REVOLTA
DOS SARGENTOS
Rebelião
promovida por cabos, sargentos e suboficiais da Aeronáutica e da Marinha em 12
de setembro de 1963, em Brasília. Foi motivada pela decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) de reafirmar a inelegibilidade dos sargentos para os órgãos do
Poder Legislativo, conforme previa a Constituição de 1946. Consistiu na
ocupação de importantes prédios públicos da capital federal e na prisão de
algumas autoridades por poucas horas. Foi debelada no mesmo dia por
contingentes do Exército.
Antecedentes
A Constituição de 1946 proibia, embora de forma pouco
explícita, que os graduados das forças armadas (sargentos, suboficiais e cabos)
exercessem mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal. Nesse
sentido, o direito à elegibilidade foi o móvel principal das campanhas
reivindicatórias da categoria, que começou a se organizar no governo de
Juscelino Kubitschek (1956-1961). Durante o mandato de João Goulart
(1961-1964), o movimento dos sargentos foi fortalecido devido à sua
participação durante os meses de agosto e setembro de 1961 na campanha da
legalidade, que garantira a posse de Goulart na presidência da República. Nessa
conjuntura favorável, a luta pela elegibilidade ganhou novo impulso. Além
disso, o movimento dos sargentos, através das suas lideranças, apoiava as
reformas de base (agrária, urbana, educacional, constitucional etc.)
preconizadas pelo governo.
Em
1962, os sargentos do então estado da Guanabara decidiram indicar candidatos
próprios à Câmara Federal nas eleições de outubro daquele ano. Em outros
estados, sobretudo São Paulo e Rio Grande do Sul, também foram designados
sargentos para concorrer às assembléias legislativas e às câmaras de
vereadores. Realizado o pleito, o sargento do Exército Antônio Garcia Filho,
concorrendo na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), elegeu-se
deputado federal pela Guanabara. Apesar do impedimento constitucional, Garcia
Filho tomou posse em 1º de fevereiro de 1963, juntamente com os demais
candidatos eleitos, passando a integrar a Frente Parlamentar Nacionalista,
agrupamento suprapartidário de parlamentares nacionalistas de esquerda.
No Rio Grande do Sul, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE)
impugnou a candidatura do sargento do Exército Aimoré Zoch Cavalheiro, alegando
que os sargentos, suboficiais e cabos eram inelegíveis. Aimoré acabou
concorrendo porque impetrou mandado de segurança e recorreu da decisão do TRE,
sendo eleito deputado estadual pelo PTB. Não pôde, entretanto, tomar posse. Em
São Paulo, o sargento do Exército Edgar Nogueira Borges elegeu-se vereador à
Câmara Municipal da capital paulista na legenda do PTB, mas também foi impedido
de assumir o cargo.
A
questão da elegibilidade dos graduados mobilizou a classe em 1963. No dia 12 de
maio, cerca de mil sargentos, suboficiais e cabos reúniram-se no auditório do
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), no Rio de
Janeiro, para discutir a situação. Compareceram à assembléia Hércules Correia
dos Reis e Osvaldo Pacheco, dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores
(CGT), e os deputados Fernando Santana e Garcia Filho, da Frente Parlamentar
Nacionalista. Durante a reunião, o subtenente Gelci Rodrigues Correia declarou
que, apesar do juramento prestado, a categoria não podia se comprometer a
defender a ordem reinante no país, pois ela “beneficia uns poucos
privilegiados”. Gelci referiu-se também à possibilidade de sargentos e
suboficiais “lançarem mão de seus instrumentos de trabalho... para exigir as
reformas de base do governo federal”. Em 23 de maio, o ministro da Guerra
Amauri Kruel puniu o subtenente Gelci com 30 dias de prisão.
No
dia 11 de setembro, o STF julgou o caso do impedimento da posse do sargento
Aimoré pelo TRE gaúcho. Por sete votos contra um, o Supremo confirmou a
sentença anterior, o que implicava na prática que a eleição de Aimoré fora
invalidada e que os graduados eram declarados definitivamente inelegíveis. Na
madrugada do dia 12, eclodiu a rebelão em Brasília.
Brasília sob o controle dos rebeldes
Deflagrada a rebelião, cerca de seiscentos cabos, sargentos e
suboficiais da Aeronáutica e da Marinha se apoderaram dos prédios onde estavam
instalados o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), a Estação
Central da Rádio Patrulha, o Ministério da Marinha, a Rádio Nacional e o
Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos (DTUI). As comunicações da
cidade com o resto do país foram cortadas. Um grupo de 150 cabos e sargentos
tentou ocupar o Ministério da Aeronáutica, mas a recusa da guarda de plantão do
edifício em aderir forçou-os a se retirarem. O presidente Goulart se encontrava
fora de Brasília, em visita à cidade de Pelotas (RS).
Vários
oficiais foram presos e levados para a base aérea de Brasília, principal foco
da sublevação. O ministro do STF Vítor Nunes Leal também ficou detido na base.
O presidente em exercício da Câmara dos Deputados, deputado Clóvis Mota, foi
recolhido ao DFSP.
Os rebeldes, chefiados pelo sargento da Aeronáutica Antônio
de Prestes Paula, receberam o apoio dos deputados Sérgio Magalhães, Neiva
Moreira, Lamartine Távora, Marco Antônio Coelho, Henrique Oest e Emanuel
Waissman, que compareceram à base aérea em nome da Frente Parlamentar
Nacionalista. Cerca de 12 horas depois de sua eclosão, o levante —
ressentindo-se de qualquer tipo de organização — foi sufocado por tropas do
Exército, cujos graduados, com exceção de dois ou três sargentos, não haviam
aderido à rebelião.
No dia 13, o sargento Prestes de Paula foi preso pela Polícia
do Exército. O número total de detidos chegou a 536, sendo 284 da Aeronáutica e
252 da Marinha. Os prisioneiros foram mandados para o Rio, onde foram
alojados no barco-presídio ancorado na baía de Guanabara.
Suspeitos de terem participado do planejamento da rebelião,
os principais líderes do movimento dos sargentos foram imediatamente presos no
Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Foi instaurado um inquérito
policial-militar (IPM) na 2ª Auditoria do Exército, em São Paulo. Em 19 de
março de 1964, os 19 indiciados no IPM — todos sargentos — foram condenados a
quatro anos de prisão.
Sérgio Lamarão
FONTES: BANDEIRA,
M. Governo; CARNEIRO, G. História; Coojornal (8/80); DULLES, J. Unrest;
SKIDMORE, T. Politics.