MOVIMENTO
REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO (MR-8)
Nome adotado sucessivamente por dois grupos revolucionários
que pretendiam derrubar, através da luta armada, o regime militar instaurado no
Brasil em abril de 1964. O dia 8 de outubro corresponde à data da morte de
Ernesto “Che” Guevara, líder da Revolução Cubana assassinado na Bolívia em 1967
quando preparava núcleos guerrilheiros para dar início à revolução socialista
nesse país.
O
primeiro MR-8, formado por dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no
estado do Rio de Janeiro, atuou no centro-oeste do Paraná e foi praticamente
dizimado pela polícia em agosto de 1969. O segundo MR-8, criado nesse ano
também por antigos membros do PCB, integrantes da chamada Dissidência da
Guanabara, persiste até os dias atuais.
Origem
Em
1966, um grupo de membros do PCB, formado sobretudo de estudantes, desligou-se
do partido por discordar de sua orientação política — ou seja, a defesa da via
pacífica na passagem do regime capitalista ao socialista e da coexistência pacífica
entre os blocos liderados pelos EUA e a URSS. Esse grupo tornou-se conhecido
como a Dissidência da Guanabara.
Em
1968, enquanto o movimento operário deflagrava greves em Osasco (SP) e em Contagem
(MG), o movimento estudantil iniciou uma série de ações, principalmente no Rio
de Janeiro e em São Paulo, de contestação à política posta em prática pelo
governo. A Dissidência da Guanabara foi uma das principais organizadoras da
Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio no dia 26 de junho em protesto contra as
violências praticadas pela polícia alguns dias antes no centro da cidade,
atingindo estudantes e populares. Além dos estudantes, a marcha contou com a
participação de intelectuais, operários, profissionais liberais e religiosos.
Os protestos contra a repressão aos movimentos de
reivindicação e de contestação levaram o governo a editar, em 13 de dezembro de
1968, o Ato Institucional nº 5, que suspendeu uma série de garantias
constitucionais relativas às liberdades individuais e conferiu ao Executivo
absoluta preeminência sobre o Legislativo e o Judiciário. A partir desse
momento, os movimentos estudantil e operário recuaram e ampliaram-se os grupos
favoráveis à luta armada. Orientando sua ação para a guerrilha urbana, a
Dissidência da Guanabara passou a realizar assaltos a bancos para obter
recursos financeiros.
Em 4 de setembro de 1969, juntamente com a Aliança de
Libertação Nacional (ALN), a Dissidência da Guanabara seqüestrou no Rio de
Janeiro o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Os guerrilheiros
exigiram, em troca da libertação do embaixador, a publicação de um manifesto na
imprensa e o envio para o exterior de 15 presos políticos pertencentes a
diversas organizações. Foi nesse momento, através do manifesto lançado ao
público, que a Dissidência da Guanabara resolveu adotar o nome Movimento
Revolucionário 8 de Outubro. Seu objetivo era desmoralizar a polícia, mostrando
que o grupo do mesmo nome desbaratado no mês anterior ainda existia e
continuava atuante.
Atuação
A ação dos guerrilheiros, voltada para o assalto a bancos e
quartéis e para o seqüestro de diplomatas estrangeiros — visando à divulgação
dos objetivos do movimento, à denúncia do regime militar e à libertação de
presos políticos —, levou o governo a se organizar e a se preparar para um
combate mais intenso aos grupos revolucionários.
Desse modo, no início da década de 1970 ocorreu uma
desmobilização do MR-8, que teve parte de seus quadros presa e parte exilada. O
movimento se dividiu, surgindo um grupo denominado MR-8 Construção Partidária
(CP), que se dissolveu pouco depois. O fracasso da tentativa de implantação de
núcleos guerrilheiros no interior da Bahia sob a liderança de Carlos Lamarca,
que se havia desligado da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) para ingressar
no MR-8 e foi morto em setembro de 1971, provocou também o início de um
processo de revisão da política da organização. O MR-8 passou a defender a luta
pelas liberdades democráticas, bem como a formação de uma frente popular pela
redemocratização do país.
Em
meados da década de 1970, o MR-8 recebeu grande número de adesões na Bahia,
absorvendo ex-integrantes da Ação Popular (AP).
Com a extinção do bipartidarismo em 29 de novembro de 1979 e
a conseqüente reformulação partidária, o MR-8 decidiu atuar dentro do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Com uma linha muito próxima à do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), conseguiu a partir de então implantar-se,
além do Rio e da Bahia, em São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e outros
estados.
O
MR-8 divulgou suas idéias através da revista Brasil
Socialista e
do jornal Unidade Proletária,
depois substituído por A
Hora do Povo.
Redemocratização
No ano de 1983, após ter integrado as fileiras do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Oito — como é conhecida a facção nos
meios políticos — enfrentou uma nova dissidência interna. Insatisfeitos com as
resoluções tomadas pela maioria no III Congresso, realizado em agosto do ano
anterior, cerca de trezentos militantes resolveram deixar o partido. Entre estas
resoluções, a que mais desagradou aos militantes foi a conclusão de que a luta
contra a influência estrangeira no país exigia uma frente mais ampla que o PMDB
e a conseqüente proposta de uma aliança com as forças armadas e o empresariado
nacional. Considerando que militares e empresários nunca foram aliados dos
trabalhadores, os dissidentes, tendo como líderes Franklin Martins e Carlos
Alberto Muniz, realizaram um IV Congresso em junho no qual ficou decidida a sua
adesão ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
“O Oito caiu para a direita com o racha”, afirmou Carlos
Alberto Muniz, enquanto Antônio Carlos de Carvalho, líder do grupo que manteve a sigla, reconhecia: “O racha significou o nosso rompimento definitivo com o
esquerdismo, o vanguardismo e o sectarismo que sempre caracterizaram a esquerda
brasileira.”
Os dissidentes do MR-8 acusaram o comitê central de se
comportar de forma voluntarista e de ter conduzido a organização a uma crise
gravíssima marcada por equívocos ideológicos e políticos, que debilitaram sua
influência nos movimentos sindical, rural, estudantil e de moradores e na vida
política nacional. Ao encontrarem naquele momento o perdido “leito histórico”,
depois de reconhecerem seus erros, condenarem a guerrilha, reverem sua
concepção do partido e alinharem-se à União Soviética, os dissidentes do MR-8
acreditavam estar fechando um ciclo histórico para começar um novo, no PCB, o
velho partido “construído pela classe operária e pelos comunistas em mais de 60
anos de luta”.
Ao longo da década de 1980 o MR-8 seguiu apoiando
irrestritamente o PMDB e continuou a ser duramente criticado pelos dissidentes
por sua adesão irrestrita à Nova República, ao chaguismo — apoiava Jorge Leite,
político ligado ao ex-governador do Rio Chagas Freitas, como candidato à
prefeitura do Rio — e por ter conferido ao presidente José Sarney o título de
“Comandante da Nação”, antes usado para personalidades como Fidel Castro e Che
Guevara. Esta nova estratégia no PMDB foi considerada oportunista.
Os
dirigentes do partido assumiram a mudança de imagem, ainda que sem negar o
passado revolucionário: “Há uma grande diferença entre a juventude de 1968 e a
de hoje”, alegava a líder do comitê regional do Rio de Janeiro, Andréa Penna.
Segundo ela, o período de ditadura militar exigia a utilização da violência,
diferentemente da Nova República, onde a palavra de ordem era a paz. Dentro
desta perspectiva, o MR-8 buscou uma aproximação maior com a juventude
brasileira, apoiando o Rock
in Rio, festival realizado em
janeiro de 1985, e promovendo o Encontro Nacional de Jovens do MR-8, em julho
do mesmo ano. Todavia, o partido não assumiu uma postura oficial com relação a
temas de grande interesse para os jovens, como o homossexualismo e as drogas.
Apesar
de os dirigentes considerarem a sua influência bastante significativa dentro do
PMDB, o Oito não elegeu nenhum deputado, apesar de ter apresentado candidatos
em diversos estados. Junto aos trabalhadores o partido investiu nos sindicatos
e, por conta deste trabalho, seus militantes se tornaram secretários-gerais dos
sindicatos dos metalúrgicos do Rio e de São Paulo. A partir de então, começaram
a preparar uma investida sobre o reduto petista do ABC paulista, sem obter
grandes resultados.
Em 1989 o MR-8 lançou nas ruas, através de pichações e cartazes,
a candidatura do governador de São Paulo, Orestes Quércia, à presidência da
República por considerá-lo “a melhor alternativa dentro do PMDB”. Entretando,
após várias convenções, o PMDB decidiu que o candidato à presidência seria
Ulisses Guimarães. Mesmo descontentes, os dirigentes do MR-8 aceitaram a
decisão da maioria e lideraram uma passeata em Belo Horizonte apoiando a candidatura.
Após o resultado das eleições, com a vitória do candidato
Fernando Collor de Melo pela legenda do Partido da Reconstrução Nacional (PRN),
o MR-8 voltou a ter momentos de destaque no cenário político brasileiro. Em
janeiro de 1990, uma paralisação total dos ônibus da região metropolitana de
Belo Horizonte por dois dias mostrou a capacidade de mobilização do MR-8, que
controlava os sindicatos dos rodoviários. Os membros do MR-8 pensaram até em
constituir um novo partido, o Partido do Movimento Revolucionário Operário,
almejando uma bancada expressiva na Câmara dos Deputados e assembléias
legislativas, projeto que acabou por não se realizar, permanecendo o partido
“encastelado” no PMDB.
Alzira Alves de
Abreu/Lícia Mascarenhas
FONTES: Estado de S. Paulo (1/6/88, 30/4 e
14/9/89); Folha de S. Paulo (18/9/83, 4/10/85,
30/4/89); Jornal do Brasil (24/7/83, 22 e
23/10/85, 2/8/87, 1/5/89, 11/1 e 7/4/90); Tempo (16 a 22/8/79).