UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA (UDR)
Associação civil criada em maio de 1985 por
grandes proprietários de terras, com a finalidade de defender a propriedade
privada e como expressão da radicalização patronal rural contra a política
agrária promovida pelo governo federal no começo da administração do presidente
José Sarney (1985-1990).
Em meados dos anos
1980, com a transição democrática e o acirramento dos conflitos de terra, o
debate sobre a necessidade de uma reforma agrária, mais uma vez, voltou à ordem
do dia. O governo da Nova República apresentou uma proposta de reforma agrária
como compromisso social da Nação para com os excluídos da modernização,
defendendo sua realização nos marcos do Estatuto da Terra e elegendo a
desapropriação como instrumento principal do processo reformista. Imediatamente
a reação dos grandes proprietários de terra, empresários rurais, se fez sentir.
Atuando prioritariamente através das principais entidades de representação
patronal, em especial a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Organização
das Cooperativas do Brasil (OCB) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), os
grandes proprietários de terra se organizaram contra a proposta do Plano
Nacional de Reforma Agrária e contra as medidas institucionais implementadas
pelo governo Sarney.
A mobilização da
grande propriedade fundiária contra a reforma agrária deu-se numa conjuntura de
transição política, de esgotamento das condições que viabilizaram o padrão de
desenvolvimento da agricultura, num contexto de intensificação dos conflitos
por terra e de uma maior organização dos trabalhadores rurais. Tais fatores
contribuíram para potencializar a reação patronal rural. Os grandes
proprietários de terra sentiram-se ameaçados e viram na proposta de reforma
agrária e na luta por terra a reedição do movimento a favor das reformas de
base do final dos anos 50 e início dos 60.
Foi neste cenário
político que despontou, em maio de 1985, a União Democrática Ruralista (UDR),
como expressão da radicalização patronal rural contra a reforma agrária e como
espaço de aglutinação das insatisfações da "classe rural". O seu
principal mote foi a defesa da intocabilidade do regime de propriedade
existente.
Atuando
prioritariamente nas áreas onde eram mais intensos os conflitos de terra e nas regiões
onde predominava a pecuária - em especial o Centro-Oeste e o Sudeste - e
organizando-se fora dos canais formais de representação patronal, a UDR
agregou, nestas regiões, associações de produtores, sindicatos rurais e
inúmeros grupos de resistência ao Plano Nacional de Reforma Agrária e às lutas
por terra.
As primeiras metas da UDR foram no sentido
de impedir as medidas de desapropriação, levando ao enfrentamento direto com os
trabalhadores rurais nas regiões de conflito e à desqualificação das instituições
favoráveis à reforma agrária, em especial a Igreja "progressista".
Além disso preparou-se para um conflito armado no campo e incentivou a
violência contra os trabalhadores rurais.
A UDR fundou uma nova prática política e
funcionou como reorganizadora de novos símbolos de classe da grande propriedade
fundiária e empresários rurais. Dentre as principais características da prática
e do discurso da UDR, pode-se destacar: a mobilização de massa, a revalorização
do rural e renovação da representação patronal, a defesa intransigente do
monopólio fundiário e o uso da violência como principal instrumento de pressão
contra a reforma agrária e as lutas por terra.
A entidade
surpreendeu a sociedade pela capacidade de mobilização e potencial de
crescimento. Em meados de 87, dispunha de sedes em 15 estados da federação, um
total de 40 regionais e mais de 40 mil associados, contando com vultosos
recursos. Contava com uma retaguarda administrativa e financeira que lhe
permitia circular e se fazer presente nacionalmente, além de manter uma
estrutura de assessores e consultores jurídicos, apoio logístico, política de
propaganda agressiva e bem montada, com uso intenso do marketing.
A figura de Ronaldo Caiado, principal
articulador e primeiro presidente da entidade, é a referência mais
significativa para a compreensão da natureza da UDR. Médico, fazendeiro,
pertencente a uma tradicional família de políticos do estado de Goiás, foi o
principal defensor da autonomia da entidade como condição primeira para
mobilização, mentor dos leilões de gado como fonte da arrecadação de recursos e
partidário da violência como o instrumento mais eficaz no enfrentamento das
ocupações de terra, que começavam a ganhar importância como forma de luta.
Os principais articuladores da UDR (além de
Caiado, ganham destaque Salvador Farina e Altair Veloso) também apostaram na
renovação da representação patronal e revalorização do rural. Para eles, a
classe rural encontrava-se desgastada, dispersa e fragilizada e seus
representantes marcados pelo imobilismo e comprometidos com reinvidicações
estranhas aos seus interesses. Avaliando que as estruturas de representação não
conseguiam mais dar conta das demandas e da diversidade de interesses
existentes, defenderam a autonomia da entidade face à estrutura sindical
patronal, representada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
A UDR defendia também uma relação mais
orgânica com os candidatos às eleições e parlamentares, com o objetivo de
instituir um novo perfil de representação política, mais próximo ao que
considerava ser do interesse da grande propriedade e da iniciativa privada.
Nesse sentido, juntamente com o chamado à mobilização e o uso da violência, a
entidade apostou na renovação da representacão patronal, criando a figura do
"produtor autêntico", comprometido com a sua classe, e a do
parlamentar militante, defensor do voto classista acima dos interesses
partidários. No momento dos trabalhos da Constituinte de 1988, a UDR extrapolou
os limites do movimento patronal e definiu-se como movimento político mais
abrangente, numa tentativa de aglutinar as forças sociais mais conservadoras,
para seu projeto. A entidade atuou como uma força extra-parlamentar no
Congresso Nacional, constituindo-se na principal referência do grupo político
conhecido como “Centrão”. Nesse processo, ganhou políticamente, pelo bloqueio
que conseguiu fazer às propostas de reforma agrária, mas passou a ser
reconhecida pela imagem da intolerância, violência e radicalidade.
Após a vitória política na Constituinte,
seus dirigentes optaram por continuar a influir nos processos eleitorais e na
grande política, interferindo no espaço próprio dos partidos políticos.
Posteriormente, na legislatura 91-94, organizou a bancada ruralista visando
pressionar as votações da legislação complementar à Constituição de 1988,
referentes às leis agrícola e agrária.
No entanto, é a defesa explícita e a
prática da violência o traço mais característico da UDR. Dentre suas práticas,
estão as ameaças e a intimidação aberta, bem como o uso do direito de propriedade
absoluto, tal como consagrado no Código Civil, para justificar a violência; o
incentivo à formação de milícias rurais e a elaboração de listas dos
trabalhadores, advogados e assessores marcados para morrer.
Após a Constituinte, tem início a crise
interna e o processo de esvaziamento da entidade, que se acentua com o fracasso
da candidatura de Caiado para a presidência da República, em 1990, e a
dificuldade de construir um discurso para além da defesa da propriedade da
terra como resposta aos problemas da agricultura.
No início dos anos 90, a entidade se
autodissolveu oficialmente. Ainda assim, freqüentemente reaparecia no cenário
político nacional identificada como prática caracterizada do enfrentamento
aberto e da violência contra os trabalhadores rurais sem-terra. Despontava
também como símbolo de mobilização patronal rural, do corporativismo e da
defesa absoluta do monopólio fundiário.
No governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998), com o crescimento da organização dos sem-terra e com o aumento do
número das ocupações de terra, nas regiões de maior disputa, em especial no
Pontal do Paranapanema (SP), surgiu a nova UDR, atualizando suas antigas
práticas, como, por exemplo, a formação de milícias privadas, e reiterando seus
argumentos contra a reforma agrária, pedindo que o governo fosse mais duro com
os sem-terra.
De um modo geral, na memória coletiva dos
grandes proprietários de terra e empresários rurais, a UDR é considerada um
marco, um divisor de águas na luta contra a reforma agrária no Brasil e na
valorização do “produtor rural”. Ao mesmo tempo, ela permanece, socialmente,
como um estigma que denuncia a sua trajetória de posições tradicionais e
intransigências. Visto de uma perspectiva mais ampla, o fenômeno UDR põe a nu
os traços de uma sociedade enraizada no patrimonialismo, no corporativismo e na
violência.
Regina
Bruno
colaboração especial
FONTES: BRUNO, Regina. Senhores...;
DREIFYSS, R. Jogo da Direita...; GRAZIANO da Silva, José. Les
associations patronales...