PROGRAMA
DE ESTABILIZAÇÃO MONETÁRIA (PEM)
Programa econômico, também conhecido por Plano de
Estabilização Monetária, apresentado ao Congresso Nacional em outubro de 1958,
durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961). Elaborado
pelo ministro da Fazenda, Lucas Lopes e pelo presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), Roberto Campos, tinha por objetivo viabilizar
o desenvolvimento econômico do país através do controle da expansão monetária e
creditícia, da contenção dos gastos públicos, do incremento da carga tributária
e da restauração do equilíbrio do balanço de pagamento. Foi abandonada em junho
de 1959, quando Juscelino interrompeu as negociações com o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Antecedentes
Em janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a
presidência da República, dando início a um desenvolvimento acelerado do
processo de industrialização do país. Sua política econômica, centrada no Plano
de Metas, daria destaque especial ao crescimento das indústrias de base,
apoiado na inversão de capitais estrangeiros.
Antes
mesmo da posse de Juscelino, os economistas Lucas Lopes e Roberto Campos
dirigiram uma equipe de técnicos responsável pela formulação de um programa que
deveria orientar a política econômica do novo governo. Foi elaborado assim um
projeto de estabilização monetária para disciplinar o crédito, cortando algumas
despesas públicas e aumentando os impostos, permitindo o financiamento do Plano
de Metas, através de recursos não-inflacionários.
A aplicação do ambicioso Plano de Metas esbarrava em dois
obstáculos mais sérios: a deterioração do balanço de pagamento, acentuada a
partir de 1955, e o crescimento do déficit orçamentário. O primeiro era
resultado do crescimento das importações e da queda dos preços dos produtos
exportados, sobretudo do café, ao passo que o segundo derivava do aumento dos
gastos públicos, financiados com emissão de moeda e, conseqüentemente,
causadores de taxas cada vez mais elevadas de inflação.
A sociedade reagia frente a esses problemas, destacando-se os
cafeicultores, afetados por um confisco cambial que os tornava,
compulsoriamente, financiadores indiretos do processo de industrialização.
Paralelamente, aumentava a pressão dos credores externos, que exigiam provas de
que o país estava tomando providências a fim de acelerar o pagamento de suas
dívidas.
No início de 1958, o Export-Import Bank (Eximbank)
condicionou a liberação de um empréstimo solicitado pelo governo brasileiro à
obtenção de um aval do FMI dando sinal verde à operação. O fundo então exigiu
uma rigorosa política de contenção dos gastos públicos e do crédito, maior
rigidez nos reajustes salariais, adoção de uma reforma cambial e o término do
programa de compra de excedentes de café pelo governo. Essas medidas eram
consideradas necessárias para deter a inflação e restaurar o balanço de
pagamentos.
Acusado de não ter conseguido obter novos financiamentos
internacionais e de não ter sustado a alta da taxa de inflação nem o déficit do
balanço de pagamentos, o ministro da Fazenda, José Maria Alkmin, pediu demissão
do cargo em junho de 1958. Foi substituído nesse mesmo mês por Lucas Lopes, que
então presidia o BNDE. À frente desse órgão ficou, então, Roberto Campos.
Com
Lucas Lopes no Ministério da Fazenda, foram adotadas em linhas gerais as
recomendações do FMI, tendo início uma rigorosa política antiinflacionária.
Depois das eleições legislativas de 3 de outubro de 1958, o governo anunciou o
Programa de Estabilização Monetária (PEM), plano econômico elaborado por Lucas
Lopes e Roberto Campos, que incluía o congelamento salarial, o fim do incentivo
aos cafeicultores, a contenção do crédito e o aumento dos impostos de renda e
de consumo.
O PEM e suas repercussões
O PEM foi elaborado com o objetivo de “permitir, através de
um esforço de estabilização monetária, que o desenvolvimento do país se possa
realizar em condições de equilíbrio econômico e estabilidade social”. Foi
dividido em duas fases. A primeira, de “transição e reajustamento”, se
estenderia de outubro de 1958 ao final de 1959. Durante esse período, o governo
reduziria “drasticamente o ritmo de incremento de preços”, diminuindo paralelamente
as distorções nos investimentos e melhorando os salários reais. Na segunda
fase, a ter início em 1960, já atingida a estabilidade de preços, a expansão
dos meios de pagamento seria limitada estritamente ao montante necessário para
cobrir o aumento do produto real. Tudo isso deveria ser alcançado sem que o
Programa de Metas — julgado “perfeitamente compatível” com o PEM — fosse
sacrificado.
O PEM baseava-se em quatro grandes medidas: limitação da
oferta de meios de pagamento, através de restrições ao crédito e de controle
operacional sobre bancos particulares; maior controle dos gastos públicos o
que, conjugado com o aumento nos impostos sobre a renda e o consumo, garantiria
o equilíbrio orçamentário; menores reajustes salariais, incluindo a revisão do
salário mínimo, e a eliminação dos subsídios cambiais.
Apresentado por Lucas Lopes ao Congresso, o PEM não foi
debatido em plenário; a discussão foi travada nas comissões de Finanças, de
Economia e de Orçamento, entre deputados, de um lado, e ministro e seus
assessores, de outro. Segundo Maria Vitória Benevides, esses debates eram
extremamente “políticos”, isto é, iam além das questões eminentemente
econômicas, envolvendo temas paralelos, como por exemplo a construção da nova
capital do país, Brasília.
Ainda de acordo com Maria Vitória Benevides, o programa
acabou sendo aprovado com emendas longamente barganhadas, principalmente pela
ação dos grupos ligados ao empresariado, como a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), as associações comerciais etc. Segundo o próprio
presidente Kubitschek, o plano sofreu tantos cortes e modificações que terminou
reduzido a uma simples “lei de aumento de impostos”.
De
saída, o PEM apresentava dois objetivos de difícil compatibilidade: a
manutenção de um alto nível de investimento e a obtenção de uma estabilidade de
preços. Cientes de que uma estabilidade poderia acarretar a estagnação da
economia, Campos e Lopes esperavam atingir a estabilização monetária
gradualmente, não adotando o tratamento de choque freqüentemente sugerido pelo
FMI. A implementação do programa provocaria, por sua vez, duas conseqüências
básicas: a restrição do crédito em geral, vital para grande parte da indústria,
e a alta do custo de vida, que afetaria diretamente amplas camadas da população.
O PEM representava, em síntese, um freio ao desenvolvimento econômico,
dificultando a execução dos projetos previstos no Plano de Metas, atingindo
sobretudo a construção de Brasília.
Em dezembro de 1958, antes portanto de ser posto em ação, o
programa teve sua eficácia comprometida pela recusa do presidente do Banco do
Brasil, Sebastião Pais de Almeida, em cortar o crédito concedido pelo banco
para financiar o capital de giro das indústrias. Agindo nesse sentido, Pais de
Almeida atendia às necessidades do empresariado paulista, que denunciara as
maiores facilidades concedidas ao setor público e aos grupos estrangeiros na
obtenção de recursos junto do Estado.
Kubitschek
deu início à aplicação do PEM em janeiro de 1959, anunciando um corte
significativo no orçamento federal e a diminuição dos subsídios à importação de
bens como o trigo e a gasolina, o que causou a elevação, em curto prazo, dos
preços internos de itens essenciais como o pão e os transportes coletivos.
Além dos industriais, outros segmentos de sociedade
colocaram-se contra o plano. Os cafeicultores programaram a chamada Marcha da
Produção até o palácio do Catete, sede do governo, para exigir o aumento das
compras de estoques pelo governo. Esse projeto não chegou a ser concretizado
devido à mobilização de tropas ordenada pelo ministro da Guerra, general
Henrique Lott, em apoio a Lucas Lopes.
A
perspectiva de elevação dos impostos também não foi bem recebida pelos setores
conservadores, ao passo que o movimento sindical — através dos chamados “pactos
de ação conjunta” — articulavam a resistência às anunciadas restrições
salariais. No Congresso, deputados do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
como Sérgio Magalhães e Fernando Ferrari, desferiram violentos ataques contra o
PEM, acusando-o de pauperizar a população do país.
Ao mesmo tempo em que aumentava a oposição ao governo, o FMI
— cujo apoio ao programa de estabilização era indispensável para a obtenção de
um empréstimo de trezentos milhões de dólares junto ao governo dos Estados
Unidos — exigia um aprofundamento da política antiinflacionária e da reforma
cambial. Juscelino relutava, não desejando sancionar medidas que pudessem
colocar em risco o ritmo de crescimento econômico do país. Nesse sentido, o
governo acabou não promovendo uma reforma drástica no sistema cambial nem
restringindo o incremento da oferta monetária de modo a satisfazer o FMI. Nesse
período, começou a se generalizar no país uma reação contra o FMI e, por
extensão, um sentimento antiamericano, compartilhados por grande parte da
imprensa. Os setores nacionalistas e de esquerda acusavam Lucas Lopes e Roberto
Campos de estarem comprometidos com o capital estrangeiro.
O
primeiro semestre de 1959 foi assim dominado por um amplo debate em torno do
PEM, debate que em última instância discutia qual a estratégia mais adequada ao
desenvolvimento do Brasil. A questão coloca em campos opostos defensores das
escola monetarista e estruturalista. Esta última identificava a raiz da
inflação nos desequilíbrios estruturais da economia brasileira, considerando
ineficaz qualquer programa estabilizador que não se enquadrasse num plano geral
de investimentos voltados para os setores econômicos estratégicos. Já os
monetaristas julgavam a inflação como resultado da expansão dos meios de
pagamento, de modo que apenas as restrições monetárias e creditícias poderiam
resolvê-la.
A
contradição entre o plano de estabilização e a política desenvolvimentista do
governo, o atrito entre as orientações do Banco do Brasil e do Ministério da
Fazenda, o aumento da taxa de inflação e a oposição de vários setores da
sociedade levaram o presidente Kubitschek a abandonar o PEM e romper as
negociações com o FMI em junho 1959. Juscelino — que, devido à repentina
enfermidade de Lucas Lopes, passou a conduzir pessoalmente as negociações com
FMI — teve, na realidade, que fazer um opção: ou submeter o país às condições
impostas pelo FMI — câmbio livre para as importações, extinção dos subsídios à
compra de petróleo, trigo, papel e fertilizantes —, ou não aceitar aquelas
exigências, recolocando o país na trilha defendida pelo programa
desenvolvimentista.
Como conseqüência imediata da decisão presidencial, Lucas
Lopes foi substituído no Ministério da Fazenda justamente por seu principal
opositor, Sebastião Pais de Almeida, ainda em junho. Roberto Campos deixou a
presidência do BNDE em julho, entrando Lúcio Meira em seu lugar.
Sérgio Lamarão
FONTES: BENEVIDES,
M. Desenvolvimento; SKIDMORE, T. Brasil.