PLEBISCITO
Plebiscito é uma votação popular sobre assuntos de relevância
constitucional podendo, por conseguinte, ser considerado um instrumento de
democracia direta.
O Plebiscito de 1963
Consulta realizada em 6 de janeiro de 1963 ao eleitorado,
através do voto por sim ou não, sobre a manutenção do regime parlamentarista instaurado
no país em setembro de 1961. O resultado do plebiscito foi a volta ao regime
presidencialista.
Histórico
Com a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de
1961, a presidência da República foi formalmente ocupada pelo presidente da
Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, do Partido Social Democrático
(PSD) de São Paulo, o segundo na linha sucessória. De acordo com a Constituição
de 1946, o cargo pertencia ao vice-presidente da República, João Goulart, que
na ocasião encontrava-se em viagem oficial ao Extremo Oriente.
Embora Mazzilli tenha-se tornado o presidente em exercício, o
poder efetivo concentrou-se nas mãos dos três ministros militares — o general
Odílio Denis, da Guerra, o brigadeiro Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica, e o
almirante Sílvio Heck, da Marinha — que se opunham frontalmente à posse do
vice-presidente. Por ser ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e manter
ligações com os sindicatos, Goulart era acusado de promover agitação nos meios
operários.
Por outro lado, havia outros setores da sociedade, incluindo
políticos e mesmo militares, que apoiavam a “legalidade” defendendo sua
posição. Como solução para a crise política, o Congresso recomendou que a posse
de Goulart fosse acompanhada da instalação no país do regime parlamentarista.
No dia 2 de setembro, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 4 que instituiu o
novo sistema de governo prevendo, entretanto, para o início de 1965 um
plebiscito que decidiria sobre sua continuidade. No dia 7 de setembro, Goulart
foi empossado com poderes limitados, na medida em que grande parte das
atribuições do Executivo passava ao Conselho de Ministros, chefiado por um
primeiro-ministro.
O
primeiro gabinete parlamentarista integrou, de forma relativamente equilibrada,
representantes dos diferentes partidos. Membros do PSD, do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e da União Democrática Nacional (UDN) ocuparam vários cargos
ministeriais, tendo à frente o primeiro-ministro Tancredo Neves, do PSD.
Na tentativa de consolidar sua posição política, Goulart
procurou conter seus opositores mais poderosos, especialmente os militares que
haviam tentado impedir sua posse. A pasta da Guerra foi entregue ao general
João de Segadas Viana, a da Marinha ao contra-almirante Ângelo Nolasco de
Almeida e a da Aeronáutica, ao brigadeiro Clóvis Monteiro Travassos.
Em junho de 1962, com a renúncia de Tancredo Neves, Goulart
indicou para o posto de primeiro-ministro o petebista Francisco Clementino de
San Tiago Dantas. A UDN e o PSD se opuseram à indicação, enquanto várias
organizações operárias ameaçavam entrar em greve caso a nomeação não se
consumasse. A indicação de San Tiago Dantas foi finalmente recusada pela Câmara
dos Deputados, o que levou Goulart a propor outro nome, dessa vez o do
pessedista Auro de Moura Andrade, presidente do Senado. As lideranças da
Comissão Permanente de Organizações Sindicais (CPOS), do Pacto de Unidade e
Ação (PUA), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Crédito (Contec)
reagiram imediatamente, ameaçando deflagrar uma greve geral caso o Congresso
aprovasse a designação de Moura Andrade. Apesar de sua renúncia, provocada pela
negativa de Goulart em aceitar os ministros por ele indicados, os órgãos
sindicais, através do Comando Geral de Greve, decretaram greve geral por 24
horas.
Finalmente, em 10 de julho, Goulart indicou, com a aprovação
do Congresso, o político gaúcho Francisco de Paula Brochado da Rocha para a
chefia do ministério. Além de procurar implementar um programa de emergência de
combate à inflação e à escassez de alimentos, o novo primeiro-ministro prometeu
antecipar para dezembro de 1962 a realização do plebiscito que decidiria sobre
a continuidade do regime parlamentarista. Apoiada pelos setores que defendiam
plenos poderes para o presidente da República, essa decisão foi atacada pela
UDN, que acusava Goulart de estar comprometido com os comunistas.
Goulart promoveu, em seguida, alguns generais nacionalistas a
postos de comando, esperando com isso garantir o apoio dos militares. A pasta
da Marinha coube ao almirante Pedro Paulo de Araújo Suzano, a da Guerra ao
general Nélson de Melo e a da Aeronáutica ao brigadeiro Reinaldo Joaquim
Ribeiro de Carvalho. No mês de agosto, os três ministros militares lançaram um
manifesto de apoio à antecipação do plebiscito e o Congresso determinou que
este fosse realizado até abril de 1963. Entretanto, Goulart pretendia que a
consulta popular se realizasse no mês de outubro de 1962, juntamente com as
eleições para o Congresso. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que exercia
pressão ameaçando deflagrar uma greve geral no dia 15 de setembro, o apoiava nessa
posição.
Em 14 de setembro, Brochado da Rocha renunciou após não ter
conseguido que o Congresso aprovasse a antecipação do plebiscito. No dia
seguinte, foi decretada uma greve geral dos trabalhadores com o apoio de alguns
militares, entre os quais o general Osvino Ferreira Alves, comandante do I
Exército.
Diante desse quadro o Congresso cedeu às pressões, aprovando
no próprio dia 15 de setembro a Lei Complementar nº 2, que estabelecia a
realização do plebiscito no dia 6 de janeiro de 1963. Os parlamentares
incumbiram Goulart de nomear um gabinete interino, que atuaria até essa data.
O novo primeiro-ministro, Hermes Lima, procurou fortalecer a
posição do vice-presidente entre os militares. Um de seus primeiros atos foi o
de substituir o ministro da Guerra, Nélson de Melo, pelo general Amauri Kruel,
amigo pessoal de Goulart.
Enquanto Goulart se aproximava dos líderes sindicais
articuladores da greve de setembro, as organizações sindicais anticomunistas
como o Movimento Sindical Democrático, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Comércio e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, reagiam contra o poder de pressão do CGT sobre o vice-presidente,
desencadeando greves e a antecipação do plebiscito.
Em 1º de janeiro de 1963, o governo majorou os salários em
75%, assegurando, assim, o apoio das lideranças sindicais e das bases
trabalhadoras à volta ao presidencialismo.
No dia 6 de janeiro 11.531.030 eleitores votaram no
plebiscito, de um eleitorado de 18 milhões de pessoas. O resultado determinou a
volta ao presidencialismo, por 9.457.448 votos contra 2.073.582.
Investido dos poderes atribuídos ao presidente da República
pela Constituição de 1946, Goulart nomeou em 24 de janeiro um novo ministério,
cuja composição refletia mais uma vez seu compromisso com as várias tendências
em jogo no cenário político. Cercando-se de militares nacionalistas, o
presidente nomeou para o Ministério do Trabalho Almino Afonso, figura de
prestígio entre as lideranças sindicais que defendiam a implantação imediata
das reformas de base. Por outro lado, a nomeação de San Tiago Dantas para o Ministério da Fazenda significou a adoção de um programa de austeridade
econômica, visando a contenção da inflação e o restabelecimento dos índices de
crescimento econômico, porém não contemplando as reformas profundas esperadas
pelos trabalhadores.
O esgotamento da política de compromisso sustentada por
Goulart, somado à reação crescente dos setores conservadores da sociedade,
resultaram em sua deposição pelo movimento político-militar de 31 de março de
1964.
O Plebiscito de 1993
Diversamente do contexto histórico em que estava inserido o
plebiscito anterior, a consulta popular de 1993 não representou um momento de
definição de uma conjuntura de crise institucional.
A Assembléia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-1988
aprovara uma emenda do deputado Cunha Bueno, do Partido Democrático Social
(PDS) de São Paulo, que propunha um plebiscito entre os sistemas de governo
republicano ou monarquista a realizar-se cinco anos após a promulgação da
Constituição. Na ocasião, os deputados que defendiam a aprovação e a
implantação imediata do regime parlamentarista e que não obtiveram êxito em seu
intento, ajudaram a aprovar a emenda Cunha Bueno com a inclusão, no
plesbiscito, da escolha entre os regimes de governo presidencialista ou
parlamentarista.
Dessa forma, o artigo 2º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 estabeleceu um plebiscito
popular a realizar-se no dia 7 de setembro de 1993 para escolher a forma
(república ou monarquia) e o sistema de governo (presidencialista ou
parlamentarista) a ser implantado no país no dia 1º de janeiro de 1995.
Em 1990, o deputado José Serra, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB) de São Paulo, apresentou uma emenda antecipando o
plebiscito para 7 de setembro de 1992. Seguindo os trâmites legislativos, seu
projeto foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e seguiria para o
plenário da Câmara quando, em outubro de 1991, o senador José Richa, do PSDB do
Paraná, apresentou uma emenda semelhante propondo a antecipação do plebiscito
para 21 de abril de 1992, sendo aprovada pelo Senado em primeiro turno por 53 votos
contra 15.
Diante
de um momento político delicado vivenciado pelo governo Fernando Collor de Melo
(1990-1992), os deputados parlamentaristas pretendiam com a antecipação do
plebiscito obter a vitória deste sistema de governo e a sua implantação imediata
para reduzir os poderes do presidente da República. Considerando que a
implantação do parlamentarismo ainda durante seu mandato seria “um golpe”, o
presidente Collor mobilizou a bancada governista no Senado e conseguiu derrotar
a emenda Richa na votação no segundo turno por 46 votos a 13, mantendo, dessa
maneira, o que estabelecera a Constituição de 1988.
Finalmente, em abril de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou por 348 votos a 73 o projeto de lei de autoria do deputado Roberto
Magalhães, do Partido da Frente Liberal (PFL) de Pernambuco, antecipando o
plebiscito para 21 de abril de 1993, com a garantia da implantação da forma e
sistema de governo definidos pelo plebiscito em 1º de janeiro de 1995. Em
fevereiro de 1993, o presidente Itamar Franco (1992-1995) recebeu para sanção o
projeto de lei aprovado e criaram-se três frentes parlamentares representando a
república presidencialista, a república parlamentarista e a monarquia, cada uma
delas com direito a 20 minutos diários na TV e no rádio, divididos em dois
blocos de dez minutos, durante os 60 dias que antecediam o pleito.
As
frentes parlamentares se caracterizaram por seus perfis políticos
suprapartidários, congregando parlamentares de partidos com orientações
ideológicas diversas. Embora alguns partidos tenham assumido uma posição
oficial única, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos
Trabalhadores (PT) a favor do presidencialismo, e o PSDB e o Partido Comunista
do Brasil (PCdoB) pelo parlamentarismo, muitos deputados aderiram às duas
frentes indistintamente. Esse fato provocou algumas indefinições em relação a
questões mais específicas da implantação do sistema de governo, a exemplo do
parlamentarismo, em que deputados de partidos distintos divergiram quanto à
adoção do voto distrital e/ou o quociente mínimo eleitoral de 5% para que os
partidos tivessem direito a assento na Câmara dos Deputados.
Ainda
em fevereiro, o horário eleitoral gratuito na TV e no rádio foi iniciado com
uma novidade em seu formato. Seriam veiculados 48 anúncios diários de 30
segundos distribuídos ao longo da programação, em vez de dois blocos de 30
minutos da modalidade anterior. Destaca-se a importância atribuída à propaganda
na mídia, principalmente a televisiva, com a participação nos programas das
três frentes de atores, atrizes e intelectuais conhecidos.
No
comando da Frente Parlamentarista estava o senador José Richa, da Frente
Presidencialista o senador Marco Maciel, do PFL de Pernambuco, e do Movimento
Parlamentarista Monárquico o deputado Cunha Bueno. Os recursos orçamentários
utilizados pelas campanhas foram bastante diferenciados, com os
parlamentaristas pretendendo gastar 12 milhões de dólares, enquanto os
monarquistas declararam dispor de apenas quinhentos mil dólares.
Em
21 de abril de 1993, realizou-se o plebiscito e a forma de governo republicana
e o sistema de governo presidencialista obtiveram a grande maioria dos votos.
Como reflexo do pouco interesse da população e o baixo nível de mobilização em
relação à consulta, a soma de votos nulos, brancos e abstenções alcançou 36
milhões de votos, cerca de 40% do eleitorado.
Publicou-se
uma vasta literatura sobre o plebiscito e diversos livros de cunho jornalístico
e informativo, mas houve uma predominância de obras de cunho mais acadêmico,
reflexo do intenso debate realizado nas universidades. Entre essas obras, devem
ser mencionadas as de Bolívar Lamounier (org.), A opção parlamentarista
(1991), de Bolívar Lamounier e Dieter Nohlen (orgs.), Presidencialismo ou
parlamentarismo: perspectivas sobre a reorganização institucional brasileira
(1993) e a de Antônio Ermírio de Morais, Plebiscito: como votarei?
(1993).
Monica
Kornis/Marcelo Costa
FONTES: ASSEMB.
NAC. CONST. Legislação; CÂM. DEP. Deputados brasileiros. Repertório (1991-1995);
COELHO, J. & OLIVEIRA, A. Nova; DULLES, J. Unrest;
ERICKSON, K. Sindicalismo; SKIDMORE, T. Brasil;
Veja (30/10 e 13/11/91, 1/4/92, 27/1/93, 3, 10 e 24/2, 17 e 31/3 e
28/4/93); VÍTOR, M. Cinco.