SENHOR
Revista de circulação nacional lançada em abril de 1978, em São Paulo, pela Carta Editorial. A princípio publicada mensalmente, assumiu depois
periodicidade quinzenal e, por fim, semanal. Até dezembro de 1979, foi
publicada com o nome de Senhor Vogue.
Ao ser lançada, Senhor era editada por Luís Carta e
contava com a assessoria especial de Samuel Wainer. Desde seus primeiros
números contou com um prestigiado corpo de colaboradores, entre os quais se
incluíam Cláudio Abramo, Carlos Castelo Branco, Carlos Chagas, Matinas Suzuki,
Válter Clark, Bolívar Lamounier, Eduardo Suplicy, Fernando Henrique Cardoso e
outros. Posteriormente, suas páginas abrigaram a colaboração regular de
Raimundo Faoro, Luís Gonzaga Belluzzo, Pietro Maria Bardi, Maria da Conceição
Tavares, José Nêumane Pinto, Paulo Caruso, João Manuel Cardoso de Melo, Marilena
Chauí, João Sayad, Maria Vitória Benevides, Said Farhat, entre outros.
Senhor Vogue foi
lançada com o objetivo de substituir uma outra revista editada por Luís Carta,
a Homem Vogue, ambas direcionadas ao público masculino de alta renda.
Nesse sentido, a revista esforçava-se para construir uma auto-imagem que a
identificasse com esse público. Já no primeiro número, Jorge Cunha Lima, um de
seus diretores, afirmava que Senhor se destinava ao “empresário público,
privado, político, homem de comunicação e de cultura, homem que decide”. Em
suas peças publicitárias, a revista era apresentada como voltada para “homens
classe A: empresários, industriais, VIPs, executivos. Pessoas que venceram ou
que querem o sucesso. Pessoas que contam realmente no seu meio”. Os temas
presentes nas páginas de Senhor eram variados: política, economia,
artes, ciência, comportamento.
No primeiro semestre de 1978, quando Senhor veio a
público, o Brasil vivia um período de redemocratização política, a chamada
“distensão lenta, gradual e segura”, conforme havia definido o presidente
Geisel no início de seu governo, em 1974. Aproveitando-se das brechas então
abertas pela censura, Senhor veiculava críticas aos setores mais
conservadores do governo, sem, contudo, se opor frontalmente ao regime. No
primeiro número da revista, Luís Carta justificava a escolha de Delfim Neto,
ex-ministro do governo Médici, como destaque de capa daquela edição “pelo
evidente interesse do personagem, a sua atualidade e a sua permanência”. Já
para o jornalista Carlos Chagas, naquele ano de 1978 não se teria “a democracia
restabelecida, muito menos um estado de direito pleno, mas somente aquilo que
desejarem ou puderem oferecer os detentores do poder”.
Em seus números seguintes, a revista destacaria em sua capa
personalidades da vida política brasileira de diferentes posições no espectro
político-ideológico, como o ministro Carlos Rischbieter, o sindicalista Luís
Inácio da Silva, o futuro presidente João Batista Figueiredo, o empresário
Olavo Setúbal, o jurista Raimundo Faoro, e o então presidente da Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Aluísio Lorscheider. Na edição de
julho de 1978, teve destaque uma longa entrevista concedida por Luís Inácio da
Silva, então emergente liderança sindical dos metalúrgicos do ABC paulista, ao
jornalista Rui Mesquita, diretor do jornal O Estado de S. Paulo. A
revista teceu elogios a ambos e enfatizou as suas expectativas na possibilidade
de entendimento entre o empresariado liberal com sensibilidade social e os novos
dirigentes sindicais que então surgiam.
Em dezembro de 1978, logo após a realização das eleições para
o Congresso Nacional, realizadas no mês anterior, Luís Carta declarou nas
páginas da revista ter votado, “por convicção liberal”, em Cláudio Lembo, candidato da Aliança Renovadora Nacional (Arena) paulista ao Senado.
Durante o ano de 1979, diminuiu o espaço dedicado pela
revista aos temas políticos. Se por um lado encontra-se, nesse período, duras
críticas ao então governador paulista Paulo Maluf, pouco destaque, por outro
lado, foi dado ao principal assunto político daquele ano no Brasil: a anistia
aos punidos pelo regime militar. Nos três últimos meses desse ano, por exemplo,
quando os exilados mais ilustres voltaram ao país, Senhor não dedicou
nenhuma atenção ao tema.
Ainda durante o ano de 1979, Luís Carta passou a dividir a
editoria de Senhor com Domingo Alzugaray, proprietário da Editora Três.
Iniciava-se então o processo de transferência do controle acionário da revista
para aquela editora, só concretizado em fevereiro de 1981. Desde então, a
editoria do órgão esteve a cargo de Domingo Alzugaray e Cátia Alzugaray.
Em abril de 1981, com base em uma pesquisa na qual foram
ouvidas 150 personalidades do país, Senhor afirmava que “os brasileiros
querem democracia, sem adjetivos”. Nessa mesma edição, a revista constatava que
“a chamada abertura simplesmente empacou, paralisada por uma série de velhos
trambolhos criados pelo regime: leis e costumes aparentemente difíceis de erradicar,
ou muito agradáveis a quem ainda se encontra por cima”. A Lei de Segurança
Nacional, então recentemente utilizada pelo regime para cassar e prender
dirigentes sindicais, foi classificada como uma “barbaridade jurídica... que
torna ilegal a democracia no Brasil”. Apesar dessa disposição oposicionista, a
revista não fez qualquer menção em suas edições de maio e junho ao atentado a
bomba promovido por setores de extrema direita ligados ao regime contra um show
de música em comemoração ao Dia do Trabalho, no Riocentro.
A partir de julho de 1981, o jornalista Mino Carta, ex-editor
das revistas Veja e IstoÉ, assumiu importantes funções em Senhor,
a princípio como membro do seu conselho editorial e responsável por uma
entrevista que abria cada edição; posteriormente como diretor de redação. Nessa
época, a linha editorial da revista já se concentrava nas áreas de política e
de economia e negócios.
A partir de 10 de setembro de 1981, Senhor passou a
circular quinzenalmente. Nessa mesma edição, teve início a publicação regular
de um suplemento da revista de economia inglesa The Economist, que
acompanhou Senhor até a sua extinção. Em 21 de abril de 1982, Senhor
passou a ser publicada semanalmente.
Durante o ano de 1983, Senhor intensificou sua defesa
da redemocratização, cobrando do governo maior rapidez em sua implantação. Mino
Carta com freqüência levantava a bandeira da convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte. Na edição de 24 de agosto, a capa da revista pedia
“Diretas para a presidência”, tornando-se um dos primeiros órgãos da grande
imprensa a defender essa bandeira, que nos primeiros meses do ano seguinte
tomaria conta das ruas do país. Naquela ocasião, Mino Carta classificou os
governantes brasileiros como “vice-reis perdulários e prepotentes”, constatando
que “o Brasil está indo a pique”. Três semanas depois, Mino Carta afirmou que o
principal problema do país não estava “na incompetência dos homens, mas na
falta de legitimidade do regime”. Em março de 1984, quando a campanha das
diretas reunia multidões pelo país, Senhor criticou a atitude cautelosa
de alguns líderes oposicionistas diante da mobilização popular. Afirmava então
que apenas Ulisses Guimarães e Lula insistiam nas mobilizações, lamentando que
a voz de ambos soasse “minoritária nos arranjos pró-diretas”.
Em 4 de abril seguinte, Senhor publicou uma reportagem
sobre o vigésimo aniversário do movimento político-militar de 1964, em que
traçou uma dura avaliação do regime então implantado no país. Constatava também
o isolamento do governo e ressaltava “a falência da modernização conservadora”
por ele implementada. Segundo a revista, “o regime fez pouco, a um preço alto
demais”. Mino Carta aproveitou ainda a ocasião para atacar o então deputado
federal Paulo Maluf, candidato da Arena ao pleito presidencial indireto que
escolheria o sucessor do presidente João Figueiredo. Segundo Mino Carta, “Maluf
é o rosto do sistema... sua obra-prima. Ninguém como ele concebe o poder como
propriedade particular, ninguém como ele se sente tão à vontade ao exercê-lo
sem delegação popular”. Duas semanas depois, Senhor trouxe em sua capa
uma fotografia do comício pelas diretas realizado na Candelária, no Rio de
Janeiro. No número seguinte, a campanha pelas eleições diretas era classificada
como “a verdadeira revolução brasileira”.
Votada
no final de abril daquele ano, a emenda que restabelecia as eleições
presidenciais diretas não obteve, no entanto, os dois terços de votos
necessários para ser aprovada na Câmara dos Deputados. A revista considerou o
resultado como “um voto contra o Brasil” e condenou o procedimento do então
governador mineiro Tancredo Neves, que “numa articulação discreta descartou a
possibilidade de diretas já e abriu seu caminho para o Planalto”.
Diante
das articulações que se seguiram em torno da sucessão presidencial, a revista
estampou em sua capa de 9 de maio: “Na tal negociação o povo não entra.” Mino
Carta identificava a negociação com a desmobilização popular e afirmava que só
podia falar em nome do povo aqueles que não negociassem as diretas. Na sua
edição de 20 de junho, a manchete de Senhor ainda insistia nas diretas.
Para Mino Carta, as alternativas então colocadas eram “governo ilegítimo”
contra “governo legitimado pela vontade popular”. E defendia que “contra Maluf
só há um remédio: diretas já”.
A
dinâmica da política nacional, porém, acabou por favorecer uma solução de
compromisso entre a ampla maioria dos setores oposicionistas e um importante
grupo dissidente do regime, que optaram por apresentar a candidatura de
Tancredo Neves, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), no
pleito presidencial indireto previsto para janeiro de 1985. Para compor a chapa
de Tancredo foi apresentado o nome do senador José Sarney, ex-presidente da
Arena e do Partido Democrático Social (PDS), como candidato a vice-presidente.
Enquanto isso, as forças governistas, já então enfraquecidas pelas defecções em
seus quadros, insistiam no nome de Paulo Maluf. Diante de tal quadro, Senhor
alterou o seu posicionamento com relação ao ex-governador mineiro e passou a
elogiá-lo. Na edição de 9 de janeiro de 1985, Tancredo foi apresentado como “a
desforra possível”, uma pessoa que “jamais perdeu a dignidade, em meio século
de vida pública”. Logo após a confirmação da eleição de Tancredo Neves, Mino Carta
o qualificou como “um oposicionista inconteste nos últimos 21 anos. Notável
político que merecidamente ganha a chance de revelar-se estadista”.
Antes
de tomar posse, porém, Tancredo contraiu grave enfermidade, vindo a falecer
semanas depois. José Sarney assumiu então a presidência da República. Na
ocasião, Senhor defendeu a solução constitucional, ou seja, a
confirmação de Sarney no cargo. Em sua edição de 27 de março de 1985, a revista conclamou Sarney a assumir o seu papel e denunciou que “há sinais transparentes de
movimentações destinadas a solapar a autoridade do presidente em exercício e
precipitar soluções opostas àquelas definidas nos últimos meses”. A revista
afirmou ainda que ao romper com o PDS, Sarney tomou uma “decisão corajosa”,
decisiva para a derrota de Maluf e do antigo regime. No final de abril, Senhor
declarou depositar esperanças na dupla Sarney e Ulisses Guimarães, esse
presidente do PMDB. Sobre Ulisses, a revista afirmou que “sem ele não se
constrói o futuro que desejamos.
O
ano de 1985, porém, transcorreu de forma desfavorável ao governo, que
rapidamente perdeu popularidade e apoio. Em janeiro do ano seguinte, Senhor
acusou o governo de mentir freqüentemente e afirmou que, apesar da grave
situação vivida pelo país, o governo insistia em promover uma “campanha de
mensagens otimistas que, em muitos aspectos, lembra iniciativas semelhantes dos
governos da ditadura”. No mês seguinte, acusou a reforma ministerial promovida
por Sarney de ter “coração arenista e mente udenista”, afirmando ainda que o
presidente havia voltado ao passado.
Nesse
mesmo mês de fevereiro, contudo, o governo reverteu o quadro de impopularidade
que o atingia ao lançar o Plano Cruzado, conjunto de medidas que visavam o
controle inflacionário através do congelamento de preços. Em sua primeira
edição após a implantação do plano, Senhor manifestou-se com cautela e
ceticismo, afirmando que “o alvo é a inflação, mas quem vai apanhar na luta
contra o inimigo comum somos todos nós”. Mas já na semana seguinte, Senhor alterou
a sua avaliação, afirmando “tratar-se de um consistente projeto
antiinflacionário, merecedor ainda de ajustes, mas notável no seu conjunto e no
talento e honestidade intelectual de seus autores”. Ainda segundo a revista, se
a reforma ministerial do mês anterior era arenista, a reforma monetária era
peemedebista, “a primeira puxa o governo para a direita, a segunda para a
esquerda”. Em edição de 4 de abril, a revista foi mais longe em seu apoio ao
Plano Cruzado e reivindicou uma contribuição indireta em sua própria
elaboração, ressaltando que “em suas páginas, ainda durante a ditadura... foram
expostas, trocadas e debatidas muitas das idéias centrais do programa de
estabilização econômica do governo Sarney”. Lembrou, então, que seu conselho
editorial foi dirigido pelo professor Luís Gonzaga Belluzzo, “que saiu daqui
para chefiar a assessoria do ministro Dílson Funaro”. A revista destacou ainda
ter contado, entre seus colaboradores fixos, com figuras que “influenciaram a
feitura do plano”, como João Sayad, Maria da Conceição Tavares e Luciano
Coutinho.
Em
novembro de 1986, embalado pela popularidade do plano, o governo e o PMDB
obtiveram ampla vitória nas eleições para os governos estaduais e para o
Congresso constituinte. Nesse pleito, Senhor explicitou apoio ao
candidato peemedebista ao governo paulista, Orestes Quércia, defendendo-o
inclusive da acusação de enriquecimento ilícito. Anos mais tarde, Domingo
Alzugaray, em entrevista à Revista de Comunicação, declarou ter
dado seu apoio ao candidato peemedebista por acreditar “na solução Quércia para
o estado de São Paulo”. Na edição de 18 de novembro de 1986, ao analisar o
resultado eleitoral, Senhor manifestou satisfação com a vitória do PMDB,
mas avaliou que Sarney — “o Maquiavel do Maranhão”— saíra perdendo. Ainda
segundo seus articulistas, o governo federal teria jogado “o tudo-ou-nada
contra o PMDB”, tramando “um golpe contra a vontade popular”.
A postura oposicionista de Senhor foi intensificada na
semana seguinte, quando o governo anunciou o Plano Cruzado II, que trazia
importantes modificações na política econômica adotada, alterando o principal
aspecto responsável pela sua popularidade, o congelamento de preços. Segundo a
revista, o governo cometeu uma “falha ética” ao negar-se a corrigir o plano no
devido momento, receando as conseqüências eleitorais do ajuste, afirmando ainda
que “o Cruzado II, na forma usada para aplicá-lo, é o emblema acabado do
desapreço que o poder tem pelo povo”. A essa altura, o próprio PMDB foi acusado
de promover “um golpe baixo contra os eleitores, tangidos às urnas por
esperanças demolidas logo em seguida ao pleito”.
Em 1º de fevereiro de 1987, instalou-se a Assembléia Nacional
Constituinte, eleita em novembro anterior. Senhor, que há tempos
defendia a sua convocação, assinalou que ela foi eleita num pleito em que as
maiores atenções foram dirigidas para as eleições dos governos estaduais.
Chamou a atenção para a força dos conservadores em seu interior e afirmou que a
Constituinte iniciava seus trabalhos “acuada pelo conservadorismo e ainda
despida de soberania”. Defendeu, então, que o mandato presidencial de Sarney,
previsto para durar seis anos pela Constituição em vigor, deveria ser reduzido
para quatro anos.
As
vitórias obtidas pelos setores de esquerda durante a primeira fase dos
trabalhos constituintes levaram à criação de uma frente de parlamentares de
tendência conservadora, que se autodenominou de “Centrão”. Senhor
criticou esse grupo, identificando-o como a base de sustentação do governo
Sarney. A revista continuou, então, a manifestar sua oposição ao presidente da
República, acusando-o de ser tutelado pelos militares e exigindo a imediata
realização de eleições presidenciais. Em maio de 1988, também os setores de
esquerda foram criticados pela revista, que os acusava de aliar-se à direita na
Constituinte “em favor de um capitalismo cartorial”.
Ainda durante o ano de 1988, com os trabalhos constituintes
em andamento, a Editora Três adquiriu a revista IstoÉ e promoveu a sua
fusão com Senhor, cujo último número foi publicado em 4 de julho. Surgiu
então IstoÉ Senhor, que mantinha a mesma direção e a mesma linha
política de Senhor.
André
Couto
FONTES: IstoÉ/Senhor;
Senhor.