REVOLTA
INTEGRALISTA
Levante irrompido em 11 de maio de 1938, no Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, sob a liderança dos integralistas e com o apoio de
oposicionistas liberais, visando à deposição do presidente Getúlio Vargas.
O principal episódio da revolta foi o assalto ao palácio
Guanabara, residência oficial do presidente da República, onde, apesar da
precária resistência legalista, os assaltantes foram contidos em poucas horas.
Antecedentes
No período imediatamente anterior ao golpe do Estado Novo
(10/11/1937), era grande a aproximação entre o governo de Vargas e os
integralistas, organizados na Ação Integralista Brasileira (AIB) — partido de
inspiração fascista e conhecidos, como os “camisas-verdes”. O líder da
organização, Plínio Salgado, sabia com alguma antecedência do futuro fechamento
do Congresso e da imposição de uma nova Constituição.
Com
a decretação do Estado Novo, os integralistas tiveram a falsa impressão de que
Vargas os convidaria para participar do governo. Havia mesmo a expectativa de
que o líder da organização iria ocupar a pasta da Educação. A primeira decepção
dos integralistas ocorreu no próprio dia 10 de novembro, quando Getúlio não fez
a menor alusão ao integralismo no discurso de apresentação do Estado Novo. Essa
suspeita de exclusão foi confirmada em 3 de dezembro, ao ser decretada por
Vargas a dissolução de todos os partidos políticos, inclusive da AIB.
Vedado
o seu funcionamento, a organização adotou o nome de Associação Brasileira de
Cultura, constituindo-se num grupo de militantes civis e militares reunidos com
fins supostamente sociais e culturais. Frente aos novos acontecimentos, a
organização dividiu-se em duas correntes: uma que se acomodava à situação criada
pelo golpe do Estado Novo e admitia uma composição com Vargas, e outra,
contrária a qualquer acordo com o governo e que defendia a derrubada do regime
pela força.
Segundo
Olbiano de Melo, no início de janeiro de 1938 o comandante da Marinha, Vítor
Pujol, acompanhado de outro oficial, reuniu-se com o próprio Olbiano e mais
dois dirigentes da AIB, Gustavo Barroso (secretário-geral das milícias em todo
o país) e Belmiro Valverde (secretário nacional de finanças). Nessa ocasião, os
militares informaram que a oficialidade integralista da Marinha, depois do
encontro “com seus camaradas do Exército”, decidira-se pela revolta contra o
governo “desse no que desse”. Os três chefes integralistas procuraram Plínio
Salgado, que apoiou a proposta de um levante armado.
A oposição integralista ao governo já vinha se manifestando
através de pequenos episódios como a distribuição de panfletos antigovernistas
e folhetos de propaganda integralista em vários estados. Em janeiro de 1938
ocorreram incidentes graves no estado do Rio de Janeiro, um dos maiores redutos
da extinta AIB, quando a polícia localizou vários depósitos clandestinos de
armas e munições, implicando alguns militares. Em fevereiro a polícia apreendeu
também armas de integralistas no posto do Departamento Nacional do Café, em
Petrópolis, e efetuou várias prisões. Finalmente, em Niterói, foram localizados
armas e folhetos integralistas numa casa, levando à prisão nove pessoas, embora
o chefe do grupo, Raimundo Padilha, tenha conseguido fugir. No local existia uma
“lista negra”, da qual constavam mais de trezentos nomes de indivíduos
considerados inimigos do Sigma.
Iniciada
a conspiração, ficou decidido que o comando da ação caberia a Belmiro Valverde.
O movimento contava ainda com o apoio de oposicionistas liberais, como Otávio
Mangabeira, que, após a decretação do Estado Novo, aproximara-se da AIB visando
também à deposição de Vargas. Otávio Mangabeira tornou-se um dos principais
articuladores da conspiração. Plínio Salgado ficou encarregado de coordenar,
através de emissários, os demais estados, articulando ainda as forças políticas
não integralistas, mas contrárias à ditadura. A tarefa de Olbiano de Melo era
articular e comandar o movimento em Minas Gerais, ficando a Zona da Mata sob
sua responsabilidade militar. As milícias integralistas deveriam ocupar Teófilo
Otoni, Governador Valadares e o restante da região, rumando depois para o
Espírito Santo e o sul da Bahia.
Em março a conspiração tomou vulto com a elaboração de um
plano para a tomada do poder, incluindo a prisão de autoridades, entre elas
Getúlio Vargas. O movimento se iniciaria no Distrito Federal e no estado do
Rio, e seria seguido pelo Paraná, Bahia, Pernambuco, Minas e São Paulo, caso
houvesse sucesso na capital. Plínio, como chefe do movimento, fixaria a data do
levante em todo o país.
A primeira tentativa
A primeira tentativa de levante ocorreu no dia 11 de março de
1938, sendo, contudo, abortada pela polícia. Na realidade, o que houve foi um
alarme falso, mas, desconhecendo a contra-ordem, os grupos de conspiradores se
dirigiram para os locais estabelecidos prontos para o ataque: o edifício dos
Correios e Telégrafos, as usinas geradoras de eletricidade, a Rádio Mayrink
Veiga e a Escola Naval.
Segundo
depoimentos, na tarde de 10 de março alguns oficiais, entre eles os tenentes
Jatir de Carvalho Serejo e Arnoldo Hasselmann Fairbairn, receberam mensagem do
tenente Francisco Barbosa alertando-os de que o movimento revolucionário seria
deflagrado naquela noite. Foram informados ainda que um grupo de guardas-marinhas
iria tentar ingressar na sede da Escola Naval, na ilha das Enxadas, onde se
apoderariam de armamentos que seriam distribuídos aos civis espalhados no cais
do porto e adjacências. Serejo ofereceu-se para acompanhá-los. No cais dos
Mineiros o grupo tomou uma lancha, solicitada por Serejo à própria Escola
Naval, e invadiu a escola, obtendo a adesão de vários marinheiros e prendendo
alguns que tentaram resistir. Depois de dominar a ilha e recolher à lancha
farta munição, Serejo recebeu um telefonema de Hasselmann, do Ministério da
Marinha, dizendo que “desse volta” no serviço, pois a ordem para a deflagração
do levante era falsa. Restituiu então as armas e a liberdade aos fuzileiros e
regressou à terra firme. No dia seguinte foi preso, permanecendo incomunicável
por 15 dias, após o que respondeu a dois inquéritos policial-militares.
Enquanto se processava a invasão da Escola Naval, um outro
grupo de milicianos integralistas, chefiado por Jair Tavares e pelo tenente
Francisco de Assis Holanda Loiola, foi detido por forças policiais quando se
preparava para ocupar o prédio da Rádio Mayrink Veiga, no Rio. Com a emissora
sob controle, seria transmitida a ordem para o início da revolta em outros
pontos do país.
Os
grupos espalhados pelos diversos locais foram identificados pela polícia,
mediante denúncias. Houve prisões de alguns conspiradores duas horas antes do
golpe. A polícia vasculhou casas, prendeu militares e civis, descobriu planos
de extermínio dos inimigos do Sigma e frustrou o plano dos militares da
Marinha, que era prender Getúlio Vargas por ocasião do almoço na Escola Naval,
que se realizaria naquele dia.
Foram presos o coronel Euclides Figueiredo e Otávio
Mangabeira, cujas atividades conspiratórias haviam sido descobertas pela
polícia, e também Olbiano de Melo, que, apesar de não ter participado de
nenhuma operação, ficou detido durante 50 dias. Segundo o historiador Hélio
Silva, na casa de Plínio Salgado foram recolhidos cerca de três mil punhais
marcados com a cruz gamada, símbolo dos integralistas. Plínio refugiou-se em
São Paulo, onde já se encontravam importantes membros da cúpula integralista
como Francisco Clementino de San Tiago Dantas — que se retirou do movimento
após o 11 de Março —, Jorge Lacerda e Wilson Ferreira. Gustavo Barroso e Belmiro
Valverde, chefe militar do levante, também conseguiram escapar.
Somente no Distrito Federal e no estado do Rio foram presas
mais de seiscentas pessoas, mas quatrocentas foram soltas dias depois. Também
nos outros estados, com os quais a conspiração estava articulada, foram feitas
muitas prisões. Em São Paulo, a casa onde se havia refugiado Plínio Salgado e
outros companheiros foi vasculhada, mas Salgado já se encontrava foragido; o
jornal Ação foi fechado pela polícia.
A conspiração
Apesar de extensa e profunda, a reação governamental contra a
primeira tentativa de golpe integralista não conseguiu deter o movimento de
resistência ao governo e a conspiração prosseguiu, mesmo sob a vigilância da
polícia do Estado Novo. Enquanto o chefe de polícia, Filinto Müller, negava
publicamente a participação de Plínio Salgado e de outros chefes integralistas
no golpe fracassado, afirmando que o levante ficara circunscrito a um pequeno
grupo radical e perigoso, liderado por Belmiro Valverde, o relaxamento das
prisões de grande número de revoltosos, em março e abril, mostrava que a reação
estava se amainando e que a normalidade parecia assegurada. Não obstante,
embora um grande número de oficiais da Marinha e das polícias militares dos
estados estivesse envolvido na trama integralista, as autoridades
governamentais nada fizeram para atingir o âmago da questão. Segundo Edgar
Carone, a repressão envolveu, na verdade, pequeno número de implicados e grande
número de inocentes. Devido a isso, os acontecimentos de 11 de março não
prejudicaram o andamento da conspiração e a existência de um, segundo golpe,
explicado, aliás, pelo fracasso do primeiro.
No Rio de Janeiro, o general João Cândido Pereira de Castro
Júnior, que fora aclamado chefe dos conspiradores, continuou o trabalho de
aliciamento. Encontrava-se com os demais companheiros em igrejas, nas quais
estavam sendo celebrados ofícios de mortos, burlando assim a vigilância
policial. Uma propriedade de Alexandre Braga, situada na avenida Niemeyer, era
o local das principais reuniões dos conspiradores, que contavam agora com uma
melhor conjugação entre as diversas correntes oposicionistas e os
integralistas.
O
plano articulava o general Castro Júnior e o grupo civil, integrado pelo
proprietário de O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho, pelo
ex-governador do Rio Grande do Sul, José Antônio Flores da Cunha, que, exilado
no Uruguai desde a decretação do Estado Novo, enviava dinheiro para os gastos
militares — os cem mil cruzeiros que remetera de Montevidéu foram empregados
para pagar o aluguel da casa da avenida Niemeyer —, Armando de Sales Oliveira e
Otávio Mangabeira, este último preso no Hospital da Polícia Militar, após ter
sido transferido da Casa de Correção. Entre os militares, conspiravam o coronel
Aírton Playsant, o major Rodolfo Bittencourt, o general Newton Cavalcanti,
ex-comandante da Vila Militar, e o general João Guedes da Fontoura, além do
tenente Severo Fournier, ex-revolucionário de 1932 e ex-ajudante-de-ordens do
General Euclides Figueiredo, que ficara escondido durante algum tempo após o 11
de Março e que voltara a articular com o movimento.
O
planejamento e a condução material da conspiração, incluindo a obtenção de
armas, a fabricação de explosivos e a arrecadação de fundos, no Rio de Janeiro,
ficaram a cargo de Belmiro Valverde, que designou Severo Fournier para executar
essas tarefas. Além da organização geral do plano, coube a Fournier a missão de
comandar pessoalmente o assalto ao palácio Guanabara e aprisionar o chefe do
governo. Fournier enviou uma mensagem ao general Euclides Figueiredo, que ainda
se encontrava na prisão, dizendo do plano e pedindo correções. Figueiredo fez
observações com sua própria letra no esquema, que seria mais tarde encontrado
num carro abandonado. No plano estava escrita a frase: “O homem não deve
escapar”, numa clara referência a Vargas. Por ocasião de seu julgamento,
Figueiredo negaria a autoria das notas manuscritas no esquema.
Os
objetivos do novo plano compreendiam, além da tomada do palácio Guanabara, a
prisão dos ministros da Guerra e da Marinha, a ocupação da sede da Polícia CMI
e de outros órgãos do governo e o controle de todos os meios de comunicação,
incluindo as ligações telefônicas e telegráficas. A revolta contaria com o
apoio do Batalhão de Guardas, do 1º Grupamento Motorizado, do 13º Regimento de
Infantaria da Polícia Militar — excetuando-se apenas um batalhão — e de
elementos isolados de outras unidades. Na Marinha, forte reduto integralista,
os revoltos esperavam também adesões significativas, como a do
capitão-de-mar-e-guerra Fernando Cochrane — que viera da Itália comandando uma
flotilha de submarinos e que deveria chefiar o movimento na Marinha,
desembarcando os contingentes que ajudariam a missão Fournier e conduziriam
Vargas, prisioneiro, até o cruzador Bahia, sob o comando do capitão-de-corveta
Nuno Barbosa de Oliveira e Silva —, o almirante Jatir Serejo e o tenente
Arnoldo Hasselmann, que já haviam participado do primeiro levante. Além do
Distrito Federal, a revolta seria deflagrada em São Paulo, Minas Gerais, Bahia,
Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, envolvendo, no primeiro momento, mais de
70 ações coordenadas.
No dia 5 de maio, em duas casas alugadas pelos conspiradores,
houve uma reunião na qual foi decidida a data do levante, tendo seus
participantes deliberado também que o ataque ao palácio seria efetuado pelos
“camisas-verdes”. Fixou-se a data para 11 de maio — apesar da oposição de
Fournier, que a considerou prematura — por ser o dia em que o tenente Júlio
Barbosa do Nascimento, oficial integralista, chefiaria o pelotão de fuzileiros
navais que daria guarda na residência presidencial. Do mesmo modo, no dia 11
estaria de serviço na Polícia Central o aspirante Sotter, que deveria, assim
como seu colega da Marinha, abrir aos revoltosos os portões do prédio da
polícia, na rua da Relação.
Segundo os planos formulados pelos conspiradores em seu
quartel-general, situado na estrada da Gávea, o movimento envolveria dois mil
integralistas e seiscentos homens comandados por Fournier. Os integralistas
estavam confiantes de que tomariam o poder nas primeiras 24 horas do levante.
O levante de 11 de maio
Na
tarde de 10 de maio, todos os chefes de missões importantes se dirigiram ao
“Ninho da Águia”, na avenida Niemeyer, para receber as últimas instruções.
Encontravam-se entre eles Nuno Barbosa, Arnoldo Hasselmann, o automobilista
Júlio de Morais, Raimundo Barbosa Lima, Jair Tavares, João Daré e Francisco
Gomes Caruso. Ainda no dia 10, Gustavo Barroso procurou o representante no
Brasil da agência alemã de notícias Transocean, sondando-o sobre a
possibilidade do III Reich fornecer armas aos integralistas, caso o Ministério
da Marinha caísse sob o controle dos partidários do Sigma.
Às
11 horas da noite João Daré, fingindo-se de coronel e acompanhado de um
“investigador”, apresentou-se no Hospital da Polícia Militar a fim de libertar
os presos Euclides Figueiredo e Otávio Mangabeira, que chegaram a deixar o
local, mas foram recapturados na rua minutos depois, já que o oficial médico
que os liberara se deu conta do estratagema.
O
levante estava marcado para a primeira hora da manhã do dia 11, mas as coisas
correram mal desde o início, com raras exceções. Segundo depoimento posterior
de Belmiro Valverde, “o golpe já nascera fracassado. Antes de iniciarmos a
ação, já tínhamos certeza do seu fracasso. Muitas das pessoas que conspiraram
falharam na hora H. Oficiais comprometidos não compareceram aos seus postos de
combate”. Com efeito, de todo o plano, apenas o assalto ao palácio Guanabara, a
tomada do Ministério da Marinha e a prisão do general Canrobert Pereira da
Costa foram executados.
No
ataque ao palácio houve uma série de contratempos. Dos 150 homens previstos
para tal missão, somente 30 se apresentaram. O transporte também falhou e os
revoltosos contaram com apenas dois caminhões. Nessas condições, o ataque se
limitou aos jardins do palácio, onde foi travado um combate de algumas horas
entre os revoltosos e um grupo de familiares e funcionários mais próximos a
Vargas. Os atacantes se dispersaram após a chegada de um pequeno contingente do
forte do Leme, comandado pelo próprio ministro da Guerra, general Eurico Gaspar
Dutra, deixando para trás sete mortos. Alguns foram presos e, segundo
depoimentos posteriores dos integralistas, friamente assassinados. Segundo
Alzira Vargas do Amaral Peixoto, que participou diretamente dos acontecimentos,
algumas autoridades policiais e militares, do chefe de polícia aos comandantes
de guarnições, hesitaram em prestar auxílio aos sitiados, dando margem à
suspeita de que estivessem coniventes com o levante.
A detenção de autoridades também fracassou em sua maior
parte. O general Dutra escapou por ter saído de sua residência, onde deveria
ser aprisionado, ao atender o pedido de socorro do palácio Guanabara, àquela
hora atacado por Fournier. O ministro da Justiça, Francisco Campos, não foi
preso porque o grupo conspirador que deveria detê-lo desistiu da ação. O ataque
à residência do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefiado pelo
organizador geral dos assaltos, Hermes Malta Lins de Albuquerque, vulgo Natan,
não teve êxito porque o general, ao ouvir os rumores externos, comunicou-se com
autoridades policiais e militares e permaneceu no interior do apartamento até
que os reforços vieram libertá-lo. Quanto ao general Canrobert Pereira da
Costa, chefe do gabinete do ministro da Guerra, foi forçado a entrar em um
carro, abandonado pouco depois em uma estrada deserta juntamente com o
prisioneiro, que conseguiu chegar mais tarde ao Ministério da Guerra, ainda de
pijama.
O único ataque vitorioso foi o do Ministério da Marinha,
apesar do não comparecimento do chefe do movimento, comandante Cochrane, e de
outros militares integralistas. Agrupando alguns homens, o tenente Arnoldo
Hasselmann, após dominar os guardas e oficiais que se encontravam no local,
tomou conta do edifício. Mas a resistência levada a efeito pelos militares
governistas, ajudados pelos disparos de canhão da ilha das Cobras, obrigou os
revoltosos a se renderem pela manhã. Na mesma madrugada Nuno Barbosa tomou de assalto
o cruzador Bahia, para onde seria conduzido Getúlio, e também o cruzador Ceará,
embora inutilmente.
Rapidamente dominado pelas autoridades, o levante fracassou
pela omissão de muitos dos que se haviam comprometido com o movimento. O
general Newton Cavalcanti, por exemplo, que hesitara entre o apoio ou a
condenação ao levante, desligou-se na véspera da rebelião e acabou sendo um dos
primeiros a cumprimentar Vargas pelo insucesso da tentativa.
A reação: prisões e condenações
A
repressão policial foi implacável. Cerca de 1.500 pessoas foram detidas, entre
integralistas e partidários de outros credos políticos. O governo legislou
imediatamente, expedindo em 16 de maio o Decreto-Lei nº 428, que transformou os
juramentos do Tribunal de Segurança Nacional (TSN), criado por Vargas em 1936,
em ritos sumários com prazos e testemunhas reduzidos ao mínimo. Dois dias
depois Vargas baixou outro decreto, o de nº 431, instituindo, entre outras
medidas, a pena de morte, que vinha sendo pedida pela imprensa desde o dia seguinte
ao do levante.
A violência legiferante objetivava amedrontar e desestimular
futuras tentativas de levantes. No entanto, a ação judicial e policial não foi
aplicada de maneira homogênea: a repressão ao integralismo se concentrou nos
baixos escalões, ao passo que os líderes da extinta AIB permaneceram livres ou
foragidos. Enquanto muitos integralistas eram presos e torturados, vários
outros se refugiaram em embaixadas, sendo as de Portugal e Itália, países
fascistas, as mais procuradas.
Fournier, que, juntamente com o tenente Manuel Pereira Lima,
conseguira escapar ao cerco do palácio Guanabara, passou à clandestinidade com
a ajuda de amigos. Com sua companheira presa e torturada na Casa de Detenção e
com sua fotografia estampada em todos os jornais, acompanhada do oferecimento
de um prêmio a eventuais delatores, Fournier conseguiu chegar até a embaixada
da Itália, escondido por alguns militares na mala de um carro, e asilar-se em
25 de junho de 1938. Após alguns dias, devido a uma barganha feita entre os
governos brasileiro e italiano — a entrega de Fournier em troca da liberação de
alta quantia italiana congelada no Brasil —, o asilado se entregou à polícia
brasileira, optando pela prisão militar. Deixou a embaixada em 7 de julho,
sendo conduzido para o forte Duque de Caxias, de onde foi transferido no dia
seguinte para a fortaleza da Laje, onde encontrou o general Euclides Figueiredo
e o tenente Júlio Barbosa do Nascimento.
Em setembro, ultimados os processos, tiveram início os
julgamentos. Os integralistas, assim como seus companheiros de empreitada,
encontravam-se então em piores condições de defesa do que seus adversários
comunistas no passado. As condenações atingiram cerca de trezentos
integralistas, muitos deles setenciados a dez anos de prisão, como Severo
Fournier, Belmiro Valverde e Júlio Nascimento.
Sofrendo de tuberculose, Fournier, depois de passar pelo
Hospital da Polícia Militar, permaneceu oito meses na Casa de Correção, sem
cuidados médicos, e fez graves acusações ao chefe de polícia do Distrito
Federal, Filinto Müller.
Valverde, embora não tenha participado de nenhuma ação
armada, com o fracasso do movimento decidiu refugiar-se no interior do país. Em
sua casa foi encontrada uma lista de pessoas influentes que deveriam ser
executadas, além do planejamento completo da ação armada. Preso, foi condenado
em primeira instância a oito anos de detenção, que foram depois aumentados para
dez. Ele e Fournier chegariam a cumprir sete anos de prisão e seriam liberados
pela anistia política concedida por Vargas em 19 de abril de 1945.
Raimundo Padilha e Gustavo Barroso foram presos no dia
seguinte ao 11 de Maio, em uma fazenda na Zona da Mata, em Minas Gerais.
Padilha foi condenado a três meses de prisão.
Otávio Mangabeira, que não participara do segundo levante por
se encontrar preso em virtude do primeiro, foi acusado de conspiração, julgado
pelo TSN e condenado a dois anos de prisão. Depois de cumprir quatro meses,
obteve habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) e autorização para deixar
o país.
O general Castro Júnior foi também processado pelo TSN.
Absolvido em primeira instância, foi condenado a um ano e nove meses ao ser
julgado na segunda instância pelo mesmo tribunal. O aumento da pena não foi
raro entre as condenações, devendo-se à alteração da legislação. Enquanto em
sua primeira fase o TSN funcionara como órgão da Justiça Militar em primeira
instância, cabendo recurso ao Superior — então Supremo — Tribunal Militar
(STM), que chegou a reformar inúmeras sentenças favorecendo os réus, com a nova
legislação o TSN passou a julgar em ambas as instâncias e poucos tiveram suas
penas reduzidas na apelação. A tendência, ao contrário, foi a de reformar as
penas, agravando-as. Assim, além do general Castro Júnior e de Belmiro
Valverde, o comandante Fernando Cochrane e o coronel Aírton Playsant tiveram
suas penas aumentadas na segunda instância. Apenas o coronel Euclides
Figueiredo conseguiu diminuir sua pena: foi condenado afinal a quatro anos e
teve sua patente de coronel cassada.
Enquanto se processavam as condenações, os cabeças do Sigma —
Plínio Salgado e Gustavo Barroso — ficaram excluídos do processo por falta de
provas. A polícia declarava não encontrar o paradeiro de Salgado, refugiado em
São Paulo desde o levante de março de 1938. Finalmente preso pela interferência
direta do general Eurico Gaspar Dutra junto ao interventor em São Paulo, Ademar
de Barros, Salgado conseguiu ser liberado três dias depois. Somente em maio de
1939, um ano após o levante, Vargas resolveu decretar seu exílio e Salgado foi
enviado à fortaleza de Santa Cruz e de lá para Lisboa. Segundo Edgar Carone,
durante todo o tempo em que esteve em Portugal, Salgado recebeu do governo
brasileiro uma “mesada”.
Coube ao sargento fuzileiro Luís Gonzaga de Carvalho a maior
pena já imposta pelo tribunal: 40 anos de reclusão, condenado por ter
assassinado um membro da guarda palaciana que a ele se rendera.
O levante integralista de 1938 representou a única reação
armada ao regime do Estado Novo, até o alijamento de Vargas do poder pelas
forças armadas em 1945. Embora tenha contado com a participação de uma maioria
de integralistas, o levante envolveu, no tocante ao seu planejamento e direção,
elementos não filiados ao integralismo.
Heloísa Menandro
FONTES: CAMPOS, R.
Repressão; CARNEIRO, G. História; CARONE, E. Terceira; MELO, O. Marcha; SILVA,
H. Terrorismo; VARGAS, A. Getúlio.