MISSÃO
ABBINK
Nome
com que se tornou conhecida a Comissão Brasileiro-Americana de Estudos
Econômicos, formada em 1948 por um grupo de técnicos norte-americanos enviados
ao Brasil sob a direção de John Abbink e por um grupo de técnicos brasileiros
chefiados por Otávio Gouveia de Bulhões. Tendo por objetivo analisar os fatores
que tendiam a promover ou a retardar o desenvolvimento econômico brasileiro,
essa comissão mista retomava o princípio da cooperação econômica estabelecido
pela Missão Cooke em 1942. O resultado de seus trabalhos, publicado em
fevereiro de 1949, ficou conhecido como Relatório Abbink.
Antecedentes
Em julho de 1947, a convite do governo brasileiro, veio ao
Brasil John Wesley Snyder, secretário do Tesouro dos EUA, a fim de examinar a
situação econômica e estudar as vantagens da aplicação de capitais
norte-americanos no país.
Por
essa ocasião, o ministro da Fazenda do governo de Eurico Dutra, Pedro Luís
Correia e Castro, apresentou-lhe um memorial em que pleiteava empréstimos
destinados a “regularizar a situação financeira e a promover o desenvolvimento
econômico” do Brasil. O documento especificava também como seriam aplicados os
recursos solicitados: no desenvolvimento agropecuário, na conservação e no
armazenamento de produtos agropecuários, no desenvolvimento industrial, em
meios de transporte, em combustíveis, no aproveitamento de quedas d’agua, na
exploração mineral, nas indústrias bélicas, na navegação aérea, no turismo na pesca
e na piscicultura, e na padronização de armamentos, item bastante enfatizado.
Após o regresso de Snyder aos Estados Unidos e depois dos
entendimentos e da troca de correspondência por via diplomática, foi enviada do
Brasil a Missão Abbink, com o objetivo de estudar o esquema de Correia e Castro
como base para os empréstimos pleiteados ao governo norte-americano.
A missão
A seção brasileira da Missão Abbink era integrada por vários
técnicos, economistas, advogados, industriais, financistas, militares etc. Em
sua comissão central formavam, além do presidente da seção, Otávio Gouveia de
Bulhões, Valentim Bouças, Mário Bittencourt Sampaio, Aníbal Alves Bastos, o
general Anápio Gomes e Afonso Almiro R. Costa.
Os
trabalhos distribuíam-se por comissões especializadas, que se encarregavam dos
seguintes temas: comércio e estudos gerais, desenvolvimento agropecuário,
combustíveis, exploração mineral, pesca e piscicultura, conservação e
armazenamento de produtos agropecuários, desenvolvimento industrial, meios de
transporte, eletrificação e mão-de-obra. Havia também subcomissões, que
estudavam tópicos como transporte de minério, minerais, manganês, fosfatos,
investimentos, assuntos fiscais, bancos, comércio interno e externo,
equipamentos, financiamento, discriminação de capitais e exame do banco de
investimentos.
Dessas comissões participavam Francisco de San Tiago Dantas,
João Daudt d’Oliveira, Rômulo de Almeida, Evaldo Correia Lima, Rui Gomes de
Almeida, Edgar Teixeira Leite, Mário Ludolf, Raimundo de Castro Maia, Álvaro de
Paiva Abreu, Glycon de Paiva Teixeira, Irnack Carvalho do Amaral, Ari Frederico
Torres e inúmeros outros.
Durante o período em que se realizaram os estudos da Missão
Abbink, observou-se a influência crescente do então diplomata Roberto de Oliveira
Campos, que transmitia suas sugestões a San Tiago Dantas, participante da
comissão de comércio e estudos gerais.
Muitos dos técnicos brasileiros que faziam parte desse grupo
de trabalho integrariam mais tarde a seção brasileira da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos, que se instalaria em julho de 1951.
O relatório
Em 7 de fevereiro de 1949, a Missão Abbink apresentou ao
ministro Pedro Luís Correia e Castro relatório de seus trabalhos, dividido em
três partes e acompanhado de quadros estatísticos.
Duas premissas básicas orientavam as sugestões da missão:
primeiro, a de que toda a atividade econômica deveria basear-se na iniciativa
privada; e, segundo, a de que o Estado deveria intervir com o objetivo de
coordenar ou disciplinar os investimentos.
Em suas duas primeiras partes, o Relatório Abbink tratava dos
aspectos característicos da economia brasileira, acentuando a dependência de
poucos produtos de exportação, o baixo nível de renda, as disparidades
espaciais e setoriais dos níveis de produtividade e a deficiência dos setores
de infra-estrutura. Baseado nesse diagnóstico de sintomas, o documento fazia
uma série de sugestões, recomendando o encorajamento do setor privado, que
deveria criar no Brasil o “capitalismo industrial”, definido como “a prática de
aplicar o capital em investimentos a longo prazo, com lucros módicos, através
de grande expansão da produção, vendida a preços razoáveis”. Esse capitalismo
deveria ser atingido sobretudo “através da mobilização dos recursos nacionais”,
evitando-se assim a “sobrecarga excessiva do balanço de pagamentos”.
Considerando a estabilidade financeira como um fator
fundamental para o desenvolvimento econômico, o relatório frisava ainda a
necessidade de restrição do crédito, e recomendava enfaticamente a cooperação do
capital estrangeiro nos setores de “combustíveis, energia e mineração”.
Era
mencionada, finalmente, a criação de um banco central, idéia essa combatida na
época através da imprensa por Eugênio Gudin.
De
modo geral, quase todo o trabalho da Missão Abbink baseou-se nos estudos para o
Plano Salte, iniciados em 1947 e só aprovados em 1950. Esse plano, primeira
tentativa brasileira de um planejamento econômico global, estava ainda em
discussão no Congresso no momento em que o Relatório Abbink era concluído.
Na parte final do relatório, que versava sobre “os planos e a
política para o financiamento do desenvolvimento econômico”, os dados e as
considerações do Plano Salte — sobretudo nos setores da agricultura, da energia
e dos transportes — eram explicitamente endossados. O trabalho da Missão Abbink
pode mesmo ser considerado como um complemento necessário à execução daquele
plano.
As repercussões
Galeno Paranhos, então vice-presidente da Comissão de
Agricultura da Câmara dos Deputados, incumbido de dar parecer sobre os
trabalhos da Missão Abbink, concluiu que o relatório constituía um bom subsídio
para o estudo dos problemas econômico-financeiros do país mas representava um
instrumento negativo como base para a obtenção de empréstimos e como meio de atrair
capitais em investimentos diretos.
Por
outro lado, o relatório recebeu críticas dentro da própria representação
brasileira, sobretudo por parte do grupo de jovens economistas ligados à
Confederação Nacional da Indústria. Esse grupo criticava basicamente a política
de contenção de crédito preconizada pela Missão Abbink, por julgá-la contrária
ao objetivo do desenvolvimento econômico e incapaz de melhorar a utilização dos
fatores de produção, sobretudo num país subdesenvolvido.
A
divergência quanto às proposições teóricas do Relatório Abbink girava em torno
do diagnóstico das causas da inflação no Brasil. Essa discussão inaugurou a
polêmica entre estruturalistas e monetaristas, que se tornaria importante, mais
tarde, sobretudo nos trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL).
Apesar de todas as sugestões e medidas fixadas nos trabalhos
realizados pela Missão Abbink em seu relatório final, nenhum projeto concreto
foi realizado e nenhum empréstimo ou financiamento foi liberado para a execução
de suas idéias e propostas.
Tanto a Missão Abbink como a anterior Missão Cooke, ainda que
importantes, não ultrapassaram os limites do diagnóstico dos problemas
estruturais da economia brasileira.
Vera Calicchio
FONTES: BULHÕES, O.
Margem; DEP. ECONÔMICO CONF. NAC. IND. Estudos; FRANCO, C. Criação; MARTINS, L.
Politique; PARANHOS, G. Missão; SKIDMORE, T. Brasil.