POLÍTICA
DE BOA VIZINHANÇA
A política de boa vizinhança constituiu uma linha específica
da política externa norte-americana formulada para a América Latina durante o
governo Roosevelt. Tratava-se de uma nova proposta de relacionamento com o
continente que visava fundamentalmente apagar as marcas da política do Big
Stick que caracterizara as ações anteriores dos Estados Unidos na região
latino-americana.
A
concepção da nova política vinculava-se a uma conjugação de fatores internos e
externos à sociedade norte-americana. Internamente, a retórica da boa
vizinhança estava associada a grupos políticos burocráticos e empresariais que
ascendiam ao poder com Roosevelt. No plano externo, apoiava-se na extensa rede
de relações econômico-financeiras que vinham se desenvolvendo em volume
crescente entre os Estados Unidos e a América Latina.
A percepção de que os países latino-americanos poderiam
desempenhar um papel-chave como supridores de matérias-primas, mercado de
produtos manufaturados e área de investimento de capital deixou de ser
preocupação apenas da área privada norte-americana, passando a mobilizar uma
nova geração de políticos que chegava ao poder no início da década de 1930.
Tratava-se aqui dos new dealers, que vinham formular uma
política hemisférica visando apagar antigos ressentimentos latinos e
desenvolver uma ação que integrasse interesses privados e governamentais.
Procurava-se desfazer a imagem intervencionista, que se havia criado
principalmente em função das ocupações do Caribe, realizadas desde o final do
século XIX, num momento em que os Estados Unidos buscavam sua hegemonia no
continente sem maiores sutilezas.
Os nomes mais expressivos do grupo de new dealers para a
América Latina eram Francis White, Laurence Duggan, Jefferson Caferry, Nelson
Rockefeller, Henry Wallace e Sumner Welles. Estes homens defendiam a formulação
de uma política para a América Latina que estivesse inserida numa estratégia
global de relacionamento externo. A política de boa vizinhança constituía para
eles uma versão regional de uma política externa internacionalista. Sua
concepção estava associada a uma linha de pensamento de política externa
liberal, sustentada pelo Partido Democrata. Representando um primeiro
passo da política externa internacionalista, adotada pela administração
Roosevelt, a diplomacia da boa vizinhança teve como principal defensor,
idealizador e ator o subsecretário de Estado Sumner Welles.
A política de boa vizinhança foi a principal inovação da
política externa norte-americana na década de 1930. A retórica do
pan-americanismo passou a ser acompanhada de iniciativas concretas promovidas
por diferentes agências governamentais. Através das conferências multilaterais,
em diferentes pontos da América Latina, os Estados Unidos expandiam, pouco a
pouco, sua política de envolver os países do continente numa estratégia
internacionalista. Destacaram-se aqui as reuniões de Montevidéu em 1933, Buenos
Aires em 1935, Lima em 1938, Havana em 1940 e Rio de Janeiro em 1942.
A formulação desta política gerou algumas transformações
internas na burocracia governamental dos Estados Unidos, uma vez que sua
estrutura original tornara-se obsoleta para a implementação de seus objetivos.
A inovação mais expressiva foi a criação do Office of the Coordinator of
Inter-American Affairs (OCIAA), em agosto de 1940, como uma agência
independente, para articular as atividades das agências e departamentos
relacionados à América Latina.
A política de boa vizinhança iniciou sua ação na área de
relações econômicas defendendo a negociação de acordos de comércio recíprocos
que fortalecessem uma aliança hemisférica. Foram realizados durante a década de
1930 acordos deste tipo com 11 países do continente, sendo os mais importantes
com Cuba, Venezuela, México, Argentina e Brasil.
A
idéia de implementar uma política econômica multilateral na América Latina
passou a ser defendida pelo governo norte-americano a partir do momento em que
se definiu como alvo principal desta política a defesa dos mercados do
continente contra a penetração do Eixo.
Na área de comunicações desenvolveu-se uma ampla rede de
serviços de imprensa e rádio, com o objetivo de formar na América Latina uma
opinião pública favorável à cooperação interamericana e contrária à penetração
do Eixo. Tratava-se de um trabalho maciço de propaganda política, envolvendo
duplicações sobre as operações de defesa dos Estados Unidos, programas de rádio
diários, e fornecimento de informações para a grande imprensa latino-americana.
Com o envolvimento direto no conflito mundial, o governo norte-americano passou
a ter como uma de suas prioridades a criação de um sistema de segurança
hemisférica. Este sistema se apoiava em instrumentos de caráter multilateral e
se sustentava cada vez mais em acordos bilaterais, em vista das demandas
específicas negociadas com cada país.
A montagem de um sistema de segurança interamericano levou,
por sua vez, a que a política de boa vizinhança iniciasse um processo de
progressivo esvaziamento. As necessidades imediatas da política externa
norte-americana transformaram a esfera das relações militares no campo mais
importante de entendimento e negociação no hemisfério. Esta tendência provocou
uma série de frustrações, tanto dos atores políticos nos Estados Unidos,
diretamente envolvidos na concepção da boa vizinhança, como de governos e
líderes políticos latino-americanos, que haviam apoiado a nova proposta do
governo Roosevelt.
Iniciava-se, então, a partir de 1942, um período apelidado de
“détente pan-americana”, que se caracterizava por um constante rebaixamento da
América Latina na escala de prioridades dos Estados Unidos. Esta tendência foi
ainda mais reforçada com a renúncia de Sumner Welles e o afastamento político do
vice-presidente Henry Wallace.
Na área econômica, as relações dos Estados Unidos com a
América Latina passaram a ser definidas pelo livre jogo dos interesses
privados. A partir de 1945, com o governo Truman, a estratégia do governo
norte-americano foi de favorecer ao máximo os interesses das empresas privadas
que implicassem custos políticos mínimos.
Neste quadro, a política externa dos Estados Unidos para a
América Latina substituiu gradativamente seu rótulo de “bom vizinho” pelo de
“vizinho pobre”. Esta tendência foi definitivamente consolidada no imediato pós
guerra, uma vez que a formulação de uma política específica para o continente
já não se tornava necessária às demandas globais do projeto imperial
norte-americano.
Mônica Hirst colaboração especial
FONTES: