TV
TUPI
Conjunto de emissoras de televisão, inauguradas em setembro
de 1950 em São Paulo, e em janeiro de 1951 no Rio de Janeiro. A TV Tupi de São
Paulo foi a primeira emissora de televisão do país e da América do Sul.
Pertencia aos Diários Associados, rede de empresas jornalísticas de Assis
Chateaubriand. A Rede Tupi foi extinta em julho de 1980.
Primórdios da televisão brasileira
A
agência de pesquisa americana contratada por Chateaubriand para fazer uma
avaliação do mercado brasileiro o aconselhara a adiar o projeto até que a
televisão já estivesse consolidada, ao menos nos Estados Unidos. No fim da
década de 1949, a população do Brasil ainda não chegava a 50 milhões de
habitantes, e a televisão funcionava regularmente em apenas três países.
Chateaubriand, no entanto, insistiu, encomendando à RCA americana equipamentos
para montar duas emissoras de TV. Com o patrocínio da Sul América Seguros, da
Antártica, do Moinho Santista e da Laminação Pignatari, foi ao ar, para os
poucos aparelhos instalados em São Paulo, o show de inauguração da TV Tupi. Na
época, eram apenas duzentos os aparelhos de televisão no país.
A
precariedade da indústria eletrônica nacional obrigava os estúdios a importar
praticamente todos os equipamentos e os primeiros televisores nacionais só
começaram a ser fabricados em 1951. Um ano após a inauguração, os programas
eram vistos em sete mil aparelhos, a maioria em São Paulo e os demais no Rio, onde, desde janeiro, funcionava a segunda emissora da Tupi.
Ainda não eram usados satélites, e cada emissora local era obrigada a produzir
toda sua programação. Programas como O céu é o limite e Almoço com as
estrelas, assim, existiam nas versões carioca e paulista.
Durante a primeira fase da televisão brasileira, as agências
de publicidade criavam, redigiam e até produziam boa parte dos programas. O
espaço publicitário era loteado entre os clientes, e estes o preenchiam como
quisessem, geralmente batizando o programa com o nome do anunciante. Divertimentos
Ducal, Gincana Kibon e Sabatinas Maizena eram alguns dos
títulos de sucesso da TV Tupi. A estrutura empresarial da emissora era pouco
comercial, e a produção e distribuição dos programas era marcadamente regional.
Como opção de lazer, a televisão ainda perdia longe para o cinema, diversão
preferida, em 1952, por mais da metade dos paulistanos.
Na década de 1950, os programas da TV Tupi eram os mais
assistidos e comentados. Alguns exemplos são TV de vanguarda, Grande
teatro Tupi, Clube dos artistas, Almoço com as estrelas, Alô
doçura, O céu é o limite e Noite de gala, além de
transmissões esportivas. O primeiro telejornal da Tupi, Imagens do dia,
entrou no ar no dia seguinte à inauguração da emissora, mas era amador e pouco
pontual. Foi substituído, em 1952, pelo Telenotícias Panair e, em 1953,
pelo Repórter Esso, trazido da Rádio Nacional juntamente com o slogan
“testemunha ocular da história”, que logo se transformou num dos dez
programas de maior audiência em São Paulo. Todos os programas eram feitos ao vivo, e as falhas eram freqüentes, indo de gafes cometidas pelas
garotas-propaganda, à falta de equipamentos adequados, à escassez de energia
elétrica.
Chateaubriand
aderira às críticas generalizadas que o Estado Novo recebia da imprensa em
1945, e a revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, foi a primeira a
dar a cobertura completa da deposição do presidente. Foi também, contudo, um
dos maiores divulgadores da volta de Getúlio Vargas à cena política, a partir
de 1947. Depois da eleição, Chateaubriand passou para a oposição ao governo,
atacando, através dos Diários Associados e como senador, políticas
nacionalistas, como o monopólio estatal do petróleo. Sua postura de oposição ao
governo Vargas aprofundou-se em 1953, quando sua cadeia jornalística engajou-se
na campanha de denúncias contra o jornal situacionista Última Hora, de
Samuel Wainer, ex-funcionário dos Diários Associados e principal ponto de apoio
de Vargas na imprensa. Chateaubriand pôs as duas estações da TV Tupi à
disposição de Carlos Lacerda para que popularizasse a campanha contra Wainer.
Com uma mesa, um quadro-negro e um telefone à disposição dos telespectadores,
Lacerda em poucos dias se tornou um sucesso de audiência. O programa passou de
cinco minutos para meia hora diária, e foram instalados televisores em pontos
estratégicos do Rio e de São Paulo para aumentar ainda mais o impacto das
denúncias contra Wainer e o governo. Era o início da campanha que culminaria
com o suicídio de Vargas, em agosto de 1954.
Mesmo
assim, o programa de entrevistas Falando francamente, que durante os
primeiros anos da década de 1950 protagonizara debates de relevo, abriu espaço
em 1954 para as declarações de Tancredo Neves, então ministro da Justiça de
Getúlio, contra Afonso Arinos de Melo Franco, líder da oposição a Vargas.
Durante a crise de agosto de 1954, inclusive, o programa chegou a ser
censurado.
Nas eleições presidenciais de 1955, Chateaubriand apoiou
Juscelino Kubitschek, opondo-se em seguida às articulações para impedir sua
posse e se alinhando com o movimento do 11 de Novembro, liderado pelo general
Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse do candidato eleito. Em troca do
apoio, Juscelino comprometeu-se a nomear Chateaubriand embaixador do Brasil na
Inglaterra.
Na segunda metade da década, com a ênfase do governo na
industrialização e na modernização do país, a televisão passou a ser, junto com
o automóvel, um símbolo de modernidade e progresso. Até a posse de Juscelino
Kubitschek, em 1956, foram inauguradas mais quatro emissoras que, no entanto,
não abalaram a liderança da TV Tupi. Existiam cerca de duzentos mil aparelhos
de televisão no Brasil quando, em novembro de 1956, o general Juarez Távora,
contrariando recomendações do general Lott, ministro da Guerra, atacou o
governo numa transmissão televisiva, sendo imediatamente punido e provocando
uma séria ameaça de crise no governo JK.
O
ano de 1956 marcou o início da expansão da televisão para além dos grandes
centros. Até então, as transmissões alcançavam um raio de apenas cem quilômetros.
A iniciativa e o custo de implantar torres de transmissão entre o Rio de
Janeiro e São Paulo couberam às próprias empresas. Assis Chateaubriand,
decidido a transformar a Tupi numa rede nacional de televisão, comprou de uma
só vez, nos Estados Unidos, estações de TV para nove capitais brasileiras. Em
abril de 1960, a inauguração de Brasília foi transmitida para Rio, Belo
Horizonte e São Paulo. Apesar dos esforços para concluir a instalação de torres
a tempo, a transmissão à distância das imagens da nova capital só foi possível
enviando as gravações em videoteipe de uma cidade para outra por aviões.
Em 1959, Chateaubriand assinou uma escritura doando 49% de
sua parte no conglomerado associado, que incluía a TV Tupi, a um condomínio
formado por 22 funcionários. Em 1962, depois de uma dupla trombose cerebral que
o prendeu a uma cadeira de rodas, entregaria ao mesmo grupo os 51% restantes.
A era das telenovelas
Introduzido em 1959, o videoteipe transformou a televisão brasileira,
acabando com os riscos e os improvisos das transmissões ao vivo. A
possibilidade de gravar as cenas com antecedência inaugurou a era da novela
diária, a principal marca da TV brasileira a partir de então, acelerando a
decadência do teleteatro, gênero absoluto nos anos 1950. Em 1963, O direito
de nascer, da TV Tupi de São Paulo, foi a primeira novela a usar a nova
tecnologia. Com as novelas, surgiram estrelas nacionais vinculadas à TV e
fartamente divulgadas por publicações especializadas.
Tornou-se também possível calcular a média da audiência de
cada canal, e a maioria das emissoras adaptou seus contratos publicitários a um
novo conceito de programação, horizontalizado. Não foi o caso da TV Tupi, que,
até sua extinção, ainda alugava espaços publicitários de acordo com o antigo
sistema.
Ainda
em 1962, durante o governo de João Goulart, foi estabelecida pela primeira vez
uma política oficial de comunicação, com a votação do Código Brasileiro de
Telecomunicações. É um momento de enfrentamento entre as teses do governo, que
procurava estabelecer normas reguladoras para a televisão brasileira, e o
empresariado, que as via como tentativas de controle dos meios de comunicação
pelo Estado. O lobby dos empresários do setor, reunidos em Brasília e
liderado por João Calmon — que tinha sido eleito deputado federal e era um dos
condôminos que haviam herdado os Diários Associados —, obteve seu primeiro
sucesso com a derrubada, no Congresso, dos 52 vetos presidenciais ao código. O
episódio deu origem à Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão
(ABERT), cujo primeiro presidente foi o próprio João Calmon. Uma das vitórias
dos empresários de comunicação foi a fixação do prazo para as concessões em 15
anos.
O afastamento de João Goulart teve o apoio da ABERT e de seus
associados. A TV Tupi, assim como as demais emissoras de televisão, deu ampla
cobertura ao movimento político-militar de 1964. No dia 1º de abril, apareceu
na TV Tupi de São Paulo a imagem do governador Ademar de Barros, anunciando
“sérios acontecimentos” e prometendo “envidar os maiores e melhores esforços no
sentido de garantir à família, à sociedade e aos trabalhadores o direito às
liberdades fundamentais”. O apoio dos Diários e Emissoras Associados ao
movimento militar não se restringiu a reportagens e artigos favoráveis nos
jornais. Com uma campanha conclamando a população a contribuir para a
recuperação das finanças nacionais, cujo slogan era “dê ouro para o bem
do Brasil”, as Associadas arrecadaram milhões de cruzeiros para os cofres do governo.
Outra campanha de sucesso liderada pela TV Tupi foi a Cruzada Pró-Infância, em
1965.
A
venda de televisores continuava crescendo: foram vendidos duzentos mil
aparelhos em 1960, trezentos mil em 1962, 370 mil em 1965. Em 1968, as vendas
chegaram a 678 mil unidades, 47% a mais do que no ano anterior. O principal
impulso para a efervescência do mercado eram as facilidades de crédito
promovidas pelo governo, ampliando o público consumidor.
A
confusão administrativa e contábil que caracterizava as Emissoras Associadas
sofreu um duro golpe com a aparição da TV Globo, em 1965, inaugurando um modelo
moderno de empresa. A Tupi, ao contrário, acumulava falhas, permitindo, por
exemplo, que suas filiais de outros estados comprassem programas de emissoras
concorrentes, como Globo, Excelsior ou Record, e que a própria Tupi vendesse
alguns de seus maiores sucessos para outras emissoras. As disputas internas no
condomínio das Associadas também contribuíram para o progressivo enfraquecimento
da empresa.
Inovação estética acompanha falência
O
crescimento da audiência e a incorporação de segmentos de menor renda — mas,
principalmente, o domínio da TV Globo nesse filão — forçaram a TV Tupi a
procurar uma programação mais popular, com programas de auditório e júri como Domingo
da verdade, comandado por J. Silvestre. Apesar dos problemas, a falta de
unidade interna da empresa propiciou o surgimento de núcleos criadores
inovadores. Programas como os desenvolvidos nos anos 1960 por Fernando Faro — Móbile,
Poder jovem e Divino maravilhoso — trouxeram para a Tupi, senão
audiência, ao menos prestígio.
Em 1968, a novela Beto Rockefeller imprimiu sua marca
no gênero dali em diante, com a interpretação naturalista dos atores, diálogos
simples, ambientação urbana e a opção por um anti-herói, o primeiro, no papel
título. O sucesso, no entanto, não se refletiu em novas produções. Enquanto a
Globo mudava suas novelas para atender ao novo gosto, a Tupi voltava ao velho
padrão melodramático, estacionando na vice-liderança da audiência até sua
extinção. Mulheres de areia, A viagem, Ídolo de pano, O machão e O
profeta, novelas de sucesso, mantiveram o público da TV Tupi. Quando se
sentia ameaçada por um programa de muita repercussão, como no caso de Os
trapalhões, a Globo simplesmente contratava os profissionais da
concorrente.
Em 1972, havia 64 estações geradoras de televisão no país. A
maioria se limitava a retransmitir a programação dos três grandes grupos
geradores: Globo, Tupi e Record. No mesmo ano, as primeiras transmissões em
cores contribuíram para encarecer ainda mais o empreendimento televisivo: a
implantação da nova tecnologia exigia alto investimento por parte das
emissoras, agravando ainda mais a situação financeira da TV Tupi.
Em 1974, a Rede Tupi lançou sua programação nacional,
utilizando o sistema que, implantado pela Embratel em 1969, permitia
transmissões diretas para todo o país. Ao mesmo tempo, fechava o núcleo de
produção carioca, responsável pelos shows musicais e pelos programas
humorísticos, passando a transmitir quase exclusivamente de São Paulo. A Tupi
era, então, a maior rede do país, com estações afiliadas em quase todos os
estados, seguida pela Globo, em expansão. No início, eram exibidos via satélite
apenas os programas ao vivo e alguns noticiários.
Ao
longo da década de 1970, agravou-se a crise da TV Tupi, que, apesar de manter o
segundo lugar em audiência e faturamento, enfrentava greves e processos
trabalhistas, demitia jornalistas e aumentava suas dívidas. Sua sobrevivência
foi prolongada com injeções de capital por parte de outros órgãos associados,
mais lucrativos. Na última greve de seus funcionários, a TV Tupi, sem condições
para colocar no ar seus telejornais, foi socorrida pelo governo de São Paulo,
veiculando as imagens produzidas pelo serviço de imprensa do palácio dos
Bandeirantes, em que o governador Paulo Maluf era presença constante. O governo
federal, para quem a Tupi representava uma alternativa ao crescimento da Rede
Globo, também injetou recursos públicos significativos, na forma de verbas
publicitárias, na empresa que já dava sinais de falência.
Em
1979, a Rede Tupi loteava seus horários para seitas, empresas e grupos
étnicos. O ano de 1980 iniciou-se com o agravamento da crise interna: salários
atrasados dos funcionários, em greve durante meses, chegaram a ser pagos com
cheques sem fundos. As novelas também não eram mais exibidas com regularidade,
pois era quase impossível gravá-las.
Em julho de 1980, uma portaria governamental cancelou a
concessão da TV Tupi e das demais emissoras associadas, encerrando suas
atividades.
Alessandra
Aldé
FONTES: CASÉ, R. 40;
Cruzeiro (3/1/54, 15/5/65); Estado de S. Paulo (14/2/93);
HOLANDA, H. Telenovela; Jornal do Brasil (15/9/85); MORAIS, F. Chatô;
ORTIZ, R. Moderna tradição; PRADO, J. TV; SIMÕES, I. País.