PARTIDO
DEMOCRÁTICO DE SÃO PAULO (PD)
Partido político paulista fundado em 24 de fevereiro de 1926
pelo conselheiro Antônio da Silva Prado. Foi extinto em 24 de fevereiro de
1934, quando foi fundado o Partido Constitucionalista de São Paulo.
Antecedentes
Com
o término da Primeira Guerra Mundial, as grandes indústrias européias e
norte-americanas, recuperadas da devastação causada pelos bombardeios e
liberadas dos compromissos da mobilização exigidos pelo prolongamento do
conflito, voltaram a reconquistar os mercados que haviam temporariamente
perdido nos países dependentes das importações de manufaturados. O Brasil na
época situava-se integralmente no centro das definições desse quadro. Para que
as grandes nações industrializadas se suprissem do café brasileiro, aos preços
ditados pela cotação internacional, era imprescindível que o governo concedesse
favores tarifários, muitas vezes excessivamente benevolentes, ao ingresso de
mercadorias daquelas procedências, em vários casos competitivas com similares
nacionais já existentes.
Isto
fez com que todo o esforço de industrialização realizado no governo de
Venceslau Brás, aproveitando exatamente a atenuação das pressões externas
ocasionadas pela guerra, fosse paulatinamente desmantelado pelas tarifas
favorecedoras reclamadas junto ao governo de Epitácio Pessoa e, em geral,
atendidas pelas concepções liberalizantes do ministro da Fazenda, Homero
Batista. O esmagamento dessas indústrias, impossibilitadas de enfrentar a
competição estrangeira, gerou a existência de apreciáveis contingentes de
desempregados nos grandes centros, o que resultou em sucessivos movimentos
grevistas no Rio, São Paulo e Salvador, todos reprimidos com rigor.
As
agitações que marcaram toda a década de 1920 não ficaram porém restritas à área
sindical. A classe média militar, por outras razões, também assinalou sua
presença contestadora e, como não poderia deixar de acontecer, a crise
refletiu-se no Congresso. Desta forma, enquanto os operários pediam melhores
salários e os militares lutavam pelo reequipamento e modernização das forças
armadas, o meio político de oposição até então liderado pelo Partido Libertador
(PL) do Rio Grande do Sul, sob a chefia de Joaquim Francisco de Assis Brasil,
pugnava por eleições livres, o voto secreto, a extinção das comissões
verificadoras de poderes, a autonomia para o Poder Judiciário e a criação da
Justiça Eleitoral.
Havia uma tônica na consciência nacional atuante da época: o
país estava deprimido no campo econômico, no setor sindical, na área militar e
na esfera política. A culpa de tudo isto recaía sobre os domínios do Partido
Republicano Paulista (PRP) e de seu principal associado, o Partido Republicano
Mineiro (PRM). Nada mais natural, portanto, que a reação partisse de São Paulo,
de facções dissidentes da oligarquia bandeirante, as quais sustentavam a
premissa de que o PRP já não poderia mais continuar como depositário dos interesses
dominantes do mais importante estado da Federação.
Fundação
No início de 1926, quando mal começava o governo perrepista
de Washington Luís, o conselheiro Antônio da Silva Prado, ex-senador, ex-chefe
do Partido Conservador em São Paulo e ex-ministro da Agricultura do Império,
agricultor, banqueiro e industrial, tomou a iniciativa de mobilizar as forças
políticas descontentes com o PRP no sentido de formar um novo partido político,
acolhendo algumas aspirações renovadoras que o PL gaúcho havia adotado, mas sem
exagerar na aceitação das diretrizes democráticas que Assis Brasil introduzira
no programa de sua agremiação.
Assim, em 24 de fevereiro de 1926, em sua residência, na
alameda Eduardo Prado, 35, chácara do Carvalho, o conselheiro reuniu a comissão
organizadora do Partido Democrático (PD) de São Paulo, composta de Frederico
Vergueiro Steidel, Francisco Morato, Reinaldo Porchat, Luís A. de Queirós
Aranha, Luís Barbosa da Gama Cerqueira, José Adriano Marrey Júnior, José
Joaquim Cardoso de Melo Neto, Valdemar Martins Ferreira, Paulo de Morais
Barros, Abraão Ribeiro, Mário Pinto Serva, Samuel A. de Toledo, Paulo Nogueira
Filho, Tácito de Almeida, Antônio Cajado de Lemos, Antônio Couto de Barros,
José Mariano de Camargo Aranha, Henrique Lefèvre, Joaquim Sampaio Vidal,
Prudente de Morais Neto, Moacir Álvaro, Ademar de Sousa Queirós, Sílvio Alves
de Lima, Fábio Camargo Aranha, Paulo Vicente de Azevedo, Eusébio de Queirós
Matoso e Berto Condé.
Essa comissão redigiu um manifesto, contendo as linhas
básicas do programa do partido, que prometia: 1) admitir a revisão do texto
constitucional, menos nos dispositivos que poderiam implicar na redução dos
direitos fundamentais da pessoa humana; 2) lutar pela instituição do voto
secreto e de “medidas asseguradoras do alistamento, do escrutínio, da apuração
e do reconhecimento”; 3) “vindicar para a lavoura, para o comércio e para a
indústria a influência a que têm direito, por sua importância, na direção dos
negócios públicos”; 4) “suscitar e defender todas as medidas que interessam à
questão social”; 5) “pugnar pela independência econômica da magistratura
nacional e pelo estabelecimento de uma organização judiciária em que a nomeação
de juízes e a composição dos tribunais independem completamente de outro
qualquer poder político”, e 6) “pugnar pela independência econômica do
magistério público e pela criação de um organismo integral de instrução,
abrangendo o ensino primário, secundário, profissional e superior”.
Em 21 de março do mesmo ano, no ato de instalação solene da
agremiação, o conselheiro Silva Prado, definindo seus objetivos, declarou em
discurso: “Pode-se observar que o manifesto do partido é por demais conciso,
mas cumpre notar que nele só foi dito o que era permitido dizer, ficando,
porém, claramente demonstrado que no estado de São Paulo há uma parte da
população composta de homens notáveis pelo seu talento, ilustração e relevo
social, capazes de formar um partido político com idéias assentadas sobre o
governo do país e que divergem da orientação dominante.” “Os quadros dirigentes
dos partidos Democrático e Libertador — disse Paulo Nogueira Filho, um dos
fundadores do PD — eram constituídos, na maioria, de fazendeiros e
profissionais liberais da burguesia.”
Também na reunião inaugural de 21 de março, foi eleito o
primeiro diretório da agremiação, em caráter provisório, com o fim de pôr em
prática as primeiras medidas destinadas a completar a sua estruturação. Além de
Antônio da Silva Prado, faziam parte desse diretório Paulo Nogueira Filho,
Cajado de Lemos, Marrey Júnior, Francisco Morato, Gama Cerqueira, Paulo de
Morais Barros, Luís Aranha, Cardoso de Melo Neto, Valdemar Ferreira e Prudente
de Morais Neto.
O PD não era, evidentemente, muito entusiasmado com as
alternativas de uma luta eleitoral. Antes mesmo de sua fundação, seus futuros
membros manifestavam-se seduzidos pelos feitos da Coluna Prestes que em 1925
iniciou sua marcha revolucionária pelo país. Se a preocupação eleitoral dos
democráticos sempre foi muito reduzida e secundária, a conspiração, ao contrário,
iria caracterizar suas atividades, sem que essa forma de proselitismo tenha
concretizado, a não ser eventualmente, seus propósitos de alcance do poder.
No primeiro congresso partidário, realizado em novembro de
1926 no Cassino Antártica, na capital paulista, os democráticos não trataram de
matéria eleitoral. Apenas confirmaram nos cargos os membros do diretório
provisório e reiteraram a validade do programa aprovado na chácara do Carvalho.
Já no congresso de maio de 1927, os democráticos tiveram de se defrontar com um
evento eleitoral. A morte do presidente estadual Carlos de Campos suscitou a
realização de novas eleições provocadas pelo presidente Washington Luís, que
desejava eleger Júlio Prestes. O PD decidiu não participar do pleito.
Também
nessa ocasião, a 22 de maio de 1927, o conselheiro Antônio Prado manifestou de
público sua abjeção pelos partidos tradicionais oligarcas. O Diário Nacional,
órgão oficial dos democráticos, publicou naquela data uma longa declaração
intitulada “pensamento político de Antônio Prado”, na qual o conselheiro dizia
textualmente: “Nenhum acordo será possível com qualquer corrente governista,
mesmo com as que, num ou outro estado, manifestem pruridos de liberalismo.”
Esta era uma indireta para o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada, cujo diálogo com Washington Luís vinha-se tornando quase impossível
e que já determinara sondagens em áreas políticas que procuravam situar-se em
campo oposto ao do Catete. Irredutível, o conselheiro salientava que o propósito
nacional do PD era “estender ao país a organização que se esboçou primeiro em
São Paulo, para que o Brasil inteiro, num movimento em que se conjugam todas as
forças políticas contrárias à oligarquia, senhora do poder central, se empenhe
num combate decisivo em prol dos ideais democráticos”.
Em novembro de 1927 o partido convocou outro congresso e
decidiu participar do pleito municipal que deveria ocorrer em 24 de fevereiro
de 1928. O partido preparou-se ativamente para a luta eleitoral e fez alianças
com grupos esquerdistas que haviam surgido naquela época, fruto do advento
anarquista do início da década. A máquina compressora do PRP, no entanto,
cumprindo determinações ríspidas de Washington Luís, anulou qualquer
possibilidade de resultados expressivos. A derrota dos candidatos do PD foi
total e inquestionável, dentro dos métodos adotados na política daquele tempo.
Os
democráticos compreenderam finalmente que, dentro dos quadros normais do
regime, a chegada ao poder estava cada vez mais distante das possibilidades
oposicionistas. A época, no entanto, era favorável às conspirações. Washington
Luís não conseguira apaziguar o país. Havia negado a anistia, e a baixa cotação
dos preços do café prenunciava os sintomas da crise que iria resultar no crack de
1929.
A
idéia de criação de um partido nacional, fundindo-se os democráticos de São
Paulo com os libertadores do Rio Grande do Sul e com elementos dissidentes da
capital da República liderados por Maurício Lacerda e Adolfo Bergamini,
amadurecia na mente dos próceres dissidentes paulistas. Várias viagens ao Sul
foram feitas por Paulo Nogueira Filho, não só com o fim de tratar dessa união
com Assis Brasil, como ainda com a finalidade de angariar fundos para enviar a
Buenos Aires, onde se encontravam exilados os principais comandantes da Coluna
Prestes. Paralelamente, as três correntes divergentes — de São Paulo, do Rio
Grande do Sul e do Distrito Federal — chegaram a lançar as bases do Partido
Democrático Nacional, constituindo uma comissão organizadora de que faziam
parte Antônio Prado, Assis Brasil, Paulo de Morais Barros, Adolfo Bergamini,
Marrey Júnior, Plínio Casado e Batista Luzardo.
A Aliança Liberal
A
morte de Antônio Prado, no entanto, descongelou a ortodoxia antioligárquica dos
democráticos paulistas. O rompimento de Antônio Carlos com Washington Luís, o
estabelecimento da Frente Única no Rio Grande do Sul e a deflagração da
campanha da Aliança Liberal, apoiada por todas as oposições estaduais, induziram
o PD de São Paulo a aderir à candidatura de Getúlio Vargas à presidência da
República, embora Paulo Nogueira Filho confesse que seus esforços
concentraram-se no sentido de que as correntes divergentes adotassem a
candidatura de Assis Brasil.
Vargas comprometera-se com Washington Luís a não visitar São
Paulo em campanha eleitoral, da mesma forma que o candidato oficial Júlio
Prestes não visitaria o Rio Grande do Sul. Os democráticos, no entanto,
pensavam de outro modo. Achavam que o pacto não deveria ser cumprido, uma vez
que, para a causa da Aliança Liberal e, especialmente, no interesse do PD, a
ida de Vargas a São Paulo era da mais alta importância. Paulo Nogueira Filho,
um dos maiores entusiastas da idéia, articulou a viagem. Vargas concordou com a
reivindicação dos democráticos e foi, encontrando ao chegar uma comissão de
recepção composta de Fábio Camargo Aranha, Prudente de Morais Neto, Manfredo
Costa, Plínio Queirós e Caio Prado Júnior. O êxito da viagem foi total e o PD
procurou tirar o máximo de proveito popular da consagração a Vargas.
Realizadas as eleições de março de 1930, que deram a vitória
a Júlio Prestes, a maioria do PD conformou-se com a derrota. Uma vez iniciados
os preparativos para a revolução, o partido como um todo esquivava-se toda vez
que era abordado para envolver-se na ação revolucionária. Essa não era, no
entanto, a posição de Francisco Morato, presidente do partido, em substituição
a Antônio Prado. Morato, juntamente com Paulo Nogueira Filho e Aureliano Leite,
começou a manter contatos com Virgílio de Melo Franco em Minas e Antunes Maciel
no Rio Grande do Sul, tendo a preparação para a luta armada como objetivo
principal. As incumbências logo começaram a ser divididas. Aureliano, mineiro
de nascimento, foi encarregado de travar contatos com algumas bases políticas
do sul de Minas controladas pelo seu irmão Licurgo, enquanto a frente sulina
ficou na dependência das articulações de Paulo Nogueira Filho.
Quando a revolução estourou em 3 de outubro de 1930, o Diário
Nacional foi logo submetido à censura. Após receberem a notícia da deposição de
Washington Luís, em 24 de outubro, os democráticos tiveram de enfrentar sua
primeira e grande batalha, que era garantir a posse dos Campos Elíseos como
recompensa de sua adesão à Aliança Liberal.
O confronto com os “tenentes”
A
história do governo paulista pós-revolucionário teve uma seqüência rica de
episódios relevantes. Logo depois que Washington Luís foi deposto, a junta
militar que o substituiu ordenou que o general Hastínfilo de Moura, comandante
da 2ª Região Militar (2ª RM), assumisse o governo paulista e constituísse um
secretariado provisório. A junta militar nomeou Hastínfilo, uma vez que
Francisco Morato recusara sua indicação. O presidente do PD explicou por
telegrama ao general Tasso Fragoso que não seria lícito de sua parte aceitar
uma delegação da junta, quando seu partido apoiara Vargas na campanha eleitoral
e na ação revolucionária. Desta forma, a única condição que considerava
legítima para tomar o controle do governo paulista seria uma ordem de Vargas.
Era exatamente essa ordem que Paulo Nogueira Filho, dentro do
comboio que trazia Vargas do Sul, rumo ao Rio, vinha encontrando dificuldade em
obter. Contra ela opunham-se os “tenentes” e alguns líderes civis do movimento
ligados à facção militar. Miguel Costa era o mais intransigente deles. Em sua
opinião, São Paulo tinha sido o principal centro de resistência
anti-revolucionária. A máquina perrepista, de quase 60 anos, tinha de ser
desfeita pela pressão armada e não pelos políticos democráticos que tinham com
seus adversários afinidades sociais e ideológicas. Miguel Costa, juntamente com
João Alberto Lins de Barros, incorporara em suas tropas muitos dos elementos
que com ele haviam percorrido o Brasil entre 1925 e 1927 engajados na Coluna
Prestes. Esses voluntários estavam acostumados a só receber ordens de seus
antigos comandantes e, por essa razão, o meio civil estava em desvantagem.
Virgílio de Melo Franco recomendava cuidado no encaminhamento
do problema. Quando o trem foi-se aproximando de São Paulo, em cada parada que
fazia embarcava um grupo de emissários democráticos. Numa das paradas finais,
embarcou Francisco Morato, presidente do partido e candidato à interventoria. O
entusiasmo revolucionário da oposição paulista começou a decrescer quando João
Alberto apresentou uma credencial de delegado militar do novo governo.
João
Neves da Fontoura tentou explicar as razões da revolução. João Alberto, com
suas credenciais, teria como encargo a supervisão do escoamento das tropas que
deveriam seguir rumo ao Rio de Janeiro. Destituído o general Hastínfilo no dia
28 de outubro, o governo paulista foi entregue a um secretariado de alto nível,
com predominância democrática, constituído de Plínio Barreto (Justiça), José
Maria Whitaker (Fazenda), José Carlos de Macedo Soares (Interior), Francisco
Monlevade (Viação), Henrique de Sousa Queirós (Agricultura), Vicente Rao (chefe
de polícia) e Cardoso de Melo Neto (prefeito da capital). O PD expediu nota
informando ao público paulista que tal solução fora tomada pelo “eminente
chefe, presidente Getúlio Vargas, a inteiro contento nosso e com a nossa
colaboração”.
Instalado o Governo Provisório de Vargas, em 3 de novembro,
os democráticos conquistaram o Ministério da Fazenda, através de José Maria
Whitaker, substituído no secretariado paulista por Erasmo Assunção, e a
presidência do Banco do Brasil, para a qual foi indicado Vicente de Almeida
Prado. Além disso, o Governo Provisório nomeou na área dos democráticos Paulo
Prado para a presidência do Conselho Nacional do Café, Francisco Alves dos
Santos Filho para a diretoria da Carteira de Crédito Comercial do Banco do
Brasil e Paulo Nogueira Filho para a diretoria da Comissão Nacional de Compras.
Vicente
Rao, no exercício de suas funções, fez uma reforma total das principais
delegacias de polícia do estado de São Paulo, demitindo seus antigos titulares
e nomeando para suas vagas todos os próceres democráticos. Entre os principais
delegados incluíam-se Aureliano Leite, Paulo Duarte, Carlos Morais Andrade,
Joaquim Celidônio Filho, Marcos Mélega e Paulo Nogueira Filho, todos eles
fundadores do PD. Diante da disposição de Rao de controlar o aparelho policial
e da de João Alberto e Miguel Costa no sentido de substituir as antigas e
tradicionais agremiações partidárias por legiões revolucionárias,
estabeleceu-se o primeiro choque entre as duas correntes. Muito cedo os líderes
tenentistas, dos quais João Alberto era intérprete, e os diretores do PD
entrariam em conflito irremediável.
João Alberto autorizava comícios da Legião Revolucionária sem
consultar Rao, e este prendia elementos da legião que tentavam reunir-se em
praça pública sem o consentimento das autoridades ligadas à segurança. O
conflito generalizou-se com imprevisível extensão. O governo federal ainda
tentou manobrar para evitar o rompimento. Vargas sabia que, em decorrência da
impertinente pressão tenentista que pesava sobre seu governo, não poderia
descartar-se tão cedo dos principais suportes militares da revolução. Mas, por
outro lado, era difícil prescindir do apoio da política paulista que, bem ou
mal, estava representada pelos democráticos. A ida de José Maria Whitaker para
o Ministério da Fazenda representara um fator de ligação entre o Catete e os
Campos Elíseos, um anteparo para um choque de maiores proporções.
A
preocupação de atenuar as razões que pudessem provocar um brusco corte nas
relações entre São Paulo e o Governo Provisório existia de parte a parte. Em
fevereiro de 1931, o PD reuniu na capital bandeirante o seu VII Congresso. Por proposta
de Marrey Júnior, o plenário votou uma moção de “inteira solidariedade ao
Governo Provisório da República, sob a chefia do eminente sr. Getúlio Vargas”.
A moção de congratulações com João Alberto — nomeado interventor em 25 de
novembro de 1930 — foi menos calorosa. Os chefes do interior, que assistiam à
invasão das delegacias, coletorias, prefeituras e órgãos de fiscalização por
candidatos da Legião Revolucionária, não tinham maiores entusiasmos nos
aplausos devidos ao interventor-tenente.
A oposição declarada
Era
falsa e insegura toda a manifestação de solidariedade, de apoio político e de
identidade de objetivos entre o PD e o governo paulista. A 7 de abril de 1931,
em longo manifesto, o PD rompeu definitivamente com a interventoria de João
Alberto. Os motivos eram os mesmos alegados nos pronunciamentos anteriores, com
um agravante: João Alberto estava consentindo a interferência de comunistas na
Legião Revolucionária, e o Exército estava respaldando essa política. À margem
disso, o interventor era acusado de estar desorganizando os serviços
administrativos do estado, mediante a substituição de funcionários competentes
por elementos que não portavam outra credencial além do fato de pertencer à
Legião Revolucionária.
Apesar da decisão de rompimento, os democráticos não excluíam
alternativas de entendimento com Vargas. A substituição de João Alberto por
Laudo de Camargo na interventoria em julho de 1931 satisfez parcialmente aos
chefes do PD. Os “tenentes”, no entanto, não se conformaram. João Alberto,
credenciado pelo Governo Provisório, interveio na organização do secretariado
de Laudo de Camargo, pedindo a substituição de Numa de Oliveira à frente dos
negócios estaduais da Fazenda. Em novembro Camargo pediu demissão, e Vargas
nomeou outro tenente, Manuel Rabelo, para o cargo de interventor.
O
agravamento da situação resultou no lançamento do manifesto de 13 de janeiro de
1932, quando o PD decidiu romper com o Governo Provisório de Vargas. O
manifesto era longo e contava a história da participação do partido na
Revolução de 1930. Exaltava o gesto de renúncia e lealdade de Francisco Morato,
presidente do partido, que recusara a interventoria a 24 de outubro, proposta
pela junta que depôs Washington Luís, sob o argumento de que tal aceitação
seria uma desconsideração para com Getúlio Vargas e a revolução. O documento
exagerava ainda a intervenção do partido no confronto militar que se daria em
Itararé e que só não ocorreu porque a retaguarda governista estava ocupada com
arregimentações mobilizadas pelo PD. O manifesto era assinado por Morato,
Cardoso de Melo Neto, Paulo de Morais Barros, Marrey Júnior, Sampaio Vidal,
Joaquim Celidônio, Vicente Rao, Antônio Carlos de Abreu Sodré, Elias Machado,
Francisco Mesquita, Aureliano Leite, Agostinho Rizzo, Antônio Soares de Lara,
Fábio de Camargo Aranha, Paulo Ribeiro da Luz, Manfredo Antônio da Costa,
Valdemar Rangel, Valdemar Ferreira, Cesário Coimbra, Henrique Bayma e Prudente
de Morais Neto.
A decisão pelas armas
Unidos a partir de fevereiro de 1932 na Frente Única Paulista
(FUP), o PD e o PRP passaram a clamar através de comícios e da imprensa contra
a “ocupação militar” de São Paulo. Vargas, preocupado com as dimensões do
confronto, voltou a optar por uma solução política. A 7 de março de 1932,
nomeou interventor o embaixador Pedro de Toledo, antigo ministro da Agricultura
do governo Hermes da Fonseca e bastante ligado aos democráticos, embora
procurasse aparecer como desvinculado de compromissos partidários. O
secretariado de Toledo era composto de Silva Gordo (Fazenda), Manuel Figueiredo
Ferraz (Justiça), Teodureto Camargo (Agricultura), Mendonça Lima (Viação) e
Raul Briquet (Educação e Saúde). O interventor nomeou ainda Prudente de Morais
Neto para a prefeitura da capital, Levi Cardoso para o Departamento de
Administração Municipal e manteve Osvaldo Cordeiro de Farias na chefia de
polícia e Miguel Costa no comando da Força Pública. Tratava-se, portanto, de um
secretariado de coalizão entre políticos e “tenentes”.
Com
os acontecimentos de 23 de maio de 1932, que mobilizaram São Paulo em
manifestações de rua contra o Governo Provisório, Toledo, ainda com
aquiescência do governo federal, constituiu novo secretariado, agora composto
só de políticos da FUP. O PD assumiu os principais postos: Valdemar Ferreira
foi para a Secretaria de Justiça e Segurança Pública; Fonseca Teles, para a
Secretaria de Viação; Paulo de Morais Barros, para a Secretaria de Fazenda, e
Joaquim Sampaio Vidal, para o Departamento de Administração Municipal. Valdemar
Ferreira, logo em seguida, demitiu Cordeiro de Farias da chefia de polícia e
Miguel Costa do comando da Força Pública. Esses dois cargos passaram a ser
ocupados por Tirso Martins, do PRP, e pelo coronel Júlio Marcondes Salgado, que
comandava uma unidade da Força Pública em Campinas. Estava composto o
secretariado que levaria São Paulo à revolução de 9 de julho contra o governo
federal.
Tão certo estava o PD da vitória do movimento
constitucionalista que alguns de seus membros, a 10 de junho de 1932, já haviam
elaborado um anteprojeto de programa partidário que, segundo se supunha, seria
adotado pela situação que substituísse o Governo Provisório de Vargas. Esse
programa, elaborado por Vicente Rao, Marrey Júnior, Cardoso de Melo Neto,
Henrique Bayma e Vicente Pinheiro, propunha eleições indiretas para presidente
da República, governadores de estado e senadores, mantendo-se o voto direto
apenas nas eleições de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e deputados
federais. O Senado passaria a denominar-se Conselho Federal. As unidades
federativas seriam divididas em estados, províncias e territórios. A religião
católica, como no tempo da Monarquia, teria tratamento especial em relação aos
demais cultos, aos quais se proibiriam as manifestações públicas. Além disso, o
PD propunha a regulamentação médica e policial do meretrício, a regulamentação
do consumo de bebidas alcoólicas, o estabelecimento de cursos públicos de
higiene social, a obrigatoriedade do exame pré-nupcial e o desenvolvimento da
educação física e incremento dos desportos. A 9 de julho de 1932, teve início a
revolução que, em nome da reconstitucionalização, preconizava a derrubada do
Governo Provisório instituído em 1930. Nesse dia, sob pressão de Valdemar
Ferreira, o interventor pediu demissão do cargo e foi aclamado governador de
São Paulo “em nome do povo, do Exército e da Força Pública”.
Os revoltosos paulistas contavam, para o êxito de sua
empreitada, com o apoio de Olegário Maciel em Minas e de José Antônio Flores da
Cunha no Rio Grande do Sul. Essas duas articulações falharam. No caso de Minas,
porque Maciel, em luta contra o PRM, não desejava colocar-se do mesmo lado de
Artur Bernardes. O situacionismo gaúcho, a princípio vacilante, cedeu
finalmente aos argumentos de Osvaldo Aranha, que colocou o problema para Flores
em termos de sobrevivência da Revolução de 1930.
A 2 de outubro, o general Bertoldo Klinger, comandante
militar da Revolução Constitucionalista, assinou o armistício junto com o
general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, que comandava as tropas governistas no
vale do Paraíba. A Força Pública, por outro lado, tal como em 1930, fez a paz
em separado com o comando legalista.
Em conseqüência da derrota, os líderes democráticos foram
quase todos exilados. Entre eles incluíram-se Francisco Morato, Valdemar
Ferreira, Aureliano Leite, Francisco Mesquita, Júlio de Mesquita Filho, Paulo
Nogueira Filho, Paulo Duarte, Prudente de Morais Neto, Marcos Mélega e Joaquim
Sampaio Vidal. Para o exílio partiu, igualmente, o ex-interventor Pedro de
Toledo.
O fim do partido
No exílio, as opiniões eram divergentes quanto à continuidade
da luta. Francisco Morato, em carta aos correligionários, julgava que a
convocação da Constituinte eliminara todos os pretextos para o regresso à
atividade conspiradora. A posição de Morato, evidentemente, desencorajou os que
ainda acreditavam no êxito da luta armada.
Simultaneamente,
José Carlos de Macedo Soares, na tentativa de reconciliar São Paulo com o
governo federal, pleiteou e obteve de Vargas duas concessões que, na prática,
desestimulavam a crença na hostilidade pelas armas: a primeira foi a aceitação
da presença da Chapa Única por São Paulo Unido no pleito de 3 de maio de 1933
para a Assembléia Nacional Constituinte e a segunda foi a indicação para a
interventoria em São Paulo de Armando de Sales Oliveira, que, apesar de ligado
politicamente ao PD e familiarmente a Júlio de Mesquita, recusara a Secretaria
de Fazenda que lhe oferecera o interventor Pedro de Toledo após os
acontecimentos de 23 de maio.
Na Chapa Única por São Paulo Unido, o PD estava representado
pelos candidatos Carlos de Morais Andrade, Henrique Bayma, Cardoso de Melo Neto
e Antônio Carlos de Abreu Sodré. O único realmente eleito foi Morais Andrade.
Os outros figuraram como suplentes. Por outro lado, no processo da indicação de
Armando Sales, veio a anistia aos implicados na Revolução de 1932. Os exilados
começaram a voltar e a intervir na luta política.
O
pouco sucesso eleitoral do PD — a maioria da Chapa Única fora composta de
perrepistas — levou o interventor Armando Sales a reformular o sistema
partidário de São Paulo, tendo em vista as eleições de outubro de 1934 e suas
próprias esperanças de se candidatar à presidência da República. Por pressão de
Armando Sales, ficou assim decidida a dissolução do PD. Muitos foram
contrários, como Aureliano Leite, que ligou o fato a uma manobra de Cesário
Coimbra, Paulo Nogueira Filho e Antônio Carlos de Abreu Sodré no sentido de
afastar Francisco Morato da presidência da agremiação.
A 24 de fevereiro de 1934, Valdemar Ferreira, em ato público,
com a presença de elementos da Federação dos Voluntários e da Ação Nacional
Republicana, dissidência do PRP, fez a apologia do partido que ajudara a
fundar, “que atinge hoje o termo de sua trajetória política, encerrando
nobremente o ciclo de sua existência”. O PD acabou exatamente na data em que
completava oito anos de vida. Para substituí-lo, foi fundado o Partido
Constitucionalista de São Paulo.
Plínio de Abreu Ramos
FONTES: Diário
Oficial (18/1/21); Estado de S. Paulo (25/1/34); FRANCO, V. Outubro; Jornal (4
e 7/3/32); LEITE, A. Páginas; NOGUEIRA FILHO, P. Ideais; SILVA, H. 1931.