SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SAE)
A origem da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) data de
1990, quando foi criada pelo governo Fernando Collor de Mello com o propósito
de assessorar o presidente da República quanto às estratégias governamentais em
áreas como o desenvolvimento econômico, a segurança e a defesa nacional, o meio
ambiente, dentre outras. Extinta essa primeira versão do órgão em 1998, o
conceito de “assuntos estratégicos” ainda seria o mote de outras secretarias e
núcleos ligados à Presidência da República a partir de então. A SAE voltou a
existir em 2008, como órgão de assessoria da Presidência da República cuja
função era promover o desenvolvimento nacional a longo prazo, em articulação
com o governo e a sociedade.
SAE: primeira versão (1990-1998)
Criada através da Medida Provisória nº 150 de 1990 no governo
de Fernando Collor de Melo (1990-1992), a SAE tinha a finalidade de assumir as
funções do Serviço Nacional de Informações (SNI) e da Secretaria de Assessoramento
da Defesa Nacional (Saden). A SAE integrou os órgãos essenciais da Presidência
da República ao lado da Casa Civil, do Gabinete Militar, da Secretaria Geral e
da Secretaria de Comunicação. A secretaria tinha a competência de assistir
direta e imediatamente ao presidente da República no desempenho de suas
atribuições, inclusive políticas públicas em sua área de atuação; na definição
de estratégias de desenvolvimento; na formulação da concepção estratégica
nacional; na promoção de estudos, elaboração, coordenação e controle de planos,
programas e projetos de natureza estratégica, assim caracterizados pelo
presidente da República, e de macrozoneamento ecológico-econômico; bem como
executar atividades permanentes necessárias ao exercício da competência do
Conselho de Defesa Nacional.
A estrutura regimental da SAE foi determinada pelo artigo 2º
do Decreto nº 782 de 25 de março de 1993. As missões e seus órgãos específicos
foram estatuídos nos artigos 6º, 7º, 8º e 9º. Essa estrutura visava fornecer os
principais instrumentos para que a secretaria pudesse cumprir o seu objetivo de
dar assistência ao presidente da República, exercer o papel de órgão
governamental encarregado de pensar o problema estratégico em alto nível e,
finalmente, verificar a conformidade estratégica das iniciativas setoriais.
Vinculavam-se à SAE a Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN) e suas empresas, as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e a Nuclebrás
Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep). A Agência Espacial Brasileira (AEB),
diretamente subordinada ao presidente da República, estava sob supervisão da
SAE.
A criação da secretaria no governo de Fernando Collor de
Melo, primeiro presidente civil eleito após o regime militar inaugurado em
abril de 1964, estava inserida no ambicioso projeto de promover uma ampla
reforma do Estado e da economia, sob premissas que rompiam em sua essência com
o modelo nacional-desenvolvimentista que havia norteado o curso de ação do
poder público nos últimos 25 anos. Esse esforço compreendia a necessidade de se
repensar os assuntos de natureza estratégica, adequando-os ao “novo” Estado
brasileiro que se propunha. Para tanto, procurava-se revitalizar no processo
decisório brasileiro um locus institucional responsável pela elaboração
e coordenação dos assuntos estratégicos, assumindo as atribuições que haviam
sido desempenhadas previamente pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN).
Ao seu primeiro secretário, Pedro Paulo Leoni Ramos, coube a
complexa missão de estruturar a secretaria. Essa missão se traduzia, por um
lado, em absorver o numeroso contigente de pessoal e operacional do
recém-extinto SNI e, principalmente, redefinir a natureza de suas funções, e
por outro lado, balizar os parâmetros conceituais nos quais a secretaria iria
atuar e adequá-los aos programas herdados do CSN, como o Programa Calha Norte e
o Programa de Auxílio Financeiro aos Municípios da Faixa de Fronteira.
Em março de 1992, o jornal O Estado de S. Paulo
denunciou a existência do “Esquema PP”, que teria sido engendrado dentro do próprio
governo pelo secretário-chefe da SAE, para substituir os dirigentes dos fundos
de pensão das empresas estatais por indivíduos ligados à Leoni Ramos, a fim de
que este pudesse influir em seus negócios.
Leoni Ramos deixou o cargo de secretário-chefe da SAE em
abril do mesmo ano e seu substituto, ainda durante o governo Collor, foi o Dr.
Eliezer Batista, detentor de grande prestígio por sua atuação à frente da
Companhia Vale do Rio Doce. Contudo, a sua curta gestão na SAE foi interrompida
pelo impeachment do presidente da República.
Itamar
Franco, que substituiu Fernando Collor na presidência da República, nomeou como
titular da SAE o almirante Mário César Flores, que permaneceu à frente da
secretaria durante todo o mandato do presidente. Na gestão do novo secretário
foi desenvolvida a cooperação entre o Centro de Estudos Estratégicos da
Presidência da República (CEE-PR) e o Núcleo de Análise Interdisciplinar de
Políticas e Estratégias da Universidade de São Paulo (NAIPE/USP), para promover
o I Encontro Nacional de Estudos Estratégicos (I ENEE). Essa importante
iniciativa trazia para a sociedade a crucial discussão dos rumos a serem
adotados nos assuntos de natureza estratégica, apesar da proximidade da
sucessão presidencial.
Com
a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República foi
nomeado como novo titular da SAE o embaixador Ronaldo Sardenberg, que
implementou um dupla hierarquia na secretaria, objetivando otimizar o seu
funcionamento. Com as exceções do major-brigadeiro-do-ar Arquimedes de Castro
Faria Filho, responsável pela subsecretaria executiva, e de Acir Pitanga, chefe
do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações
(Cepesc), todos os demais subordinados de Sardenberg na SAE, encarregados da
chefia dos órgãos específicos, ou seja, das subsecretarias, eram pertencentes
aos quadros do Itamarati.
A nomeação de diplomatas para os postos chaves da SAE durante
a gestão de Sardenberg pode ser interpretado como uma necessidade, visto que a
Presidência da República não possuía quadros próprios e procurava-se
preenchê-los valendo-se de uma elite do funcionalismo público federal dotada de
reconhecida competência e devidamente socializada dentro de uma rígida
hierarquia. Contudo, os recursos humanos disponíveis à Presidência da República
não se limitavam somente ao Itamarati. Também as forças armadas possuíam
indivíduos de reconhecida competência para ocupar os quadros da SAE. Ao invés
de conselheiros, coronéis. No lugar de embaixadores, generais ou almirantes.
Ainda mais quando se verifica que, historicamente, os militares sempre tiveram
destacada e quase exclusiva atuação no que tange à elaboração, coordenação e
execução dos assuntos estratégicos do país.
Dessa forma, o que se conclui da presença de diplomatas ocupando
os postos-chaves da secretaria é que, decorrente da nomeação do embaixador
Sardenberg para a sua chefia, os assuntos estratégicos priorizados pela
Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso foram pautados
pela necessidade de profissionais da diplomacia. No caso específico da gestão
de Sardenberg, foram priorizadas as iniciativas referentes à Amazônia
brasileira e ao relacionamento com os países circunvizinhos dessa região.
É importante ressaltar que a partir da gestão de Sardenberg
na SAE a área de inteligência passou a estar vinculada ao Gabinete Militar da
Presidência da República. Em 1998, a SAE foi extinta e suas funções foram
transferidas para o ministério da Ciência e Tecnologia, conforme seria
oficializado pela medida provisória nº. 2.216-37 de 31 de agosto de 2001.
Núcleo de Assuntos Estratégicos
(2003-2008)
No primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2007),
a função de planejamento estratégico das ações do governo coube à Secretaria de
Comunicação de Governo e Planejamento Estratégico (Secom), chefiada pelo
ministro Luís Gushiken e que também era responsável pelo controle da
publicidade e das verbas de patrocínio do governo e das estatais. Em maio de
2003, já se planejava a criação do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE)
vinculado à Secom e coordenado pelo próprio Gushiken; o objetivo do núcleo era
neutralizar os efeitos da autonomia ministerial sobre as ações de planejamento
do governo, através da integração entre as atividades dos ministérios de modo a
fornecer ao presidente informações melhores e em menos tempo. O NAE seria
constituído por um grupo empresarial, um grupo acadêmico e um grupo
governamental, este formado por representantes dos principais ministérios
ligados às áreas de conhecimento, produtos e serviços e de finanças e
desenvolvimento. O núcleo criou em 2004 o projeto “Brasil em Três Tempos”, uma análise das potencialidades estratégicas do país a fim de identificar as
prioridades do país e os atores sociais capazes de atendê-las, tendo como
marcos os anos de 2007, 2015 e 2022. O projeto definiu o conhecimento como eixo
motor das ações estratégicas, diferenciando-se de planejamentos anteriores
calcados na infra-estrutura da indústria pesada ou no equilíbrio
macroeconômico.
Em julho de 2005, a Secom perdeu o status ministerial e foi
subordinada à Secretaria Geral da Presidência da República. O NAE continuou a
existir, sob chefia de Gushiken até novembro de 2006, quando pediu exoneração
do cargo e foi substituído pelo coronel Osvaldo Oliva Neto. Em junho de 2007, a medida provisória nº 377 criou a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, órgão essencial
da Presidência da República com status ministerial. Roberto Mangabeira Unger,
professor licenciado da Universidade de Harvard e filiado ao Partido Republicano
Brasileiro (PRB), tomou posse como ministro-chefe do novo órgão em 19 de junho.
O NAE foi incorporado à Secretaria. Porém, em setembro o Senado rejeitou a
medida provisória nº 377, numa reação da bancada do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) à ameaça do governo de abandonar a defesa do
então presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros, envolvido em
denúncias de corrupção. A solução encontrada pelo governo foi recriar o órgão
como Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos, mantendo Mangabeira
Unger como titular. A estrutura do órgão foi definida em outubro pelo decreto
nº 6.217; por ele, o NAE e o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA, até então
vinculado ao Ministério do Planejamento) foram subordinados ao ministro-extraordinário.
Novamente SAE (2008-)
O impasse quanto ao órgão de assuntos estratégicos do
Executivo pareceu enfim ter sido resolvido em julho de 2008, quando a lei nº
11.754 transformou o ministério extraordinário em ministério efetivo, agora
novamente batizado de Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão de assessoria
direta e imediata da Presidência de República nas ações de planejamento em
âmbito nacional e na elaboração de subsídios para a formulação de políticas
públicas de desenvolvimento a longo prazo. A SAE era formada também pela
Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável, responsável pela promoção e
coordenação de ações referentes à Amazônia e ao desenvolvimento sustentável
juntamente aos órgãos nacionais e internacionais, entes da federação e demais
atores da sociedade; e pela Subsecretaria de Ações Estratégicas, responsável
pela promoção, coordenação e consolidação de ações relacionadas aos projetos
estratégicos de longo prazo, com a participação de órgãos e entidades da
administração pública federal.
Em setembro de 2007, o então ministério extraordinário foi
incumbido da tarefa de coordenar o Comitê Ministerial de Formulação da
Estratégia Nacional de Defesa (END), trabalho esse presidido pelo Ministério da
Defesa. A END deveria visar não apenas ao reequipamento das forças armadas, mas
também, segundo as palavras do ministro Mangabeira Unger, a qualificação e
reorganização das forças armadas “em torno de uma cultura militar pautada pela
flexibilidade, pela imaginação e pela audácia”, a retomada da indústria
nacional de defesa em âmbito privado e estatal e o “aprofundamento do serviço
militar”. Esses propósitos serviram como as grandes vertentes da END, que foi
finalmente lançada em 18 de dezembro de 2008, após ser aprovada pelo presidente
Lula em reunião com o Conselho de Defesa Nacional.
A SAE também coordenou o Plano Amazônia Sustentável (PAS),
lançado em maio de 2008 pelo governo federal em parceria com os Estados da
região Norte. A quatro diretrizes estratégicas definidas pelo PAS eram: o
ordenamento territorial e a gestão ambiental; a produção sustentável com
inovação e competitividade; a implantação de infraestrutura para o
desenvolvimento sustentável; e a inclusão social e a cidadania através de
programas sociais. Isso envolveria medidas como a regularização dos problemas
fundiários na região amazônica, incentivos a pequenos proprietários e
construção de novos pólos industriais. O lançamento do programa causou a saída
da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que teria ficado insatisfeita
com o fato de a coordenação do PAS ter sido transferida da sua pasta para a SAE
sem aviso prévio. O ministro Mangabeira Unger não havia participado da
elaboração do plano, que acontecia desde 2003; além disso, determinados pontos
do PAS eram vistos como retrocessos na política ambiental do governo por
colocar o desenvolvimento econômico da região em conflito com a preservação da
floresta amazônica. Em dezembro, o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc,
reclamou da execução lenta do PAS. Em entrevista dada em maio de 2009,
Mangabeira Unger disse que o PAS exigia a conciliação de “muitas idéias e
muitos interesses” e definiu como problema prioritário do plano o controle da
terra, pois a região ainda permanecia um “caos fundiário” com poucas terras particulares
regularizadas.
Mangabeira Unger foi exonerado em 30 de junho de 2009, pois
não obteve renovação da licença dada pela Universidade de Harvard, onde
voltaria a lecionar. Foi substituído interinamente pelo seu ex-aluno Daniel
Vargas, subchefe executivo da SAE. O presidente Lula conseguiu convencer o
vice-presidente José Alencar e o senador Marcelo Crivella, ambos do PRB, a
abrirem mão da pasta da SAE, única ocupada pelo partido, em favor da nomeação
do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, então secretário-geral do Ministério
das Relações Exteriores. Samuel Pinheiro Guimarães tomou posse como ministro da
SAE em 20 de outubro de 2009.
Thomas
Heye
FONTE: Agência
Brasil (5/10/07, 18/12/08, 14/5/09, 29/6/09); Folha de São Paulo (25/4/03,
27/9/07, 14/5/08, 5/9/09); Globo.com (13/11/06); HEYE, T. Secretaria;
Portal SAE. Internet.