GOUVEIA,
Zoroastro
*rev. 1932; const. 1934.
Zoroastro Gouveia nasceu
em Irará (BA) no dia 16 de maio de 1890, filho de Filadelfo Gouveia e de
Eulália Joaquina Gouveia.
Realizou
seus estudos primários em Itu (SP) e os secundários no Ginásio Macedo Soares,
na capital paulista. Dedicando-se desde cedo a atividades políticas, participou
em 1910 da Campanha Civilista, que promoveu — sem êxito — a candidatura de Rui
Barbosa à presidência da República em oposição à do marechal Hermes da Fonseca.
Bacharelou-se em 1917 pela Faculdade de Direito de São Paulo, passando a
exercer a advocacia em Franca (SP) e a colaborar com diversos jornais do
interior do estado, como a Gazeta Liberal e Debate, de Jabuticabal (SP).
Em
1926, a convite de Paulo Duarte, filiou-se ao recém-fundado Partido Democrático
(PD) de São Paulo, que aglutinava a oposição liberal ao Partido Republicano
Paulista (PRP), então dominante na vida política estadual e nacional. O PD
defendia a adoção do voto secreto e outras reformas destinadas a moralizar o
processo eleitoral, acusado de ser sistematicamente fraudado pelo situacionismo
republicano.
Em
24 de fevereiro de 1928, elegeu-se deputado estadual na legenda do PD. Segundo
Paulo Duarte, ingressou pouco depois no então Partido Comunista do Brasil,
atual Partido Comunista Brasileiro (PCB), cujo direito à legalidade passou a
defender na Assembléia paulista, o que lhe valeu a inimizade de seus colegas de
bancada. Em 1929, o PD apoiou a formação da Aliança Liberal, coligação
oposicionista de expressão nacional que lançou a candidatura de Getúlio Vargas
para as eleições presidenciais de março de 1930. A vitória do situacionista
Júlio Prestes nesse pleito levou à intensificação dos preparativos para um
movimento armado contra o governo federal que, deflagrado em 3 de outubro,
derrubou o presidente Washington Luís ao cabo de 21 dias de luta.
Na nova situação criada, o PD — principal apoio político em
São Paulo da revolução vitoriosa — esperava alcançar o governo estadual, o que
não aconteceu em virtude de oposição das correntes tenentistas lideradas por
Miguel Costa e João Alberto Lins de Barros, que foi nomeado interventor federal
no estado em 25 de novembro de 1930. O conflito pelo poder em São Paulo levou a
um rompimento entre o PD e o Governo Provisório em abril de 1931, ocasião em
que a imprensa noticiou a formação de uma dissidência no partido, da qual
fariam parte Zoroastro Gouveia, Joaquim Celidônio Filho, Vicente Pinheiro e
Elias Machado que, segundo o noticiário, poderiam se posicionar a favor de João
Alberto, o que não chegou a ocorrer.
A situação de crise se estenderia até a eclosão da Revolução
Constitucionalista em julho de 1932, envolvendo a grande maioria das forças
políticas de São Paulo em uma guerra civil contra o governo federal que se
estendeu até outubro desse ano. Nesse episódio, segundo Paulo Nogueira Filho,
coube a Zoroastro Gouveia “levantar seus amigos de Jabuticabal e do 10º
distrito, realizando sempre que possível a junção de seu grupo com as forças da
Brigada Militar aquartelada no Triângulo Mineiro, assim que elas fizessem
entrada no estado, tomando a ponte de Igarapava”.
Em
6 de outubro de 1932, quatro dias depois da assinatura do armistício que selava
a derrota paulista, o Governo Provisório nomeou o general Valdomiro Lima para a
interventoria em São Paulo. Com o objetivo de ampliar sua base política e
enfrentar a hostilidade das forças que continuavam a reivindicar a devolução da
autonomia estadual, o interventor procurou contemplar os interesses do setor
cafeeiro e conquistar uma base no operariado e na classe média. Com esse fim
patrocinou a formação de dois novos partidos, o da Lavoura, para congregar os
interesses ligados ao café, e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), também
chamado Partido Socialista de São Paulo, apoiado por João Alberto e voltado
para os setores urbanos. Zoroastro Gouveia se filiou a este último,
afastando-se definitivamente do PD.
O
PSB começou a se estruturar no chamado Congresso Revolucionário que, entre 16 e
25 de novembro de 1932, reuniu militares e altas autoridades federais e
estaduais. Nesse encontro, formou-se uma comissão com o objetivo de articular a
fundação do partido, cujo primeiro congresso ocorreu em fevereiro de 1933 e
aprovou moção de solidariedade ao chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas,
e ao interventor Valdomiro Lima. O primeiro diretório nacional da agremiação
foi composto por Paulo Tacla (oficial-de-gabinete do interventor), Clóvis da
Nóbrega, Olímpio de Carvalho, Atos Ribeiro e Carlos Viana Pereira.
Foi
o discurso pronunciado por Valdomiro Lima no Congresso Revolucionário que
serviu de base para o programa político do partido. Defendia a completa
separação entre a Igreja e o Estado, a adoção do divórcio e a livre sindicalização;
a república federativa presidencial, com um presidente eleito pelo Congresso; a
obrigatoriedade de prestação de contas dos ministros de estado ao Poder
Legislativo; a manutenção da propriedade privada, porém sob controle do Estado
para “evitar a exploração da classe trabalhadora pela patronal”, que passariam
a ter suas relações reguladas pela legislação trabalhista; a adoção do
corporativismo e a criação de caixas de pensão para todos os assalariados, e a
proibição da contratação de empréstimos no exterior sem prévia autorização do
Congresso.
Entretanto,
o PSB não logrou penetração significativa no meio operário, e apoiou a política
oficial de perseguição das lideranças que resistiam ao enquadramento sindical
proposto pelo governo. Nas eleições de maio de 1933, Zoroastro Gouveia foi um
dos três deputados eleitos à Assembléia Nacional Constituinte por São Paulo na
legenda da agremiação, recebendo, segundo Paulo Duarte, apoio do PCB para a sua
candidatura. Nesse pleito, os partidos ligados a elementos do governo — como o
PSB e o da Lavoura — foram derrotados por larga margem pela Chapa Única por São
Paulo Unido, que elegeu 17 deputados representando as forças políticas
constitucionalistas derrotadas no conflito armado do ano anterior. Em função
desses resultados, Vargas afastou Valdomiro Lima da interventoria, que foi
ocupada interinamente pelo general Manuel de Cerqueira Daltro Filho (de 27/7 a
21/8/1933) e entregue depois a Armando de Sales Oliveira, indicado pela
coligação vencedora.
O afastamento de Valdomiro Lima foi importante fator na
reformulação interna do PSB, consolidada no congresso realizado em janeiro de
1934, do qual, segundo Francisco Frota, surgiu “um novo partido nada tendo em
comum com o seu predecessor, que recebia ordens do palácio dos Campos Elísios”.
Nesse Congresso, Zoroastro Gouveia passou a integrar o novo diretório nacional
da agremiação, e foi aprovada a expulsão de Guaraci Silveira, que se declarou
discordante da nova orientação marxista adotada pelo partido, além de ter sido
proposta a exclusão de Frederico Virmond de Lacerda Werneck, ambos deputados do
partido na Constituinte.
Com essas medidas, Zoroastro Gouveia ficou isolado nessa
Assembléia, desenvolvendo ainda assim grande atividade na Constituinte, marcada
por denúncias sobre a situação nacional. Segundo Paulo Duarte, a violência dos
discursos de Zoroastro criou freqüente animosidade contra si: defendeu o
fortalecimento do Legislativo e a ampliação das franquias democráticas,
combateu as medidas que constavam do anteprojeto constitucional permitindo a
ingerência da Igreja nos negócios públicos, denunciou a repressão que se abateu
sobre a greve dos ferroviários em 1934 e votou contra a homenagem da Assembléia
aos revolucionários de 1922 e 1924.
Zoroastro
Gouveia se opôs também à emenda Medeiros Neto, apresentada pelo líder da
maioria, que propunha a inversão da ordem dos trabalhos da Constituinte, de
modo a eleger primeiro o presidente da República e depois aprovar a
Constituição. A resistência a essas mudanças por parte de expressivo número de
deputados levou à elaboração de uma solução conciliatória conhecida como
Fórmula Simões Lopes, na qual se previa a abreviação dos trabalhos de
elaboração e votação da Carta Constitucional para permitir a escolha do
presidente da República durante o mês de março. Inviabilizados pelos fatos, os
prazos estipulados nessa solução não foram cumpridos. O texto da Constituição
só entrou em votação final nos primeiros dias de junho, tendo sido promulgado
em 16 de julho de 1934, e a eleição presidencial realizou-se um dia depois.
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ASSEMB.
NAC. CONST. 1934. Anais (1); CÂM. DEP. Deputados; Câm. Dep. seus componentes;
Encic. Mirador; ENTREV. DUARTE, P.; GODINHO, V. Constituintes; LEITE, A.
História; LEITE A. Memórias; NOGUEIRA FILHO, P. Ideais; SILVA, H. 1934.