VEJA
Revista semanal lançada em São Paulo em 11 de setembro de 1968 pela Editora Abril. Eram diretor e editor da Abril Vítor
Civita, diretor de publicações, Roberto Civita, e Mino Carta, diretor de
redação da revista. Embora sempre tenha sido chamada apenas de Veja, de seu número 1 até o 351, de 28 de maio de 1975, exibiu na
capa o título Veja e leia.
Primeiros
anos: 1968-1969
Denominado internamente “Projeto Falcão”, o plano de uma
“revista semanal de informação” elaborado por Raymond Cohen, com 25 páginas de
publicidade e tiragem entre 150 mil e trezentos mil exemplares, foi aprovado
pela diretoria da Abril, que já mantinha outras publicações em circulação. Foi preciso então formar a equipe de cerca de 150 profissionais que daria corpo à
nova revista. Para não onerar o projeto, optou-se por contratar jornalistas
para o primeiro escalão e criar um curso de formação profissional para suprir
as demais necessidades — já que na época ainda não havia sido regulamentada a
profissão de jornalista, com exigência de curso superior, foi possível pôr essa
idéia em execução. Cerca de 250 pessoas em todo o país foram selecionadas para
participar do curso. Delas, 50 foram escolhidas para trabalhar na nova revista,
e o restante foi destinado a outras redações do grupo Abril ou ao departamento
de documentação. Quatorze números zero seriam feitos antes da edição do
primeiro exemplar.
Em setembro de 1968, data escolhida para o lançamento da
revista, o país vivia sob o impacto do crescimento da oposição à ditadura
militar. Na verdade, o clima de agitação era internacional, com a rebelião
estudantil de maio na França, os protestos contra a guerra do Vietnã e a
invasão da Tchecoslováquia pelos soviéticos, pondo fim ao processo de abertura
política conhecido como “Primavera de Praga”. No Brasil, na esteira dos
movimentos de contestação ao regime militar, o espaço para a cobertura crítica
dos acontecimentos na imprensa ampliou-se, ainda que de forma limitada. Tanto
no plano da modernização gráfica e editorial, quanto no que diz respeito ao
jornalismo crítico, assistiu-se a uma revitalização das revistas de grande
circulação, impulsionada pela publicação de Realidade, do grupo Abril. Para o lançamento de sua nova revista a
editora contratou o mesmo publicitário que promovera Realidade, Paulo Augusto de Almeida. A estratégia de divulgação
incluiu a exibição de um vídeo de 12 minutos nos canais de televisão e de um
documentário de Jean Manzon nos cinemas, mostrando o processo de criação do
novo semanário.
O
primeiro número de Veja
vendeu 650 mil dos setecentos mil exemplares impressos. Aproveitando-se do
clima de polarização política, a revista foi lançada com uma capa que trazia a
imagem em negro da foice e do martelo sobre fundo vermelho, para ilustrar a
manchete “O grande duelo no mundo comunista”. Uma “Carta do editor” assinada
por Vítor Civita apresentava a revista como um veículo de integração nacional,
afirmando que o país “precisa de informação rápida e objetiva a fim de escolher
rumos novos. Precisa saber o que está acontecendo nas fronteiras da ciência, da
tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa acompanhar o extraordinário
desenvolvimento dos negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa,
enfim, estar bem informado. E este é o objetivo de Veja”.
Embora o editorial não fizesse referência à conjuntura nacional, e a política
não estivesse entre os temas nele listados como relevantes, a revista ficou
marcada desde o início por suas coberturas políticas. Já em outubro de 1968,
por exemplo, Veja
cobriu com detalhes a repressão
ao congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP).
Nos
meses que se seguiram ao lançamento, contudo, as vendas despencaram e os
anunciantes se retraíram. Para o segundo número foram impressos seiscentos mil
exemplares, e 250 mil foram vendidos. Muitas das edições seguintes não passaram
de 16 mil exemplares comprados.
Nesses
primeiros tempos a revista parecia estar sendo rejeitada pelos leitores, pelos
anunciantes e pela maioria dos funcionários e diretores da Abril. Seu custo era
altíssimo. Mino Carta declarou em 1972 que, “quando o número 1 começou a sair
das máquinas e quando comecei a ver o primeiro caderno, fui tomado de uma
profunda sensação de pânico. Porque aí ficou claro que estava tudo errado... Eu
devo ainda confessar que naveguei na mais total escuridão por muito tempo”.
Roberto Civita viria a corroborar a descrição de Mino Carta sobre os primeiros
tempos ao admitir que “não sabíamos fazer a revista. A revista era complicada
demais, tinha texto demais. O texto era difícil de ler. A revista partia
de todas as direções ao mesmo tempo. Era feia visualmente e tinha problemas de
execução técnica”.
Em
dezembro de 1968, o governo militar editou o Ato Institucional nº 5 (AI-5),
inaugurando a fase de maior fechamento do regime, com a atribuição ao Executivo
de poderes para intervir no Congresso e nos estados e municípios, além de
cassar mandatos e direitos políticos. Suspensos direitos elementares da
cidadania, como o habeas-corpus,
e instalada a censura à imprensa, os órgãos militares encarregados da repressão
política ampliaram seu papel, dando início aos chamados anos de chumbo, de
combate à esquerda armada que se opunha ao regime.
Os
primeiros problemas de Veja
com a censura ocorreram já na semana de decretação do AI-5, no nº 15, de 18 de
dezembro de 1968. A programação de uma capa sobre o ato institucional
levou à redação da revista um censor que vetou algumas declarações de
políticos. Mesmo assim, na segunda-feira a revista foi apreendida nas bancas.
Após esse episódio iniciou-se uma fase de “censura branca”, com bilhetes e
telefonemas da censura informando os temas proibidos. Ciclicamente, a censura
prévia voltava a ser instalada, como ocorreu em 1969.
Nessa fase, a revista recuperou-se, apoiada na cobertura dos
vôos espaciais tripulados e da corrida à Lua. Outras inovações do período foram
o surgimento das entrevistas em páginas amarelas — inauguradas com o depoimento
de Nélson Rodrigues —, a criação de um caderno especial para investimentos e a
publicação de um roteiro de cinema, peças e entretenimentos em cartaz.
À
frente das reportagens estava Raimundo Pereira, que assumiu a chefia da equipe
de repórteres políticos de Veja,
integrando ao grupo original profissionais recém-demitidos de outros órgãos por
motivos políticos. Faziam parte da equipe, naquele momento, Henrique Caban,
secretário de redação, Armando Salem, Sebastião Gomes Pinto, Élio Gaspari,
Dirceu Brizola, Katsuto Matsumoto, Luís Gutemberg, Bernardo Kucinski e Augusto
Nunes, entre outros. O grupo comandado por Raimundo Pereira fez a cobertura, em
dez edições, do episódio da doença e morte do presidente Costa e Silva e
publicou perfis dos generais em condições de substituir o presidente. A partir
daí a revista começou a se firmar.
Em
dezembro de 1969, os repórteres políticos de Veja
aproveitaram-se de uma declaração do coronel Otávio Costa, da Assessoria
Especial de Relações Públicas da Presidência da República (AERP), de que o
governo de Médici não admitiria torturas, para publicar duas reportagens sobre
a tortura aos opositores do regime nos quartéis e delegacias. Na edição de 10
de dezembro, denunciou-se a morte sob tortura de Chael Charles Schreier, 23
anos, morto no quartel da Polícia do Exército, em Deodoro, no Rio de Janeiro.
Na reportagem, afirmava-se que “a horrível ingenuidade dos torturadores pode
interessar a minorias fascistas interessadas em dominar o povo por meio de uma
elite policial-militar. Não interessa, seguramente, a quem pretende estabelecer
num país a normalidade democrática”. Esse número também foi apreendido nas
bancas.
Entre os números 96 e 97, em julho de 1970, foram feitas
mudanças no corpo editorial da revista, que teriam sido justificadas pela
situação econômica ainda difícil. Entre as mudanças destaca-se a saída de
Raimundo Pereira. Além disso, foi criada uma editoria de economia e negócios, a
cargo de Paulo Henrique Amorim e Katsuto Matsumoto.
Os
anos 1970
Ao longo dos anos 1970 a situação política do país oscilou entre a fase mais dura do regime militar (na primeira metade da década) e os
acenos de redemocratização com o projeto de distensão, mais tarde chamado de
abertura. Em relação à imprensa, de maneira geral, vigorou até o fim da década
a censura, que foi suspensa paulatinamente a partir de 1974, conforme o grau de
confiabilidade dos veículos aos olhos do governo.
Em
dezembro de 1971, o número 169 foi totalmente apreendido pela Polícia Federal,
pois a matéria de capa — o afastamento do governador do Paraná, Haroldo Leon
Perez, por corrupção — era assunto proibido. Em março de 1973, uma matéria
sobre a sucessão presidencial desagradou ao governo e todas as matérias sobre o
assunto passaram a ficar sob censura prévia. Em julho do mesmo ano, a revista
publicou matéria sobre a censura e fez uma reportagem sobre o cantor Geraldo
Vandré, dois temas então proibidos. A redação foi advertida e ameaçada de
censura prévia total.
No dia 8 de fevereiro de 1974, após ser noticiada a indicação
de dom Hélder Câmara para o Prêmio Nobel da Paz, chegaram ordens da Polícia
Federal de que a partir daquela data todos os textos deveriam ser aprovados
pelo censor, que permaneceria dentro da redação.
Assim, pouco antes da posse do presidente Ernesto Geisel, em
15 de março de 1974, e durante os primeiros anos de seu governo, a revista
passou a sofrer cortes sistemáticos em suas páginas. A estratégia adotada para
denunciar a censura foi a utilização recorrente de matérias sobre anjos,
demônios, diabos e demonologia, no espaço aberto pelos cortes. Os textos também
falavam sobre um monge “Falcus”, no que podia ser interpretado como uma
referência ao ministro da Justiça Armando Falcão. Essa prática durou quatro
edições e levou Mino Carta e José Roberto Guzzo a dar explicações à Polícia
Federal. Outra iniciativa para burlar a censura ocorreu na seção de cartas, em
que os próprios redatores elogiavam uma matéria sobre o Chile, completamente
vetada pela censura. Para Mino Carta, “a censura foi boa naquele momento. O
leitor encontrou em Veja coisas que não havia no resto da imprensa. Isso a
caracterizou como uma revista de resistência”.
Essa
estratégia foi utilizada durante os primeiros meses de 1974, até que em abril
os entendimentos com o novo governo, através do Ministério da Justiça,
resultaram no relaxamento da censura prévia. A ausência dos censores durou
exatos três números. Tomando como justificativa uma charge de Millôr Fernandes,
que apresentava um prisioneiro a ferros e um carcereiro afirmando “Nada
consta”, os censores voltaram à redação da revista. No dia 13 de maio, o
ministro Falcão impôs novamente a censura à Veja,
que agora seria feita em Brasília, com o material sendo mandado para lá na
terça-feira à noite, o que inviabilizaria a publicação. Entendimentos com o
ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência, general Golberi do Couto e
Silva, reverteram a situação e mantiveram a censura prévia em São Paulo.
A
censura à Veja
refletia a tensão existente entre o grupo mais próximo de Geisel, favorável ao
relaxamento progressivo das regras de exceção, e a chamada “linha dura”, que
defendia a manutenção da censura à imprensa como um dos instrumentos básicos de
controle político. Assim, a revista noticiou a saída do general Ednardo D’Ávila
Melo do comando do II Exército, em São Paulo, sem explicar a ligação desse
afastamento com a morte sob tortura, nas dependências do DOI-CODI, do
jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e do operário Manuel Fiel
Filho, em janeiro de 1976.
Esse
enquadramento da ala mais dura das forças armadas foi acompanhado, no caso de Veja,
por uma pressão mais direta sobre a direção da revista e do grupo Abril no
sentido de um abandono da linha jornalística crítica e de uma aproximação com a
orientação do regime. A pressão culminou, em fevereiro de 1976, com a saída do
jornalista Mino Carta da direção de redação por pressão direta do Ministério da
Justiça. A revista ficou entregue aos redatores-chefes José Roberto Guzzo e
Sérgio Pompeu. Em solidariedade a Mino Carta, alguns editores se demitiram. Em
depoimento prestado cerca de 20 anos depois, Carta caracterizou sua demissão
como a maneira encontrada para garantir uma trégua na censura prévia e a
manutenção de avais governamentais para financiamentos obtidos no exterior pela
Editora Abril. Em 3 de junho de 1976, com um telefonema da Polícia Federal, a
censura à Veja
chegou ao fim.
A
revista já tinha conhecido outros episódios de pressão de autoridades contra
jornalistas, como no veto ao nome do jornalista D’Alembert Jaccoud para a
chefia da sucursal em Brasília, em 1973. Mais tarde, Jaccoud seria o pivô de
outro episódio dessa natureza. Contratado finalmente por Veja
em 1976, em fins de 1978 foi demitido, juntamente com Pompeu de Sousa, diretor
do grupo Abril em Brasília, na esteira de conflitos entre a redação da sucursal
na capital, que noticiava a articulação da candidatura de oposição do general Euler
Bentes pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e a editoria paulista, que
preferia noticiar a candidatura oficial do general João Batista Figueiredo como
a única apresentada à sucessão do presidente Geisel.
Ao
longo dos anos 1970, Veja
tornou-se o semanário nacional mais importante, com tiragens que alcançaram
cerca de trezentos mil exemplares no fim da década, mantendo sempre como
carro-chefe de sua pauta o noticiário político. As restrições de um período
autoritário e as opções editoriais assumidas pela direção explicam o caráter de
sua cobertura nessa fase, quando a revista abandonou a postura crítica dos
primeiros anos, embora resguardando espaços esporádicos para comentários e
matérias contrários aos interesses do governo.
Em
13 de setembro de 1978, um editorial assinado por Vítor Civita comemorava os
dez anos da revista, no momento em que “o governo do presidente Geisel — cuja
estratégia de aperfeiçoamento democrático jamais deixamos de apoiar — se
prepara para extinguir esta celula
mater do arbítrio que é AI-5”. A seguir eram expostos os princípios básicos que vinham guiando a revista desde o seu nascimento.
O primeiro deles era o princípio liberal: “E ser liberal, para nós, é querer o
progresso com ordem, a mudança pela evolução, e a manutenção da liberdade e da
iniciativa individuais como pedra angular do funcionamento da sociedade.” O
editor insistia assim na crença de Veja
no capitalismo democrático e na livre iniciativa, condenado tanto o
“capitalismo estático, excludente, onde o bem-estar de uns poucos é obtido à
custa da privação dos outros”, quanto “a entrada do Estado em setores onde a
livre iniciativa pode desincumbir-se sozinha”. O capital estrangeiro era
apontado como fator positivo para o progresso do país, enquanto o tratamento emocional
ou demagógico da questão social era firmemente repudiado. Quanto aos temas da
conjuntura, a declaração de princípios de aniversário condenava as greves e as
propostas de formação de “centrais sindicais tipo CGT, que fatalmente se
concentram na ação político-ideológica”. Afirmava que “nenhuma razão de
segurança ou de Estado pode justificar a degradação dos direitos humanos”, mas
declarava também não ver “razões para se anistiarem pessoas que infringiram o
Código Penal alegando razões políticas, nem para se incentivar a reorganização
de grupos políticos que não aceitam a convivência democrática”. Sobre a opção
política da revista, afirmava: “a nossa sempre foi a da democracia, tal como
praticada nas sociedades modernas do mundo ocidental. Veja,
ao longo de seus dez anos,
vem combatendo o arbítrio. Mas o problema essencial, agora, é muito menos
gritar contra o arbítrio e muito mais assegurar uma passagem tranqüila do país
para um regime democrático”.
Veja completou sua primeira década com sua infra-estrutura
implantada e vendendo 260 mil exemplares. Tinha sucursais e correspondentes
exclusivos no exterior e contava com um expediente de cem jornalistas.
A
redemocratização dos anos 1980
Ao
longo dos anos 1980, à medida que se acelerava o processo de transição
democrática no país, Veja
ampliou sua liderança no mercado editorial, alcançando uma tiragem de cerca de
quinhentos mil exemplares já em 1981, e atingindo edições com mais de um milhão
de exemplares em alguns momentos dos anos seguintes. Os acontecimentos
políticos, como as eleições e as grandes mobilizações populares, e também as
reviravoltas da política econômica impulsionaram essa expansão. A cada novo
plano econômico, edições especiais explicando as medidas para a opinião pública
insegura alcançavam tiragens recordes. O crescimento da demanda por informações
na vigência do sistema democrático e a tendência monopolística do setor
jornalístico no Brasil formaram o pano de fundo desse processo.
No primeiro semestre de 1984, o país assistiu à maior mobilização
popular de sua história, com a realização de grandes comícios e manifestações
de massa em defesa da aprovação pelo Congresso Nacional da emenda que
restauraria as eleições diretas para a presidência da República. Na época, Veja estava sob a direção de José Roberto Guzzo, tendo Élio
Gaspari como adjunto.
Veja estampou matérias de capa sobre a campanha das Diretas Já
entre fevereiro e abril, quando a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pelo
Congresso. Na edição de 18 de abril, cuja capa trazia uma foto do comício que
reuniu mais de um milhão de pessoas na Candelária, no Rio de Janeiro, a “Carta
ao leitor” dimensionava o desejo de eleições diretas para a presidência como “a
maior unanimidade popular já registrada na história do Brasil”. Prevendo a possibilidade
de derrota da proposta no Congresso, concluía: “Será um triunfo perigoso,
porém, se não entender o imenso clamor de mudança que o país não cessa de
expressar nas ruas.”
Uma
vez rejeitada a emenda Dante de Oliveira, foi articulada, pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) e pela Frente Liberal — ala dissidente do Partido
Democrático Social (PDS) —, a Aliança Democrática, em apoio às candidaturas
indiretas de Tancredo Neves, a presidente, e de José Sarney, a vice, em
oposição à de Paulo Maluf, candidato do PDS. Desde o primeiro momento a
candidatura de Tancredo ao Colégio Eleitoral foi apoiada por Veja.
Ao longo da campanha a revista lhe deu destaque positivo, ao mesmo tempo em que
abria espaço para todo tipo de denúncia ou informação negativa sobre Maluf e
seu grupo.
Em
16 de janeiro de 1985 (em edição fechada um dia antes da votação realizada pelo
Colégio Eleitoral), Veja
foi às bancas com um número especial sobre as eleições de 15 de janeiro,
noticiando a já esperada vitória de Tancredo Neves. A chamada da primeira
reportagem das 33 páginas de cobertura do evento era: “Um civil no Planalto.
Com a eleição de Tancredo Neves, o país vê com tranqüilidade o fim de 21 anos
de regime militar e o nascimento da ‘Nova República’.” Naquela edição Veja
vendeu 545.800 exemplares, o que significava uma tiragem superior à de todas as
outras revistas semanais de informação somadas.
Com
a posse de José Sarney, em decorrência da doença e a seguir do falecimento do
presidente eleito, instalou-se no poder a aliança entre o PMDB, herdeiro do
partido de oposição à ditadura, e a dissidência do antigo partido governista,
que se organizou no Partido da Frente Liberal (PFL). Ao iniciar seu segundo ano
de governo, Sarney lançou um pacote econômico de contenção inflacionária
através da desvalorização e alteração da moeda e do congelamento de preços e
salários, conhecido como Plano Cruzado. Em meio ao impacto positivo do plano
junto à população, a revista publicou em 12 de março de 1986 uma edição
especial com o “Guia do cruzado”, cuja tiragem alcançou um milhão e 20 mil
exemplares. Na foto da capa o presidente exibia largo sorriso e na “Carta ao
leitor”, assinada por Vítor Civita, as reformas eram elogiadas como uma
“demonstração de competência que não apenas nós, mas todo o país, estávamos
esperando há tanto tempo”.
No
final daquele mesmo ano, a popularidade do governo, graças ao impacto do plano
econômico, foi confirmada por uma vitória expressiva dos partidos governistas,
em especial o PMDB, nas eleições para os governos estaduais, as assembléias
legislativas e o Congresso Nacional, que teria poderes constituintes. Dias após
as eleições, porém, o governo anunciou alterações de rumo na política
econômica, liberando os preços e decretando a falência do Plano Cruzado. O
descontentamento popular resultou em grandes quebra-quebras em Brasília e no
Rio de Janeiro. Veja,
que em sua edição de 5 de novembro saudara as eleições como um momento de
fortalecimento da democracia, duas semanas depois publicou na capa uma
fotomontagem em que um voto era depositado na urna eleitoral e, por baixo da
urna, uma mão puxava o voto, agora com forma de cédula. A manchete de capa foi:
“Uma conta para a classe média.” Na edição seguinte, lia-se a manchete: “Chuva
de aumentos: os ganhadores passam a perna no eleitor.”
O tom crítico da revista naquela conjuntura pode ser
indicativo de uma tentativa de afinar a sintonia com a classe média, núcleo
principal do seu público-leitor. Em resposta às críticas à imprensa feitas pelo
ministro da Fazenda, Luís Carlos Bresser Pereira, em fins de 1987, a “Carta ao leitor” de 9 de dezembro rejeitava a idéia da imprensa como instrumento do Estado e
defendia a preocupação com os “interesses dos leitores”, definidos em termos
mercadológico-políticos como aqueles que submetem os veículos jornalísticos “a
eleições livres, diretas e permanentes a cada vez que compram uma publicação ou
a assinam”.
Na
mesma edição de 9 de dezembro de 1987, Veja
noticiava de forma positiva os avanços do “Centrão”, bloco parlamentar conservador,
apoiado pelo presidente Sarney e formado para conter os avanços obtidos pelas
forças de esquerda na primeira fase dos trabalhos de elaboração da
Constituição. Assim, a revista classificava os protestos dos movimentos
sociais, em especial os sindicatos, contra as propostas do “Centrão” na votação
do regimento da Constituinte de “baderna”, em matéria cujo título era “O voto
ganha do grito”.
Em 1989, ano das primeiras eleições diretas para a
presidência da República, a revista continuava a ser dirigida por José Roberto
Guzzo, mas já não contava com Élio Gaspari, tendo Mário Sérgio Conti e Tales de
Alvarenga como redatores-chefes. Nas vésperas das eleições, a revista alcançou
tiragens de oitocentos mil exemplares.
Ao
longo da campanha, Veja
procurou dar aos
candidatos um tratamento equânime em termos de espaço editorial e matérias de
capa. A revista deixou clara, contudo, a sua preferência pelos programas de
governo dos candidatos identificados com as chamadas idéias neoliberais, que,
naquele momento, advogavam o fim da intervenção econômica do Estado na economia
brasileira e a moralização da coisa pública. Do mesmo modo, não pôde esconder
um certo fascínio ante a surpreendente ascensão nas pesquisas da candidatura do
ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo — cujo programa se coadunava
perfeitamente com as perspectivas da revista —, embora num primeiro momento a
subida de Collor tenha sido recebida como mera “chuva de verão”.
Na edição especial que foi às bancas com a data do primeiro
turno do pleito, Veja destacou em capa a dianteira de Collor nas pesquisas e a
disputa entre Luís Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola pela qualificação para
a disputa do segundo turno.
Nas
semanas que antecederam a votação em segundo turno, a revista publicou duas capas
com destaque para cada um dos candidatos, em gesto de equanimidade que, mais
uma vez, contrastava com as chamadas e o conteúdo das edições. Entrevistas com
as lideranças empresariais e editoriais defendendo os princípios da abertura
para o capital estrangeiro e da harmonia entre capital e trabalho e menções
constantes ao desmoronamento dos regimes do Leste europeu tinham a intenção
explícita de identificar o programa defendido pela revista com a candidatura de
Fernando Collor, já que eram reforçados os pontos mais conhecidos de seu
discurso. Na última edição antes das eleições, em 13 de dezembro, definiu-se
mais claramente a posição da revista. Na capa, uma foto de cada candidato com
previsões do que poderia ocorrer com o Brasil no caso da vitória de cada um.
Sob a foto de Collor as frases: “combate aos privilégios na máquina do
governo”, “a tentativa de abrir a economia”, “a promessa de privatizar
estatais”, “aumentar o bolo e dividir a renda”. Sob a foto de Lula, os dizeres:
“a crença no papel do governo para melhorar a vida dos pobres”, “a confiança na
ação das empresas estatais”, “a fé no calote da dívida externa”, “reforma
agrária a partir de 500 hectares”.
Na
“Carta ao leitor” daquela mesma edição, a revista se posicionava partindo dos
parâmetros definidos na capa: “Não será com estatização, com cerceamentos à
livre iniciativa, com incremento de conflitos entre capital e trabalho, com
restrições aos investimentos, com o isolamento do mundo desenvolvido e com o
nivelamento por baixo que o país irá melhorar.”
As
denúncias de Pedro Collor
Em 1992, uma série de reportagens de Veja deu início a um processo de investigação jornalística que
culminou no impedimento do presidente da República.
A partir da edição de 13 de maio, a revista começou a
publicar o conteúdo de um dossiê organizado por Pedro Collor, irmão do
presidente, em que eram denunciadas as atividades ilícitas de Paulo César
Farias, o PC, tesoureiro de campanha de Fernando Collor. O impacto maior dessa
série, porém, se deu com a veiculação, na edição de 27 de maio, de uma
entrevista na qual Pedro Collor denunciava o esquema de favorecimento de
empresários e de corrupção de funcionários públicos comandado por PC,
levantando a possibilidade da conivência do irmão presidente.
Na semana em que a entrevista estava para ser publicada,
assessores da Presidência tentaram bloquear a publicação, através de
telefonemas para Mário Sérgio Conti, diretor de redação, e Roberto Civita,
então na direção do grupo Abril. Nos meses seguintes, pressões diretas de ministros
de Collor e uma investigação contra Civita e as empresas do grupo no Banco do
Brasil foram outras formas de pressão sobre a revista.
Veja
acompanhou a conjuntura dando destaque às mobilizações de rua dos estudantes
exigindo a elucidação completa do caso e conseqüentes punições, e aos trabalhos
da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Congresso Nacional para
apurar as denúncias de corrupção. A CPI acabaria por comprovar o envolvimento
do presidente no esquema, através de denúncias de empregados de empresários e
políticos envolvidos e do rastreamento das contas bancárias dos principais
acusados.
Mesmo
tendo iniciado o processo com suas reportagens, Veja
manteve reservas em relação ao desfecho do processo. Na edição de 1º de julho a
capa da revista conjeturava a respeito do futuro político de Collor e, numa
lista de múltipla escolha, apostava que o presidente permaneceria no poder,
porém enfraquecido.
Quando
a CPI encerrou seus trabalhos, incriminando Collor e indicando a necessidade do
processo de impeachment,
a revista posicionou-se favoravelmente ao afastamento do presidente, embora
defendendo a manutenção do programa que o elegeu, em editorial de 2 de setembro
de 1992 com o título “O presidente deve sair”: “Fernando Collor traiu a
confiança dos brasileiros, perdeu a autoridade moral, não tem credibilidade
para governar o Brasil nem para representá-lo no exterior. Tem que ser
substituído pelo vice.” Quando do desfecho do episódio, com a autorização da
Câmara dos Deputados para o início do processo de impeachment e
o afastamento de Collor, publicou uma “Edição Histórica — Extra”, cuja capa foi
uma foto do presidente afastado por corrupção, com a cabeça baixa e a manchete
em vermelho: “Caiu!” A participação de Veja
na abertura jornalística do processo que levou ao impeachment
seria reconhecida no exterior, com a atribuição a Mário Sérgio Conti, no início
de 1993, do Prêmio International Editors of the Year, pela World
Press Review.
Afastado Collor, assumiu o vice-presidente Itamar Franco, e Veja passou a adotar uma postura de cobranças. Afirmando que
faltara ao novo governo um programa definido e que as nomeações para o primeiro
escalão tinham-se baseado “não na competência, mas na amizade, no compadrio ou
num regionalismo tacanho”, a “Carta ao leitor” da edição de 7 de outubro de
1992 refletia claramente o espírito da capa da revista, em que uma foto de
Itamar com semblante tenso aparecia acompanhada da manchete: “Início pífio.
Itamar monta um ministério de compadres.”
Na maré das denúncias de corrupção que se seguiu ao fim do
governo Collor, Veja teve papel de destaque ao cobrir outro escândalo que
mobilizou a opinião pública nacional. Em 20 de outubro de 1993, a revista publicou uma entrevista com José Carlos Alves dos Santos, ex-funcionário do Senado e
ex-diretor de Orçamento da União. Na entrevista, o funcionário revelou um
esquema de corrupção envolvendo deputados, ministérios, empreiteiras e
fornecedores do serviço público, em torno das emendas elaboradas pelos
parlamentares ao Orçamento da União. As denúncias resultaram na abertura da CPI
do Orçamento, que teve como principal conseqüência a cassação dos mandatos de
diversos parlamentares.
Em março de 1994, anunciou-se o Plano FHC II, mais tarde
chamado Plano Real, com o qual, pela introdução de um novo indexador, a Unidade
Real de Valor (URV), se promoveu a transição para uma moeda estável — o real —
ancorada no câmbio através da paridade com o dólar. A revista cobriu o novo
plano com um olho no aumento exagerado dos preços sob a vigência da URV e outro
na candidatura do ministro da Fazenda responsável pelo plano, Fernando Henrique
Cardoso, à presidência da República. Ao longo do ano Veja deu destaque aos desdobramentos tanto do plano econômico que
introduziu o real quanto à campanha presidencial, temas aliás conexos, pois a
propaganda do sucesso do plano foi a principal bandeira da campanha de Fernando
Henrique, que sairia vitorioso já no primeiro turno da eleição.
A
campanha foi polarizada em torno de Fernando Henrique, apoiado por seu partido,
o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e pelo PFL, e de Lula, que
buscou galvanizar o descontentamento oposicionista que havia contribuído nas
ruas para afastar Collor do poder. Candidato favorito até a virada para o
segundo semestre do ano, Lula viu seus índices nas pesquisas eleitorais caírem
paralelamente à aprovação popular dada ao Plano Real e ao candidato a ele
vinculado.
No
fim de 1994, eleito Fernando Henrique Cardoso, a tônica de Veja
era de euforia e de otimismo diante da estabilidade econômica. Em 26 de
outubro, uma reportagem com chamada na capa contrastava o Plano Real,
bem-sucedido, com seu “avesso”, o Plano Cruzado. Em 16 de novembro, o mesmo
Itamar, antes tão criticado, foi avaliado como o “presidente que deixou o
Brasil melhor”. O Natal foi saudado, em 30 de novembro, como “O Natal gordo dos
importados”, diante da abertura econômica. E o balanço de fim de ano, em 28 de
dezembro, arrematou essa fase de euforia com a manchete: “Eta ano bom.”
O
tom da cobertura seria abalado, mas não alterado profundamente, um ano mais
tarde, quando, em dezembro de 1995, o governo de Fernando Henrique viu-se
diante de novos escândalos. O primeiro deles relacionava-se ao Banco Econômico,
falido e sob intervenção, onde foram encontrados documentos provando esquemas
de financiamento de campanhas eleitorais (no que ficou conhecido como escândalo
da “Pasta rosa”). O segundo envolveu o Sistema de Vigilância da Amazônia
(Sivam), alvo de denúncias de favorecimento a empresas estrangeiras e de
superfaturamento na instalação de caríssimo esquema de radares aéreos e
monitoramento por satélite. O empenho em apurar os escândalos, contudo, não foi
o mesmo do tempo das denúncias de Pedro Collor e de José Carlos dos Santos. A
edição de fim de ano da revista, em 27 de dezembro, noticiou-os em espaço
reduzido, com uma “Carta ao leitor” que trazia apenas um cartão com os votos de
“Bom Natal e Feliz Ano-Novo”.
No ano seguinte, o apoio ao governo, centrado nas loas à
estabilidade do real, foi mantido por Veja, culminando com uma edição dupla de Natal e Ano-Novo, em 25
de dezembro, cuja capa era uma charge de Fernando Henrique vestido de Papai
Noel e carregando um saco de presentes em forma de mapa do Brasil. Em artigos
como o intitulado “Os redimidos do real” se explicava como “os párias da
inflação estão sendo resgatados”. O apoio ao governo Fernando Henrique foi
reforçado naquele ano e no seguinte pela defesa, em editoriais e artigos, das
privatizações de empresas públicas e das “reformas constitucionais”: reformas
administrativa, da Previdência, e o fim dos monopólios estatais em áreas
estratégicas da economia.
Características
editoriais
Entre 1968 e 1970 Veja consolidou um modelo de apresentação gráfica e de
distribuição das matérias e seções pela revista que se manteve até os dias
atuais. Inicialmente, a revista era aberta por uma agenda cultural e chamava
seu editorial de “Carta do editor”. Nos dois anos seguintes ao início da
circulação foi adotando a apresentação que se tornou tradicional, com a
abertura por uma entrevista (que passou a ser impressa em páginas amarelas),
seções de humor (variando conforme o momento), destaques da semana, cartas, o
editorial (“Carta ao leitor”) e uma grande matéria de resumo da semana,
normalmente de pauta política. Nas últimas páginas, os temas culturais: cinema,
livros, música etc. Fechando a revista, uma página de opinião assinada.
Tanto
nos temas variados das seções de cultura, quanto no espaço cada vez mais amplo
concedido à propaganda (a partir dos anos 1980 as páginas de publicidade passaram
a ocupar cerca de 2/3 da revista), Veja
tornou-se o principal
veículo de divulgação escrita de produtos junto a um público leitor/consumidor
de classe média e alta. Estudos sobre sua seção de livros, por exemplo, indicam
que a publicação, desde 1973, de uma lista dos “mais vendidos”, incorporada por
quase todos os suplementos e seções literárias da grande imprensa, teve papel
fundamental na formação de um “leitor médio” brasileiro, visto como consumidor
de um produto editorial de valor comercial.
Com a criação, na virada dos anos 1980 para 1990, das edições
locais (Veja SP,
Veja Rio) esse papel de marketing cultural e de lazer ampliou-se. Nas páginas desses
suplementos, as chamadas Vejinhas, podem ser encontradas matérias de interesse regional centradas
em temas culturais, indicações de entretenimento e colunismo social, além de
muitos anúncios com programações ou classificados.
Em 2003, a Veja obteve o prêmio Caboré de Melhor Veículo de Comunicação para
Mídia Impressa. Com uma tiragem de mais de 1 milhão de exemplares semanais e
cerca de 9 milhões de leitores, a revista do Grupo Abril era líder de seu setor
em circulação e em faturamento publicitário.
Muza Clara Chaves
Velasquez/Beatriz Kushnir
FONTES: Anuário Brasileiro
de Mídia (1990-1991); ASSUNÇÃO, M. Romance; GAZZOTTI, J. Imprensa; Kucinsky,
B. Jornalistas; LATTMAN-WELTMAN, F.
Imprensa; PEREZ, R. Veja; SOUSA, U. História; Veja (1968 a 1996); Portal M&M
Online (http://www.mmonline.com.br;
acessado em 21/12/2009).