PLANO
NACIONAL DE REAPARELHAMENTO ECONÔMICO
Plano
econômico aprovado pela Lei nº 1.474, de 26 de novembro de 1951, que criou
também o Fundo de Reaparelhamento Econômico. Tornou-se conhecido com o nome de
Plano Lafer por ter sido preparado durante a gestão de Horácio Lafer no
Ministério da Fazenda.
Antecedentes
Em
1948, durante o governo do general Eurico Dutra, foi apresentado ao Congresso o
Plano Salte, amplo programa de investimentos visando à execução de projetos
ligados prioritariamente aos setores de saúde, alimentação, transportes e
energia. As medidas propostas tinham caráter social e não comercialmente
remunerador, o que fez com que o plano encontrasse grandes dificuldades de
financiamento. Assim, somente em 18 de maio de 1950, através da Lei nº 1.102, o
Plano Salte foi aprovado e o presidente da República autorizado a realizar os
empreendimentos nele previstos.
Um
mês antes, ou seja, em abril de 1950, realizou-se no Rio de Janeiro uma reunião
de embaixadores americanos, durante a qual o governo brasileiro solicitou dos
Estados Unidos financiamento para um vasto programa de reequipamento e expansão
dos setores de infra-estrutura. Essa solicitação resultou no pedido de criação
de uma comissão mista de técnicos dos dois países, com o objetivo de preparar
projetos favoráveis ao desenvolvimento brasileiro. A idéia da comissão mista só
seria formalmente aceita em dezembro de 1950.
No mês de outubro de 1950, Getúlio Vargas foi eleito
presidente da República. Mesmo antes de tomar posse, o que ocorreria em janeiro
de 1951, escolheu João Neves da Fontoura para seu ministro das Relações
Exteriores e incumbiu-o de iniciar os estudos necessários para definir a
posição do Brasil na IV Reunião Consultiva dos Chanceleres Americanos, marcada
para abril de 1951 em Washington. Esse encontro tinha por objetivo coordenar o
apoio latino-americano à intervenção dos Estados Unidos na Coréia.
Após
entendimentos preliminares, João Neves transmitiu a Vargas os objetivos
norte-americanos relativos à defesa do continente, os quais se resumiam na
compra ao Brasil de materiais estratégicos ou bélicos a preços reais. João
Neves recomendou que, em contrapartida, o governo brasileiro solicitasse auxílio
financeiro para a construção de fábricas de material bélico ou material
indispensável à indústria bélica, como nitrogênio sintético, enxofre etc., e
sugeriu também que o Brasil postulasse a concessão de créditos bancários a
médio e longo prazos para a execução de um programa racional de
industrialização e obras públicas.
Ainda
na fase de preparação da IV Reunião, veio ao Brasil o secretário assistente do
Departamento de Estado norte-americano, Edward Miller. João Neves propôs que os
dois países estabelecessem uma política de reciprocidade, que permitiria ao
Brasil obter financiamentos para projetos específicos como o de eletrificação
do São Francisco e dos estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Miller
teria afirmado a João Neves que o governo norte-americano havia examinado os
problemas mais urgentes do Brasil, e que tanto o Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) como o Banco de Exportação e Importação
(Eximbank) estavam prontos a abrir um crédito da ordem de 250 milhões de
dólares para que o governo brasileiro realizasse seus objetivos mais urgentes.
Entretanto, em entrevista à imprensa, Edward Miller declarou que mais
importante do que o financiamento era a elaboração concreta de planos, condição
básica para o desenvolvimento de um país.
Ainda segundo João Neves, o diretor do BIRD teria prometido a
liberação de um financiamento em dólares, vinculado porém à aprovação dos
projetos brasileiros pela comissão mista que iria ser criada. Ao final das
negociações, João Neves comunicou ao governo brasileiro que ficara acertada a
constituição da comissão mista, que estudaria os planos básicos de
desenvolvimento brasileiro e garantiria a cooperação técnica e financeira dos
Estados Unidos. Esse auxílio financeiro corresponderia a um crédito de
trezentos milhões de dólares concedido pelo BIRD para os projetos aprovados
pela comissão.
Entretanto,
ao voltar ao Brasil após participar da IV Reunião, o diplomata Válder Sarmanho
transmitiu ao presidente Vargas a conversa que tivera com o presidente do BIRD,
em que este lhe afirmara que o banco não concedia empréstimos e sim financiava
projetos específicos. Ao contrário do que afirmara João Neves, o que existia de
concreto era a promessa do governo norte-americano de apoiar pedidos de financiamento
de projetos específicos mediante a aprovação da comissão mista. Não fora
prometido um empréstimo com montante definido.
A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos foi instalada em julho
de 1951, ficando a orientação geral da seção brasileira a cargo dos titulares
das pastas da Fazenda, Relações Exteriores, Agricultura e Viação e Obras
Públicas. Entre os técnicos convocados a participar da comissão figuravam
Roberto Campos, Glycon de Paiva, Lucas Lopes, Ari Torres e outros.
O Plano Lafer
Em setembro de 1951, o ministro da Fazenda, Horácio Lafer,
apresentou um plano de desenvolvimento a ser implementado com a cooperação
financeira dos Estados Unidos. O plano exigia que parte dos recursos — ao menos
quinhentos milhões de dólares — fosse subscrita pelo Brasil, enquanto a outra
metade seria obtida através de empréstimos junto ao BIRD e ao Eximbank. O plano
continha projetos relativos à criação de novas fontes de energia elétrica, à
criação e à ampliação das indústrias de base e à introdução de novas técnicas na
agricultura. Previa também a modernização da rede de transportes ferroviários e
rodoviários, a construção de armazéns e frigoríficos, a criação e a ampliação
dos serviços portuários. O novo plano ressaltava enfim os itens do Plano Salte
que tinham maior possibilidade de êxito rápido e eram mais importantes para o
desenvolvimento do país.
Enquanto o novo plano era submetido à Comissão Mista, ainda
no mês de setembro de 1951 Horácio Lafer foi aos Estados Unidos para participar
de uma reunião do BIRD. Lá, manteve contatos com autoridades financeiras
norte-americanas que lhe teriam garantido que as agências financiadoras
assegurariam as despesas feitas pelo Brasil no exterior para a execução de cada
um dos projetos aprovados pela Comissão Mista.
Entretanto, ao regressar ao Brasil Lafer declarou à imprensa
que os Estados Unidos haviam concedido um crédito suplementar da ordem de 20
bilhões de cruzeiros. Lafer, como já fizera anteriormente João Neves,
apresentou como certos financiamentos que não existiam. A concessão de créditos
fixos ao Brasil não era cogitada pelos norte-americanos, que concordavam apenas
em financiar projetos específicos. A manipulação dessa informação teria
por objetivo, segundo Luciano Martins, “criar junto a Vargas uma ‘imagem
favorável’ das perspectivas oferecidas pela política de ‘grande cooperação’ com
os Estados Unidos defendida por uma facção do governo. Tudo indica que havia
ainda um outro objetivo: obter do Congresso a autorização necessária para
mobilizar recursos internos”.
A fórmula encontrada para mobilizar esses recursos internos
foi acrescentar ao imposto de renda um adicional sobre as importâncias devidas
pelos contribuintes. Esse adicional seria recolhido durante um período de cinco
anos e posteriormente restituído. Para ser aplicada, contudo, a fórmula
precisava ser aprovada pelo Congresso.
Como já existia no Congresso um projeto do deputado Daniel
Faraco modificando a legislação relativa ao imposto de renda, um grupo de
deputados, juntamente com o ministro Horácio Lafer, decidiu apresentar através
do senador Ivo d’Aquino uma emenda propondo a cobrança de uma taxa adicional de
15% sobre as importâncias devidas a partir de dez mil cruzeiros e de 3% sobre
as reservas e lucros retidos em poder de pessoas jurídicas. Esse adicional constituiria
o Fundo de Reaparelhamento Econômico, aplicável exclusivamente em melhoramentos
nos sistemas portuário e ferroviário, na construção de armazéns, frigoríficos e
matadouros e nos setores das indústrias básicas e da agricultura. Após cinco
anos esses recolhimentos seriam restituídos acrescidos de 25% em títulos da
dívida pública, cuja emissão estava prevista até o teto de dez bilhões de
cruzeiros.
O relator da Comissão de Finanças do Senado, senador José
Ferreira de Sousa, deu parecer favorável à emenda.
Entretanto, os senadores Alberto Pasqualini, do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), e Ismar de Góis Monteiro, do Partido Social
Democrático (PSD), apresentaram uma emenda substitutiva propondo um adicional
progressivo de 10% a 20% sem devolução. A justificativa para o substitutivo,
segundo seus autores, era a necessidade de se “tirar dos ricos o necessário aos
pobres” e de aliviar a classe média, já sobrecarregada com tantos impostos e
taxas.
O senador José Ferreira de Sousa emitiu parecer contrário à
emenda substitutiva. Foi aprovado o projeto de Ivo d’Aquino com a subemenda
aditiva do senador Ferreira de Sousa, estipulando a suspensão da cobrança dos
adicionais se até o dia 1º de julho de 1952 os projetos a que se destinava o
fundo não tivessem sido aprovados.
Após a aprovação do Senado, em 20 de novembro de 1951, o
projeto do Fundo de Reaparelhamento foi enviado à Câmara dos Deputados. O
relator da Comissão de Finanças, deputado Lauro Lopes, do PSD, deu parecer
favorável. A emenda enfrentou contudo a oposição do PTB e da União Democrática
Nacional (UDN), a qual, através do deputado Aliomar Baleeiro, criticou
severamente o projeto, afirmando que, em vez de taxar os “tubarões” ou
distribuir serviço para a maioria da população, o governo iria sobretaxar os
humildes. O deputado Lobo Carneiro criticou globalmente o Plano Lafer por
estarem os projetos de reaparelhamento condicionados à aprovação dos técnicos
norte-americanos da Comissão Mista, o que constituía uma ameaça à própria
soberania nacional. O vice-líder do PTB, Joel Presídio, se opôs à emenda por
considerá-la contrária aos princípios estabelecidos no programa de seu partido.
A emenda foi finalmente aprovada na Câmara em 24 de novembro de 1951. No dia
26, a Lei nº 1.474 criou o Fundo Nacional de Reaparelhamento, destinado aos
projetos do Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico.
A
partir desse momento, tornou-se necessária a permissão do Executivo para que o
Tesouro Nacional pudesse efetuar as operações de crédito com o exterior. Essa
exigência era feita pelo BIRD, que só concedia financiamentos quando estes
tivessem a garantia do governo que os recebia. No dia 5 de dezembro, a Câmara
autorizou o Executivo a dar garantias ao Tesouro até o limite de quinhentos
milhões de dólares. O Senado aprovou a autorização.
O governo estava assim de posse dos instrumentos legais
necessários para dar andamento ao Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico.
Entretanto, em discurso pronunciado em 31 de dezembro de 1951, Vargas denunciou
de forma violenta os expedientes utilizados pelas empresas estrangeiras para
remeterem lucros para o exterior. A reação norte-americana foi imediata,
chegando o subsecretário de Estado Edward Miller a ameaçar a suspensão de todos
os financiamentos ao Brasil. Se não chegaram a essa medida extrema de imediato,
as agências financeiras norte-americanas restringiram de muito os empréstimos
ao governo brasileiro. De janeiro de 1952 a fevereiro de 1954, o BIRD autorizou
financiamentos para o Brasil da ordem de apenas 63 milhões de dólares, para em
seguida interromper todo financiamento até 1958. A mesma atitude teve o
Eximbank. Como assinala Luciano Martins, porém, o discurso de Vargas não foi o
único responsável pela atitude norte-americana. Segundo esse autor, a recusa de
Vargas em enviar tropas para a Coréia e, muito provavelmente, a estatização da
exploração do petróleo foram as medidas que mais influíram na decisão
norte-americana.
Por outro lado, no Brasil, para financiar e garantir os
empréstimos estrangeiros obtidos para os projetos do Plano Lafer, foi criado o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
A implementação do Plano Lafer encontrou assim sérios
obstáculos durante o governo Vargas. Todavia, muitos de seus projetos foram
retomados durante o governo Kubitschek, que os integrou no Plano de Metas.
Alzira Alves de Abreu
FONTES: FRANCO, C.
Criação; MARTINS, L. Politique; TEICHERT, P. Revolución.