PARTIDO
REPUBLICANO RIO-GRANDENSE (PRR)
Partido
político gaúcho fundado em 23 de fevereiro de 1882 durante uma convenção
realizada em Porto Alegre. Seus fundadores eram adeptos do regime republicano e
inspiravam-se no Manifesto Republicano de 3 de dezembro de 1870. Sua
organização e sua orientação política foram ditadas por Júlio de Castilhos e
Joaquim Francisco de Assis Brasil, seus primeiros grandes líderes. Foi extinto
pelo Decreto nº 37, junto com os demais partidos do país, em 2 de dezembro de
1937.
Programa
O programa do PRR era divulgado pelo jornal A Federação,
órgão oficial criado em janeiro de 1884. Partindo da luta por um governo
republicano, federativo, presidencial e temporal, o partido propunha-se a
defender a eleição direta dos chefes dos executivos federal, estadual e
municipal; o voto livre e público, quer proferido nas urnas pelo eleitorado,
quer nos júris pelos juízes, quer nas assembléias representativas; a liberdade
de pensamento e de expressão, de reunião e de associação, e o ensino primário
leigo e gratuito. Na área administrativa, era defendido o livre exercício da
autonomia dos estados, que deveriam ser regidos por constituições e leis
próprias e estar a salvo da intervenção da União, a não ser nos casos em que o
regime republicano federativo estivesse ameaçado. Os municípios deveriam ter
igualmente respeitada sua autonomia no tocante às questões de interesse interno.
Os aparelhos de governo da União e dos estados deveriam ser integrados pelos
seguintes órgãos, independentes, mas harmoniosos: uma presidência e uma
assembléia e uma magistratura (nos municípios, uma intendência e um conselho).
Na área econômica, o PRR pretendia incentivar o
desenvolvimento da agricultura, da pecuária e das indústrias rurais, e
organizar um plano geral de viação como garantia de defesa do território
nacional, do desenvolvimento industrial do país e da facilidade de suas
relações exteriores.
Entre
suas teses sociais figuravam a educação e a instrução popular, o regime de oito
horas de trabalho nas oficinas do estado e nas indústrias o regime de férias
para os trabalhadores; a propagação junto aos chefes agrícolas, comerciais e
industriais da necessidade de harmonizar os interesses do capital com o
trabalho, e a defesa do índio, que deveria ter garantida a posse de seu
território, e ser acolhido, educado e incorporado ao convívio nacional.
A
orientação do PRR foi profundamente marcada pela filosofia positivista de
Augusto Comte, o que é comprovado pela adoção do lema “A ordem como base do
progresso social”.
A Primeira República
De
1892 a 1930, o PRR governou o Rio Grande do Sul sem interrupção. Entre 1889 e
1923, nenhum congresso do partido foi realizado.
Durante todo o final do século XIX, Júlio de Castilhos
dominou o partido e o estado de forma autoritária, monopolizando a máquina
governamental e vedando a seus adversários qualquer possibilidade de acesso ao
poder.
Os primeiros integrantes do PRR eram originários da
aristocracia rural. Unindo os fazendeiros à nascente classe média urbana,
principalmente aos pequenos comerciantes profissionais, funcionários públicos e
oficiais da Brigada Militar, Júlio de Castilhos consolidou seu poder pessoal,
propiciando a formação de um tipo de chefe local distinto dos existentes nas
outras regiões do país. No Rio Grande do Sul, o chefe local conquistava sua
posição não somente em função de seu poder econômico e prestígio social, mas
também e sobretudo por sua disposição em acatar as ordens superiores.
Com
a morte de Júlio de Castilhos em 24 de outubro de 1903, a chefia do PRR, por
indicação de Pinheiro Machado, foi entregue a Antônio Augusto Borges de
Medeiros. O novo chefe logo conseguiu o total controle do poder sobre seus
correligionários: em fevereiro de 1905, concentrou em suas mãos a escolha dos
candidatos ao Legislativo estadual, até então incumbência da comissão executiva
do partido.
Tanto sob Júlio de Castilhos quanto sob Borges de Medeiros,
que governou o estado de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928, o poder do PRR foi
assegurado pela intervenção direta nas eleições locais e nos assuntos
administrativos. Se as autoridades locais desafiassem uma ordem executiva, o
presidente do estado tinha o poder constitucional — outorgado pela Constituição
estadual de 14 de julho de 1891 — de anular suas resoluções. E, uma vez que as
leis estaduais, à exceção das orçamentárias, eram criadas por decreto pelo
presidente do estado, o controle executivo sobre os municípios era absoluto.
Para
sustentar seus decretos, o presidente do Rio Grande do Sul dispunha, em
primeiro lugar, da Brigada Militar, força que, durante a Primeira República,
variou entre 1.500 e 3.200 homens. A brigada era um exército estadual tão bem
aparelhado quanto seu equivalente federal. Em segundo lugar, o voto era a
descoberto. Quando a oposição ao PRR dispunha de maioria absoluta em uma
localidade, não lhe era permitido registrar um número de eleitores suficiente
para conquistar o controle do governo local, e muito menos para desafiar a
hegemonia do PRR em nível estadual. A oposição ao PRR era mais vigorosa nos
municípios da fronteira, e mais fraca nas comunidades da serra, povoadas por
colonos italianos e alemães.
O
primeiro grande problema enfrentado pelo PRR surgiu em 1922, quando das
eleições para a presidência do estado. Ao se candidatar ao cargo pela quinta
vez consecutiva, Borges de Medeiros defrontou-se com a oposição dos
federalistas, dos democráticos e dos republicanos dissidentes, que se uniram em
torno da Aliança Libertadora e lançaram a candidatura de Joaquim Francisco de
Assis Brasil, antigo republicano cujo objetivo era extinguir o domínio de
Borges no Rio Grande do Sul.
Borges de Medeiros venceu as eleições, mas foi contestado por
Assis Brasil. Enquanto se discutia a validade dos resultados eleitorais, a
Comissão de Constituição de Poderes da Assembléia, em 16 de janeiro de 1923,
proclamou a vitória de Borges de Medeiros por maioria de votos superior a 3/4
do total. Borges tomou posse em 25 de janeiro, e imediatamente irrompeu a
guerra civil no estado.
No
mês de maio, o presidente da República Artur Bernardes enviou Tavares de Lira
ao Rio Grande do Sul para tentar um acordo com os rebeldes. O emissário
presidencial, porém, nada conseguiu, pois Borges de Medeiros, que começava a
contra-atacar obtendo algumas vitórias, julgava “contar com elementos para
dominar o movimento revolucionário”, e não aceitou a “condição básica” do
acordo, ou seja, “sua renúncia, para que o eleitorado sancionasse a escolha de
um terceiro rio-grandense”.
De
julho a novembro, os revolucionários intensificaram os combates, e a situação
militar lhes foi favorável. No mês de outubro, o ministro da Guerra, Setembrino
de Carvalho, a pretexto de inspecionar a região militar, foi ao Rio Grande do
Sul levando um memorando com dez itens, tratando especificamente de paz entre
as partes. Entre outubro e novembro, as duas partes discutiram as propostas,
terminando por firmar o Convênio de Pedras Altas, pelo qual se tratava o artigo
9º da Constituição estadual, ficando proibidas as reeleições do presidente do
estado a partir do período seguinte.
Na
escolha do sucessor de Borges de Medeiros em novembro de 1927, enquanto a
oposição negava-se a apresentar um candidato, o PRR lançou a candidatura de
Getúlio Vargas, ministro da Fazenda de Washington Luís. Essa candidatura teria
sido articulada pelo próprio Washington Luís, e pelos republicanos Osvaldo
Aranha e José Antônio Flores da Cunha. Borges de Medeiros, ao contrário, teria
preferido Protásio Alves. O “liberalismo” de Getúlio Vargas era visto como
excepcional mesmo dentro do PRR, que se dividia em duas correntes: de um lado,
o grupo liberal, ligado a Getúlio, e, de outro, a “velha guarda”, ligada a
Borges de Medeiros. Essa divisão se teria precipitado com a apresentação da
chapa dos candidatos à Assembléia estadual, indicada por Vargas e não por
Borges.
A oposição gaúcha — reunida a partir de março de 1928 no
Partido Libertador (PL) — colocou grandes esperanças em Getúlio, vendo em sua
vitória a possibilidade de um governo mais liberal. O PL chegou mesmo a
identificar na plataforma de Vargas posições semelhantes às suas no tocante à
solução dos problemas econômicos do estado, sobretudo a assistência à pecuária.
No plano federal, o PRR desenvolveu nesse período uma
campanha a favor da anistia dos revolucionários de 1922, 1924 e 1926. Flores da
Cunha empenhou-se em preparar um projeto de anistia que incluísse, além dos
militares revolucionários, os condenados por delitos políticos em virtude da
Lei de Imprensa e da repressão ao comunismo. Seu projeto não chegou a ser
votado na Câmara Federal, pois sua discussão foi rejeitada. Getúlio Vargas,
embora favorável à anistia, submeteu-se à decisão do governo central.
Os
principais membros do PRR nessa fase eram Borges de Medeiros, Getúlio Vargas,
Protásio Alves, Flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho,
Osvaldo Aranha, João Fernandes Moreira, Vítor Russomano, Ariosto Pinto, Álvaro
Masera, Armando Vitorino Prates, Álvaro Batista, Montauri Leitão, Frederico
Carlos Gomes, Maurício Cardoso e Otelo Rosas (líder na Assembléia de
Representantes estadual e redator de A Federação).
A Aliança Liberal e a Revolução de 1930
No encaminhamento da escolha dos candidatos à presidência da
República para o quadriênio 1930-1934, ocorreu uma cisão entre Minas Gerais e
São Paulo. Quebrando uma das regras fundamentais da política até então em
vigor, segundo a qual o próximo presidente deveria ser mineiro, Washington Luís
indicou como candidato à sua sucessão o paulista Júlio Prestes, presidente do
estado de São Paulo e líder da maioria na Câmara Federal.
O peso do Rio Grande do Sul nas eleições seria considerável,
pois a união de seus partidos somava mais de duzentos mil votos. Visando lançar
um candidato de oposição, Minas Gerais aproximou-se então do Rio Grande. Em 17
de junho de 1929, João Neves da Fontoura (vice-governador do Rio Grande do Sul
e deputado federal), Francisco Campos e José Bonifácio (ambos do Partido
Republicano Mineiro — PRM) firmaram um pacto através do qual afirmavam que
“ressalvada a hipótese de apresentarem as forças majoritárias coordenadas pelo
sr. Washington Luís o nome de um político de Minas para sucedê-lo na
presidência da República, o PRM proporia às mesmas forças o nome do sr. Borges
de Medeiros ou do sr. Getúlio Vargas e sustentaria o escolhido em caso de
luta”. Esse pacto, conhecido como Pacto do Hotel Glória, daria origem à Aliança
Liberal. Além dos dois estados citados, o movimento receberia a adesão da
Paraíba e de todas as oposições estaduais, e contaria com a participação
efetiva dos “tenentes”.
Em 30 de julho de 1929, a comissão executiva do PRM, em nome
da Aliança Liberal, lançou a candidatura de Getúlio Vargas e João Pessoa,
presidente do estado da Paraíba, respectivamente à presidência e à
vice-presidência da República. Com isso, abriu-se no Rio Grande do Sul a
possibilidade de uma aliança entre o PRR e o PL.
Dentro
do PL, Assis Brasil e Raul Pilla eram os mais favoráveis à aliança dos dois
partidos. Em agosto de 1929 foi finalmente formada a Frente Única Gaúcha (FUG)
ou Frente Única Rio-Grandense (FURG), integrada pelo PRR e o PL, com o objetivo
de garantir a eleição de um presidente gaúcho. A FUG iria tornar-se uma das
principais bases de apoio da Aliança Liberal.
A oposição ao governo de Washington Luís nesse momento
manifestava-se na ação interna dos políticos do PRR, do PL e do Partido
Democrático de São Paulo, e ainda na ação externa dos “revolucionários”
exilados. A ação desenvolvida tinha como objetivo comum a “remodelação da
República”.
Com a derrota da Aliança Liberal nas eleições de 1º de março
de 1930, entretanto, a posição do PRR foi de indefinição. Em 19 de março,
Borges de Medeiros declarou em entrevista ao jornal A Noite que “a campanha
eleitoral e a Frente Única foram encerradas em 1º de março”. Essas declarações
provocaram a indignação de alguns aliancistas, que, tendo à frente Osvaldo
Aranha, protestaram contra os resultados eleitorais, tachando-os de
fraudulentos. A crise instalada dentro do PRR manifestava-se tanto na
divergência de posições entre Borges, Neves e Aranha, como entre Borges e
Getúlio.
Os
efeitos da crise republicana e da indefinição política do governo do Rio Grande
do Sul produziram reflexos sobre a FUG e a Aliança Liberal. Sem contar com uma
posição definida do governo gaúcho, a Aliança dificilmente poderia
manifestar-se, fechando-se assim a única área de atuação da FUG. Embora
contasse com o apoio do PL e de João Neves, a frente gaúcha viu-se portanto
praticamente dissolvida.
Na
Câmara Federal, a maioria da bancada do PRR mostrava-se desorientada, tendendo
a aceitar a situação. O problema de Princesa, que opôs na Paraíba os seguidores
de João Pessoa aos de José Pereira, provocou porém a reação de alguns líderes
gaúchos, que se mostraram revoltados com a direção dos acontecimentos. Osvaldo
Aranha apoiava integralmente João Pessoa, defendendo inclusive o envio de
armamentos. No mês de abril, contudo, quando os líderes do Legislativo federal
se reuniram para decidir o reconhecimento das bancadas eleitas, todos os
representantes paraibanos apoiados por José Pereira foram admitidos.
Em maio, já se delineava claramente a existência de duas
correntes antagônicas no interior do PRR, com Borges de Medeiros em posição
conciliadora, tentando evitar a cisão. De um lado colocavam-se João Neves,
Osvaldo Aranha e Ariosto Pinto, líderes radicais que começavam a falar
claramente nos preparativos de uma revolução armada. De outro, situavam-se
Firmino Paim Filho, Vespúcio de Abreu, Antônio Carlos Penafiel e Augusto
Pestana. A posição de Paim era declaradamente contrária à de João Neves,
considerada inconciliável com o programa do partido. Com o propósito de
contornar a crise, Paim sugeriu a realização de uma convenção a que deveriam
comparecer senadores, deputados federais e estaduais, intendentes e chefes
locais.
Borges
de Medeiros, contudo, preferiu discutir com Getúlio a atuação da bancada
republicana na Câmara Federal. Nesse encontro foi decidido que Neves
continuaria como líder da bancada, mas só poderia agir com o consenso da mesma;
que, em caso de divergência sobre questões políticas, o consultado seria Borges
de Medeiros, e que, em caso de dúvida sobre a administração, as consultas
seriam feitas a Vargas.
A
situação do PRR complicou-se quando sua comissão central enviou aos chefes
locais uma carta circular aparentemente inspirada em Getúlio e Paim, dando por
extinta a FUG e ameaçando de repressão as manifestações em contrário.
Ao mesmo tempo que isso acontecia, porém, Luís Aranha era
enviado ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte para informar aos líderes
aliancistas que o PRR e o governo gaúcho estavam “decididos à luta até as
últimas conseqüências”, o que incluía o apoio ao movimento armado. As relações
entre os políticos da Aliança Liberal e os oficiais exilados começaram então a
se estreitar.
Borges
de Medeiros afirmava que deveriam ser envidados todos os esforços para que se
evitasse o desencadeamento da revolução. Sua posição coincidia com a do
presidente do estado de Minas, Antônio Carlos, que era favorável à adoção de
diretivas exclusivamente políticas, baseadas na aliança de seu estado com o Rio
Grande do Sul e a Paraíba, “agora e no futuro governo”. Essa posição se teria
originado da fraqueza dos contingentes revolucionários em grandes regiões como
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Borges
de Medeiros aconselhou Getúlio, caso fosse inevitável a revolução, a não apoiar
o governo federal, mas, ao mesmo tempo, a não envolver o Rio Grande do Sul no
movimento. O chefe do PRR mostrava-se contrário à revolução por achar que o
movimento ia de encontro aos fins do Estado, cuja função primordial era manter
a ordem e a lei. Sua sugestão, em resumo, era que Getúlio ficasse diante da
revolução em “atitude passiva, mas simpática”.
Osvaldo
Aranha acompanhava de perto os planos revolucionários preparados por João
Alberto Lins de Barros no Sul, por Antônio de Siqueira Campos em São Paulo e
por Juarez Távora no Norte. Mantinha-se também em contato com Luís Carlos
Prestes, fornecendo-lhe amplos recursos, destinados a um futuro movimento
armado. Prestes via que todos os seus antigos seguidores vinham participando
dos preparativos da revolução. Osvaldo Aranha convidou-o a ser o chefe militar
do movimento, ao lado de Getúlio Vargas, que seria seu chefe civil.
O manifesto de Prestes publicado em 30 de maio foi um marco
importante na definição das posições em torno do movimento revolucionário.
Prestes declarou-se radicalmente contra os objetivos da Aliança Liberal e da
revolução por ela proposta. Segundo ele, a situação do Brasil só podia ser
analisada e compreendida como um reflexo da luta interimperialista pela
conquista do mercado na América Latina. O papel da Aliança Liberal, em sua opinião,
era contra-revolucionário.
No dia 26 de julho, João Pessoa foi assassinado em Recife.
Considerado como um ato político de seus adversários, seu assassinato reagrupou
as forças de oposição a Washington Luís em torno da idéia revolucionária. Sob o
alto comando de Getúlio Vargas, Olegário Maciel, Osvaldo Aranha, Virgílio de
Melo Franco, João Neves da Fontoura e Antunes Maciel, a revolução eclodiu
finalmente a 3 de outubro.
Com a vitória dos revolucionários, Getúlio Vargas assumiu a
chefia do Governo Provisório da República, e Flores da Cunha foi nomeado
interventor no Rio Grande do Sul. Dos quadros do PRR saíram ainda para
participar do Governo Provisório Osvaldo Aranha, inicialmente ministro da
Justiça e mais tarde ministro da Fazenda, Maurício Cardoso, ministro da
Justiça, e Lindolfo Collor, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
O Governo Provisório
A atuação dos partidos gaúchos no período imediatamente
posterior à revolução esteve diretamente ligada à da FUG. A permanência da
frente gaúcha tornou-se uma condição imprescindível para a preservação da
coerência entre a realidade política do estado e o processo político nacional.
Tentou-se a todo custo evitar a cristalização, dentro do Rio Grande do Sul, de
um movimento de oposição que pudesse receber o apoio de outros grupos
oposicionistas em formação nos demais estados da Federação.
Entretanto,
dentro do PRR, verificaram-se algumas divergências de opinião quanto ao
encaminhamento do processo político nacional. Enquanto Borges de Medeiros
mostrava-se preocupado em apressar o fim do regime de exceção, Flores da Cunha
e uma parte do partido encaravam com otimismo os rumos tomados pela revolução,
e mostravam-se confiantes na atuação do Governo Provisório, entre outras razões
porque acreditavam que em breve o país voltaria ao regime constitucional. Entre
os que atuavam em nível federal, Osvaldo Aranha divergia de Lindolfo Collor.
Havia ainda João Neves da Fontoura, cuja atuação se desenvolvia no nível da
“política de bastidores”.
Paralelamente à criação das legiões revolucionárias nos
diversos estados, inclusive o Rio Grande do Sul, iniciou-se o debate em torno
do papel dos partidos na renovação política nacional.
Para Flores da Cunha, a Legião Revolucionária era um
movimento destinado à defesa, à fiscalização e à execução dos princípios da
revolução, e como tal contava com seu apoio incondicional. Sua criação não se
opunha à existência de partidos políticos. Ao contrário, o fortalecimento
destes era considerado pelo interventor gaúcho como a única forma de um governo
se tornar representativo.
Para Osvaldo Aranha, a Legião Revolucionária deveria promover
basicamente a educação do povo. O movimento seria também uma “garantia contra
as revoluções”, e os partidos políticos só teriam a ganhar com sua instalação. Osvaldo
Aranha achava que o governo revolucionário constituía uma tarefa a ser
realizada a partir de uma orientação suprapartidária, e que os partidos
deveriam estar voltados para a problemática nacional, deixando de lado as
rivalidades locais. Na verdade, Aranha considerava que ainda não era a hora de
os partidos lutarem pela conquista de postos. Naquele momento, o regime era
ditatorial, e os partidos de todo o país deveriam fazer como o Rio Grande do
Sul, ou seja, dar integral apoio ao governo central e esperar o momento de
entrar em ação. A FUG era justificada como um mecanismo acima dos partidos,
destinada, assim como a Legião Revolucionária, a apoiar a implantação das metas
da revolução.
Para Borges de Medeiros, a organização democrática não podia
existir sem os partidos políticos, que consubstanciavam as correntes de opinião
e formavam as maiorias indispensáveis ao funcionamento do sistema
representativo e à estabilidade dos governos. Segundo suas palavras, “longe de
combater os partidos, sejam quais forem as suas tendências e objetivos, devemos
estimular sua formação”.
Essas diferenças de posição quanto ao papel dos partidos
indicavam que o centro do debate político estava sendo dirigido para o problema
da convocação da Constituinte. Esse debate foi iniciado em 1º de março de 1931,
quando Flores da Cunha declarou em entrevista que a ditadura não deveria
prolongar-se por mais de um ano e meio. Com respeito às modificações de caráter
constitucional do regime e de seus órgãos essenciais, afirmou ainda o interventor
gaúcho: “Entendo que somente os delegados do povo na Constituinte têm o direito
de empreendê-las. A revolução foi feita para dar ao povo o direito de
governar-se pelos seus legítimos representantes.”
Com relação à futura forma de governo, o PRR e o PL
procuraram unir-se em torno de um conjunto de idéias fundamentais, como a
defesa da República federativa, a manutenção do regime presidencial, a
organização de milícias estaduais, a regulamentação da intervenção federal nos
estados, o controle dos poderes do presidente da República e a supressão do
cargo de vice-presidente. Defendiam ainda o voto secreto e a representação na
Câmara Federal na proporção de um deputado para cada cem mil habitantes.
Embora defendessem a reconstitucionalização, até o início de
1932 o PRR e o PL não tinham uma posição hostil ao governo central. Entretanto,
após o lançamento do manifesto do Partido Democrático de São Paulo, de
rompimento com o Governo Provisório, em 13 de janeiro de 1932, o PL lançou uma
nota de solidariedade aos democráticos paulistas, sendo imediatamente seguido
pelo PRR.
Pouco
mais tarde, no mês de fevereiro, o empastelamento do jornal Diário Carioca
pelos “tenentes”, no Rio de Janeiro, provocou o imediato pedido de demissão,
apresentado no dia 3 de março, de João Neves da Fontoura, Maurício Batista
Luzardo e Lindolfo Collor dos cargos que ocupavam no governo. O protesto contra
o empastelamento do jornal teria sido, contudo, apenas a causa imediata dessas
demissões. O verdadeiro problema teria sido o debate em torno da
constitucionalização, já que Vargas se mostrava reticente quanto às
providências necessárias para o início do processo.
Na tentativa de apaziguar as forças políticas gaúchas após o
rompimento com Vargas, Assis Brasil elaborou um Heptálogo, contendo as
exigências da FUG ao chefe do Governo Provisório. Entre estas figuravam a
abertura de inquérito e a punição dos autores do atentado ao Diário Carioca, a
liberdade de imprensa e a promulgação de um decreto restaurando os preceitos
constitucionais de 1891 no tocante às garantias dos cidadãos.
Diante
da resposta evasiva de Vargas, Raul Pilla e Borges de Medeiros enviaram-lhe um
Decálogo voltando a exigir a liberdade de imprensa e a abertura de inquérito
sobre o atentado ao Diário Carioca, e solicitando o afastamento de Pedro
Ernesto da prefeitura do Distrito Federal. O documento pedia também a
realização de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte até 31 de
dezembro de 1932.
A
atitude conciliatória de Flores da Cunha frente ao governo central nesses
episódios mereceu a desaprovação dos políticos do PRR e do PL. Ainda assim, com
o objetivo de manter a FUG unida, os dois partidos lançaram um manifesto
reafirmando sua solidariedade ao interventor e declarando que, caso Vargas não
atendesse às suas propostas de constitucionalização, passariam a agir por conta
própria, desligando-se de qualquer vínculo com o governo central.
Vargas
entendia que a constitucionalização só deveria ser iniciada quando o Governo
Provisório houvesse resolvido alguns problemas básicos, como a organização
administrativa, o controle financeiro e a manutenção da ordem.
Diante das articulações para a Revolução de 1932, Flores da
Cunha demonstrou mais uma vez uma atitude ambígua. Ao irromper o movimento
constitucionalista em São Paulo, contudo, decidiu-se pela solidariedade ao
governo de Vargas. As tropas da Brigada Militar obedeceram ao interventor
gaúcho, e as guarnições federais marcharam sobre São Paulo em defesa do governo
central.
Rejeitando
a posição de mero espectador do esmagamento dos constitucionalistas, Borges de
Medeiros organizou um levante no Rio Grande do Sul com o objetivo de desviar a
pressão que as tropas gaúchas faziam sobre os paulistas. A ele juntaram-se
Batista Luzardo, o major Martim Cavalcanti e diversos republicanos e
libertadores. Esse movimento representou o rompimento da FUG com Flores da
Cunha. Em manifesto assinado por Borges, Pilla, Collor e Luzardo, a FUG acusou
Flores de apoiar a ditadura em lugar de apoiar os gaúchos.
No
dia 20 de setembro, o levante gaúcho foi esmagado em Cerro Alegre, e seus
principais líderes foram feitos prisioneiros. Por decreto de Vargas, todos os
chefes republicanos e libertadores de maior destaque tiveram seus direitos
políticos cassados, sendo impedidos de votar e de ser eleitos por um certo
período. A maioria desses líderes foi presa ou se exilou nos países vizinhos,
como Pilla, Collor e Luzardo.
Flores
propôs então uma fórmula conciliatória a Getúlio, incluindo os seguintes
pontos: anistia aos insurretos, a subordinação da milícia estadual ao Governo
Provisório e o restabelecimento da Constituição de 1891, incluindo os artigos
referentes às garantias constitucionais e excetuando apenas os dispositivos
incompatíveis com o Governo Provisório. Enquanto isso, os exilados tentavam
articular um movimento contra Vargas e contra Flores.
A crise instalada no Rio Grande do Sul iria levar à criação,
em 15 de novembro, de uma nova agremiação, o Partido Republicano Liberal (PRL)
Rio-Grandense, liderado por Flores da Cunha. O novo partido absorveu antigos
integrantes tanto do PRR como do PL.
A Revolução Paulista de 1932 abalou portanto a estrutura
política gaúcha, conduzindo ao esfacelamento da FUG e ao enfraquecimento do PL,
e, principalmente, do PRR. Flores e o recém-criado PRL reiniciaram então a
campanha pela constitucionalização do país. As eleições para a Assembléia
Nacional Constituinte foram marcadas para maio de 1933.
Da Constituinte ao Estado Novo
Durante
a campanha para a Constituinte, Flores foi acusado de criar todos os obstáculos
para impedir a vitória dos candidatos da FUG, proibindo as manifestações
públicas do PRR e do PL, prendendo alguns de seus integrantes e suspendendo os
direitos políticos de quatro candidatos que haviam participado do levante de
setembro. A lei eleitoral invalidava todos os nomes de uma chapa caso nela
houvesse um candidato ilegal. Esse golpe foi desferido por Flores às vésperas
das eleições, obrigando os líderes da FUG a preparar novas listas às pressas.
Realizadas as eleições, o partido de Flores saiu vencedor com
grande margem de diferença, elegendo 13 dos 16 representantes à Assembléia.
Enquanto o PRL obteve 132.056 votos, a FUG recebeu apenas 37.400.
Os constituintes eleitos pela FUG foram Maurício Cardoso e
Adroaldo Mesquita da Costa, do PRR, e Assis Brasil, do PL. O PRL firmou, com a
Liga Eleitoral Católica (LEC), um acordo segundo o qual defenderia as propostas
da liga na Assembléia. O PRR, por sua vez, afirmou aceitar também as propostas
da LEC, além de ter em seu candidato Adroaldo Mesquita um líder católico
tradicional.
A atuação do PRR na Assembléia integrou-se na atuação da FUG.
Uma das questões que mais mobilizou a frente gaúcha foi a defesa do
federalismo, com a limitação dos casos de intervenção federal nos estados. A
participação da FUG foi marcada ainda pela contestação à forma como eram
encaminhados os debates na Assembléia, e por denúncias contra o regime
discricionário vigente no plano federal e no Rio Grande do Sul.
Entre
as principais reivindicações dos representantes da FUG na Constituinte
incluíram-se ainda: a ampliação do direito de iniciativa legislativa (até então
atribuído apenas ao Congresso e ao presidente da República) ao eleitorado e às
associações de direito público; a prática do plebiscito (por iniciativa do
próprio eleitorado, inclusive) nos casos de dupla legislação e outros; a
representação das minorias, especialmente nas comissões parlamentares e na
Delegação Legislativa Permanente, que representaria o legislativo nos períodos
de recesso; a extensão das contribuições dessa delegação, de modo a garantir a
efetiva continuidade político-administrativa e o controle sobre o Executivo nos
períodos de desmobilização do Congresso; a restrição dos efeitos do estado de
sítio à suspensão do habeas-corpus; a anistia absoluta, e a liberdade de
imprensa.
A FUG defendeu, finalmente, como critério de representação
dos estados na Câmara dos Deputados, a proporcionalidade do eleitorado
inscrito, e não da população residente em cada unidade, como acontecera até
1930. A idéia era vincular o tamanho das bancadas ao da população alfabetizada
de cada estado, aumentando assim a força competitiva do Rio Grande do Sul
frente a Minas, Bahia e Pernambuco. Esse critério, porém, embora apoiado pelo
PRL de Flores da Cunha, não foi aceito pelos demais constituintes.
Em 1934, realizaram-se as eleições para a Assembléia
Constituinte estadual e para a Câmara Federal. Os exilados gaúchos voltaram
então ao estado para participar do pleito. Enquanto o PL, pretendia conduzir a
campanha em nível ideológico, o PRR, através de João Neves, desejava
transformar a eleição num ajuste de contas com Flores.
Flores foi acusado por seus opositores de ter conduzido a
campanha para as eleições sob um clima de terror, com coerções, prisões,
banimentos e transferências de funcionários públicos, adeptos da FUG, além da
censura aos jornais de oposição. Graças à forte pressão do interventor, que,
através do Tribunal Regional Eleitoral, conseguiu a anulação de votos em certos
distritos, o PRL obteve a maioria na Assembléia estadual.
Para a Câmara Federal, a FUG elegeu Borges de Medeiros, João
Neves da Fontoura, Nicolau Vergueiro, João Vespúcio de Abreu e Silva e o
suplente Camilo Mércio, do PRR, e Batista Luzardo, Oscar Carneiro da Fontoura e
Aníbal Falcão de Barros Cassal do PL.
A forma como Flores da Cunha obteve a vitória nas eleições de
1934 parecia indicar que seu poder político se enfraquecera no estado —
situação de que Vargas iria se aproveitar para tentar isolar o interventor
gaúcho. Flores ainda procurou reconstituir sua força pacificando e unindo os
oposicionistas. Vargas, entretanto, começou a agir de modo a atrair a simpatia
da FUG, prometendo-lhe uma participação no governo central desde que seus
líderes não negociassem com Flores.
A abertura da Assembléia Constituinte estadual em abril de
1935 encontrou a FUG disposta à pacificação. Flores foi eleito governador por
21 votos enquanto Augusto Simões Lopes e Francisco Flores da Cunha (ambos do
PRL) foram eleitos senadores. Paim Filho foi escolhido líder da bancada do PRR,
e Maurício Cardoso tornou-se presidente da comissão executiva do partido.
Na
Câmara Federal, João Neves tornou-se o líder da Minoria Parlamentar, ou
Oposições Coligadas, grupo que reunia os representantes de vários estados
contrários ao governo Vargas. Sua atuação se iniciou com uma forte campanha
contra Flores da Cunha, no governo do Rio Grande do Sul, e com violentos
ataques ao governo central, acusado de desvirtuar os ideais da Revolução de
1930. Opondo-se sistematicamente à política econômico-financeira do governo
Vargas, a Minoria Parlamentar pretendia transformar-se num partido nacional.
Para sua presidência foi indicado Borges de Medeiros.
O
ano de 1935 foi marcado pelo desenvolvimento no país de movimentos de esquerda,
como a Aliança Nacional Libertadora (ANL), e de direita, como a Ação
Integralista Brasileira (AIB). Ao final do ano, a Revolta Comunista permitiu
que o governo central obtivesse a aprovação pelo Congresso de uma série de
medidas que tendiam a aumentar o poder do Executivo.
No Rio Grande do Sul, o medo do comunismo, do integralismo e
do governo central forte fez com que Flores da Cunha e os partidos de oposição
reabrissem as negociações. As exigências da FUG para acordo de pacificação
incluíam a total liberdade do PRR e do PL e das atividades eleitorais, o fim da
violência e da arbitrariedade policial, e a reintegração em seus cargos dos
funcionários exonerados por motivos políticos.
Ao final de 1935, a FUG apresentou a Flores da Cunha uma
proposta de criação de um governo de gabinete. Elaborada por Raul Pilla e José
Maria dos Santos, essa proposta se tornaria conhecida com o nome de Fórmula
Pilla-Santos. Flores mostrou-se favorável à idéia. Lindolfo Collor foi um dos
principais articuladores do acordo entre a FUG e o PRL conseguindo vencer a
resistência dos líderes, que se opunham ao governador.
A
FUG passou então a se movimentar pela criação de um governo de gabinete em
nível nacional. Sua intenção era arregimentar as forças oposicionistas dos
outros estados para tentar negociar com Getúlio, tendo já em vista o problema
da sucessão presidencial. Para os integrantes da FUG e da Minoria Parlamentar,
o estabelecimento de um governo de conciliação seria o único meio capaz de
apaziguar a política nacional, levando a situação a dividir com a oposição as
responsabilidades do governo. O país deveria ser dirigido por um conselho de
ministros, presidido por um primeiro-ministro, segundo o modelo
parlamentarista.
Borges de Medeiros, defendendo enfaticamente a instalação de
um governo misto, afirmava que o regime presidencialista havia fracassado no
Brasil, tendo-se tornado “o criador de ditaduras ilegais”.
A fórmula parlamentarista não chegou contudo a se concretizar
em nível nacional, basicamente devido à resistência de Vargas e de Armando de
Sales Oliveira, além de outros políticos situacionistas.
No
Rio Grande do Sul, Flores da Cunha instituiu oficialmente o governo de gabinete
em janeiro de 1936, convidando Raul Pilla para secretário da Agricultura e
Lindolfo Collor para secretário de Finanças. Este último passou ainda a
desempenhar o papel de mediador entre a FUG e o governador. Para a chefia do
gabinete foi nomeado Darci Azambuja (do PRL), até então secretário do Interior.
Esse governo misto instituiu o modus vivendi gaúcho.
Raul Pilla convocou então a FUG a defender o governo
estadual, para que a nova fórmula de fato se efetivasse. A FUG apresentou o
programa que pretendia desenvolver nas secretarias de estado em matérias
administrativa, econômica, tributária, educacional e social. Na prática,
entretanto, o acordo partidário se realizou mais em nível administrativo. Entre
o PRR, o PL, e o PRL, já se formava uma corrente política para apoiar o governo
central contra Flores.
Em fins de maio, a discussão na Assembléia estadual do
projeto de criação de uma guarda portuária no Rio Grande do Sul desencadeou uma
crise política no estado. O projeto foi combatido por Maurício Cardoso, que
aproveitou a ocasião para atacar o governador. A resposta de Flores ao
presidente do PRR levou Raul Pilla a se demitir da Secretaria de Agricultura,
por não concordar com o sentido político de seu discurso. Segundo Flores, “no
modus vivendi rio-grandense, o PRL tudo tem a dar e nada a receber”. Para
Pilla, isto significava colocar a FUG não na situação de quem exercia uma
função pública, e sim na situação de quem recebia favores do governador. Pilla
criticou ainda a posição de Flores em não aceitar o veto da Assembléia à
criação da guarda portuária, lembrando que o acordo assinado entre o PRL e a
FUG não implicava a passividade desta última.
Os desentendimentos entre a FUG e Flores estavam ligados não
só aos problemas internos gaúchos, mas, em grande medida, à luta entre o
governo central e o governo do Rio Grande do Sul. Flores desenvolvia uma atuação
visando influir decisivamente na escolha do sucessor de Vargas. Este, por sua
vez, procurava impedir o fortalecimento de Flores, incentivando dissidências no
seio das forças políticas gaúchas. Maurício Cardoso, João Neves e Batista
Luzardo iniciaram então uma aproximação com Vargas, com vistas à pacificação em
nível nacional.
No mês de outubro, foi finalmente rompido o modus vivendi.
Lindolfo Collor criticou a FUG, e principalmente a direção do PRR (Maurício
Cardoso), pela ruptura do pacto, e lançou um manifesto rompendo por sua vez com
a cúpula republicana, Borges de Medeiros ao ser chamado a interferir na crise,
assegurou seu apoio à direção do partido.
As
críticas de Collor à direção do PRR incidiram principalmente sobre a forma como
o partido era conduzido pela comissão diretora, que tomava decisões sem ouvir o
pronunciamento das bases em assembléias regulares. Collor denunciava ainda a
participação da FUG nos preparativos de uma intervenção federal que ameaçava o
Rio Grande do Sul. Sendo um partido de oposição, o PRR jamais poderia aliar-se
ao governo central para agredir o governo do estado. As decisões tomadas em
função de posições pessoais haviam finalmente acarretado o rompimento do modus
vivendi no estado, a desarticulação das Oposições Coligadas no plano federal, e
a perda do prestígio de que até então o PRR desfrutara no país.
Em resposta às acusações formuladas por Collor, Borges de
Medeiros contestou que o PRR tivesse esquecido o princípio
antiintervencionista. Seu manifesto afirmava que, a partir do segundo semestre
de 1936, “o governador começou subitamente a criar corpos (da guarda)
provisórios e toda uma série impressionante de circunstâncias graves que gerou
no espírito público a convicção de que o Rio Grande do Sul se preparava para agredir
o governo federal”. Enquanto isso, “a FUG, por força de deliberação coletiva
com a qual Collor esteve plenamente de acordo, parlamentava no Rio de Janeiro
com Vargas, por intermédio de Maurício Cardoso, no sentido da formação de um
governo nacional, que pacificasse as correntes políticas do Brasil”.
Em
novo manifesto, Collor apresentou mais argumentos contra a comissão diretora do
PRR. Segundo suas palavras, ele próprio havia sido testemunha de um compromisso
firmado entre Borges de Medeiros e Flores da Cunha, durante as negociações para
o estabelecimento do modus vivendi, segundo o qual nem o PRR nem o PRL tomariam
atitudes definitivas na questão da sucessão presidencial sem antes se
consultarem reciprocamente. No entanto, no momento da assinatura do acordo
entre a FUG e o PRL, a FUG recusara-se a aceitar a inclusão dessa cláusula no
pacto, proposta por Borges de Medeiros. Esquecendo-se de que sua proposta era
uma proposta de ratificação de um compromisso já assumido, Borges lavara as
mãos, atribuindo a responsabilidade da negativa a seus companheiros.
No ano de 1937, o problema da sucessão presidencial foi o
catalisador de todos os debates, alianças e crises políticas do país. A
candidatura de Armando Sales, lançada pelo Partido Constitucionalista de São
Paulo, reuniu as oposições a Vargas, enquanto a candidatura de José Américo de
Almeida era sustentada pelas correntes situacionistas.
No Rio Grande do Sul, a campanha sucessória encontrou o modus
vivendi rompido e os três grandes partidos cindidos. O PRR e o PL, que desde
1932 opunham-se abertamente a Vargas, giravam agora em torno das decisões do
governo central, tendo à frente João Neves da Fontoura e Batista Luzardo.
Aliados aos dissidentes do PRL, os dois partidos apoiavam o candidato
situacionista.
Flores
da Cunha e o PRL, aliados aos dissidentes do PRR reunidos no Partido
Republicano Castilhista, criado por Collor, e aos dissidentes do PL,
representados pela Ação Libertadora e a União Democrática Nacional, apoiavam
por seu lado o candidato de oposição.
Na
Câmara Federal, o PRR votou ao lado dos partidos situacionistas, tanto no
pedido de prorrogação do estado de guerra como no nome de Pedro Aleixo para
substituir Antônio Carlos na presidência da Câmara. Apoiou também as medidas
tomadas por Vargas contra Flores da Cunha. Após a renúncia deste, e a nomeação
do interventor general Manuel Cerqueira Filho, o PRR aceitou participar do
governo gaúcho, indicando Maurício Cardoso para uma secretaria.
Quando, a 10 de novembro de 1937, foi instalado o Estado Novo,
o PRR hipotecou sua solidariedade ao governo e incentivou todos os seus
correligionários a com ele colaborar. Após o fechamento dos partidos no mês de
dezembro, o PRR publicou uma nota recomendando a todos os seus membros que se
abstivessem de quaisquer atividades político-partidárias até a promulgação de
novo regime eleitoral. Nesse mesmo momento, Maurício Cardoso e os
representantes do PL demitiram-se dos cargos que ocupavam no governo do Rio
Grande do Sul.
Alzira Alves de Abreu
FONTES: