SECRETARIA
DE COMÉRCIO EXTERIOR (Secex)
Secretaria encarregada de formular,
implementar e administrar a política de comércio exterior brasileira, criada no
governo Itamar Franco pela Medida Provisória nº 309, de 19 de outubro de 1992,
subordinada ao Ministério da Indústria, Comércio e Turismo. A Secex incorporou
as principais atribuições do Departamento de Comércio Exterior (Decex), que
funcionou no governo Fernando Collor de Melo subordinado à Secretaria Nacional
de Economia do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. O Decex, por sua
vez, foi o sucessor da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil
(Cacex).
A liberalização comercial
A consolidação do processo de liberalização
comercial, a partir de março de 1990, ensejou não apenas a extinção da Cacex,
como também as sucessivas mudanças institucionais implementadas na política de
comércio exterior brasileira ao longo da década.
A
rigor, a origem do processo de abertura comercial no Brasil remonta à segunda
metade dos anos 1980, quando ganhou ressonância o debate acerca da conveniência
de se reformar o sistema de proteção no Brasil, por meio da redefinição da
estrutura de tarifas aduaneiras e da eliminação gradual dos diversos tipos de
barreiras não-tarifárias então existentes.
Com
efeito, em 1987, a antiga Comissão de Política Aduaneira (CPA) submetia às
autoridades econômicas uma proposta de abertura comercial contendo uma
estrutura de tarifas implícitas que conferissem aos setores industriais graus
diferenciados de proteção, compatíveis com suas respectivas estruturas
produtivas e perfis tecnológicos. Além disso, com o propósito de tornar mais
racional a distribuição de incentivos, a CPA sugeria também a eliminação da
maioria dos regimes aduaneiros especiais, preservando apenas os vinculados à
exportação (o programa Befiex, que concedia isenções aduaneiras e fiscais às
importações de equipamentos condicionadas a compromissos futuros de exportação;
o drawback; e demais incentivos às compras externas propriamente
ditas), aos acordos internacionais (Associação Latino-Americana de
Desenvolvimento e Integração - ALADI, General Agreement on Tariffs and Trade -
GATT, e outros firmados pelo Brasil com os países do Cone Sul), ao
desenvolvimento regional (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia –
Sudam, e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene) e à Zona
Franca de Manaus.
Essa
proposta foi originada da percepção de que, num contexto de crise econômica
interna e rápido progresso tecnológico irradiado a partir das indústrias de
fronteira dos países centrais (informática, microeletrônica e
telecomunicações), a manutenção do aparato protecionista com as características
então vigentes no Brasil conduziria o parque industrial, em prazo não muito
longo, à obsolescência.
No
entanto, devido às fortes pressões políticas para manter os privilégios
obtidos, a proposta técnica da CPA foi de tal forma modificada que a política
de importação aprovada em junho de 1988 não apenas alterou a estrutura de
tarifas aduaneiras sugerida pela comissão, como ainda manteve a maior parte dos
regimes aduaneiros especiais. Em conseqüência, a estrutura protecionista
brasileira continuou com as mesmas características gerais do período pós-64, ou
seja, de um lado, com uma estrutura de tarifas aduaneiras tendo efeito quase
negligenciável na proteção das atividades produtivas domésticas e, de outro,
com a proteção dos setores domésticos sendo garantida, na prática, mas de forma
muito pouco seletiva, pela presença de fortes barreiras não-tarifárias
administradas pela antiga Cacex.
Em
março de 1990, o governo Collor introduziu um drástico programa de
estabilização macroeconômica, ao mesmo tempo que enfrentou o desafio de
viabilizar definitivamente o processo de liberalização comercial. Entre as
principais medidas voltadas para alcançar esse objetivo, merecem menção:
a)
a eliminação das isenções e reduções aplicáveis aos impostos de importação e
sobre produtos industrializados, inerentes à política comercial de 1988,
preservando apenas os regimes aduaneiros especiais concernentes aos acordos
internacionais e à Zona Franca de Manaus, bem como os vinculados a metas
exportadoras (Medida Provisória nº 158, transformada na Lei nº 8.032, de 12 de
abril de 1990);
b)
a extinção da lista de produtos com importação suspensa (o chamado Anexo C da
antiga Cacex), dos limites de importação por empresa impostos pela Cacex
(Portaria nº 56, de 15 de março de 1990, do Ministério da Economia, Fazenda e
Planejamento), e da exigência de financiamento internacional para as compras externas
acima de 200 mil dólares (Portaria nº 365, de 26 de junho de 1990, do
Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento), ou seja, eliminação da tríade
de barreiras não-tarifárias que havia dado a tônica da política de comércio
exterior ao longo da década de 1980;
c)
a implementação de uma reforma aduaneira (Portaria nº 365, de 26 de junho de
1990, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento), através do
estabelecimento de um cronograma de redução gradual dos elevados níveis
tarifários ainda vigentes (nível inferior e nível superior de 0% e 105%,
respectivamente, e média de 35%), de modo que se alcançasse, em 1994, uma
estrutura de proteção nominal com alíquotas ad valorem variando entre um
mínimo de 0% e um máximo de 40% e tarifas aduaneiras média e modal de 14% e
20%, respectivamente.
Todas
essas mudanças foram acompanhadas por profundas alterações institucionais. Os
assuntos econômicos passaram para a jurisdição de um unificado Ministério da
Economia, Fazenda e Planejamento. Ao mesmo tempo, com a eliminação dos
controles quantitativos das importações, foi extinta a Cacex, passando suas
atribuições para a competência do recém-criado Departamento de Comércio
Exterior (Decex), que, por sua vez, ficaria subordinado à Secretaria Nacional
de Economia daquele ministério.
Embora
as razões da reforma institucional do comércio exterior brasileiro nunca tenham
sido expostas oficialmente, a extinção da Cacex pode ser interpretada como o
mecanismo mais eficaz para eliminar o estilo de política comercial que vigorara
no período pós-64, com excessiva ênfase nos controles administrativos e outras
barreiras não-tarifárias. Em outras palavras, a exclusão da Cacex do novo
aparato institucional seria uma forma de ruptura com o passado.
Por
outro lado, as diversas modificações institucionais realizadas na organização
do comércio exterior brasileiro entre 1990 e 1995 sugerem não apenas o esforço
de reaparelhar paulatinamente uma estrutura organizacional que havia sido
abruptamente desfeita com a extinção da Cacex, mas também a tentativa de
construir um novo aparato legal e burocrático consoante com a proposta de
constituição do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), segundo o Tratado de
Assunção de 1991, e com a nova ordem do comércio internacional que emergia a
partir da Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações do GATT, de 15 de abril de
1994.
Com
efeito, além da criação da Organização Mundial do Comércio, a Ata Final
apresentava as regras de disciplinamento das ações de salvaguarda comercial,
dos códigos anti-dumping e das medidas compensatórias (códigos
anti-subsídios), a incorporação do comércio de produtos agrícolas à monitoração
do GATT e a introdução de novos temas, como a necessidade de realização de
acordos nas áreas de serviços, de investimentos e de propriedade intelectual.
A Secex
O
governo Itamar Franco, através da Medida Provisória nº 309, de 19 de outubro de
1992, restaurou a organização institucional da área econômica em três
ministérios — da Fazenda, do Planejamento, e da Indústria, Comércio e Turismo
—, criando e submetendo a este último a Secretaria de Comércio Exterior
(Secex), que incorporava as principais atribuições do Decex. À Secex caberia,
portanto, formular, implementar e administrar a política de comércio exterior
brasileira.
Posteriormente,
por meio do Decreto nº 1.757, de 26 de dezembro de 1995, o governo Fernando
Henrique Cardoso, embora preservando essa estrutura ministerial, demarcava de
forma mais precisa as áreas de atuação da Secex, subdividindo-a nos
departamentos de Operações de Comércio Exterior, de Negociações Internacionais,
de Defesa Comercial e de Políticas de Comércio Exterior. Essa mudança
institucional só pode ser melhor entendida se analisada à luz da condução do
processo de liberalização comercial no Brasil após 1993.
Em linhas gerais, o cronograma inicial
de abertura foi mantido até 1992. No entanto, nesse ano foram antecipadas
reduções de tarifas aduaneiras previstas para 1993 e 1994, reduzindo em seis
meses o prazo para a conclusão da reforma comercial. Além disso, mesmo antes da
implantação do Plano Real, em julho de 1994, a abertura comercial vinha-se
subordinando à política de estabilização de preços. Segundo Kume, “no período
de março a dezembro de 1994, durante a fase e nos primeiros meses de
implantação do Plano Real, o instrumento tarifário foi utilizado intensamente
como mecanismo para disciplinar os preços domésticos via aumento da competição
externa”.
Não
bastasse isso, a entrada em vigor, também de forma antecipada, da Tarifa
Externa Comum (TEC) do Mercosul, em setembro de 1994, cuja vigência fora
programada para ser introduzida apenas em janeiro do ano seguinte, acabou
reduzindo significativamente o nível de proteção nominal de setores com
participação importante nas importações brasileiras, como o automobilístico, o
de eletrônica de consumo e o de química fina.
Esse
conjunto de medidas liberalizantes aumentou a pressão protecionista por parte
de diversos segmentos produtivos, bem como induziu ao incremento do número de
petições de abertura de investigação para a aplicação dos instrumentos de
defesa comercial externa (destacando-se os direitos anti-dumping). No
primeiro caso, o governo procurou evitar a adoção de práticas generalizadas de
proteção, elevando para 70% as alíquotas ad valorem apenas dos produtos
cujas importações vinham exercendo maior peso na elevação dos déficits
comerciais.
O
aumento dos pedidos de investigação a respeito de prováveis práticas de dumping,
de utilização de subsídios e/ou de aplicação de salvaguardas comerciais ensejou
a criação — e isto é digno de nota — , pela primeira vez no Brasil, de um órgão
especialmente encarregado da defesa comercial. Nesse sentido, não seria
exagerado afirmar que, no organograma da Secex, a maior inovação terá sido a
criação do Departamento de Defesa Comercial, uma vez que as atividades e
funções dos demais departamentos já eram cumpridas, no passado, pelos órgãos
intervenientes na política de comércio exterior brasileira, especialmente pela
Cacex.
É
preciso ressaltar, porém, que esse período de transição não poderia transcorrer
sem sobressaltos, sobretudo em virtude do grande despreparo dos recursos
humanos — cerca de um terço dos funcionários da antiga Cacex que continuou
cedido pelo Banco do Brasil ao Ministério da Indústria, Comércio e Turismo — para
lidar com as controvérsias comerciais, típicas de uma economia em processo de
liberalização. Esse problema foi atenuado, em parte, com a decisão de aumentar
os gastos em treinamento do pessoal da Secretaria de Comércio Exterior —
sobretudo dos técnicos do Departamento de Defesa Comercial. Entretanto, desde a
extinção da Cacex, o forte enxugamento do quadro de pessoal acabou tornando
evidente que seria preciso não apenas aprimorar o grau de qualificação técnica,
mas também aumentar o número de funcionários da Secex, pelo menos até o limite
compatível com uma gestão eficiente do comércio exterior brasileiro. Uma
providência nesse sentido foi a implementação, ainda que relativamente tardia,
do cargo de analista de comércio exterior, com a realização de concurso público
que selecionou, em 1998, cem novos técnicos para cumprirem as novas funções
desafiadoras impostas por um mundo que passa por profundas transformações
econômicas.
André
Luiz Nassif
colaboração especial
FONTES: KUME, H. Política de importação; KUME,
H. Política tarifária; MATESCO, V. Novas. MOREIRA, M. &
CORREIA, P. Abertura; NASSIF, A. Política.