PLANO
SALTE
Plano econômico apresentado pelo presidente Eurico Dutra ao
Congresso Nacional em 10 de maio de 1948 através da Mensagem Presidencial nº
196. Foi aprovado, após dois anos de tramitação, pela Lei nº 1.102, de 18 de
maio de 1950. A designação Salte foi tirada das iniciais dos quatro principais
problemas que o plano se propunha a resolver: saúde (s), alimentação (al),
transporte (t) e energia (e).
Antecedentes
As primeiras experiências brasileiras de planejamento se
configuraram, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, em dois planos: o Plano
Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional, instituído pelo
Decreto-Lei nº 1.058, de 19 de janeiro de 1937, e o Plano de Obras e Equipamentos,
instituído pelo Decreto-Lei nº 6.144, de 29 de dezembro de 1943.
Nesse período foi também realizada a primeira tentativa de
diagnóstico global da realidade socioeconômica brasileira através da cooperação
internacional com os EUA, concretizada nos estudos realizados pela Missão Cooke
em 1942.
Logo após a posse do presidente Eurico Gaspar Dutra,
entretanto, em 31 de janeiro de 1946, o Decreto-Lei nº 9.025, de 27 de
fevereiro, extinguiu o Plano de Obras e Equipamentos, até então em vigor.
Demonstrando assim sua intenção de não dar continuidade aos esquemas de
planejamento anteriores, o presidente da República deu início aos estudos
necessários à elaboração de um novo plano, que se tornaria conhecido como Plano
Salte. Destinado a ser em princípio um programa do governo, o Plano Salte só
seria aprovado, contudo, ao final da gestão Dutra.
O anteprojeto
Sob a coordenação do Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP), os estudos para o Plano Salte se intensificaram ao longo do ano
de 1947.
Da
equipe responsável pelos trabalhos participavam Mário Bittencourt Sampaio,
diretor-geral do DASP, Joel Rutênio de Paiva, Júlio César Covelo, José Pedro
Escobar, Carlos Berenhauser Júnior, Mílton de Lima Araújo e Richard Lewinsohn,
além de um grupo de técnicos do governo federal e do estado de São Paulo.
Foi igualmente constituída uma comissão interpartidária,
integrada por representantes credenciados dos maiores partidos nacionais,
encarregados de fornecer assistência técnica e de supervisionar a elaboração do
plano. Essa comissão, formada pelos deputados Artur de Sousa Costa, do Partido
Social Democrático (PSD), Odilon Braga, da União Democrática Nacional (UDN), e
Mário Brant, do Partido Republicano (PR), funcionou no prédio do Ministério da
Fazenda, em dependência cedida pelo DASP. Seus trabalhos se iniciaram a 17 de
fevereiro de 1948 e se encerraram, após 14 sessões, a 4 de maio do mesmo ano,
com a apresentação de um relatório.
Ao submeter o Plano Salte ao estudo e à crítica da comissão
interpartidária, o presidente Dutra buscava sua aprovação pelos partidos, e,
conseqüentemente, pelo Congresso Nacional. De fato, dentro da experiência
brasileira de planejamento federal de âmbito plurissetorial, o Plano Salte foi
o único que recebeu exame e aprovação prévia do Congresso Nacional. Segundo
Jorge Gustavo da Costa, esta foi “a primeira e final tentativa, pelo menos até
1966, de se articularem os poderes Executivo e Legislativo para elaboração e
aprovação de planos federais”.
Contando,
portanto, com a garantia prévia de sua aprovação, o presidente Dutra remeteu o
anteprojeto do Plano Salte ao Congresso, acompanhado da Mensagem Presidencial
nº 196, de 10 de maio de 1948. A mensagem continha informações sobre a
importância do plano, sobre os objetivos visados em cada um dos seus quatro
setores, sobre sua fórmula de financiamento e exeqüibilidade, e sobre sua
autonomia administrativa e contábil, acentuando o “rigor técnico” com que fora
elaborado.
O
Plano Salte consubstanciava o programa a ser executado no período de 1949 a
1953, com o objetivo de proporcionar melhores condições de saúde, de
alimentação, de transporte e de energia. Cada um desses setores mereceu
minuciosa análise, sendo propostos programas específicos para cada um dos
principais problemas diagnosticados. Era enfatizada, por outro lado, a
necessidade de se resolver os problemas de cada setor em conjunto com as
medidas tomadas nos demais setores abrangidos pelo plano.
Assim, o setor saúde acusava, segundo as análises, graves
problemas: fome crônica, elevado índice de mortalidade infantil e de
probabilidade de morte dos adultos de mais de 30 anos de idade, e precariedade
de recursos disponíveis em pessoal médico e paramédico, assim como de leitos
hospitalares. A partir desses e de outros problemas, o Plano Salte, abrangendo
a Campanha Nacional de Saúde, pretendia elevar o nível sanitário da população,
sobretudo a rural, combatendo fundamentalmente as endemias e moléstias.
Quanto à alimentação, o plano considerava importante conceder
facilidade de recursos para o consumo e para o comércio. Propunha um programa
amplo, em que se articulava uma série de medidas ligadas ao processo de
produção de alimentos, como, por exemplo, a assistência social e profissional
aos trabalhadores, a concessão de crédito aos produtores etc. Encarecia ainda a
necessidade não só de atender aos problemas internos, como de ajustar a
produção às demandas externas, a fim de melhorar o balanço de pagamentos.
Os
estudos realizados durante a elaboração do Plano Salte levaram à constatação de
uma deficiência crônica dos meios de transporte — estradas de ferro e de
rodagem, transportes fluviais e marítimos. Nesse setor, era proposto, portanto,
o estabelecimento de um programa incluindo a construção de ferrovias de acordo
com o Plano Nacional de Viação, e abrangendo também as rodovias do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem e do Plano Rodoviário. Eram sugeridos ainda o
reaparelhamento dos portos, a melhoria das condições de navegabilidade dos
rios, o aparelhamento da frota marítima e a construção de oleodutos.
Finalmente,
eram propostas para o setor energia diversas providências. Na área da energia
elétrica, as principais sugestões eram: lavras e industrialização do petróleo e
do gás natural; investigação das reservas de linhita, turfa, xistos
pirobetuminosos e areias betuminosas; intensificação e barateamento da produção
do carvão-de-pedra nacional; racionalização e redução progressiva do consumo de
lenha e seu derivado, o carvão vegetal; reflorestamento e estímulo à
silvicultura; exploração intensiva dos recursos hidráulicos; aplicação da
eletricidade, sempre que possível, no aquecimento, bem como na tração
ferroviária e urbana, e criação de instituições técnicas experimentais,
incumbidas de estudar a melhor utilização das fontes energéticas nacionais.
A maior parte das iniciativas relacionadas com a exploração
da energia elétrica seria financiada pelo capital privado, inclusive
estrangeiro, reservando-se o governo uma posição reflexa de amparo e de
estímulo às empresas concessionárias, “na medida da conveniência do interesse
público”.
Para
a execução do Plano Nacional de Eletrificação, o Plano Salte adotou as
conclusões e recomendações gerais formuladas a respeito da matéria pela
comissão especial instituída em 1944 e reunida no Conselho Federal do Comércio
Exterior. Defendeu também a eletrificação rural, que, entre outras vantagens,
viria a atenuar o êxodo do campo. A implantação da indústria de material
elétrico foi também estudada pela Comissão da Indústria de Material Elétrico,
que realizou entendimentos preliminares nos Estados Unidos em 1945 e 1946.
Em
relação ao petróleo, as atividades programadas eram as seguintes: pesquisa
intensiva de algumas áreas das diferentes bacias sedimentárias que atingissem
trezentos milhões de hectares; aquisição de todo o material especializado
necessário à perfuração de poços e execução de trabalhos complementares;
aquisição e montagem de refinarias para a produção diária de 45 mil barris e
ampliação da produção de Mataripe (BA), de 2.500 para seis mil barris diários,
e aquisição de 15 petroleiros de 15 mil toneladas cada um, ou tonelagem total
equivalente, com o objetivo de atender às necessidades nacionais totais da
época.
Como
observa Jesus Soares Pereira, recursos substanciais do Plano Salte — cerca de
dois bilhões e meio de cruzeiros — eram destinados a assuntos de petróleo, como
pesquisa, exploração de campo e montagem de refinarias. No entanto, segundo a
mesma fonte, o presidente Dutra enviou o Plano Salte ao Congresso sem levar em conta
os resultados dos trabalhos da comissão encarregada da elaboração do Estatuto
do Petróleo. Mesmo antes da aprovação do plano, Dutra pediu também ao Congresso
a aprovação de um crédito especial para apressar o programa de petróleo contido
naquele documento. A votação desse crédito contou na Câmara com o apoio unânime
das bancadas. O único voto contrário foi o de Pedro Pomar, representante
comunista, que justificou sua posição pela falta de confiança no governo.
Defendendo
as medidas referentes ao problema do petróleo sugeridas pelo Plano Salte,
Horácio Lafer, então líder da maioria na Câmara dos Deputados, e
posteriormente, no segundo governo Vargas, ministro da Fazenda, declarou mais
tarde: “Nunca foi suficientemente explicado que dos 109 milhões de dólares que
enviamos em 1948 para a importação do petróleo, 46 milhões se destinaram a
fretes ou, mais ou menos 39% do total enviado. Outros 13 milhões, ou mais ou
menos 12%, economizaríamos, se tivéssemos refinarias, somente importando óleo
cru. Logo, se comprarmos navios petroleiros e instalarmos refinarias,
economizaremos cerca de 60% em divisas. Só em 1948 teríamos poupado 65 milhões
de dólares.”
Repercussão
As críticas ao anteprojeto do governo figuram sobretudo nos
Anais do Congresso Nacional. Mesmo fora do Parlamento, todos os setores de
relevo da vida nacional se manifestaram sobre o plano.
De modo geral, a despeito do estímulo prometido à iniciativa
privada — através da concessão por parte do Estado de privilégios e facilidades
—, a resposta do setor privado aos apelos do Plano Salte foi praticamente nula.
Isso era explicado pelo fato de os projetos apresentados possuírem um caráter
social, e não comercialmente vantajoso, para uma empresa particular.
O conselho econômico da Confederação Nacional da Indústria,
por exemplo, declarou que “depois de estudar e debater amplamente o Plano
Salte, chegara à conclusão de que esse trabalho, embora inspirado nos melhores
propósitos, não apresentava condições de exeqüibilidade, pelo menos nos termos
em que [fora] proposto”. Contestando a viabilidade financeira do plano,
concluía a declaração: “Entende o conselho econômico que o Plano Salte não pode
ser posto em execução, a menos que sofra transformações radicais.”
Assim, com algumas alterações no anteprojeto, o Plano Salte
só foi instituído pela Lei nº 1.102, em 18 de maio de 1950.
Esquema financeiro e estrutura administrativa
A Lei nº 1.102 basicamente determinou a inclusão no orçamento
da União, nos exercícios de 1950 a 1954, de dotações orçamentárias para a execução
do Plano Salte no total de 11 bilhões e 650 milhões de cruzeiros antigos. Essa
soma seria reforçada através de parcelas no total de um bilhão e 350 milhões de
cruzeiros antigos a serem destacados dos fundos criados pela Constituição de
1946 para a valorização econômica da Amazônia, a defesa contra as secas do
Nordeste e o aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São
Francisco e seus afluentes.
As
despesas previstas para o atendimento dos objetivos específicos do Plano Salte
totalizavam, aproximadamente, 21 bilhões e trezentos milhões de cruzeiros
antigos, importância superior ao orçamento da receita federal para o exercício
de 1950. A receita constante do orçamento geral da União para o exercício desse
ano era de, aproximadamente, 18 bilhões e oitocentos milhões de cruzeiros
antigos.
Os investimentos e serviços governamentais previstos no Plano
Salte seriam financiados pelo produto da receita ordinária da União, por um
empréstimo de divisas contraído pelo Banco do Brasil, por uma operação de
crédito interno sob a forma de emissão de obrigações do Tesouro e, finalmente,
por parte da receita do Fundo Rodoviário Nacional e da Contribuição de Melhoria
(quota pertencente à União).
A função de administrador-geral do Plano Salte só foi
instituída com o Decreto nº 28.225, de 12 de junho de 1950. Por esse decreto, o
presidente Dutra transferia ao administrador-geral a coordenação dos diversos
programas de trabalho e o estabelecimento da ordem de prioridades.
A
19 de junho, novamente por decreto presidencial, Mário Bittencourt Sampaio foi
designado primeiro administrador-geral do Plano Salte, o que correspondia, na
prática, à transferência da coordenação do plano para o DASP.
No dia 26 de julho de 1950, o recém-nomeado
administrador-geral designou seu primeiro grupo de assessores. Eram eles o
tenente-coronel Carlos Berenhauser Júnior, diretor da Companhia Hidrelétrica do
São Francisco, Joel Rutênio Carvalho de Paiva, Júlio César Covelo, diretor do
Serviço de Economia Rural do Ministério da Agricultura, Lucílio Briggs de
Brito, chefe de gabinete do ministro da Viação e Obras Públicas, Pascoal
Ranieri Mazzilli, chefe de gabinete do Ministério da Fazenda, e Plínio Reis de
Cantanhede Almeida.
Mário Bittencourt Sampaio exerceu a função de
administrador-geral até 7 de dezembro de 1950, quando foi substituído por
Lucílio Briggs de Brito.
O segundo governo Vargas
Empossado a 31 de janeiro de 1951, o presidente Getúlio
Vargas não alterou o comando do Plano Salte até 22 de agosto do mesmo ano,
quando foi designado o terceiro admistrador-geral do plano, Arísio Viana.
Nessa
fase, em parte devido à precariedade de sua estrutura administrativa e à
dificuldade de operação de seu administrador-geral, o Plano Salte converteu-se
em simples fonte de complementação de verbas, contrariando o que dispunha o
parágrafo único da Lei nº 1.102, segundo o qual os recursos financeiros do
plano não deveriam ser utilizados como simples reforço ou suplementação das
dotações relativas às atividades ordinárias dos diversos órgãos da administração
pública. Diante do déficit do orçamento de 1950, de três bilhões e meio de
cruzeiros antigos, o esquema financeiro inicialmente previsto não funcionou.
Aliado a outras dificuldades, esse fator acarretou o colapso do plano em sua
globalidade.
O presidente Getúlio Vargas considerou a situação de tal
forma precária que, na mensagem de 14 de maio de 1951, junto à qual enviou ao
Congresso a proposta orçamentária para o exercício financeiro de 1952,
solicitou uma alteração na lei institucional do Plano Salte. Conforme
ressaltava Vargas, o governo que o antecedera não havia conseguido executar
integralmente nem a primeira quinta parte do plano, prevista para 1950.
Assim, em 1951, elevava-se a quase seis bilhões de cruzeiros
o encargo imposto pelo Plano Salte ao país.
A proposta de alteração do sistema e orientação do Plano
Salte foi aceita pelo Congresso Nacional e consubstanciada na Lei nº 1504, de
15 de dezembro de 1951. Na realidade, a Lei nº 1.504 descaracterizou mais ainda
o sentido do plano, corroborando o caráter complementar das dotações destinadas
a seus empreendimentos. Por essa lei foram também excluídas do plano as
“dotações com destinação constitucional”.
Ao mesmo tempo em que se tornava evidente a incapacidade do
Plano Salte de cumprir seus objetivos, os estudos em curso realizados por
economistas nacionais e por missões norte-americanas de assistência técnica
indicavam a necessidade urgente de se resolverem pontos críticos da economia
brasileira e de se pôr em prática um programa de industrialização do país.
Com o firme propósito de impulsionar essa industrialização,
Vargas passou a adotar medidas condizentes com os objetivos de sua política
econômica e financeira. Numa primeira fase, o novo governo estaria
primordialmente preocupado com os reajustes financeiros, eliminando gastos
considerados desnecessários. A segunda fase seria de construção e produção, com
prioridade para o setor de transportes e para a produção de energia elétrica.
Pela Lei nº 1.474, de 26 de novembro de 1951, foi criado um
fundo especial, formado pelo adicional do imposto de renda, destinado
especificamente ao Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, previsto pela
mesma lei e conhecido como Plano Lafer.
Apesar da instituição do Plano Lafer, porém, incluindo a
maior parte dos projetos do Plano Salte, este último seguiu seu curso até o
final de seu prazo de vigência, tendo mesmo o presidente Vargas solicitado sua
prorrogação na Mensagem nº 531, de 30 de novembro de 1953. Segundo Vargas, o
Plano Salte havia-se revelado “mais maleável e simples que o regime
orçamentário comum, pela rapidez na liberação dos créditos e facilidade de sua
passagem de um exercício para outro”.
Embora tivesse sido aprovado pelo Congresso, o pedido de prorrogação
do Plano Salte foi vetado pelo presidente Café Filho, que, cinco anos antes,
como deputado, já se havia manifestado contra sua instituição.
O liquidante do Plano Salte
Mesmo
encerrada sua vigência, o Plano Salte se projetou por mais quatro anos, com a
continuação de algumas obras, a prestação de contas de responsáveis por
dinheiros, e a sistemática menção nos balanços gerais da República.
Para atender à sua extinção, foi necessária a instituição do
“liqüidante do Plano Salte”, função para a qual foi designado o diretor da
Divisão de Orçamento e Organização do DASP. Suas atribuições mais importantes
eram controlar os créditos existentes em contas bancárias sob a
responsabilidade dos diversos gestores; proceder ao exame minucioso do emprego
das dotações entregues a técnicos, inclusive através da inspeção direta das
obras ou serviços custeados pelas mesmas, e promover a apresentação de contas
de responsáveis, assim como a elaboração de um relatório final contendo uma
apreciação de conjunto das operações do plano.
Inúmeras foram as dificuldades operacionais do liqüidante.
Nunca se conseguiu saber, exatamente, que parcela do Plano Salte foi executada.
O que é certo é que o plano como um todo não foi implementado devido à sua
inexeqüibilidade financeira e à inviabilidade técnica de muitos de seus
projetos.
Vera Calicchio
FONTES: COSTA, J.
Planejamento; LIMA, C. Petróleo; PLANO SALTE. Mensagem; PLANO SALTE. Relatório;
TEICHERT, P. Revolución.