
produziu, além da LDN, a Liga Nacionalista de São Paulo, fundada em dezembro de
1916 por estudantes da Faculdade de Direito.
Primeiros anos
Fundada
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a LDN incorporou o nome da mais
importante publicação militar da época, A Defesa Nacional (lançada em 1913),
procurando atestar com isso a identidade de interesse entre civis e militares.
Integrada por elementos desses dois setores, a liga restringiu inicialmente
suas atividades ao nacionalismo e ao serviço militar: as conferências e os
debates sobre o nacionalismo eram de responsabilidade dos civis, ao passo que
aos oficiais (sobretudo do Exército) cabia a parte prática do serviço militar.
Entretanto, a emergência das reivindicações e greves
operárias do final da década de 1910 levou a liga a dedicar sua atenção às
questões sociais. Compartilhando as posições das entidades patronais, a LDN
manifestou-se contra as reivindicações do operariado. Durante a presidência de
Epitácio Pessoa (1919-1922), quando o governo reprimiu violentamente os líderes
operários anarquistas, a instituição, através de Alfredo Pinto, protestou
contra a realização de greves e comícios no Rio, “provocados por elementos
estrangeiros”, concitando os trabalhadores a “auxiliarem o governo nas medidas
de repressão ao anarquismo”.
A Liga durante o Estado Novo
O
período compreendido entre os anos de 1938 e 1945 correspondeu a uma fase muito
particular da história da Liga da Defesa Nacional. Em 10 de novembro de 1937,
culminando o processo de fechamento político iniciado em 1935 com a promulgação
da Lei de Segurança Nacional e a repressão à Revolta Comunista, foi decretado o
Estado Novo, assumindo o presidente Getúlio Vargas poderes ditatoriais. A
suspensão das liberdades públicas, o fechamento do Congresso e a extinção dos
partidos políticos, acompanhados da montagem de um vasto aparelho repressivo,
silenciaram quase totalmente a oposição. Liberais e esquerdistas de diversas
tendências (socialistas, comunistas, trotskistas) tiveram — sobretudo os
últimos — suas organizações desmanteladas pela polícia especial do regime,
esbarrando em enormes dificuldades para desenvolver suas atividades políticas.
Foi nesse contexto que, a partir de 1938, os oposicionistas
começaram a se aproximar individualmente da LDN, tentando abrir um espaço para
a luta contra a ditadura. Naquele momento, faziam parte da direção da liga o
conde Ernesto Pereira Carneiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal
Francisco Tavares da Cunha Melo e a advogada Orminda Bastos, todos os três
politicamente conservadores, mas não identificados com o Estado Novo. A maior
parte dos demais membros da diretoria era constituída por professores dos
colégios e escolas militares do país.
O primeiro adversário da ditadura varguista a ingressar na
instituição foi o major do Exército Jeová Mota, ex-deputado federal e antigo
membro da Ação Integralista Brasileira (AIB) — organização de direita que
alcançara grande penetração no Brasil na década de 1930 —, que rompera
publicamente com o integralismo em plena Câmara dos Deputados em junho de 1937.
A seguir, ingressaram na liga o major do Exército Júlio Machado de Oliveira,
que participara da repressão à Revolta Comunista de 1935 mas que,
posteriormente, a exemplo de Jeová, colocara-se contra Getúlio, e outros
militares, como Henrique Oest, Péricles Vieira de Azevedo e o capitão Humberto
Freire de Andrade, que então dirigia a Revista do Clube Militar.
A
presença de um grupo de associados relativamente jovens — com menos de 40 anos
—, dinâmicos, militares em sua maior parte e, acima de tudo, politicamente
insuspeitos, o que lhes garantia a confiança da instituição, provocou uma
mudança sensível na atuação da liga. Ao lado das tradicionais campanhas cívicas
de exaltação à nação e a seus símbolos e vultos históricos, a LDN passou a
patrocinar conferências antifascistas em sua sede, nas quais as ditaduras de
Hitler e Mussolini eram criticadas. No entanto, seus promotores tomavam a
precaução de não dar margem a correlações entre os regimes da Alemanha e da
Itália e o Estado Novo.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939,
a luta antifascista da liga ganhou nova dimensão, sendo lançada a palavra de
ordem de barrar o avanço nazista a qualquer preço. A entidade começou a
promover conferências fora de sua sede, em grandes casas comerciais do Rio como
a Mesbla e O Camiseiro. A partir de 1940, intelectuais, estudantes e
profissionais liberais — além de operários, em segundo plano — passaram a
freqüentar a LDN. Nesse grupo incluíam-se, entre outros, Artur Ramos, Gilberto
Freire, Aníbal Machado, Dalcídio Jurandir, Emil Farhat, Augusto Rodrigues,
Aidano do Couto Ferraz, Valdir Medeiros Duarte, Benedito Calheiros Bonfim, José
Mascarenhas Sampaio, Irum Santana e o líder bancário Spencer Bittencourt, que
em 1934 chefiara a primeira greve geral de bancários do Brasil.
Em 1942, o desenrolar das ações de guerra começou a
mostrar-se favorável aos Aliados, o que beneficiou a campanha antifascista e a
luta pela entrada do Brasil no conflito. Inicialmente, o governo brasileiro
proclamou neutralidade em relação às partes envolvidas na guerra, embora, na
realidade, houvesse nos meios governamentais uma forte tendência favorável às
potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). No entanto, essa posição de
neutralidade foi-se tornando cada vez mais insustentável, sobretudo devido às
pressões dos Estados Unidos — que em dezembro de 1941 haviam entrado na guerra
ao lado dos Aliados (Inglaterra, França e União Soviética) — e ao afundamento
de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães.
Nesse sentido, a política externa brasileira foi
progressivamente se identificando com as nações aliadas. Em janeiro de 1942, o
governo rompeu relações diplomáticas com o Eixo, e em agosto daquele ano
declarou o estado de guerra contra a Alemanha e a Itália. Em agosto de 1943, foi
estruturada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), criada para guarnecer o
território nacional contra eventuais ataques do Eixo e para lutar nas frentes
de batalha da Europa junto aos Aliados.
A Liga da Defesa Nacional, juntamente com a União Nacional
dos Estudantes (UNE), a Sociedade Amigos da América — fundada em janeiro de
1943 e presidida pelo general Manuel Rabelo —, e outras entidades antifascistas
lideraram o movimento de conscientização da população contra os países do Eixo
e a favor dos Aliados. Durante esse período, estendendo-se até o final do
confronto, a liga foi a principal promotora de três grandes campanhas em todo o
país: a luta pelo envio de um corpo expedicionário brasileiro para a Europa —
concretizado entre julho e novembro de 1944, com o embarque de mais de 25 mil
homens da FEB; o esforço de guerra, ou seja, a criação de toda uma
infra-estrutura que permitisse ao país arcar com os problemas trazidos pelo
conflito mundial, e, finalmente, o “ajudismo”, consistindo no auxílio material
aos soldados brasileiros no front, com o envio de alimentos, roupas e objetos
de uso pessoal.
Em maio de 1943, a liga participou da Semana Antifascista,
que reuniu no Rio representantes da UNE, da Sociedade Amigos da América e do
Conselho Antieixista do Banco do Brasil, contando com o apoio de várias
autoridades. A promoção compreendeu solenidades e sessões públicas, incluindo
visitas aos túmulos das vítimas do integralismo e do fascismo e o julgamento
simbólico do líder integralista Plínio Salgado. No final desse mesmo ano, foi
fundada a seção fluminense da LDN, cuja presidência foi entregue ao comandante
Ernâni Amaral Peixoto, interventor no estado do Rio de Janeiro e genro de
Getúlio Vargas. Esse fato atesta a força da propaganda democrática e antifascista
em círculos do próprio governo.
Nesse
momento, as diferentes correntes que integravam a LDN começaram a marcar mais
nitidamente seus contornos dentro da instituição. Era esse o caso do Partido
Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB), que depois de
uma quase completa desorganização no início do Estado Novo conseguiu se
reestruturar, sobretudo após a Conferência da Mantiqueira, realizada em agosto
de 1943. O dirigente comunista João Amazonas explicou mais tarde a presença de
militantes do partido dentro da LDN, afirmando que o objetivo do PCB era
“ajudar os dirigentes da liga a levar a efeito uma grande campanha de massa, de
arregimentação popular para apoiar o esforço de guerra do governo. Pela justeza
da linha política do partido, os comunistas ganharam enorme prestígio nesse
organismo, principalmente no Distrito Federal, São Paulo e Ceará, e conseguiram
em curto prazo ligá-lo às massas”.
Em 1945, o processo de redemocratização do país avançou
muito, influenciado pela pressão interna das oposições e, no plano externo,
pela vitória final dos Aliados sobre as potências do Eixo. Além da anistia aos
presos políticos, da restauração das liberdades públicas e da legalização do
PCB, foi iniciada a reorganização partidária. Frente a esse novo quadro, os
membros mais atuantes da liga durante a ditadura deixaram a instituição: os
liberais foram para a União Democrática Nacional (UDN) e para o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), enquanto os elementos de esquerda tomaram o rumo
da Esquerda Democrática e do Partido Comunista.
Com o fim do Estado Novo, a Liga da Defesa Nacional retornou
à sua linha de atuação tradicional, voltada para a promoção de campanhas
cívicas.
Sérgio Lamarão
FONTES: CARONE. E.
República velha; CARONE, E. Terceira; ENTREV. MASCARENHAS, J.; LIGA DA DEFESA
NAC. Estatutos.