OPINIÃO
Jornal
semanal fundado no Rio de Janeiro em novembro de 1972 e extinto em abril de
1977.
Criação
Opinião nasceu da fusão do projeto de Fernando Gasparian,
empresário, ex-membro do Conselho Nacional de Economia e ligado ao governo
deposto de João Goulart, e de Raimundo Rodrigues Pereira, jornalista e
ex-editor da revista Realidade.
Durante sua permanência em Londres no início da década de
1970, ocasionada por problemas políticos, Gasparian começou a pensar na
possibilidade de lançar um jornal quando regressasse ao Brasil, chegando a
fazer alguns contatos jornalísticos nesse sentido. De volta ao país ainda num
período de profundo fechamento político, durante o governo do presidente Emílio
Garrastazu Médici, Gasparian sentiu seu projeto jornalístico crescer em
importância. Nessas circunstâncias, convidou para participar dele Raimundo
Pereira, que por sua vez há tempos possuía o projeto de lançar uma publicação
independente junto com um grupo de jornalistas.
O
convite de Gasparian foi visto como uma boa oportunidade, mas Raimundo Pereira
queria ter assegurada a presença da redação em todas as decisões e por isso
desejava deter, juntamente com os jornalistas que iriam fazer parte do novo
jornal, 49% das ações da empresa. Gasparian não concordou com essa proposta,
alegando que não acreditava na possibilidade de sobrevivência de uma empresa
que tivesse como donos muitos jornalistas. Entretanto, garantiu que “o fato de
ele ter a propriedade jurídica do novo órgão não significava que quisesse ter
um jornal em que fosse o dono das idéias”. Assim, “Opinião seria um jornal de
propriedade intelectual de todos que o fizessem”.
Dessa
forma surgiu Opinião como um semanário independente e amplo, tendo por objetivo
constituir-se num veículo de questionamento da realidade brasileira. Partindo
dessa proposta, o jornal assumiu “o compromisso com a defesa das liberdades
democráticas, sem as quais não há desenvolvimento político; com a defesa da
melhor distribuição de rendas, sem a qual não há desenvolvimento social; com a
defesa de nosso patrimônio ecológico, sem o qual não há melhoria da qualidade
de vida; com a defesa da economia nacional e dos direitos humanos”. A estes
compromissos, foi acrescentado o desejo de prestigiar a inteligência
brasileira, e a ela foi facultada uma tribuna numa fase em que os grandes
órgãos da imprensa fechavam-lhe as portas.
Opinião
se estruturou tendo como diretor Fernando Gasparian e como editor Raimundo
Pereira, e possuindo um corpo de redatores permanentes e um conselho de
colaboradores. Esse conselho de colaboradores se constituiu “mediante a reunião
de diversos intelectuais de diversos horizontes políticos em virtude de algo
comum a todos, o direito e o dever de defenderem a liberdade de expressão”.
Seus membros eram Antônio Calado, Antônio Cândido de Melo e Sousa, Fernando
Henrique Cardoso, Millôr Fernandes, Celso Furtado, Paulo Emílio Sales Gomes,
Alceu Amoroso Lima, Luciano Martins, Francisco Oliveira, Paul Singer, Francisco
Weffort e outros.
Opinião foi lançado em formato de tablóide e com 24 páginas.
A parte relativa a assuntos nacionais constituía-se de várias seções que
versavam sobre economia, política, educação e artes em geral. A parte dedicada
a assuntos internacionais publicava uma edição semanal brasileira do diário
francês Le Monde, além de uma seleção de artigos de órgãos de sólida reputação
internacional, como Le Nouvel Observateur, The Washington Post, The Guardian,
The New York Review of Books e New Statesman.
Assim
estruturado, Opinião obteve um enorme sucesso, chegando a atingir em seu
terceiro número uma tiragem de 40 mil exemplares.
Atuação
Levar adiante propostas de questionamento e crítica ao
governo militar numa conjuntura de grande fechamento político significava
enfrentar grandes dificuldades. Assim, já no seu oitavo número, Opinião começou
a sofrer censura prévia, tendo sido enviado um censor para sua sede. Essa
situação trouxe grandes problemas para o jornal, mas ainda assim sempre era
possível passar algumas matérias importantes, graças a alguma possibilidade de
diálogo com os censores.
Porém
esse esquema de funcionamento da censura em pouco tempo foi substituído por
regras mais rígidas. Em abril de 1973, a partir de seu 24º número, Opinião
passou a ser censurado em Brasília no gabinete do ministro da Justiça Alfredo
Buzaid, o que acarretou grandes transtornos para a feitura do jornal, chegando
a ser alterado o dia de sua distribuição de segunda para sexta-feira como uma
alternativa para ganhar tempo e impedir que o noticiário ficasse demasiadamente
ultrapassado.
Nessas
circunstâncias, a direção do jornal apelou ao Tribunal Federal de Recursos,
através do advogado Adauto Lúcio Cardoso, impetrando um mandado de segurança
contra a censura prévia. Em maio seguinte a causa foi ganha naquele tribunal
mas a decisão foi anulada pelo presidente Médici, ao estabelecer “que a censura
prévia à imprensa resultava de um despacho presidencial de 1971 baseado no Ato
Institucional nº 5 (AI-5), até então secreto”.
O
fato de ter impetrado um mandado de segurança serviu para piorar ainda mais as
relações do jornal com a censura, que desde então passou a revelar um
endurecimento progressivo. Nessa fase, para cada número do jornal publicado era
necessário fazer praticamente dois, tão grande era o número de cortes.
Paralelamente, Opinião sofria grandes dificuldades financeiras decorrentes não
só dos prejuízos acarretados pelas apreensões de edições inteiras, mas também
do veto da censura a matérias publicitárias pagas, como anúncios da Petrobras e
da Fundação Getulio Vargas.
Nos
últimos meses do governo Médici a censura se intensificou ao máximo. Por
ocasião da queda do presidente chileno Salvador Allende, em julho de 1973, em
função de um golpe militar, não foi possível publicar nada. A censura cortava
tudo que falasse sobre o golpe de Estado no Chile, até mesmo a reprodução de
artigos publicados em outros jornais. Com essa escalada de cortes, a censura
pretendia forçar a redação a recuos cada vez maiores, obrigando-a a produzir
matérias cada vez mais brandas para que o jornal pudesse sair.
Nos
primeiros meses do governo de Ernesto Geisel, empossado em março de 1974,
ocorreram alguns sinais de abertura política. A censura prévia foi retirada de
O Estado de S. Paulo, da revista Veja e do semanário humorístico O Pasquim, mas
permaneceu em Opinião, no diário carioca Tribuna da Imprensa e em O São Paulo,
jornal da arquidiocese paulistana, como um aviso aos outros de que, apesar de
recém-abolida, poderia voltar a qualquer momento.
Nos
meses seguintes chegou-se a acreditar que a censura ia ser retirada do Opinião,
e de fato, em comparação com os últimos meses do governo Médici, ocorreu um
considerável abrandamento, passando a haver mais liberdade para tratar de
alguns assuntos. Esse fato possibilitou uma elevação das vendas do jornal, que
haviam caído muito no auge da censura.
Com novas questões surgindo no processo político, cujo
relativo abrandamento permitia a discussão de outros assuntos que não a pura
denúncia do regime por todas as tendências oposicionistas em uníssono,
começaram a aparecer divergências na maneira de orientar a linha do Opinião. Em
fevereiro de 1975, as discordâncias entre Raimundo Pereira, que queria um
jornal mais combativo, apoiando as oposições ditas autênticas, e Fernando
Gasparian, que preferia manter a linha geral centrada nos pontos comuns a todas
as tendências oposicionistas, atingiram um ponto crítico. Nesse momento o
editor do jornal, juntamente com toda sua equipe, deixou Opinião, sob a
alegação de que a redação não tinha mais “poder de decisão para garantir a
observação de suas idéias”. Alguns meses mais tarde, a maior parte dessa equipe
de jornalistas, comandada por Raimundo Pereira, fundaria em São Paulo o
semanário Movimento. Outra parte, voltada para questões de ordem cultural mais
ampla, sem uma estrita preocupação com a política institucional partidária,
desligou-se do grupo. Em substituição a Raimundo Pereira, tornou-se editor de
Opinião o jornalista Argemiro Ferreira.
Nessa nova fase, ainda que contando com uma pequena
liberalização da censura, o jornal enfrentou dificuldades, tendo que
reorganizar toda a sua equipe de redação. A linha editorial tornou-se
politicamente mais branda, como queria Gasparian. O jornal procurava, assim,
integrar-se de certo modo ao momento político, sem questionar a multiplicidade
de tendências oposicionistas, tentando colocar-se como um veículo das
reivindicações mais gerais no período da chamada “dissensão”. A partir de
agosto de 1975, no entanto, a censura piorou novamente.
Em
abril de 1976 novos boatos surgiram sobre o fim da censura prévia ao Opinião.
Pequenos testes feitos pela redação reforçavam essa expectativa. Depois que o
jornal voltava de Brasília com os cortes, eram introduzidas algumas matérias
que não tinham sido mandadas para a censura e outras que a censura havia
cortado.
O
caso mais exemplar desse tipo de procedimento foi a publicação de uma carta
dirigida pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
Marcos Viana, ao ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso. No
primeiro semestre de 1976 a grande imprensa estava em plena campanha contra o
estatismo e a carta sugeria uma fórmula de desestatização da economia
extremamente favorável a alguns grupos econômicos. Sua proposta era que “as
empresas controladas pelo estado, inclusive através do BNDE, fossem vendidas
para grupos afortunados que eram citados um a um. A forma de pagamento sugerida
era que a empresa adquirida fosse paga com seu próprio lucro. Se a empresa não
desse lucro não pagava nunca”.
Opinião
publicou toda a história sem a ter enviado à censura. Houve uma enorme
repercussão e até o deputado José Bonifácio, líder do governo, comentou a
reportagem na Câmara, colocando-se contra a fórmula de desestatização
apresentada. A publicação serviu para recuperar a credibilidade do jornal,
abalada tanto pela censura como pelas modificações internas.
Novamente, em julho de 1976, por ocasião da reunião anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Brasília, o jornal
desobedeceu à censura. Várias matérias vetadas foram publicadas, permitindo que
fosse dada ampla cobertura ao evento.
Ainda nesse mesmo mês, Opinião passou por novas modificações
internas, ocasionadas pela saída de Argemiro Ferreira do cargo de editor e pelo
controle mais estreito de Gasparian sobre o jornal.
Paralelamente, o segundo semestre de 1976 inaugurava uma nova
etapa de recrudescimento da censura. Em fins de julho policiais apreenderam a
edição de nº 195 por conter matérias não autorizadas pela censura. Nos meses
seguintes a situação se agravou e o jornal não podia publicar praticamente
nada, em muitos casos nem transcrever matérias que os demais órgãos da imprensa
publicavam livremente.
As
dificuldades de Opinião tornaram-se ainda maiores em virtude das divergências
internas existentes entre Gasparian e a redação no tocante à orientação do
jornal. Finalmente, foi praticado um atentado à bomba contra o jornal na
madrugada de 15 de novembro de 1976, promovido por uma associação terrorista
intitulada Aliança Anticomunista Brasileira. Nos meses seguintes o cerco da
censura fechou-se ainda mais, tendo sido censurada até a publicação de trechos
de discursos pronunciados pelo presidente da República Ernesto Geisel e de matérias
já publicadas em outros órgãos.
Nessas
circunstâncias, e com o agravamento das discussões internas, a direção do
jornal começou a pensar que seria mais útil suspender sua circulação do que
publicar um jornal que pouco podia dizer em comparação com a grande maioria que
desfrutava de maior liberdade. Essa idéia foi amadurecendo e em abril de 1977,
quando foi lançado o nº 230, foi publicado um editorial rompendo com a censura.
O texto afirmava que em outras épocas publicar o jornal com censura tinha tido sentido,
mas àquela altura, quando quase todos os órgãos de imprensa desfrutavam de
considerável liberdade, não havia mais justificativa para tal.
Assim, o nº 231 foi totalmente feito sem censura, mas foi
imediatamente apreendido pela Polícia Federal. Desde então Opinião suspendeu
sua circulação.
Marieta de Morais Ferreira
FONTES: ENTREV.
FERREIRA, A.; ENTREV. PENCHEL, M.; MACHADO, J. Opinião; Movimento (7/7/75);
Opinião (1972 e 1977); SKIDMORE, T. Brasil.