MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST)
O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nasceu de um conjunto de conflitos
fundiários que emergiram no Sul do país e tinham por característica fundamental
as ações de ocupação como forma de pressão para a conquista da terra, em
oposição à estratégia privilegiada por sindicatos rurais, que era a de
encaminhar esse tipo de demanda principalmente pelas vias administrativas, ou
seja, elaborando relatórios de conflitos e enviando denúncias e solicitação de
desapropriação a diversas instâncias do governo federal.
A
origem do MST está vinculada ao intenso processo de modernização pelo qual
passou a agricultura brasileira, em especial no Sul do país, na década de 1970,
dificultando cada vez mais a reprodução das unidades familiares de produção,
característica de vastas áreas do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa
Catarina. Se, num primeiro momento, os projetos de colonização no Norte do
país se constituíram em alternativa, o fracasso de vários deles e o retorno de
muitos colonos, desiludidos com seus resultados, passaram a gerar, difusamente,
uma recusa às propostas de colonização dos governos militares e a generalizar a
reivindicação por acesso à terra em suas regiões de origem.
Nascido
com forte apoio da Igreja, em especial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e
ligado a algumas das chamadas oposições sindicais que começavam a se
desenvolver em diversos pontos do país, a origem imediata do MST foram as
ocupações das fazendas Macali e Brilhante no Rio Grande do Sul, a luta dos
agricultores que perderam suas terras com a construção da barragem de Itaipu,
no Paraná, e que constituíram o Movimento dos Agricultores Sem Terra do
Sudoeste (Mastro) e a ocupação da Fazenda Burro Branco, em Santa Catarina.
Desse conjunto de eventos, todos no início da década de 1980, um dos mais
significativos foi o acampamento de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, no
Rio Grande do Sul, que mobilizou a opinião pública nacional e exigiu a
intervenção do governo federal.
A partir das ocupações, começaram a
ocorrer reuniões e articulações, visando a unificar essas lutas atomizadas. Em
julho de 1982, realizou-se em Medianeira, no Paraná, o primeiro grande encontro
de trabalhadores sem terra, com representantes dos estados do Rio Grande do
Sul, do Paraná, de Santa Catarina, de São Paulo e de Minas Gerais. No mesmo
ano, em setembro, ocorreu novo encontro em Goiânia, com participantes de 16
estados. No ano seguinte, em Chapecó (SC) foi criada uma comissão regional
provisória, composta por dois participantes de cada estado, que se reunia a
cada três meses. Finalmente, em janeiro de 1984, em Cascavel (PR), o MST se
institucionalizou como tal e elaborou seus princípios. Seu lema passou a ser
“Terra não se ganha, se conquista”, valorizando a ocupação e os acampamentos, o
que implicava a necessidade de criação de vigorosas formas de organização e de
garantia de apoio às iniciativas. Com essas práticas, o MST conseguiu inscrever
o tema da reforma agrária novamente nas grandes discussões políticas do país.
Sob o signo da Nova República e dos
grandes debates que lhe foram concomitantes, o MST realizou seu primeiro
congresso nacional em janeiro de 1985, em Curitiba (PR). Dele saiu uma série de
reivindicações, tais como reforma agrária sob controle dos trabalhadores (em
oposição ao movimento sindical, que falava em reforma agrária com participação
dos trabalhadores), desapropriação de todas as propriedades com mais de 500
hectares, extinção do Estatuto da Terra e criação de novas leis “com a
participação dos trabalhadores e a partir da prática de luta dos mesmos”.
Descrente da possibilidade de a Nova República realizar reforma agrária, o MST
propunha-se a realizar acampamentos e ocupações como formas de pressão. Uma das
suas ações mais espetaculares foi a ocupação simultânea de 18 áreas no Oeste de
Santa Catarina, no mesmo dia em que o governo anunciava o Plano Nacional de
Reforma Agrária no IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, promovido
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em maio
de 1985. No fim de 1986, já havia mais de 90 acampamentos no país, a maior
parte deles concentrada no Centro-Sul. Nesse momento, o movimento já procurava
implantar-se nacionalmente.
Os
acampamentos e as ocupações, marca característica da ação dos sem-terra, deram
visibilidade à luta pela terra e criaram fatos políticos que exigiam resposta
do governo. A eles se somavam marchas, caminhadas e romarias que se dirigiam do
interior dos estados às capitais, chamando a atenção da opinião pública para o
problema dos sem terra e forjando uma nova identidade que, em muitos momentos,
acabou por ultrapassar o âmbito da ação do MST.
A
retomada da luta por terra nesses moldes provocou, por um lado, a reação dos
proprietários fundiários que, também acuados pelo anúncio do Plano Nacional de
Reforma Agrária, passaram a se organizar politicamente para resistir às novas
medidas e à possibilidade de uma reforma agrária e, também, a reagir às
ocupações através de ações armadas, aumentando ainda mais a violência no campo.
A expressão mais conhecida dessa aglutinação de interesses foi a criação da
União Democrática Ruralista (UDR).
Mas
as mobilizações dos sem-terra obrigaram o governo a intervir, decretando uma
série de desapropriações, e a reconhecer a situação de tensão social, inclusive
com a realização de algumas operações de desarmamento no campo. Ainda por
pressão do MST foi criado, no governo Sarney, um programa especial de crédito
para os assentamentos (o Procera).
As progressivas dificuldades que, a
partir da derrota do Plano Nacional de Reforma Agrária, a legislação agrária
brasileira foi criando para a desapropriação de terras não implicaram alteração
nas demandas pelo MST, nem mudança substancial nas suas formas de luta, como
indicam a sucessão de ocupações de terra que ocorreram na década de 1990. Um
bom exemplo disso é o fato de que, segundo o Incra, das 25.371 famílias
acampadas e cadastradas em janeiro de 1997, 20.297 estavam ligadas ao MST,
sendo as restantes articuladas por sindicatos rurais ou por outros movimentos.
No entanto, é visível, a partir de meados da década de 1990, a preocupação do
MST em conquistar a simpatia do conjunto da sociedade para suas reivindicações,
preocupação esta expressada no lema “Reforma agrária, uma luta de todos”.
Momento exemplar desse esforço foi a marcha de sem-terra de todo o país em
direção à Brasília, em abril e maio de 1997, culminando com um grande ato
político de protesto, na capital federal, contra o governo Fernando Henrique
Cardoso, no dia em que o massacre de Eldorado do Carajás completava um ano sem
que tivesse havido a punição dos culpados.
Com as desapropriações, colocava-se um
novo desafio ao MST: para além de organizar mais acampamentos e ampliar
nacionalmente sua forma de conceber a luta por terra, tratava-se também de
buscar caminhos para gerir com eficiência os assentamentos e dar-lhes
viabilidade econômica. O lema que expressava essa preocupação era “Organizar,
resistir, produzir”. Para organizar a produção nos assentamentos, o MST passou,
já no final da década de 1980, a orientar seus membros para que trabalhassem de
forma coletiva ou através de formas associativas de produção. O resultado disso
foi, a partir de 1989, a progressiva organização de cooperativas a nível local,
as chamadas Cooperativas de Produção Agropecuária, que se articulam nos estados
e, nacionalmente, através da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária
do Brasil (Concrab), com sede em Brasília. A Cooperação Agrícola, assim
estruturada, tem por objetivos não só procurar resolver os problemas econômicos
(tecnologia, escoamento da produção, agroindustrialização etc) e aumentar as
condições de competitividade dos produtos dos assentamentos no mercado, mas
também criar melhores condições de vida para as famílias assentadas, formar e
capacitar líderes e garantir condições para permitir a liberação de quadros
para o movimento.
Os assentamentos têm sido palco também
de experiências educacionais, uma vez que o MST vem investindo fortemente na
educação formal dos assentados, tanto das crianças como dos adultos.
Todo
esse investimento na organização dos assentamentos traduz a estratégia do MST
de mostrar para os órgãos públicos e para o conjunto da sociedade que a reforma
agrária é viável, tanto do ponto de vista econômico como social e político.
No
seu processo de expansão e consolidação, o MST também procurou ampliar sua base
social. Num primeiro momento, ela era constituída principalmente por filhos de
pequenos proprietários do Sul do país que, frente ao processo de modernização
da agricultura e de valorização das terras, não conseguiram se reproduzir como
tal, por arrendatários e por parceiros. À medida que se expandiu nacionalmente,
o movimento passou a abrigar assalariados rurais (como é o caso de São Paulo e,
mais recentemente, do Rio de Janeiro) e também trabalhadores da periferia
urbana que encontraram nas ocupações de terra alternativas de sobrevivência
(como são os casos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo). No ideário do MST, a
luta pela terra foi se articulando com a crise urbana e com o debate em torno
da necessidade de geração de empregos.
Do
ponto de vista organizativo, o MST estrutura-se em comissões municipais, que se
apóiam em núcleos. As comissões municipais articulam-se em comissões estaduais.
No plano nacional, existe a Coordenação Nacional, liderada por João Pedro
Stedile, composta por representantes de todos os estados em que o movimento
atua. É ela que define os rumos do movimento e sua linha política. Além da
Coordenação Nacional, há a Comissão Executiva, que decide os encaminhamentos
que a Secretaria Nacional, com sede em São Paulo, deve fazer. Cabe a essa
secretaria programar os cursos de formação (um dos mais importantes
investimentos do MST) e também editar o jornal do MST (“Jornal dos Sem Terra”),
que é mensal e vem sendo publicado com regularidade desde o início da década de
1980.
Leonilde
Servolo de Medeiros
colaboração
especial
FONTES:
MEDEIROS, L. História dos movimentos; MEDEIROS, L. Assentamentos;
FERNANDES, B. MST; MST. Construindo; MST. Sistema.
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