PARTIDO
COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)
Partido político de âmbito nacional fundado em
março de 1922 com o nome de Partido Comunista do Brasil, sigla PCB. A alteração
do nome para Partido Comunista Brasileiro ocorreu durante a conferência
nacional realizada em agosto de 1961, e teve como finalidade facilitar o
registro eleitoral do partido e sua legalização.
O objetivo do PCB desde a fundação foi promover a
revolução proletária no Brasil e conquistar o poder político para realizar a
passagem do sistema capitalista para o sistema socialista. É o mais antigo
partido político brasileiro, embora tenha atuado a maior parte de sua
existência na ilegalidade. Sobreviveu a todas as alterações
político-institucionais por que passou o Brasil desde a década de 1920, assim
como às crises internas que em muitos momentos determinaram a saída ou expulsão
de vários de seus membros. Entre essas crises destacam-se as que deram origem
ao novo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, às diversas organizações
ligadas à luta armada, em 1968, e ao Partido Popular Socialista (PPS), em 1992.
Antecedentes
Até a década de 1920, o movimento operário no
Brasil foi liderado basicamente pelos anarquistas. Os movimentos grevistas,
esporádicos nos primeiros anos da República, tornaram-se mais frequentes a
partir do início século XX, chegando algumas vezes a ter alcance estadual ou
nacional. As principais reivindicações dos movimentos eram a melhoria dos
salários, a redução da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do
trabalho de mulheres e crianças e a estipulação do repouso semanal. Entre 1916
e 1919, houve uma intensificação das greves, com reivindicações mais
agressivas. Foi nesse momento que apareceram com maior clareza as deficiências
do movimento anarquista enquanto condutor de demandas políticas.
Também nesse momento, a Revolução Russa de 1917
despertou o interesse dos anarquistas pelas ideias de Karl Marx e Friedrich
Engels. Assim, em 1918, antigos militantes anarquistas simpatizantes do
comunismo fundaram no Rio Grande do Sul a Liga Comunista de Livramento, na
atual Santana do Livramento, e, no ano seguinte, o barbeiro libanês Abílio de
Nequete fundou a União Maximalista em Porto Alegre. O termo
“maximalista” era usado para designar os bolchevistas, adeptos do programa
máximo do Partido Operário Social Democrata russo, por oposição aos
“minimalistas” ou menchevistas adeptos do programa mínimo. Os dois termos na
verdade tiveram origem na tradução do idioma russo para o inglês, e deste para
o português, não expressando exatamente a distinção entre os dois grupos
oriundos da cisão ocorrida em 1903, em função da definição de militante e do
conceito de partido.
No início de 1919, os anarquistas fundaram o
Partido Comunista-Anarquista no Rio de Janeiro e, no mês de junho, o Partido
Comunista do Brasil, em São Paulo. Este último, guardando o cunho
anarquista, tinha em José Oiticica um de seus principais dirigentes,
e no jornal Spartacus, dirigido por Astrojildo Pereira,
seu órgão de divulgação. Considerando a Revolução Russa um movimento de tipo
libertário, os anarquistas-comunistas, além dessas associações, organizavam
greves e manifestações de solidariedade à União Soviética.
Também em 1919, em Moscou, foi criada a III
Internacional, ou Internacional Comunista, ou Komintern, que veio suceder à II
Internacional, fundada em 1889 e dissolvida então em consequência da grave
crise provocada pela divisão dos países socialistas em torno da participação na
Primeira Guerra Mundial. Enfrentando os problemas do conflito mundial, do bloqueio
internacional e da guerra civil, os bolchevistas convocaram uma conferência
internacional comunista para obter apoio externo. No encontro, foi criada a III
Internacional, cuja direção passou a ser integrada, além de comunistas, por
grande número de anarquistas, sindicalistas revolucionários e socialistas.
A despeito da identificação inicial entre
anarquistas e comunistas, as divergências logo começaram a se aguçar. No
Brasil, enquanto o grupo liderado por Astrojildo Pereira defendia e difundia o
programa da Internacional Comunista, e o jornal A Vanguarda, publicado
em torno de 1920 por antigos anarquistas, entre os quais Everardo Dias, saudava
a Revolução Russa, parte do movimento anarcossindicalista desferia violentos
ataques à III Internacional. O jornal A Plebe, por
exemplo, que circulou em São Paulo até 1935, denunciava em 1920 “o
terror bolchevista na Rússia”.
Ainda em 1920, surgiu no Rio de Janeiro o grupo
Clarté, filiado ao grupo francês do mesmo nome, liderado por Henri Barbusse e
René Lefèvre. Dele participaram, entre outros, Evaristo de Morais, Maurício de
Lacerda, Nicanor Nascimento, Agripino Nazaré e Everardo Dias. Seu objetivo era
defender a Revolução Russa e definir o papel dos intelectuais na reforma social
brasileira. Para divulgar suas ideias, seria criada no ano seguinte a
revista Clarté. Alguns membros do grupo tentaram fundar
o Partido Socialista, mas não tiveram êxito.
Com o início dos fuzilamentos de anarquistas na
União Soviética, consumou-se também no Brasil a ruptura entre anarquistas e
comunistas. O pequeno grupo liderado por Astrojildo Pereira, identificado com o
bolchevismo, criou em setembro de 1921, no Rio de Janeiro, o Comitê de Socorro
aos Flagelados Russos, do qual Astrojildo se tornou secretário-geral. Em 4 de
novembro seguinte, quando da comemoração do quarto aniversário da Revolução
Russa, a mesma facção fundou o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, o primeiro de
uma série de núcleos comunistas que seriam implantados em outros estados.
Pouco depois, a União Maximalista converteu-se no Grupo Comunista de Porto
Alegre.
O objetivo do Grupo Comunista era transformar-se no
Partido Comunista do Brasil, depois de preencher as 21 condições necessárias
para a admissão na Internacional Comunista. Para serem aceitos, os partidos
deveriam fundamentalmente adotar o nome de comunistas, dissociar-se de todas as
posições reformistas e lutar pela derrubada revolucionária do capitalismo e
pelo estabelecimento da ditadura do proletariado.
A fundação
A fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB)
ocorreu em um período de grande tensão na vida política brasileira. A sucessão
de Epitácio Pessoa na presidência da República era disputada, de um lado, por
Artur Bernardes, candidato oficial, hostilizado porém pela jovem oficialidade
do Exército, e, de outro, por Nilo Peçanha, que era apoiado pela Reação
Republicana. A vitória de Bernardes nas eleições de 1º de março de 1922, longe
de trazer tranquilidade ao país, iria provocar, ao lado de outros fatores, o
levante dos 18 do Forte (5/7/1922), marco inicial das revoltas tenentistas que
se estenderiam por toda a década de 1920, culminando na Revolução de 1930.
Outro acontecimento importante do início de 1922 foi a Semana de Arte Moderna,
realizada em fevereiro, marco de um rompimento com a tradição acadêmica e
início de uma nova estética na arte brasileira.
Dentro desse quadro de contestações, por iniciativa
do Grupo Comunista de Porto Alegre, realizou-se em Niterói, então capital do
estado do Rio, nos dias 25, 26 e 27 de março, um congresso para a fundação do
PCB. A intenção do grupo era que o novo partido participasse do IV Congresso da
Internacional Comunista, a ser realizado em Moscou em novembro/dezembro de
1922.
Participaram do encontro em Niterói intelectuais e
operários representantes de Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Além de Abílio de Nequete, representante do Grupo de Porto Alegre, da Agência
de Propaganda para a América do Sul da III Internacional e do Partido Comunista
do Uruguai, e de Astrojildo Pereira, representante do Grupo do Rio de Janeiro,
estiveram presentes, entre outros, Cristiano Cordeiro, contador de Recife,
Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP), João da Costa
Pimenta, gráfico de São Paulo, Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro, José
Elias da Silva, sapateiro do Rio de Janeiro, Luís Peres, vassoureiro do Rio de
Janeiro, e Manuel Cendón, alfaiate espanhol. Na pauta dos debates figuravam os
seguintes pontos: exame das 21 condições para a admissão na Internacional
Comunista, elaboração e aprovação de um estatuto para o PCB com base no
estatuto do PC argentino, eleição da comissão central executiva (CCE) do novo
partido, ação pró-flagelados do Volga, na União Soviética, e assuntos gerais.
O PCB foi afinal criado com o objetivo de promover
a organização política do proletariado em um partido de classe, “para a
conquista do poder e consequente transformação política e econômica da
sociedade capitalista em sociedade comunista”. A CCE, integrada por cinco
membros e cinco suplentes, deveria manter “o mais rigoroso controle político
sobre todos os organismos do partido”. Foram escolhidos para compor a CCE
Abílio de Nequete, eleito secretário-geral, Astrojildo Pereira, Antônio
Bernardo Canellas, Luís Peres e Antônio Gomes Cruz Júnior. Para suplentes foram
indicados Cristiano Cordeiro, Rodolfo Coutinho, Antônio de Carvalho, Joaquim
Barbosa e Manuel Cendón.
Ainda na reunião de Niterói, foram aprovados os
pontos essenciais relativos à organização do PCB. Em toda localidade onde se
constituísse um núcleo do partido, seria designada uma comissão encarregada dos
trabalhos de secretaria e relações. O entendimento entre os núcleos se faria
através de conferências, às quais seriam enviados delegados, devendo as
deliberações ser tomadas por acordo unânime.
Ao ser criado, o PCB tinha 73 membros
espalhados em diversos núcleos. No final 1922, calcula-se que o
número de aderentes houvesse subido a 250, com 123 no Rio de Janeiro. Ao
relembrar a fundação e os primeiros anos do partido, Astrojildo Pereira
declarou que, “a não ser nos meios sindicais, onde militavam ativistas do
movimento operário, a fundação do PCB passou completamente despercebida da
opinião pública. A grande imprensa ignorou o fato, e, se acaso houvesse tomado
conhecimento dele, certamente não o teria levado a sério”. A difusão das ideias
comunistas era feita através da revista mensal Movimento Comunista, fundada
em janeiro de 1922, que passou a ser o órgão do partido.
Logo após sua formação, o PCB passou a atuar
intensamente nos sindicatos operários, combatendo basicamente os anarquistas.
Em junho de 1922, três meses após sua fundação, o partido foi fechado, ainda
pelo governo de Epitácio Pessoa, passando a atuar na ilegalidade e tendo vários
de seus membros presos. Entre eles figurava Abílio de Nequete, que, após sua
prisão em julho de 1922, renunciou ao cargo de secretário-geral e regressou ao
Sul, sendo substituído por Astrojildo Pereira.
Em novembro de 1922 — mês em que se iniciou no
Brasil o governo de Artur Bernardes —, o PCB enviou como representante ao IV
Congresso da Internacional Comunista Antônio Bernardo Canellas, que se
encontrava na Europa na ocasião. A participação de Canellas teve consequências
negativas para o partido, pois, segundo Edgar Carone, ele possuía uma precária
formação marxista e era na verdade um pragmático, acostumado à ação individual
e espontânea.
Inaugurando uma série de equívocos, Canellas
confundiu sua indicação para participar dos trabalhos do congresso tendo
direito a “voto deliberativo” com a admissão do PCB na Internacional Comunista.
Tampouco percebeu o esquema de funcionamento do congresso, segundo o qual as
questões se decidiam nas comissões ampliadas ou restritas para serem apenas
homologadas nas reuniões plenárias. Além disso, diante da condenação de Leon Trotsky
à participação de maçons nos partidos comunistas — dirigida principalmente ao
PC francês —, defendeu a ideia de que “nosso gênero de socialismo é neutro em
moral”, podendo o partido brasileiro ter como membros elementos maçons,
protestantes, católicos etc. Ao afirmar que o PCB contava com “alguns bons
camaradas maçons, cuja ação revolucionária no seio da maçonaria é notável e
notória”, ele se referia principalmente a Cristiano Cordeiro e Everardo Dias,
membros da maçonaria e do partido.
Finalmente, ao prestar informações sobre o PCB,
Canellas cometeu algumas falhas, afirmando que o partido contava com quinhentos
militantes, quando na verdade não passavam de 250, e declarando que ele próprio
havia colaborado numa revista de orientação anarquista. Diante da atuação do
delegado brasileiro, o comitê executivo da Internacional Comunista considerou
que o PCB ainda não era um verdadeiro partido comunista, pois conservava
“restos de ideologia burguesa alimentados pela presença de elementos da
maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a
estrutura descentralizada do partido e a confusão reinante sobre a teoria e a
tática comunista”. A Internacional decidiu aceitar apenas provisoriamente o PCB
dentro de seu organismo como um “partido simpatizante”.
Os resultados gerais do IV Congresso da
Internacional consistiram na aprovação de uma política de frente única,
principalmente em relação aos partidos socialistas europeus. O comunismo na
Europa encontrava na época sérios obstáculos, principalmente na Itália, onde a
subida dos fascistas ao poder em 1922 impedia os comunistas de atuar
politicamente. Procurando formular uma nova estratégia de ação para a conquista
do poder, com a participação em governos de coalizão socialista, o congresso
lançou a palavra de ordem de “governo operário”.
Ao retornar ao Brasil, em janeiro de 1923, Canellas
foi instado a apresentar à CCE um relato do que se passara durante o IV
Congresso. Redigiu um relatório intitulado “Relatório da delegacia à Rússia”, e
um parecer elogioso em nome da CCE. A direção do partido,
decepcionada com o documento, aprovou em 6 de junho um parecer próprio contendo
críticas ao texto e sugerindo que Canellas o reformulasse. Canellas resolveu ao
contrário publicar seu relatório sem consultar o partido, o que determinou sua
expulsão.
Após a vinda ao Brasil de Rodolfo Ghioldi,
argentino representante da Internacional Comunista, para estudar a situação
interna do PCB, o partido foi admitido na Internacional durante o V Congresso
dessa organização, realizado em Moscou em junho/julho de 1924, cinco meses após
a morte de Lênin.
Durante o V Congresso, foi proposta uma revisão da
política de frente única, que passou a ser considerada um simples meio de
agitar e mobilizar as massas. Desde a morte de Lênin desencadeara-se a luta de
Stalin contra Trotsky e Zinoviev pelo controle do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), luta essa que repercutia dentro da Internacional. Na medida
em que a construção mundial do socialismo passou a ser considerada como dependente
de seu sucesso na União Soviética, todos os comunistas deveriam cerrar fileiras
ao lado dos bolchevistas. Os que se inclinassem pelas facções dissidentes — ou
seja, por Trotsky — seriam considerados traidores.
A divulgação das ideias comunistas no Brasil
intensificou-se por essa época, com a publicação de livros e folhetos e a
realização de palestras e conferências nas sedes dos sindicatos. O Manifesto
comunista de Karl Marx, publicado pela primeira vez na Voz
Cosmopolita, saiu sob a forma de livro em 1924. Em 1º de maio de 1925,
foi lançado o jornal Classe Operária, com cinco mil
exemplares, fechado pela polícia dois meses depois. Em São Paulo, circulavam os
jornais Internacional e Solidário.
O II Congresso e a legalidade
em 1927
O II Congresso do PCB realizou-se no Rio de Janeiro
nos dias 16, 17 e 18 de maio de 1925, confirmando Astrojildo Pereira no cargo
de secretário-geral do partido. Grande parte das teses apresentadas durante o
encontro procurava explicar as revoltas tenentistas de 1922 e 1924 como
manifestações da contradição fundamental da sociedade brasileira, ou seja, da
luta entre o capitalismo agrário semifeudal, apoiado pelo imperialismo inglês,
contra o capitalismo industrial moderno, apoiado pelo imperialismo norte-americano.
Essas teses baseavam-se, sobretudo, no estudo “Agrarismo e industrialismo”,
escrito por Otávio Brandão em 1924 com o pseudônimo de Fritz Mayer.
Ainda durante o II Congresso, foi aprovado um
documento no qual se fazia um balanço do movimento sindical e se concluía pela
necessidade da unidade como base do desenvolvimento e do fortalecimento da ação
sindical de massas. Foi também aprovada uma recomendação no sentido de que
fosse dada especial atenção à formação da Juventude Comunista em todo o país, pois,
desde sua fundação em janeiro de 1924, essa organização continuava restrita ao
Rio de Janeiro.
Em 1º de janeiro de 1927, já no governo de
Washington Luís (1926-1930), o PCB voltou a atuar na legalidade. Dois dias
depois, o jornal A Nação, título de propriedade do
jornalista e professor de direito Leônidas de Resende, passou a circular como
órgão do partido, desempenhando papel relevante na campanha para as eleições
legislativas de fevereiro seguinte. Ainda em janeiro, o PCB decidiu formar uma
frente única eleitoral baseada na unidade da classe operária, criando o Bloco
Operário. Nessa legenda, Azevedo Lima elegeu-se deputado federal.
Durante os meses em que gozou de liberdade de
atuação, o PCB ampliou sua penetração no movimento operário, criando células
dentro dos sindicatos e acirrando assim as disputas entre anarquistas e
comunistas. Levou também adiante sua preocupação de organizar a juventude,
criando em abril de 1927 uma diretoria provisória para a Federação da Juventude
Comunista, integrada por Leôncio Basbaum, Manuel Karacick e Francisco
Mangabeira. A federação foi instalada oficialmente em 1º de agosto de 1927, dia
internacional da juventude. Por essa época, foi lançado O Jovem
Proletário, órgão da Juventude Comunista, que alcançou uma
tiragem de mil exemplares e circularia até 1º de maio de 1928.
Com o intuito de criar uma confederação geral do
trabalho, ainda em 1927 o PCB promoveu um congresso sindical, para “congregar e
unificar todas as forças dispersas dos trabalhadores sem ter em conta suas
diferenças ideológicas”. Foram criadas então a Federação Sindical Regional do
Rio de Janeiro, que teve como primeiro-secretário o alfaiate Joaquim Barbosa, e
a Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil, que teve como um de seus
primeiros dirigentes João da Costa Pimenta.
Contudo, a aprovação da chamada Lei Celerada, em 12
de agosto de 1927, veio pôr fim à atuação legal do PCB e provocar a suspensão
do jornal A Nação. Essa lei tornava inafiançáveis os
crimes definidos pelo Decreto nº 162, de 12 de dezembro de 1890, ou seja,
“desviar os operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que forem
empregados, por meio de ameaças e constrangimento”, assim como “causar ou
provocar cessação ou suspensão de trabalho por meio de ameaças ou violências,
para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou
salário”. A Lei Celerada também autorizava o governo a fechar por tempo
determinado as agremiações, sindicatos, centros ou entidades que incidissem na
prática de crimes ou atos contrários à ordem, moralidade e segurança públicas,
e vedava a essas entidades a propaganda, impedindo a distribuição de escritos
ou suspendendo os órgãos de publicidade que a ela se dedicassem. A Lei Celerada
visava a atingir o PCB e o movimento operário, e de fato os atingiu.
Diante da repressão ao movimento operário e aos
comunistas, a CCE do PCB, após uma análise crítica de suas posições, entendeu
que o isolamento em que se encontrava o partido era devido às suas “posições
sectárias”. Foi então decidido que o PCB deveria alargar as suas alianças, e
uma delas seria com Luís Carlos Prestes e os demais integrantes da Coluna
Prestes. Assim, em dezembro de 1927, a direção do partido enviou
Astrojildo Pereira à Bolívia para entrar em contato com o comandante exilado da
marcha revolucionária que havia percorrido o interior do Brasil durante dois
anos (abril de 1925 - fevereiro de 1927) em protesto contra o governo de Artur
Bernardes e o sistema político então vigente no país. Astrojildo foi propor a
Prestes uma aliança entre “o proletariado revolucionário, sob a influência do PCB,
e as massas populares, especialmente as massas camponesas, sob a influência da
coluna e de seu comandante”, mas sua proposta não teve resultados positivos.
Em maio de 1928 ressurgiu A Classe Operária, semanário
com uma tiragem normal de 15 mil exemplares. O jornal participou da campanha
para as eleições municipais de outubro, defendendo a frente eleitoral criada
pelo PCB em 1927, já então denominada Bloco Operário Camponês (BOC). Nessa
legenda foram eleitos dois representantes para o Conselho Municipal do Distrito
Federal, Otávio Brandão e Minervino de Oliveira.
O III Congresso
Entre 17 de julho e 1º de setembro de 1928,
realizou-se em Moscou o VI Congresso da Internacional Comunista, ao
qual compareceram como representantes brasileiros Paulo Lacerda, Leôncio
Basbaum, Lago Morales e Astrojildo Pereira. Este último foi eleito um dos 58
membros da comissão executiva da Internacional, ao lado de Stalin, Bukharin,
Molotov e Dmitri Manuilsky.
No congresso, foi reafirmado que a construção do
socialismo na União Soviética era um fator fundamental para a revolução
mundial. Assim, todos os outros movimentos revolucionários seriam considerados
secundários. A ideia predominante em Moscou entre os congressistas era que o
capitalismo mundial estava prestes a entrar em sua fase final. Desse modo, os
partidos comunistas deveriam se preparar para a tomada do poder. Das análises
sobre a situação mundial e do avanço do comunismo, o Komintern concluiu que os
anos do pós-guerra se dividiam em três períodos: o primeiro, de 1919
a 1923, ter-se-ia caracterizado como uma época de tensões revolucionárias;
o segundo, de 1923 a 1928, teria sido um período de estabilização do
capitalismo; e o terceiro, que então se iniciava, seria marcado por lutas
revolucionárias, pois as análises previam a crise econômica de 1929. As
análises só não previram que essa crise não levaria ao aguçamento das lutas
operárias.
O congresso da Internacional se preocupou ainda em
alertar os dirigentes comunistas do mundo inteiro contra o perigo dos “desvios
de direita”. Entre as resoluções aprovadas, inclusive pelos representantes do
Brasil, encontrava-se a que apontava como o maior inimigo do comunismo na
Alemanha a social-democracia, e não o nazismo.
Por outro lado, durante o ano de 1928, o PCB teve
que enfrentar uma cisão interna. Joaquim Barbosa, alfaiate e secretário da
Federação Sindical do Rio de Janeiro, ao lado de João da Costa Pimenta,
divergiu da CCE quanto à orientação do partido em relação à ação sindical.
Barbosa, através de uma carta aberta à direção do PCB, fez uma série de
acusações em que procurava demonstrar a inabilidade do partido para alcançar a
adesão e a unidade dos sindicatos. Mostrou-se contrário à utilização dos
sindicatos em benefício da política do partido, assim como se manifestou contra
a decisão da CCE de estabelecer contatos com os membros da Coluna Prestes
visando a uma aliança política com os “tenentes”. Esse incidente permitiu que
Joaquim Barbosa liderasse um grupo que ficou conhecido como Oposição Sindical.
Barbosa e mais 40 integrantes do grupo abandonaram então as fileiras do PCB.
Ao mesmo tempo, mas por razões diferentes, um grupo
de intelectuais também rompeu com o PCB. As divergências nesse caso se
colocaram no nível da ideologia. Para Lívio Xavier, o comunismo tal como era
praticado no Brasil tinha um conteúdo excessivamente nacionalista, o que se
chocava com a ideia de revolução internacional. A posição de Lívio Xavier foi
considerada por Astrojildo Pereira como próxima da defendida pelos comunistas
franceses e simpática às opiniões de Trotsky. Além disso, sua posição foi
criticada por ser vista como “um desvio pequeno-burguês”. Lívio Xavier, Aristides
Lobo e Hilcar Leite deixaram o PCB, para mais tarde formar o núcleo brasileiro
de trotskistas.
Estando já convocado o III Congresso do PCB para o
fim de 1928, desenvolveu-se durante sua preparação uma discussão sobre as
diretrizes partidárias. Foi criado pela CCE um órgão especial, denominadoAutocrítica, para
circular entre os membros do partido até a realização do congresso, com o
objetivo de divulgar as divergências que se manifestavam internamente.
O III Congresso do PCB teve lugar finalmente na
sede da Federação Operária do Estado do Rio, em Niterói, entre os dias 29 de
dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929. Durante o congresso, foram discutidas
teses sobre a situação política nacional baseadas nas mesmas análises já
apresentadas no II Congresso sobre as revoltas de 1922 e 1924, o que serviu
para a formulação da teoria da “terceira força”. Essa teoria previa uma
“terceira explosão revolucionária” após os movimentos de 1922 e 1924, incluindo
neste último, como desdobramento, a Coluna Prestes. Essa terceira revolução
seria mais ampla e radical. Por isso, a tarefa do PCB era mobilizar as massas e
se colocar à sua frente, conquistando “não só a direção da fração operária, mas
a hegemonia de todo o movimento”. Ainda entre as teses defendidas, encontrava-se
a que dava ênfase ao trabalho sindical e combatia o espírito corporativista e
as tradições anarcossindicalistas.
Durante o III Congresso foram aprovados os
estatutos definitivos do partido e a comissão central executiva (CCE) passou a
ser chamada de comitê central (CC). Foram eleitos para o CC o gráfico Mário
Grazini, o operário metalúrgico José Casini, o padeiro José Caetano Machado, o
médico Fernando Lacerda e Leôncio Basbaum. Astrojildo Pereira foi confirmado no
cargo de secretário-geral.
Os estatutos
De acordo com os estatutos do PCB – que foram
aprovados em 1928-1929 e sofreriam revisões em congressos posteriores –, o
princípio que regulava a estrutura e o funcionamento do partido era o
centralismo democrático, que significava direção centralizada com base na
democracia. Todos os órgãos e cargos dirigentes do partido eram preenchidos por
meio de eleições, pela votação direta dos membros ou de delegados por eles
eleitos. Todos os dirigentes, de qualquer escalão, poderiam ser destituídos de
seus cargos através do mesmo processo empregado para sua eleição.
As organizações do partido estruturavam-se segundo
os critérios de local de trabalho ou moradia e de área territorial, de acordo
com a divisão administrativa do país. De baixo para cima, essas organizações
eram as seguintes: organizações de base, distritais, municipais, estaduais e
territoriais. As organizações de base (OBs) concentravam a atividade principal
do partido e eram constituídas, cada uma, pelos membros do partido que
trabalhavam numa mesma empresa, residiam numa mesma área ou atuavam no mesmo
setor profissional. Para a constituição de uma organização de base, eram
necessários pelo menos três membros do partido. O órgão dirigente da OB era o
secretariado, cujo número era decidido pela assembleia ou pela conferência da
própria OB.
As organizações distritais, municipais e estaduais
ou territoriais eram as organizações intermediárias, constituídas,
respectivamente, de todas as organizações e membros do partido na área
administrativa do distrito, do município e do estado ou território. A
conferência distrital, municipal e estadual ou territorial era o órgão
dirigente superior de cada organização e era formado por delegados eleitos
pelas próprias organizações.
Os órgãos dirigentes centrais eram o congresso
nacional, o comitê central (CC), a conferência, a comissão executiva e o
secretariado nacional. O congresso nacional era o órgão dirigente supremo,
constituído de delegados eleitos pelas conferências das organizações
diretamente subordinadas à direção central. As decisões do congresso nacional
eram obrigatórias para todo o partido e não podiam ser revogadas, no todo ou em
parte, senão por outro congresso. O congresso nacional tinha o poder de: a)
examinar a prestação de contas do CC e sobre ela decidir; b) estabelecer o
programa, os estatutos e a orientação política geral do partido; e c) eleger o
CC. O congresso era convocado pelo CC e deveria reunir-se ordinariamente de
quatro em quatro anos. Onúmero de delegados ao congresso nacional e as normas
preparatórias deste eram estabelecidas pelo CC ou pelo congresso anterior.
O CC era o órgão dirigente do partido entre um e
outro congresso. O número de membros efetivos e suplentes era estabelecido pelo
congresso nacional. Suas atribuições eram: a) dirigir toda a atividade
partidária em cumprimento às resoluções do congresso nacional; b) examinar a
prestação de contas da comissão executiva do CC e do secretariado do CC e sobre
ela decidir; c) representar o partido nas relações com outros partidos e organizações;
d) nomear e substituir os responsáveis pelos órgãos centrais da imprensa do
partido; e) distribuir os quadros do partido; f) resolver sobre os candidatos a
postos públicos eletivos federais a serem registrados na legenda do partido ou
por este apoiados; g) estabelecer as normas relativas às contribuições dos
membros do partido e às quotas financeiras a que estavam obrigadas as
organizações partidárias; h) eleger entre seus membros a comissão nacional de
controle, a comissão executiva e o secretário-geral, além de três ou mais
secretários que constituiriam o secretariado do CC.
A reunião do CC era convocada pela comissão
executiva. O CC deveria se reunir ordinariamente com intervalos não maiores do
que seis meses. No período entre um e outro congresso nacional, o CC convocaria
pelo menos uma vez a conferência do partido, para a discussão mais ampla de
determinados problemas partidários. A conferência era constituída pelos membros
do CC e, segundo as normas por este fixadas, de delegados eleitos por todos os
comitês estaduais e territoriais. Suas resoluções só se tornariam obrigatórias
para o partido depois de ratificadas pelo CC. Mas a conferência poderia
substituir, entre um e outro congresso nacional, até 1/5 dos membros efetivos
do CC por seus suplentes.
A comissão executiva, cujos trabalhos eram
coordenados pelo secretário-geral, era o órgão dirigente do CC entre uma e
outra reunião deste. O número de seus membros era determinado pelo CC. Suas
atribuições principais eram: a) dirigir toda a atividade partidária com vistas
à execução das resoluções do CC; e b) coordenar a atuação dos membros do CC.
O secretariado nacional era o órgão operativo do
CC, atendendo ao trabalho de direção entre uma e outra reunião da comissão
executiva.
A comissão nacional de controle era órgão anexo do
CC, e tinha como atribuições examinar os casos de infrações graves dos
dirigentes comunistas e as medidas disciplinares tomadas.
Os recursos financeiros do partido seriam
constituídos pelas contribuições mensais de seus membros e simpatizantes, por
donativos, rendas eventuais e pelo resultado de campanhas financeiras. A
contribuição mensal mínima de cada membro seria de 0,5% de sua receita mensal.
Obreirismo, prestismo e
Revolução de 1930
No período que se iniciou em 1929, como
consequência da orientação do III Congresso, o PCB marcou sua atuação por
um forte obreirismo, desenvolvendo intenso trabalho de ampliação de suas bases,
principalmenteem São Paulo e no Rio de Janeiro. Segundo o relatório
apresentado por Astrojildo Pereira em Moscou em 1929 sobre a situação do
Brasil, verifica-se que o PCB contava com oitocentos membros, seiscentos dos
quais organizados em células. Os comunistas tinham maior penetração
entre metalúrgicos, gráficos da imprensa e de tipografias, operários das
indústrias alimentícias e da construção civil, carpinteiros, operários das
fábricas de tecidos, da indústria de couros, e marinheiros. Ainda segundo
Astrojildo, o PCB era constituído de 80% de operários, 10% de profissionais e
5% de assalariados agrícolas e pequenos lavradores. A Juventude Comunista era
integrada por mais de duzentos membros.
Em abril de 1929, o PCB criou a Confederação Geral
do Trabalho, tendo como secretário-geral Minervino de Oliveira. Essa
organização, no entanto, não chegaria a desempenhar o papel que dela esperava o
partido.
Em maio de 1929, segundo Prestes, ou em junho, de
acordo com Astrojildo Pereira, foram a Buenos Aires participar da I Conferência
Latino-Americana dos Partidos Comunistas o secretário do PCB e chefe da
delegação, Paulo Lacerda, acompanhado de Leôncio Basbaum, Mário Grazini e
Danton Jobim. Nessa ocasião, Paulo Lacerda, acompanhado de Basbaum, foi ao
encontro de Prestes — que já se transferira da Bolívia para a Argentina — para
convidá-lo a se candidatar à presidência da República com o apoio de uma frente
única formada pelo PCB e a Coluna Prestes. Aproximavam-se as eleições para a
sucessão de Washington Luís, e começavam as articulações em torno das possíveis
candidaturas.
Prestes pediu na ocasião que Basbaum lhe
apresentasse o programa da frente única. Basbaum preparou um projeto em que
pedia a nacionalização da terra e a repartição dos latifúndios, a
nacionalização das empresas industriais e bancárias imperialistas, a abolição
das dívidas externas, a liberdade de organização e de imprensa, o direito de
greve, a legalidade para o PCB, a jornada de trabalho de oito horas, a Lei de
Férias, aumento de salários e outros benefícios para os trabalhadores.
Prestes considerou o programa radical e não aceitou
sua indicação como candidato à presidência. Formulou em contrapartida um
programa em que pedia o voto secreto, alfabetização, justiça, liberdade de
imprensa e de organização e melhorias para os operários. Prestes teria sugerido
ainda a Basbaum o nome de José Joaquim Seabra, um dos mais importantes
representantes da oligarquia baiana, como candidato à presidência da República
(em depoimento publicado em 1982, contudo, Prestes desmentiu essa informação).
Ao voltar ao Rio, Basbaum transmitiu a seus
companheiros a notícia de que o encontro com Prestes revelara não ser possível
uma aliança do PCB com o líder da marcha revolucionária, por não haver
coincidência de posições. Mas o partido queria preparar-se para a “terceira
explosão revolucionária” e decidiu manter-se em contato com Prestes.
Segundo Basbaum, teve então início o “prestismo”, quando muitos comunistas
abandonaram o partido para seguir a liderança de Prestes.
Em depoimento publicado em 1982, Prestes declarou
que sua decisão de recusar a candidatura à presidência sem o prévio
entendimento com os “tenentes” levou Paulo Lacerda a propor-lhe que
continuassem as negociações através do secretariado sul-americano da
Internacional Comunista, sediado em Buenos Aires. Nessaocasião, o PCB
teria organizado um comitê militar revolucionário destinado a manter contato e
a traçar os planos da conspiração com os chefes da Coluna Prestes. Esse comitê
militar fracassou e foi dissolvido.
Por essa época, prosseguiam no Brasil as
articulações visando às eleições para a presidência da República no quadriênio
1930-1934. Na escolha dos candidatos ocorreu uma cisão entre os estado de Minas
Gerais e São Paulo. Washington Luís, ao impor como candidato à sua sucessão
Júlio Prestes — paulista e presidente do estado de São Paulo —, provocou a
aproximação de Minas Gerais com o Rio Grande do Sul. Os dois estados firmaram
um pacto para a indicação do candidato oposicionista, Getúlio Vargas, formando
a Aliança Liberal. Além dos políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a
Aliança Liberal incluiu a Paraíba e todas as oposições estaduais e contou com o
apoio dos “tenentes” revolucionários de 1922, de 1924 e da Coluna Prestes.
Decididos a lançar um candidato próprio, os
comunistas não apoiaram o candidato da Aliança Liberal. Consideravam necessário
um programa que incluísse dois pontos: “O confisco sem indenização das terras
dos grandes proprietários do campo, para entrega dessas terras aos camponeses
pobres, e a luta feroz contra o imperialismo internacional.” O PCB identificava
os candidatos da Aliança Liberal como aliados dos imperialistas e, desse modo,
lançou a candidatura de Minervino de Oliveira. Realizadas as eleições em março
de 1930, saiu vencedor o candidato paulista Júlio Prestes, recebendo o
candidato comunista votação inexpressiva: segundo Foster Dulles, Minervino
obteve no Rio de Janeiro 534 votos num total de 59.478. O PCB apresentou ainda
candidatos ao Senado Federal. Foram eles Duvitiliano Ramos, gráfico e
romancista, e Domingo Brás, tecelão e ex-anarquista, pelo estado do Rio, e
Paulo Lacerda, advogado, e Mário Grazini, gráfico, pelo Distrito Federal.
Nenhum deles foi eleito.
Alguns aliancistas protestaram contra os resultados
eleitorais, que acusavam de fraudulentos. Em maio de 1930, iniciaram-se os
preparativos para uma revolução armada que teve nos “tenentes” e nos jovens
políticos da oligarquia seus principais organizadores. Luís Carlos Prestes foi convidado
para assumir a chefia militar do movimento, ao lado de Vargas, chefe civil.
Foram enviados por Osvaldo Aranha, um dos líderes revolucionários, amplos
recursos financeiros para a compra de armamentos. Em manifesto publicado em 30
de maio, contudo, Prestes, que aderira recentemente ao marxismo, se declarou
radicalmente contra os objetivos da Aliança Liberal e da revolução. Segundo
ele, a situação do Brasil só podia ser analisada e compreendida como um simples
reflexo da luta interimperialista, pela conquista de mercados na América
Latina. Segundo esse manifesto, o governo que seria instalado após a “revolução
agrária e anti-imperialista” cumpriria o programa de confisco, nacionalização,
divisão e entrega gratuita da terra aos que trabalhavam. Também confiscaria e
nacionalizaria as concessões, as vias de comunicação, os serviços públicos, as
minas e os bancos, e anularia as dívidas externas. O papel da Aliança Liberal
era finalmente qualificado de contrarrevolucionário.
Ao romper com seus companheiros da coluna, que
articulavam a revolução, Prestes lançou um movimento de caráter comunista
denominado Liga de Ação Revolucionária (LAR). A partir desse momento, os
comunistas iniciaram uma campanha contra o “prestismo”, que a seu ver
significava a liderança da pequena burguesia sobre o operariado. Em 2 de
outubro, um dia antes da eclosão da Revolução de 1930, Prestes foi presoem
Buenos Aires devido a uma entrevista concedida à United Press sobre a
situação política na Argentina. Outra explicação para sua prisão teria sido a
solicitação do governo brasileiro para que a Argentina o extraditasse para o
Brasil. Ao ser solto, Prestes foi residir em Montevidéu. Lá, decidiu com Emídio
Miranda, Silo Meireles e Aristides Lobo encerrar as atividades da LAR.
O PCB tampouco apoiou a Revolução de 1930. Em
suas análises, o movimento seria feito em benefício do imperialismo inglês e,
em lugar de introduzir mudanças na estrutura agrária do país, tentaria, ao
contrário, “evitar a revolução das massas”. O PCB enfrentava na época sérios
problemas, em consequência, principalmente, da nova orientação da comissão
executiva do Komintern, reunida no início de 1930. Durante essa reunião, Dmitri
Manuilsky mostrou a necessidade de os partidos comunistas organizarem o
movimento revolucionário sem depender de outra classe que não a proletária. Fez
referências expressas à América Latina e ao Brasil, acusando os comunistas
brasileiros de colaborarem, sob o disfarce do BOC, com a Coluna Prestes, o que
teria consequências desastrosas para o movimento revolucionário.
Quando da conferência do secretariado sul-americano
da Internacional Comunista, realizada em Buenos Aires em abril/maio
de 1930, as diretrizes de Manuilsky foram transmitidas a todos os partidos
comunistas. A orientação dada foi no sentido de “proletarizar” os partidos
comunistas, e Astrojildo Pereira e Otávio Brandão foram criticados por fazer
concessões à pequena burguesia. O Komintern criticou severamente as resoluções
do III Congresso do PCB, por admitirem a “teoria da terceira revolta” e
basearem a política do partido na atuação do BOC, colocando o proletariado a
reboque da burguesia. Otávio Brandão, apesar de discordar dessa nova orientação
que se opunha a alianças com os não comunistas, para não ser expulso das
fileiras do partido aceitou voltar atrás em suas posições e fazer uma
autocrítica.
Em novembro de 1930, em reunião do CC,
Astrojildo Pereira foi destituído do cargo de secretário-geral do PCB por ter
sido considerado responsável pela resistência oposta à “proletarização do partido”.
O Komintern desejava que a direção do PCB ficasse sob controle operário. A
proletarização, na verdade muito próxima da ideologia do obreirismo, desprezava
os intelectuais e dava grande importância ao comportamento e ao estilo de vida
do operário. Assim, em janeiro de 1931, o intelectual de origem operária Heitor
Ferreira Lima, que entre 1927 e 1930 vivera na União Soviética, fazendo cursos
na Escola Leninista, foi eleito secretário-geral do PCB.
A nova direção do partido convocou imediatamente
uma “marcha da fome” para protestar contra as péssimas condições de vida da
população. A polícia impediu a manifestação, que deveria realizar-se no dia 17
de janeiro e foi transferida para o dia 19, e efetuou numerosas prisões,
inclusive de Fernando Lacerda e Paulo Lacerda, figuras de destaque no partido.
Por outro lado, em resposta à manifestação dos
comunistas, várias associações operárias realizaram uma passeata de apoio a
Getúlio Vargas e a Lindolfo Collor, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
A criação desse ministério foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governo
revolucionário, assim como a promulgação de leis de proteção ao trabalhador
urbano e de regulamentação dos sindicatos. Desse modo, associações operárias,
como a dos foguistas, dos trabalhadores marítimos e dos portuários, dos
empregados da companhia Light e dos ferroviários da Central do Brasil e da
Leopoldina Railway uniram-se para essa manifestação favorável ao governo.
Pouco depois, em 19 de março de 1931, foi aprovada
uma lei de sindicalização que determinava, entre outras medidas, que o
sindicato após ser constituído deveria ser reconhecido pelo Ministério do
Trabalho. Para obter reconhecimento, o sindicato deveria enviar seus estatutos
para aprovação do ministério, acompanhados de uma relação de todos os
associados, incluindo nome, profissão, idade, estado civil, nacionalidade,
residência e local de trabalho. As assembleias gerais dos sindicatos teriam que
contar com a presença de um delegado do Ministério do Trabalho, e o balanço
financeiro seria submetido trimestralmente à aprovação do mesmo ministério.
Somente os sindicatos reconhecidos poderiam firmar contratos de trabalho e
criar e administrar caixas beneficentes, serviços hospitalares e escolas.
Essa legislação sofreu forte oposição do PCB, que
desencadeou campanha contra o controle dos sindicatos pelo ministério. Por
outro lado, a nova legislação permitiu o avanço dos sindicatos denominados
pelos comunistas de “amarelos”, ou seja, aqueles que se submeteram às
exigências da nova lei.
Ao mesmo tempo, os comunistas foram alvo de severa
repressão por parte dos novos dirigentes saídos da revolução. O chefe de
polícia do Distrito Federal, João Batista Luzardo, declarou, por exemplo, que
contratara dois técnicos do Departamento de Polícia de Nova Iorque com o
objetivo de organizar, à semelhança dos Estados Unidos, “um serviço especial de
repressão ao comunismo”. A repressão levou à prisão, durante o ano de 1931,
entre outros, Leôncio Basbaum e Otávio Brandão. Também em 1931, no mês de
novembro, Prestes desembarcou em Moscou para trabalhar como engenheiro por
indicação de comunistas uruguaios.
O auge do obreirismo no PCB ocorreu em 1932, quando
Astrojildo Pereira foi afastado e muitos intelectuais foram expulsos do
partido, entre eles Leôncio Basbaum, Mário Grazini, Raquel de Queirós e o
próprio Heitor Ferreira Lima. Em maio desse ano, realizou-se uma reunião do CC
no Rio de Janeiro, e nela o gráfico Duvitiliano Ramos foi eleito
secretário-geral.
A reconstitucionalização do país foi uma das
reivindicações que se colocaram logo após a Revolução de 1930 e provocaram um
grande debate. Em torno desse tema, surgiram posições antagônicas entre os
“tenentes”, de um lado, e facções da oligarquia que haviam participado da
revolução, aliadas às facções que se haviam oposto ao movimento revolucionário,
de outro. Os “tenentes” eram contrários à volta do Brasil ao regime
constitucional por considerarem que a revolução ainda não alcançara seus
principais objetivos. Os constitucionalistas, por sua vez, iniciaram um
movimento de mobilização a fim de organizar as forças políticas em prol da
convocação de uma constituinte. O movimento teve como consequência, em primeiro
lugar, a eclosão da Revolução Paulista, que se prolongou de julho a setembro de
1932, e, em segundo, a convocação de eleições para a Assembleia Constituinte.
O PCB não teve nenhuma participação no movimento
constitucionalista por considerá-lo uma luta entre agentes do imperialismo inglês
e do imperialismo norte-americano. De acordo com as análises dos comunistas
brasileiros, a Revolução Paulista teve a colaboração e ajuda de grupos ingleses
que mantinham interesses econômicos em São Paulo. Entretanto, a International
Press Correspondance, publicação do Komintern, analisando o mesmo
acontecimento, atribuiu aos norte-americanos a ajuda e colaboração que
permitiram a eclosão do movimento.
Nos primeiros anos do pós-1930, o PCB
apresentava-se fraco e com pouca penetração no movimento sindical. Iniciada a
reorganização partidária em todos os estados da Federação, diante da convocação
das eleições constituintes para maio de 1933, o PCB não obteve registro no
Tribunal Eleitoral, sob a justificativa de que era um partido
internacionalista. O partido procurou lançar candidatos através da legenda já
registrada da União Operária e Camponesa, mas não conseguiu eleger nenhum
representante à Assembleia.
A nova legislação eleitoral previa, por outro lado,
que 40 representantes classistas dos empregadores, empregados, funcionários
públicos e profissionais liberais participariam da elaboração da nova
Constituição. Os representantes classistas seriam escolhidos entre os membros
dos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Diante disso, contrariando sua posição anterior, o PCB procurou influenciar os
sindicatos para que eles cumprissem as determinações do Ministério do Trabalho
e obtivessem seu reconhecimento oficial. A essa altura, porém, o partido
percebeu que se encontrava isolado e que tinha diante de si uma nova ameaça, a
Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político de tendência fascista. O
surgimento da AIB colocou para o PCB a necessidade de uma ação mais eficaz para
conquistar os sindicatos e a classe média. A nova tática de propaganda e
expansão levou a um aumento rápido do número de adeptos do partido,
principalmente entre os marítimos, motoristas, bancários e têxteis.
A volta ao regime constitucional deu-se em 1934,
com a promulgação de uma nova Constituição em 16 de julho, e com a eleição,
logo em seguida, de Getúlio Vargas para presidente da República. Em outubro
realizaram-se eleições para a Câmara dos Deputados e para as assembleias
estaduais, que deveriam eleger indiretamente em cada estado governadores e
senadores.
Frentes populares e Revolução
de 1935
Em 1934 realizou-se a I Conferência Nacional do
PCB, na qual foram eleitos Antônio Maciel Bonfim (Miranda) para
secretário-geral e Lauro Reginaldo Rocha (Bangu), Honório de Freitas Guimarães
(Martins) e Adelino Deícola dos Santos (Tampinha) para o secretariado nacional.
Também durante o ano de 1934 as campanhas contra a guerra e contra o fascismo
ganharam amplitude, culminando com um violento choque no mês de outubro, em São
Paulo, entre antifascistas e integralistas. Surgiram em todo o país as frentes
antifascistas, que propiciaram a aproximação entre comunistas, socialistas e
“tenentes” de esquerda.
Paralelamente, diante da ascensão do nazismo na
Europa, teve início em Moscou, em 1934, uma série de discussões em torno da
possibilidade de formação de uma frente popular internacional destinada a frear
a expansão nazista. A discussão sobre a formação de frentes populares na Europa
tivera início na Espanha em 1931 e prosseguiu na França, sobretudo quando se
deu o pacto entre o PC francês e a seção francesa da Internacional Comunista em
julho de 1934. O debate em Moscou sobre a formação de frentes populares opunha
Giorgi Dmitrov e Dmitri Manuilsky, presidente do comitê executivo da
Internacional Comunista. Enquanto Dmitrov defendia a extensão global das
frentes populares, Manuilsky era favorável, em determinados países, à insurreição
armada e à tomada do poder pelas forças populares sob a chefia dos partidos
comunistas.
Em outubro ainda de 1934, realizou-se em Moscou uma
reunião preparatória para o VII Congresso da Internacional Comunista. O
VII Congresso deveria realizar-se em 1934, mas fora transferido para o ano
seguinte e não houvera tempo para avisar os delegados da América Latina sobre a
transferência de data. Como eles desembarcaram em Moscou, foi decidido que
seria realizado um pré-congresso com os representantes latino-americanos.
Participaram do encontro, entre outros, Dmitrov, Manuilsky, Klement Gottwald,
Otto Kuusinen, Wilhelm Pieck, Vasil Koralov, Palmiro Togliatti, Ho Chi-Min,
Maurice Thorez, Raymond Juyot, Van Minh e os representantes latino-americanos
Antônio Maciel Bonfim, José Caetano Machado, Lauro Reginaldo da Rocha e Elias
dos Santos (do Brasil), Vittorio Codovilla e Rodolfo Ghioldi (da Argentina) e
Eudosio Ravines (do Peru).
Levantada a questão das frentes populares, os
latino-americanos também divergiram. Luís Carlos Prestes, que fora formalmente
aceito como membro do PCB em 1º de agosto de 1934, e que, vivendo em Moscou,
acompanhava de perto os debates que se vinham travando em torno da nova
orientação a ser dada aos partidos comunistas, mostrou-se contrário à proposta
de Dmitrov, enquanto Ravines e os representantes do Chile se manifestaram
favoráveis. Diante das divergências, ficou decidido que seria feita uma
experiência de frente popular no Chile, onde as condições eram favoráveis,
enquanto Prestes deveria preparar uma revolução no Brasil. É possível que os
membros da Internacional se tenham decidido a apoiar a ideia do levante armado
no Brasil por ignorarem as condições reais do país e tomarem como base os
relatórios otimistas de Antônio Maciel Bonfim e outros.
Desse modo, Prestes voltou ao Brasil para acelerar
os preparativos da revolta armada. A Internacional enviou para assessorá-lo o
alemão Arthur Ernst Ewert, conhecido como Harry Berger, o argentino Rodolfo
Ghioldi, o belga Jules Leon Vallée e o norte-americano Victor Baron. Um outro
alemão, Heinz Neumann, também deveria vir como conselheiro de Prestes, e para
isso recebera treinamento em um grupo especial de guerrilha urbana, mas nas
vésperas da viagem foi avisado, através de Manuilsky, que não mais partiria
para o Brasil, pois Iosif Piatnitski, seu protetor, perdera as funções que
exercia no Komintern.
No Brasil, em janeiro de 1935 surgiram as primeiras
notícias de formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização
política de âmbito nacional liderada pelo PCB. Fundada oficialmente em 12 de
março seguinte, a ANL constituiu-se em uma ampla frente da qual participaram
socialistas, comunistas, católicos e democratas, todos unidos em torno da luta
“contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e as leis de opressão às
liberdades democráticas”. A 26 de abril foi lançado como órgão de divulgação do
movimento o jornal A Manhã, que circularia até 27 de
novembro de 1935.
Também em abril de 1935, Prestes chegou ao Brasil e
foi aclamado presidente de honra da ANL. Conservando-se na mais completa
clandestinidade e só mantendo contatos com os chefes aliancistas por
correspondência, Prestes iniciou os preparativos para a revolta armada que
visava à tomada do poder e à instalação de um governo popular.
A orientação do PCB no sentido de uma maior
radicalização das posições da ANL levou vários aliancistas a se afastarem do
movimento. Também dentro do PCB, vozes discordantes se manifestaram em relação
à luta armada. Cristiano Cordeiro era contrário a essa forma de luta por
considerá-la prematura, Heitor Ferreira Lima temia que o partido se envolvesse
numa quartelada, e João Batista Barreto Leite Filho, um dos dirigentes da União
de Trabalhadores em Livros e Jornais, considerava que o partido cometia
erros de aventureirismo, desprezando uma melhor preparação teórica na pressa de
tomar o poder. Outros membros do PCB, como Febus Gikovate e os irmãos Augusto,
Marino e Lídia Besouchet, apoiavam a posição de Barreto Leite Filho. Esse
grupo, junto com os líderes bancários, enviou documentos ao CC comunicando sua
posição contrária à política adotada para a tomada do poder. Em 26 de outubro
de 1935, Barreto Leite Filho enviou carta a Prestes analisando e criticando a
orientação imprimida ao PCB, atitude essa que lhe valeu a expulsão das fileiras
do partido.
No mês de agosto de 1935, durante o
VII Congresso — e último — da Internacional Comunista, realizado em
Moscou, Fernando Lacerda apresentou um relatório sobre a situação política
brasileira e a ação da ANL, indicando as possibilidades de sucesso de uma
revolução popular no país. Também Caetano Machado e Antônio Maciel Bonfim
haviam enviado relatórios em que mostravam que a situação interna do Brasil era
propícia a uma revolta popular. Na mesma ocasião, Prestes foi eleito membro do
comitê executivo da Internacional. A orientação política emanada do VII
Congresso foi que os partidos comunistas deveriam formar frentes únicas com os
socialistas e social-democratas, para impedir o avanço do fascismo.
A preparação da revolta armada no Brasil se
intensificou após o fechamento da ANL, em 11 de julho de 1935, pelo governo
federal, com base na Lei de Segurança Nacional. O PCB previa numa primeira
etapa a instalação de um governo nacional revolucionário sob a chefia de Luís
Carlos Prestes, e, numa segunda etapa, a organização de um governo de operários
e camponeses. O movimento revolucionário se iniciaria com levantes militares em
várias regiões do país e deveria contar com o apoio da massa proletária, que
desencadearia greves em todo o território nacional.
A revolta armada, que ficou conhecida como
Intentona Comunista, eclodiu a 23 de novembro de 1935 em Natal, e os
aliancistas instalaram nessa capital o Comitê Revolucionário ou Governo
Revolucionário Popular. Entretanto, as tropas do Exército e a polícia retomaram
o poder das mãos dos revoltosos, no dia 27. No dia 24 de novembro, a revolta
comunista eclodiu em Recife e foi imediatamente reprimida. No Rio de Janeiro, o
levante irrompeu na noite de 26 para 27 no 3º Regimento de Infantaria da Praia
Vermelha e na Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, ambos os
movimentos imediatamente reprimidos pelas tropas do Exército, comandadas pelo
general Eurico Gaspar Dutra.
A repressão aos envolvidos na revolta de novembro
atingiu não só os comunistas, socialistas, trotskistas e anarquistas, como a
todos os opositores do governo Vargas. A tentativa de tomada do poder pelos
comunistas foi utilizada como justificativa para o fortalecimento do governo
central. O medo do comunismo aglutinou em torno de Vargas forças até
então contrárias, o que possibilitaria o golpe do Estado Novo.
Durante o ano de 1936, foi criada a Comissão
Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar a participação de
funcionários públicos e outras pessoas em atos e crimes contra as instituições
políticas e sociais. O atestado de ideologia passou a ser exigido para todos
que exercessem cargos públicos e cargos sindicais. Foi instituído o Tribunal de
Segurança Nacional para julgar os implicados na Revolta de 1935.
Apesar do grande número de prisões que atingiram os
dirigentes da revolta, como Luís Carlos Prestes, Arthur Ernst Ewert, Victor
Baron, Jules Vallée e Antônio Maciel Bonfim, a estrutura organizacional do PCB
manteve-se praticamente intacta, e o partido continuou a atuar na
clandestinidade. O CC foi transferido para Salvador, juntamente com o
jornal A Classe Operária. Os comitês
estaduais começaram a se reorganizar pouco a pouco.
O novo secretário-geral escolhido para substituir
Bonfim foi Lauro Reginaldo da Rocha, o Bangu, professor primário no Rio Grande
do Norte. O secretariado nacional, em 1936, passou a ser integrado ainda por
Honório de Freitas Guimarães (Martins), Deícola dos Santos (Tampinha),
Francisco Leira (Cabeção), José Cavalcanti (Gaguinho) e Eduardo Ribeiro Xavier
(Abóbora).
Em 1937, quando já era intensa a campanha eleitoral
para a presidência da República, ocorreu dentro do PCB uma nova cisão,
determinada pelas divergências entre o secretário-geral e o comitê regional de
São Paulo. Bangu defendia o apoio do partido a José Américo de Almeida,
candidato situacionista que enfrentava Armando de Sales Oliveira, candidato das
oposições a Vargas. O comitê regional de São Paulo, dirigido por Hermínio
Sacheta, não aceitou a orientação de Bangu e, segundo Leôncio Basbaum, apoiou a
candidatura de Armando Sales. Esse grupo, segundo outras fontes, entre as quais
Ronald Chilcote, teria lançado simbolicamente a candidatura de Luís Carlos
Prestes.
Na reunião da direção nacional realizada em agosto
de 1937, Sacheta conseguiu inicialmente apoio da maioria contra Bangu e formou
um comitê central provisório que destituiu o secretário-geral. A situação,
entretanto, inverteu-se logo em seguida, conseguindo Bangu o apoio dos
representantes do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de alguns comitês
regionais do Nordeste, o que lhe permitiu retomar seu cargo e controlar a
situação. Mas as divergências se agravaram, e a Internacional Comunista
resolveu intervir, dando apoio à facção de Bangu. Sacheta, juntamente com Issa
Maluf, Heitor Ferreira Lima, Tito Batini, Alberto da Rocha Barros, Hílio Manna
de Lacerda e outros, abandonou o partido e aderiu ao trotskismo.
As eleições, entretanto, não se realizaram, pois,
por meio de um golpe de Estado, o presidente Getúlio Vargas instituiu a
ditadura do Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
No Estado Novo
A outorga da Constituição de 1937 e as medidas que
se seguiram, como o fechamento do Congresso Nacional, a extinção de todos os
partidos políticos, a instituição rigorosa da censura e as perseguições
políticas, intensificaram o cerco em torno dos comunistas e principalmente de
seus dirigentes.
Em 1940, todos os membros do CC — incluindo Bangu,
Eduardo Ribeiro Xavier e Joaquim Câmara Ferreira — foram presos, o mesmo
acontecendo com praticamente todos os dirigentes regionais. Em 1941, o PCB se
encontrava totalmente desarticulado, com toda a sua liderança e direção na
prisão. Também nesse ano, a União Soviética foi invadida pelos alemães e a
Internacional Comunista, cortada de todo contato com os partidos comunistas
nacionais, perdeu sua força e deixou de ter um papel significativo.
A desarticulação do CC permitiu por outro lado a
descentralização organizatória e a formação de comitês regionais com linhas de
atuação independentes. Em fins de 1941 e início de 1942, pequenos grupos de
comunistas, isolados em vários estados do país, iniciaram as primeiras
tentativas de rearticulação do PCB. Esses grupos se localizavam em São
Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Deles, o mais bem organizado era o grupo da
Bahia, que, com Diógenes Arruda Câmara, tentou estabelecer contato com os
paulistas, mas sem resultado. Arruda tentou então contatos com o grupo do Rio
de Janeiro, que havia formado a Comissão Nacional de Organização Provisória
(CNOP), dirigida por Amarílio Vasconcelos e Maurício Grabois e ligada a Luís
Carlos Prestes. O grupo baiano aceitava a liderança de Prestes, o que não
ocorria com os paulistas.
A partir do fim de 1942 — tendo já o Brasil
declarado guerra aos países do Eixo —, o PCB voltou a atuar de forma mais
organizada, iniciando a publicação de revistas como Seiva, Leitura e Continental, esta
última porta-voz da CNOP, e participando da revista Diretrizes, de
Samuel Wainer. A Editorial Calvino publicou vários livros de conteúdo marxista,
o que significava que a repressão aos grupos de contestação ao Estado Novo
começava a se afrouxar.
Em maio de 1943, a Internacional
Comunista foi dissolvida como uma concessão de Josef Stalin aos Aliados,
principalmente os norte-americanos.
Também em 1943 a institucionalização do
regime no Brasil tornou-se uma preocupação para os membros do governo, pois,
segundo a Constituição de 1937, o mandato de Vargas terminava e deveria ser
convocado um plebiscito. Por outro lado, as vitórias dos Aliados e a derrota
provável dos nazifascistas vinham reforçar internamente as posições em favor de
uma redemocratização do país. Vargas respondeu a essas pressões com o
lançamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a campanha de
sindicalização em massa. Isso provavelmente significava que Vargas preparava o
caminho para utilizar a massa trabalhadora no momento da reabertura política.
Entretanto, ao ser detonada, em fevereiro de 1945, a abertura se
faria através da cúpula política, e só alguns meses mais tarde é que a massa
trabalhadora seria utilizada no movimento “queremista”.
Dentro desse quadro, ainda em 1943 apareceram mais
claramente as dissensões no interior do PCB. Levantada a bandeira da união
nacional em função do conflito mundial, formaram-se três correntes dentro do
partido. A primeira delas, liderada pelo comitê de São Paulo, tendo à frente
Caio Prado Júnior e outros intelectuais como Mário Schemberg, Vítor Konder,
Zacarias de Sá Carvalho e Davi Lerner, formou o comitê de ação, que defendia
uma posição de luta contra o fascismo tanto externo como interno. A segunda
corrente, liderada por Fernando Lacerda e pelos irmãos Paulo e Pedro Mota Lima,
defendia a união nacional com o apoio ao governo Vargas e a extinção do PCB. A
terceira posição, por fim, era a da CNOP, que defendia a união nacional como um
esforço de guerra e como tal apoiava Vargas, mas sem a dissolução do PCB. O
argumento dessa posição era que, se o Brasil se colocava ao lado dos que
lutavam contra os países do Eixo, estava lutando ao lado da URSS.
Esta última posição foi defendida e aprovada na II
Conferência Nacional do partido, conhecida como Conferência da Mantiqueira,
realizada entre 28 e 30 de agosto de 1943, no município fluminense de
Engenheiro Passos. Participaram do encontro Ivan Ramos Ribeiro, Diógenes Arruda
Câmara, Pedro Ventura Pomar, Amarílio de Vasconcelos, Francisco Gomes, João
Amazonas de Sousa Pedroso, Maurício Grabois, Agostinho Dias de Oliveira, Mário
Alves de Sousa Vieira, Dinarco Reis, José Medina, Armênio Guedes e Álvaro Ventura.
As principais resoluções da Conferência da
Mantiqueira, além da adesão à linha política de união nacional em torno do
governo, com apoio incondicional a Vargas, foram no sentido do fortalecimento
ideológico, contra as tendências de liquidação do PCB, e da adoção de uma
política de legalidade com a perspectiva de formação de um grande partido
comunista ligado às massas. Decidiu-se concentrar esforços principalmente em
favor da participação do Brasil na guerra contra a Alemanha. Para a CNOP, a
guerra tinha um caráter de libertação dos povos nacionalmente oprimidos pelo
nazismo e de preservação da liberdade contra a ameaça de dominação fascista. O
documento apresentado pela CNOP dizia também que o governo Vargas não era de
tipo fascista, existindo dentro dele reacionários, mas também elementos que
lutavam pela democratização. As resoluções da conferência iriam servir de linha
condutora das posições do PCB no período de 1945-1947.
Também durante a Conferência da Mantiqueira Luís
Carlos Prestes foi eleito secretário-geral do partido, mas, como se encontrava
preso, foi substituído temporariamente pelo operário José Medina e, depois,
pelo ex-deputado classista de 1934 Álvaro Ventura. A conferência revelou, por
outro lado, a ascensão de um novo grupo na direção do PCB, com a promoção de
Diógenes Arruda Câmara, um dos chefes que tinham o maior controle sobre a
máquina partidária. Surgiram, nessa época, ocupando postos de direção, João
Amazonas, José Maria Crispim, Maurício Grabois, Carlos Marighella e Pedro Pomar.
Esse grupo deteria o controle do partido até a segunda metade da década de
1950, enquanto Prestes manteria a posição de secretário-geral até 1980.
A legalidade em 1945-1947
Ao se iniciar o ano de 1945, a rigorosa
censura governamental exercida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)
já não podia conter a onda de protestos que se intensificava contra o Estado
Novo. A 26 de janeiro, o I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado no Rio
de Janeiro, pediu a “completa liberdade de expressão” e exigiu um governo
eleito por “sufrágio universal, direto e secreto”. José Américo de
Almeida, em entrevista ao Correio da Manhã publicada
no dia 22 de fevereiro de 1945, exigiu a realização de eleições e o retorno às
liberdades democráticas. Em 28 de fevereiro, poucos dias após a publicação da
entrevista, Vargas promulgou o Ato Adicional em que, por meio de emenda à
Constituição de 1937, anunciava a realização de eleições para a presidência da
República, a Assembleia Nacional Constituinte, os governos e assembleias
legislativas estaduais. Ainda em fevereiro foi lançada a candidatura de Eduardo
Gomes à presidência da República pelos opositores do regime estadonovista, e em
março foi lançado o nome do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra,
apoiado pelas forças favoráveis a Getúlio Vargas. Em 18 de abril, foi concedida
a anistia a todos os presos políticos, o que devolveu a liberdade a um grande
número de comunistas, entre eles Luís Carlos Prestes. Em 28 de maio, com o
Decreto-Lei nº 7.586, as eleições presidenciais e constituintes foram marcadas
para 2 de dezembro daquele ano.
A orientação política adotada pelo PCB durante esse
período não foi muito diferente daquela predominante durante quase toda a sua
existência. Com exceção de curtos períodos, a formação de frentes únicas
dominou sua linha política, principalmente após o ingresso de Prestes em
suas fileiras. Do mesmo modo, o nacionalismo permeou de forma mais ou
menos acentuada, dependendo do período, toda a sua atuação. A linha política
que prevaleceu nos dois primeiros anos após o conflito mundial foi também
ditada pela União Soviética, que preconizava a convivência pacífica com os
Estados Unidos e demais países capitalistas.
Assim é que, para o PCB, em 1945, as contradições
fundamentais que existiam na sociedade brasileira não eram de caráter
econômico, e sim político. As contradições que se localizavam no núcleo do
sistema capitalista vinham de passar pela sua forma política mais extrema, a
guerra mundial. Nesse período, os comunistas brasileiros também sofreram
influência das ideias do norte-americano Earl Browder, que considerava que
lutar pela democracia deveria ser o objetivo principal capaz de unir todas as
forças políticas. Earl Browder defendia a colaboração de classes e o caminho
pacífico para o socialismo, a tal ponto que dissolveu o PC norte-americano ao
fim da guerra.
Prestes afirmava que a única alternativa para o
Brasil naquele momento era lutar pela democracia dentro do regime capitalista,
pois não existiam condições objetivas para uma revolução socialista. A
participação do capital estrangeiro no desenvolvimento dos países mais
atrasados era vista como um fator de progresso e prosperidade. De acordo com a
posição da União Soviética, a derrota do nazismo havia “quebrado os dentes do
imperialismo”. Prestes atribuía ao Parlamento democrático a competência para
legislar contra o capital estrangeiro mais reacionário e contra os contratos
lesivos ao interesse nacional.
As palavras de ordem do PCB nessa fase eram união
nacional, paz e tranquilidade para acabar com os resquícios do fascismo e tirar
o povo da miséria. A união do proletariado com a burguesia progressista era
fundamental para a realização desses objetivos. A reforma agrária era entendida
como uma revolução técnica, pois naquela fase do desenvolvimento brasileiro não
era possível a luta pela coletivização da terra. Naquele momento, dever-se-ia
empreender a luta contra o feudalismo e distribuir aos camponeses as terras que
se localizavam próximo dos grandes centros. Quanto à política sindical, o PCB
defendia a liberdade de organização, eleições livres das diretorias, posse dos
eleitos independentemente da homologação oficial, estatutos não padronizados e
simplificação da contabilidade sindical. Essas reivindicações, segundo os
comunistas, não implicavam uma luta contra o Ministério do Trabalho.
Em abril de 1945, o PCB criou o Movimento
Unificador dos Trabalhadores (MUT), organização de âmbito nacional que
pretendia fazer frente à organização corporativista oficial. Fundado sob a
liderança de João Amazonas, com a participação de trezentos dirigentes
sindicais oriundos de 13 estados, o movimento visava a agrupar e coordenar os
diversos dirigentes e estimular a sindicalização em geral, tendo em vista o
fortalecimento da unidade operária. No Congresso Sindical dos Trabalhadores do
Brasil, realizado em setembro de 1946, os comunistas substituiriam o MUT pela
Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil. Estas foram as medidas práticas
tomadas para enfrentar a política sindical do Ministério do Trabalho. Por outro
lado, o PCB nessa fase mostrou-se contrário às greves, para não prejudicar o
projeto mais amplo de união nacional. As greves só deveriam ser aceitas, de
acordo com Prestes, após terem sido esgotados todos os meios pacíficos de
negociação, e quando os empregadores se mostrassem intransigentes diante das
reivindicações mínimas dos trabalhadores.
O movimento estudantil conheceu também, nessa fase,
uma grande influência do PCB. A luta pela entrada do Brasil na guerra ao lado
dos países Aliados, liderada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), já
tivera uma grande participação dos comunistas. Sob a bandeira do antifascismo,
o PCB reuniu grande parte da juventude universitária, passando assim a exercer
o controle sobre a UNE e as demais entidades estudantis.
Ainda em maio de 1945, surgiram as primeiras
manifestações do movimento “queremista”, cujo lema era “Queremos Getúlio” ou
“Constituinte com Getúlio”, e cujo objetivo era manter Vargas no poder, com a
realização das eleições para a Constituinte e o adiamento das eleições
presidenciais, ou, no caso de ser mantida a data do pleito, com o lançamento da
candidatura de Vargas. Os comunistas, com sua linha política de união nacional,
apoiaram Vargas até sua queda, defendendo inclusive o adiamento das eleições
para a presidência. O movimento militar que derrubou Vargas em 29 de outubro de
1945 não contou com o apoio do PCB, mas o partido apoiou em seguida o governo
de José Linhares e manteve-se em sua política de conciliação.
Nos termos do decreto-lei de maio de 1945, em
setembro o PCB requereu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o seu
registro, que lhe foi concedido provisoriamente por decisão de 27 de outubro, e
definitivamente por decisão de 10 de novembro. Desse modo, o partido voltava a
atuar na legalidade, após 18 anos de atuação clandestina. Essa nova condição
atraiu para suas fileiras um grande número de escritores, jornalistas e
professores universitários. Entretanto, nenhum deles atingiu postos de direção,
sendo-lhes atribuídas apenas tarefas secundárias dentro do partido. Muitos
iriam concorrer na legenda do PCB às eleições de 1945 e 1947, como os
escritores Jorge Amado, Graciliano Ramos e Álvaro Moreira, o historiador Caio
Prado Júnior, o pintor Cândido Portinari, o físico Mário Schemberg e o
jornalista Aparício Torelli.
Decidido a apresentar candidato próprio à
presidência da República, o partido lançou a candidatura de Iedo Fiúza, que
fora prefeito da cidade de Petrópolis (RJ) e não era filiado a seus quadros,
corroborando assim a tese da união nacional. Fiúza obteve, nas eleições de
2 de dezembro, 569 mil votos, ou seja, 10% do total, contra 55% do
candidato apoiado por Vargas, o general Eurico Dutra, e 35% do candidato da
oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes. Essa candidatura própria repercutiu mal
dentro do partido, pois havia um grupo que era favorável a Eduardo Gomes.
Prestes chegou a discutir com Gomes o apoio à sua candidatura, mas no final não
houve um bom entendimento. Como consequência do apoio a Fiúza, Silo Meireles,
amigo de longa data de Prestes, com quem fundara a LAR e trabalhara na ANL,
além de participar da Revolta Comunista de 1935 no Nordeste, abandonou o
partido e apoiou Eduardo Gomes.
A opção política de aliança com Vargas mostrou-se
afinal produtiva, se se levar em consideração que o PCB entrou no Estado Novo
totalmente desorganizado, esfacelado e com muito pouca penetração no movimento
operário. Nas eleições para a Constituinte, o partido conseguiu o apoio de 9,7%
do eleitorado e elegeu 14 deputados e um senador, Luís Carlos Prestes. O mais
votado no então Distrito Federal, Prestes obteve 157.397 votos num total de 496
mil. Os deputados eleitos foram: por Pernambuco, Gregório Lourenço Bezerra, Alcedo
de Morais Coutinho e Agostinho Dias de Oliveira; pela Bahia, Carlos Marighella;
pelo Rio de Janeiro, Claudino José da Silva e Alcides Rodrigues Sabença; pelo
Distrito Federal, Joaquim Batista Neto, João Amazonas de Sousa Pedroso e
Maurício Grabois; por São Paulo, José Maria Crispim, Osvaldo Pacheco da Silva,
Jorge Amado e Mário Scott; e pelo Rio Grande do Sul, Abílio Fernandes.
A bancada comunista na Constituinte, cujos
trabalhos se iniciaram em fevereiro de 1946, se distribuiu pelos órgãos
técnicos, nos quais teve atuação destacada. Atuou, por exemplo, na Comissão de
Investigação Econômica e Social, na qual o deputado Alcedo Coutinho foi relator
de um projeto sobre o problema sanitário do Brasil. Esse estudo teve grande
repercussão na imprensa, sendo considerado um dos mais completos até então
realizados sobre o assunto por jornais como O Globo e O
Radical. Outro assunto que contou com a participação da bancada
comunista foi a questão da distribuição de rendas aos municípios. Também a
educação recebeu estudos e contribuições, principalmente do escritor Jorge
Amado.
Durante seu período de atuação legal, o PCB dispôs
de uma vasta rede de órgãos de divulgação, entre jornais, revistas, editoras e
entidades culturais. Em 1946, o partido possuía oito jornais diários, alguns
semanários e duas editoras. A Editorial Vitória tornou-se a editora oficial do
partido em 1946, embora se tivesse lançado no mercado ainda durante o Estado
Novo, em 1944. Desde 1945, havia sido fundada também a Edições Horizonte e
haviam começado a surgir novos jornais diários: a Tribuna Popular (maio
de 1945) no Rio de Janeiro, seguida deHoje, de São Paulo, Momento, da
Bahia, Folha do Povo, de Recife, Estado de
Goiás, de Uberlândia (MG), O Democrata, de
Fortaleza, e a Tribuna Gaúcha, de Porto Alegre. Como
órgão oficial máximo do partido, reapareceu A Classe Operária.
A fase de atuação legal propiciou um aumento rápido
no número de inscritos no partido. A adesão ao PCB estava ligada, em parte, ao
prestígio de Luís Carlos Prestes, e em parte, ao prestígio da URSS, que tivera
um papel fundamental na derrubada do nazifascismo. Segundo algumas estimativas,
o PCB, no início da fase de redemocratização, em 1945, contava entre dois e
cinco mil membros, e em 1946, de acordo com Leôncio Basbaum, atingiu 180 mil
membros inscritos.
Entretanto, o PCB sofria restrições, mesmo
defendendo uma política de união nacional. Já na ocasião em que encaminhara seu
pedido de registro em 1945, haviam sido levantadas dúvidas quanto ao caráter
democrático de seu programa. Nessa ocasião, os comunistas convenceram os
magistrados do TSE de que seu programa visava a modificações na sociedade
brasileira, mas dentro do sistema capitalista, longe de qualquer tipo de
ditadura.
Em março de 1946, surgiu a primeira denúncia contra
o PCB, quando Prestes, respondendo a uma pergunta de jornalistas do Jornal
do Comércio e da Tribuna Popular, sobre de que lado
ficaria no caso de uma guerra entre o Brasil e a União Soviética, declarou que,
no caso de uma guerra imperialista, apoiaria a União Soviética. No dia 23 de
março, o advogado Honorato Himalaia Virgulino, que fora procurador do Tribunal
de Segurança Nacional em 1935 e denunciara os líderes da Revolta Comunista,
encaminhou ao TSE um pedido de cancelamento do registro do PCB, tendo em vista
as declarações de Prestes.
Na sessão de 26 de março de 1946 da Assembleia
Nacional Constituinte, a questão voltou a ser colocada por diversos
parlamentares a Prestes, que não declarou explicitamente que ficaria ao lado do
Brasil. Pouco tempo depois foi apresentada denúncia contra o PCB, pelo deputado
do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Edmundo Barreto Pinto. A denúncia se
baseava no fato de ser o PCB um partido internacional comandado por Moscou,
insuflador da luta de classes, antidemocrático e que apoiaria a União Soviética
no caso de uma guerra entre esta e o Brasil. As denúncias foram encaminhadas ao
TSE, que mandou ouvir o PCB. Apresentada sua defesa e ouvido o Ministério
Público, o procurador-geral da República, Temístocles Brandão Cavalcanti, mandou
arquivar o processo. Entretanto, no plenário do TSE, por três votos contra
dois, o processo não foi arquivado e foi ordenada a instauração de sindicância.
Paralelamente, em 8 de julho de 1946, foi instalada
a III Conferência Nacional do PCB. As posições assumidas reafirmaram a defesa
das conquistas democráticas de 1945 e o apoio aos atos democráticos do governo.
Defendeu-se a luta contra os resquícios de fascismo ainda existentes no
governo, a busca da união nacional, o aumento dos salários e a revogação de
leis antidemocráticas. Na luta pela união nacional, foi recomendado que os
comunistas desenvolvessem esforços pela paz, por uma atitude democrática do
Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), pelo rompimento com o governo
espanhol dirigido por Francisco Franco, pela aproximação com a URSS e as nações
democráticas e contra as guerras imperialistas. Durante a conferência, Luís
Carlos Prestes mostrou a necessidade de organização e mobilização das massas
para garantir os objetivos propostos. Seria importante, a seu ver, transformar
os débeis sindicatos em organizações livres e soberanas, ampliar a
sindicalização em massa e lutar pela liberdade e a unidade sindical. Prestes referiu-se
também à situação das massas rurais, afirmando que era necessário dar aos
camponeses a posse da terra, melhores condições de trabalho e melhores
contratos de arrendamento.
Ainda durante a III Conferência Nacional do PCB,
foi ampliada a direção nacional do partido. Como membros efetivos do CC foram
eleitos Luís Carlos Prestes, Diógenes Arruda Câmara, Pedro Pomar, Jorge
Herlein, Agostinho Dias Oliveira, João Amazonas, Maurício Grabois, Francisco
Gomes, Lindolfo Hill, Domingos Marques, José Francisco de Oliveira, Celso
Cabral, Mílton Caires de Brito, Carlos Marighella, Amarílio Vasconcelos, José
Maria Crispim, Lourival Vilar, Pedro de Carvalho Braga, Sérgio Holmos, Mautílio
Muraro, Giocondo Alves Dias, José Martins, João Massena, Davi Capistrano, Estocel
de Morais, João Sanches Segura e Mousa Walchencker. Como suplentes foram
eleitos Fernando Lacerda, Armênio Guedes, Abílio Fernandes, Claudino José da
Silva, Álvaro Ventura, Manuel Jover Teles, Carlos Cavalcanti, Clóvis de
Oliveira Neto, Hermes Caires, Astrojildo Pereira, Osvaldo Pacheco, Orestes
Timbaúva, Valkírio de Freitas e José Marinho Vasconcelos. Como tesoureiro foi
indicado Mílton Caires de Brito, que foi substituído em dezembro de 1946 por
Otávio Brandão. A comissão executiva passou a ser integrada por Luís Carlos
Prestes, Diógenes de Arruda Câmara, Jorge Herlein (que deixou o cargo em
dezembro de 1946), Pedro Pomar, João Amazonas, Francisco Gomes, Agostinho Dias
de Oliveira, Maurício Grabois e Mílton Caires de Brito. O secretariado nacional
ficou assim constituído: secretário-geral, Luís Carlos Prestes; secretário de
organização, Diógenes de Arruda Câmara; secretário sindical, Jorge Herlein; e
secretário de agitação e propaganda, Pedro Pomar.
Em setembro de 1946, mês em que foi promulgada a
Constituição, foi também encerrada a sindicância sobre o PCB, aparecendo no
relatório do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do antigo Distrito Federal a
afirmação de que haviam sido encontrados dois estatutos do partido: o que
estava registrado oficialmente e outro intitulado “Projeto de reforma”. Nesse
momento, já se encontrava à frente do processo o subprocurador-geral da
República, Alceu Barbedo, pois o procurador Temístocles Cavalcanti se
considerou impedido, já que fora derrotado no seu pedido de arquivamento do
processo.
Nas eleições suplementares de janeiro de 1947, Abel
Chermont foi eleito suplente de Prestes no Senado Federal. Pedro Pomar e
Diógenes Arruda Câmara foram eleitos deputados federais por São Paulo na
legenda do Partido Social Progressista (PSP), e Roberto Morena foi eleito
deputado federal pelo Distrito Federal na legenda do Partido Rural Trabalhista
(PRT). O PCB elegeu 18 vereadores no Distrito Federal, num total de 50 —
tornando-se com isso o partido majoritário na Câmara — e 46 deputados nas
assembleias legislativas estaduais. Seu eleitorado concentrava-se nas zonas
urbanas do Distrito Federal e dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São
Paulo.
Em reunião do dia 7 de maio de 1947, o TSE julgou
procedentes as acusações contra o PCB por três votos contra dois, cancelando
assim o seu registro. Alceu Barbedo argumentou que, além da irregularidade dos
estatutos, o PCB era um partido estrangeiro, apresentando como prova o seu
nome: não era um Partido Comunista Brasileiro e sim um Partido Comunista do
Brasil. Em 10 de maio, o ministro da Justiça, Benedito Costa Neto, determinou o
encerramento das atividades do PCB. Desencadeou-se então a repressão sobre os
núcleos comunistas. A polícia do Rio de Janeiro fechou cerca de seiscentas
células do partido. Em São Paulo, foram fechados em torno de 360 células, 22
núcleos distritais e 102 comitês. Em Porto Alegre, 123 células tiveram
suas atividades encerradas pela polícia.
Também por essa época começou a se alterar o quadro
internacional. Os Estados Unidos foram abandonando gradativamente a política
desenvolvida por Franklin Roosevelt, de cooperação com a União Soviética,
alegando como justificativas para essa mudança o avanço soviético na Europa
central, o que para os países ocidentais significava uma ameaça militar, e
também o papel que desempenhava a União Soviética, de incentivadora de
revoluções. Foi então formulada a doutrina da contenção do avanço soviético.
Por outro lado, os Estados Unidos começaram a promover programas de ajuda
econômica e militar aos governos ameaçados por revoluções socialistas. O Plano
Marshall, por exemplo, teve essa finalidade.
A União Soviética, por seu lado, se apressava em
apoiar e proteger as revoluções socialistas vitoriosas, o que vinha confirmar
as suspeitas de que incentivava a revolução mundial. A Europa oriental foi
considerada sua área de influência, e os soviéticos passaram a exercer um
controle rígido sobre a região, impedindo qualquer tipo de ajuda dos países
ocidentais.
Em 1947, foi organizado o Bureau de Informação dos
Partidos Comunistas (Kominform), organismo que veio a ter funções semelhantes
às da antiga Internacional Comunista, atuando como uma espécie de centro
dirigente do movimento comunista internacional. O informe de Andrei Jdanov
apresentado em setembro de 1947, quando da instalação do Kominform, acusava os
Estados Unidos de desenvolverem uma política expansionista, imperialista e
antidemocrática. Afirmava que o capitalismo se encontrava à beira de uma crise
econômica, o que levaria os Estados Unidos inevitavelmente a uma guerra.
Caberia às forças democráticas se unirem em todo o mundo para lutar pela paz,
pela independência e pela soberania nacional.
Na verdade, a luta entre os dois sistemas,
capitalismo e socialismo, determinava uma verdadeira guerra de propaganda
ideológica de parte a parte, e uma corrida armamentista. A luta entre os dois
sistemas políticos exigia que as demais nações do mundo se alinhassem de um ou
de outro lado, o que permitiria a ampliação da área de influência dos países
hegemônicos, Estados Unidos e União Soviética. Esse período histórico, que se
iniciou em torno de 1947 e que iria até a década de 1960, foi chamado de
“guerra fria”.
À medida que se dava a mudança da política de
cooperação para a da “guerra fria”, o Brasil se alinhava ao lado dos Estados
Unidos, enquanto o PCB se colocava ao lado da União Soviética. Pouco a pouco, o
governo brasileiro foi tomando medidas para cercear a atuação dos comunistas, e
estes, em resposta, foram radicalizando suas posições, inicialmente contra o
capital estrangeiro e o imperialismo, e mais tarde contra o governo Dutra.
Apesar do cancelamento de seu registro, o PCB
conseguiu manter seus órgãos de divulgação, porque uma parte de seus jornais e
revistas não se apresentavam como seus órgãos oficiais. No Rio de Janeiro, aTribuna
Popular foi substituída pela Imprensa Popular, e em São
Paulo, o diário Hoje deu lugar a Notícias de
Hoje. A revista Problemas, que apareceu
em 1947 como órgão teórico do CC, continuou a ser editada.
Ainda em 1947, a bancada comunista na
Câmara, tendo à frente o deputado Carlos Marighella, manteve-se atuante e
apresentou dois projetos referentes à exploração de petróleo. O primeiro, de 7
de junho de 1947, dispunha sobre o regime legal das jazidas, isto é, vinha a
ser um substitutivo para o Código de Minas. Em seu artigo 4º, o projeto dizia
que “o direito de pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais só [poderia] ser
outorgado a brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas, constituídas estas de
sócios ou acionistas brasileiros”.
O segundo projeto, de 25 de julho de 1947, dispunha
sobre a criação do Instituto Nacional do Petróleo, que, segundo a justificativa
apresentada, seria uma autarquia que viria a substituir o Conselho Nacional do
Petróleo, visto que este não tinha condições de atingir seus objetivos. O
instituto teria âmbito de atuação muito maior do que o conselho, e uma de suas
mais importantes atribuições consistiria em promover a constituição de
sociedades de economia mista com pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, que
deteriam 51% das ações e desenvolveriam atividades relacionadas com o
abastecimento nacional do petróleo. O projeto procurava resguardar o controle
acionário das empresas para os nacionais e evitar qualquer participação dos trustes
e monopólios na constituição de seu capital e de sua direção.
Esses dois projetos seriam considerados
mal-formulados mais tarde, pelos próprios comunistas, com uma redação pouco
precisa em algumas passagens permitindo a entrada sub-reptícia de interesses
externos no setor do petróleo. O PCB não aceitou inicialmente a tese do
monopólio estatal do petróleo, defendida pelo general Júlio Caetano Horta
Barbosa, por Artur Bernardes, por Fernando Luís Lobo Carneiro e pela corrente
nacionalista. Os comunistas aceitavam a participação de capitais privados
nacionais.
A 7 de janeiro de 1948, 169 deputados votaram
nominalmente a favor da cassação do mandato dos parlamentares comunistas, e 74
votaram contra. Todos os deputados e vereadores — além do senador Prestes —
eleitos na legenda do PCB perderam seus mandatos, restando apenas dois
comunistas no Congresso, Diógenes Arruda e Pedro Pomar, eleitos em São
Paulo na legenda do PSP.
O Ministério do Trabalho interveio em 143
sindicatos considerados sob controle comunista, e a Confederação dos
Trabalhadores do Brasil (CTB), órgão criado e controlado pelo PCB, foi fechada.
Ainda em janeiro de 1948, o partido lançou um manifesto rompendo com o governo,
com o qual procurara colaborar por meio de sua política de “ordem e tranquilidade”.
O documento denunciava os atos inconstitucionais de Dutra, pedia sua renúncia e
declarava a franca oposição do PCB ao governo.
O Manifesto de agosto de 1950
Ao passar a atuar na ilegalidade, as análises
políticas do PCB sobre a situação interna brasileira passaram a caracterizar o
governo Dutra como “fascista sanguinário”. Na interpretação de Prestes, os
comunistas deveriam preparar a luta revolucionária de massas. A nova
orientação, anunciada no manifesto de janeiro de 1948, foi ratificada em maio
de 1949 em reunião do CC e desenvolvida no Manifesto de
agosto, como ficou conhecido um documento assinado por Prestes
em agosto de 1950.
Nesse manifesto, o PCB defendia o confisco e a
nacionalização de todos os bancos, empresas industriais, de serviços públicos,
de transportes e de energia elétrica, minas, plantações etc. “pertencentes ao
imperialismo”. Propunha o confisco das grandes propriedades latifundiárias, sem
indenização, e a entrega das terras aos camponeses. Propunha-se também defender
os seguintes pontos: 1) um governo democrático e popular; 2) a paz; 3) a
imediata libertação do Brasil do jugo imperialista; 4) a entrega da terra a
quem trabalha; 5) o desenvolvimento independente da economia nacional; 6)
liberdades democráticas para o povo; 7) a imediata melhoria das condições de
vida das massas trabalhadoras; 8) instrução e cultura para o povo; e 9) um
exército popular de libertação nacional.
O novo programa do partido rompia com a política de
união nacional e atribuía ao capital estrangeiro e ao latifúndio o papel de
grandes obstáculos ao desenvolvimento brasileiro. O partido propunha a formação
de uma frente democrática de libertação nacional que deveria levar a luta das
massas até formas “mais altas e vigorosas, inclusive choques violentos com as
forças da reação, e combates parciais que nos levarão à luta vitoriosa pelo
poder e à libertação nacional”.
Nas eleições presidenciais de 1950, os comunistas
foram aconselhados a votar em branco, pois, segundo Prestes, todos os
candidatos eram reacionários. Alguns comunistas se candidataram à Câmara dos
Deputados por outros partidos. Em São Paulo, por exemplo, eles se
apresentaram sob a legenda do Partido Social Trabalhista (PST), na qual Roberto
Morena foi eleito deputado federal.
O governo Vargas, iniciado em janeiro de 1951,
sofreu forte oposição dos comunistas, que o acusavam de ser o principal “agente
do imperialismo”. O PCB atuou em várias campanhas, como o Movimento Nacional
pela Proibição das Armas Atômicas, e, junto com os grupos nacionalistas,
liderou a campanha “O petróleo é nosso”. Participou também da campanha contra o
Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, assinado em 1952, e da campanha contra a
participação do Brasil na Guerra da Coreia, quando promoveu o Congresso
Continental da Paz.
Entretanto, o programa de 1950 acabou por se
distanciar da ação do partido. Assim é que um documento sobre o trabalho
sindical elaborado por Hércules Correia e Roberto Morena, e aprovado pelo CC em
1952, afastou-se bastante do Manifesto de agosto. As greves
de 1953, a participação (aprovada no CC em dezembro de 1953) nas
eleições de outubro de 1954 — quando Antônio Bruzzi de Mendonça foi eleito
deputado federal pelo então Distrito Federal na legenda do PRT —, a campanha
pelo monopólio estatal do petróleo e a decisão de apoiar as candidaturas de
Juscelino Kubitschek e João Goulart nas eleições de outubro de 1955 são
exemplos de uma atuação distante do Manifesto de agosto. As
razões dessa contradição entre o programa e a ação podem estar ligadas ao
momento político em que o programa de 1950 foi lançado, ou seja, dois meses
antes da eleição de Vargas. A política desenvolvida por Vargas durante seu
segundo governo veio a contrariar as análises do PCB, na medida em que lutou
por um desenvolvimento industrial baseado no capital privado nacional e no
Estado, procurou aumentar o poder aquisitivo da classe operária e aboliu o
atestado de ideologia exigido para os dirigentes sindicais.
O Manifesto de agosto, por
outro lado, não teve apoio unânime dentro do PCB e chegou a provocar uma cisão
em 1952. Essa cisão foi determinada por José Maria Crispim, ex-deputado federal
e membro do CC,que discordou da orientação do programa de 1950, considerando-a
“sectária”. Crispim sugeriu que fosse adotada uma política mais voltada para os
trabalhadores, que o partido lutasse pela legalidade e que fosse convocado o IV
Congresso. As críticas de Crispim levaram o CC a expulsá-lo do
partido, sob a acusação de “traição” e “direitismo”. Junto com Crispim,
abandonaram o PCB alguns dirigentes dos escalões intermediários de São Paulo e
militantes do Rio de Janeiro.
Na área sindical, o PCB procurou nesse período
desenvolver um trabalho de penetração nos sindicatos, já que se encontrava
isolado do meio operário. O decreto de 1º de setembro de 1952 do ministro do
Trabalho Danton Coelho, que extinguiu o atestado de ideologia para os
dirigentes sindicais, foi saudado pelos comunistas como uma grande vitória. Com
o decreto, muitos comunistas voltaram a ocupar cargos de direção dentro dos
sindicatos. Durante a Greve dos Trezentos Mil, em São Paulo, da qual
participaram os metalúrgicos, têxteis, vidreiros, gráficos, marceneiros e
outras categorias profissionais, o PCB destacou-se como o condutor do
movimento, sob a liderança de Antônio Chamorro.
A ação do PCB na área estudantil foi muito fraca a
partir de 1949. Durante os primeiros anos da década de 1950, predominou dentro
da UNE e de quase todos os diretórios acadêmicos do Rio de Janeiro e dos outros
estados a orientação anticomunista. Somente em 1956 é que os comunistas
voltariam a ter cargos de direção dentro da UNE.
O IV Congresso
Em janeiro de 1954, foi apresentado um projeto para
reformular os estatutos e o programa do PCB, contendo entre seus pontos a
derrubada do governo Vargas e sua substituição por “um governo de libertação
nacional”. Em 24 de agosto de 1954, enquanto se desenrolava a discussão em
torno do novo programa, ocorreu o suicídio de Vargas. O programa teria que ser
modificado, pois continha um capítulo inteiro sobre o governo então encerrado,
que era acusado de “agente do imperialismo americano”.
O PCB, que no dia 23 de agosto se aliara às forças
que hostilizavam Vargas para derrubá-lo do governo, no dia 25, ao verificar a
reação popular de repúdio aos que haviam levado Vargas ao suicídio, voltou
atrás em suas posições e se colocou ao lado do povo. A manchete da Imprensa
Popular que circulou no dia 24 de agosto dizia: “Abaixo o governo de
traição nacional de Vargas”. Entretanto, diante da reação popular, que queimava
os jornais oposicionistas como O Globo, o partido
mandou recolher nas bancas os números de seus jornais. Em Porto Alegre, o
povo indignado com a posição dos comunistas depredou a sede do jornal Tribuna
Gaúcha, órgão do PCB.
Entre 7 e 11 de novembro de 1954, em São
Paulo, realizou-se o IV Congresso do PCB. Nessa ocasião, foi aprovado o novo
programa do partido, com um maior detalhamento do Manifesto de agosto. O
programa pregava a derrubada do governo Café Filho, por ser “um governo de
latifundiários e grandes capitalistas e instrumento do imperialismo
norte-americano”. Defendia o confisco das terras dos latifundiários e sua
distribuição entre os camponeses sem-terra. Reafirmava o Manifesto de
agosto ao declarar que os obstáculos ao desenvolvimento do país eram o
latifúndio e o imperialismo. A ação política do partido até o fim da década de
1970 iria girar em torno da luta contra esses obstáculos ao desenvolvimento.
O outro ponto importante apresentado no programa de
1954 dizia respeito à “garantia de liberdade de iniciativa para os industriais
e liberdade para o comércio interno. O governo democrático de libertação
nacional não confiscará as empresas e os capitais da burguesia nacional”. O
programa indicava que a indústria nacional devia ser protegida contra a
concorrência de produtos estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Alguns
pontos do programa seriam melhor explicitados em 1960, como, por exemplo, a
formação de uma frente única da qual participariam a burguesia industrial
nacional e o proletariado. A frente única significava para os comunistas a
tática adequada para eliminar os obstáculos ao desenvolvimento industrial,
representados pelo latifúndio e pelo imperialismo. Esse desenvolvimento seria
conduzido pelo PCB por meio de um “Estado democrático popular cuja fórmula
política seria uma república democrática popular”. A partir do lançamento do
programa, uma das bandeiras do PCB seria o nacionalismo, o que permitiria
estabelecer alianças com outros grupos políticos atuantes principalmente na
década de 1960.
Nas eleições de 1955 para a presidência da
República, o partido decidiu manifestar-se sobre os candidatos, embora o
programa saído do IV Congresso combatesse o apoio a qualquer candidatura e
defendesse mais uma vez a tese do voto em branco. Segundo Leôncio Basbaum,
o PCB se teria inclinado inicialmente pelo candidato do PSP, Ademar de Barros,
que teria prometido cinco milhões de cruzeiros ao partido em troca de votos.
Esse apoio não se concretizou, porque as bases se manifestaram contra a
candidatura. Como não podia apoiar o candidato da União Democrática Nacional
(UDN), Juarez Távora, que era identificado como o representante do imperialismo
e do latifúndio, nem Plínio Salgado, candidato integralista lançado pelo
Partido de Representação Popular (PRP), o PCB decidiu-se pela candidatura de
Juscelino Kubitschek, candidato do Partido Social Democrático (PSD) e do PTB. O
apoio a essa candidatura também estava relacionado ao fato de que Kubitschek
baseou sua campanha na luta que iria travar, se eleito, pela democracia, pelas
liberdades e pelo desenvolvimento do país, o que para os comunistas poderia
significar um grande avanço no combate ao imperialismo.
Eleito e empossado Kubitschek, o governo acionou
uma política de desenvolvimento econômico baseada no estímulo aos investimentos
do capital privado nacional e estrangeiro, e também no investimento estatal.
Foi durante esse período de governo que se verificou o aprofundamento das
inversões estrangeiras no parque industrial brasileiro. Kubitschek defendia o
desenvolvimento econômico como um dos meios para evitar a penetração de ideias
contrárias ao capitalismo e à democracia, ou seja, ideias defendidas pelos
comunistas. Durante seu governo, o país gozou de um regime de franquias
democráticas, passando o PCB a atuar de forma semilegal e a manifestar-se em
muitas ocasiões favorável à política do governo, que era vista como de
tendência nacionalista.
O XX Congresso do PCUS e a cisão de 1957-1958
A discussão sobre as denúncias de “culto à
personalidade” e de crimes políticos de Josef Stalin, apresentadas no XX
Congresso do PCUS em fevereiro de 1956 por meio do relatório de Nikita
Kruschev, só teve início no PCB no final do ano.
O relatório de Kruschev foi publicado inicialmente
no jornal O Estado de S. Paulo, e a direção do PCB não
abriu a discussão interna sobre o assunto, o que fez com que muitos militantes
e mesmo dirigentes se recusassem a acreditar na veracidade do documento. Muitos
atribuíram as denúncias a uma invenção da Central Intelligence Agency (CIA).
Entretanto, Diógenes Arruda, que participara do XX Congresso como representante
do Brasil, e que antes de retornar ao Brasil viajara para a China, chegou em
agosto de 1956 confirmando a autenticidade do relatório. Ainda assim, dentro do
CC não havia acordo quanto à abertura da discussão. Quando o debate foi aberto,
outros problemas foram levantados, relacionados à forma como o “núcleo
dirigente” conduzia o PCB.
Em reunião realizada em outubro de 1956, o CC
aprovou um documento intitulado “Projeto de resolução do comitê central do PCB
sobre os ensinamentos do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética,
o culto da personalidade e suas consequências, a atividade e as tarefas do
Partido Comunista do Brasil”, que estabelecia o direito do militante de
apresentar suas divergências quanto à orientação dada ao partido por seus
dirigentes. Os debates, entretanto, se iniciaram antes da divulgação desse
documento, através dos jornais Voz Operária e Imprensa
Popular, por iniciativa do grupo denominado “Sinédrio” — que
reunia secretamente intelectuais e jornalistas que trabalhavam na imprensa do
PCB. Esse grupo era integrado por Osvaldo Peralva, Leôncio Basbaum, Otávio
Brandão, Armando Lopes da Cunha (ex-secretário do semanário Democracia
Popular e membro da comissão de propaganda do CC), Áidano
do Couto Ferraz (escritor, diretor da Voz Operária e
ex-diretor da Tribuna Popular), Carlos Duarte (ex-diretor da Imprensa
Popular), Demóstenes Lobo (antigo dirigente da União da Juventude
Comunista), Ernesto Luís Maia (jornalista da Voz Operária), Horácio
Macedo (secretário de Emancipação), Vítor Konder
(diretor de Problemas) e Zacarias de Sá
Carvalho (diretor de Democracia Popular).
O artigo que provocou o debate foi assinado por
João Batista de Lima e Silva, jornalista de Sergipe e ex-redator da Voz
Operária e da Imprensa Popular. Foi
publicado nesses dois jornais no dia 6 de outubro e se intitulava “Não se pode
calar uma discussão que está em todas as cabeças”. Os jornais Voz
Operária eImprensa Popular passaram a publicar cartas dos
leitores que se pronunciavam sobre as denúncias feitas no XX Congresso, sobre a
invasão da Hungria e a vinculação do PCB ao PCUS.
Diante disso, em novembro de 1956 o CC traçou
normas para que o debate continuasse, considerando, por exemplo, inadmissível qualquer
crítica ao centralismo democrático e a outros princípios do marxismo-leninismo.
Na verdade, duas posições se manifestaram: de um lado, a do “grupo dirigente”,
ou “fechadista”, ou “stalinista”, composto por Prestes, Arruda, Amazonas,
Grabois, Pomar e Marighella, favorável a uma discussão limitada ao interior do
partido, e, de outro lado, a do grupo “abridista”, ou “renovador”, liderado por
Agildo Barata, tesoureiro do CC, e integrado por André Vítor, Áidano do Couto
Ferraz, Osvaldo Peralva e outros jornalistas e intelectuais que defendiam um
amplo debate aberto ao público.
A 28 de fevereiro de 1957 Áidano do Couto Ferraz
foi afastado da Voz Operária e, dos 32 jornalistas
da imprensa comunista, 27 deixaram seus postos. Em 13 de abril, Agildo Barata
assinou o documento intitulado “Pela renovação e o fortalecimento do partido”,
trabalho coletivo em que era apresentada a posição do grupo que defendia a
democratização interna, a independência frente ao PCUS e a busca de um caminho
brasileiro para o socialismo, baseado em uma política de massas e em um governo
nacionalista, democrático e progressista. Ainda no mês de abril, em uma
resolução denominada “Sobre a unidade do partido”, o CC decidiu o encerramento
dos debates no mês de maio. Vencera assim o “grupo dirigente”.
Em maio de 1957, ocorreu o rompimento do grupo
“abridista” com o partido, mas somente em reunião de agosto do mesmo ano é que
Agildo Barata, líder do grupo, foi expulso por atividades antipartidárias. O
grupo fundou imediatamente a Corrente Renovadora do Marxismo Brasileiro, que
teve vida efêmera. Editou também o jornal O Nacional, que
saiu durante dois anos, com uma linha política de defesa do nacionalismo
econômico e da formação de uma frente ampla que integrasse os nacionalistas
marxistas e não marxistas.
A saída do grupo liderado por Agildo Barata não
encerrou a questão. Novas dissensões surgiram. A luta travou-se principalmente
em torno do afastamento de Diógenes Arruda. Este, em julho de 1957,
no jornalImprensa Popular, fez sua autocrítica em artigo
denominado “Renovar o partido e derrotar o antipartido”. Logo em seguida, em
agosto, o CC, então constituído de 30 membros, reuniu-se e decidiu afastar da
comissão executiva Diógenes Arruda, João Amazonas e Maurício Grabois,
considerados identificados com a linha stalinista. Os três foram substituídos
por Giocondo Dias, antigo cabo do Exército, Mário Alves, formado em ciências
sociais, e Carlos Marighella, ex-estudante de engenharia. Este último, embora
fosse identificado com o grupo stalinista, passou a ocupar o lugar de segundo
homem mais importante do partido depois de Prestes. A comissão executiva passou
a ser integrada ainda por Ramiro Luchesi, ferroviário de São Paulo, Sérgio
Holmos, pedreiro do Rio Grande do Sul, Jover Teles, operário gaúcho, e Calil
Chade, de São Paulo. Prestes continuou como secretário-geral, embora fosse
identificado por muitos membros do partido como stalinista em sua forma de
conduzir a organização.
Ainda dentro dessa conjuntura, Jacó Gorender,
Armênio Guedes (baiano, formado em direito) e Alberto Passos Guimarães, embora
não pertencessem à direção, passaram a desempenhar um papel importante na
formulação do esboço da Declaração política, documento
apresentado em março de 1958 e que representou o rompimento com o programa do
IV Congresso. Esse documento, ao ser reelaborado, passou a ser denominadoDeclaração
sobre a política do Partido Comunista do Brasil, mas ficou realmente conhecido
comoDeclaração de março. Trazendo uma nova orientação e
interpretação política para a situação brasileira, aDeclaração afirmava
em seu primeiro capítulo — no qual era analisado o processo de desenvolvimento
econômico do Brasil — que o desenvolvimento capitalista nacional não havia
conseguido eliminar as características de subdesenvolvimento do país.
Referia-se em seguida às duas contradições fundamentais que
apresentava o desenvolvimento, a “contradição entre a nação e o imperialismo
norte-americano e seus agentes internos e a contradição entre as forças
produtivas em desenvolvimento e as relações de produção semifeudais na
agricultura”. Havia também “a contradição entre o proletariado e a burguesia,
que não exige, entretanto, uma solução radical na presente etapa.
Por conseguinte, a revolução brasileira não é ainda socialista, mas anti-imperialista
e antifeudal, nacional e democrática”.
Com esse programa, o PCB defendia, como em 1945, o
caminho pacífico da revolução brasileira. Propunha a formação de uma frente
única de todas as forças interessadas na luta contra a política de submissão ao
imperialismo norte-americano. Declarava ainda que, “das formas de frente única,
a mais importante atualmente é o movimento nacionalista”, capaz de integrar
forças heterogêneas, como operários, camponeses, a pequena burguesia urbana e
setores latifundiários que possuíam contradições com o imperialismo
norte-americano. O proletariado se aliaria à burguesia em torno de um objetivo
comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o
imperialismo norte-americano.
Dizia ainda a Declaração que os
comunistas não condicionavam sua participação a uma prévia direção do
movimento. Os comunistas trabalhariam para que as forças anti-imperialistas e
democráticas, principalmente as grandes massas da cidade e do campo, aceitassem
a direção do proletariado. A Declaração apresentava por fim
uma plataforma de frente única que incluía os seguintes pontos: 1) política
exterior independente e de paz, com o estabelecimento de relações amistosas com
todos os países; 2) desenvolvimento progressista e independente da economia
nacional; 3) medidas de reforma agrária em favor das massas camponesas; 4)
elevação do nível de vida do povo; e 5) consolidação e ampliação da legalidade
democrática.
Após a crise deflagrada em 1957, o PCB reestruturou
seus meios de divulgação. Deixaram de circular aImprensa Popular e
a Voz Operária em 1958, e ainda Notícias
de Hoje e Problemas. Foram criados o semanário
nacional Novos Rumos, com uma tiragem média de 60 mil
exemplares, e a revista Estudos Sociais.
O V Congresso
A defesa de uma política nacionalista permitiu ao
PCB ampliar suas bases e atingir setores mais amplos da sociedade. A partir de
1958, o partido começou a considerar de máxima importância sua participação nas
eleições através de coligações eleitorais, a fim de eleger candidatos
comunistas ao Congresso. Por meio das eleições, o PCB poderia, de acordo com
suas análises, aprofundar a polarização entre “nacionalistas” e “entreguistas”,
fortalecer a “frente única” e também firmar sua posição dentro do Parlamento e
junto do governo.
Em 1958, realizar-se-iam eleições para a renovação
do Congresso. O PCB conseguiu inscrever, sob a legenda de vários partidos,
principalmente do PTB, candidatos que se apresentaram como representantes e
defensores das ideias nacionalistas. Prestes, saindo da clandestinidade, deu
uma entrevista ao jornal O Globo, de 16 de setembro de
1958, na qual afirmava que a eleição de uma bancada nacionalista majoritária
poderia levar o governo federal a praticar uma política externa de relações com
todos os povos e uma política interna de defesa da indústria nacional, de
combate à inflação e de reforma agrária. Realizadas as eleições em outubro,
foram eleitos deputados federais Lício Silva Hauer, pelo Distrito Federal, e
Fernando Santana, pela Bahia.
Nesse momento, após a fase de crise e dissidências
que eclodira a partir de 1956 e que havia enfraquecido suas bases, o PCB
tentava se reorganizar. O partido contava nessa época, segundo Prestes, com
cerca de cinco mil militantes. Por outro lado, buscava sair do isolamento em
que se encontrava desde 1947, quando fora impedido de atuar legalmente, e,
principalmente, do isolamento em que se colocara com o Manifesto de
agosto de 1950. O movimento nacionalista servia assim como meio de
captar a adesão de setores da população que normalmente se mostravam hostis à
ideologia comunista. A ação do partido se desenvolveu no sentido de influenciar
e controlar o movimento estudantil, os sindicatos operários e as associações
profissionais.
Também se deve ressaltar que o período iniciado em
1958 correspondeu a uma fase em que já se manifestava o início das tensões
sociais que eclodiriam em 1964. O governo Kubitschek, que fizera avançar
grandemente a diversificação da estrutura industrial, mostrava-se incapaz de
encaminhar soluções para os problemas que o próprio desenvolvimento colocava.
Os altos índices de crescimento obtidos eram acompanhados de desequilíbrios no
balanço de pagamentos e de um acentuado processo inflacionário. Outro foco de
tensão que começou a se manifestar vinha do setor agrário, negligenciado pelo
programa econômico de Kubitschek. As tensões no campo iriam dar origem à
organização das Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião. As
reivindicações eram no sentido de uma melhor distribuição de terras, da extensão
de previdência social aos trabalhadores rurais, do aumento de salários etc.
Os primeiros sinais da crise social, política e
econômica que o processo de desenvolvimento desencadeara levaram os setores
dominantes da sociedade a temer a perda do controle que mantinham sobre as
massas, a buscar reforçar as alianças que os uniam e a se organizar para
impedir o avanço dos grupos que lideravam o processo reivindicatório de
ampliação da participação política.
O V Congresso do PCB, reunido em agosto de 1960 no
auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, com total
liberdade, realizou-se dentro dessa conjuntura. Nele foram mais bem
explicitados muitos pontos que haviam sido tratados de forma superficial
na Declaração de março e foi defendida a tese da coexistência
pacífica, levantada no XXI Congresso do PCUS, realizado em 5 de fevereiro de
1959.
Assim, o V Congresso considerou que o Brasil tinha
seu desenvolvimento entravado pela exploração do capital imperialista
internacional e pelo monopólio da propriedade da terra nas mãos da classe dos
latifundiários. As tarefas fundamentais que se colocavam diante do povo
brasileiro eram a conquista da emancipação do país do domínio imperialista e a
eliminação da estrutura agrária atrasada, assim como o estabelecimento de
amplas liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas
populares. Os interesses da burguesia nacional se chocavam com o capital
monopolista estrangeiro, que representava um obstáculo à expansão dos seus negócios.
Para enfrentar o imperialismo, a burguesia, segundo os comunistas, necessitava
do apoio do proletariado.
A pequena burguesia seria, segundo o programa do
congresso, uma força revolucionária, favorável à luta anti-imperialista e
democrática. Em relação aos camponeses, os comunistas consideravam que em sua
grande maioria eles tinham interesse na transformação da estrutura agrária e na
emancipação econômica do país, constituindo o aliado fundamental do
proletariado na revolução anti-imperialista e antifeudal. O proletariado seria
a classe que encarnava as forças produtivas modernas e a forma de economia mais
avançada, sendo por isso o elemento mais revolucionário da sociedade. A classe
operária deveria aliar-se à burguesia nacional para lutar contra a espoliação
imperialista norte-americana.
Essa etapa do desenvolvimento brasileiro deveria
ser conduzida por um governo nacionalista e democrático, e a luta para realizar
as transformações radicais exigidas pelo desenvolvimento do país e para avançar
a revolução levaria ao poder um governo constituído de forças
anti-imperialistas e antifeudais, no qual o proletariado, como a força
revolucionária mais consequente, deveria ter o papel dirigente. A revolução se
faria por um caminho pacífico.
A visão dos comunistas sobre o Estado brasileiro no
programa do V Congresso era mais elaborada do que a que predominara até então.
O Estado brasileiro representaria “os interesses dos latifundiários, dos
capitalistas associados ao capital monopolista estrangeiro, particularmente o
norte-americano, e da burguesia ligada aos interesses nacionais”. Esse caráter
heterogêneo do Estado determinaria “contradições e compromissos de classe no
seio do próprio Estado”.
Importa assinalar que o programa admitia a atuação
do PCB dentro dos quadros legais do sistema constitucional. Algumas
discordâncias se manifestaram em relação a ele, como as de Jacó Gorender, em
artigo sobre o V Congresso publicado em Estudos Sociais, nº 9,
de outubro de 1960. Gorender enfatizava o papel do proletariado na liderança da
revolução nacional e democrática e o antagonismo que separava a classe operária
da burguesia nacional. Também procurava mostrar que a revolução brasileira não
se faria necessariamente por meios pacíficos, mas provavelmente por meio da
luta armada.
O V Congresso determinou, por outro lado, a ruptura
com o grupo identificado como stalinista. Esse grupo, contrário à Declaração
de março de 1958 e à política soviética de coexistência pacífica,
tinha como principais representantes Diógenes Arruda, João Amazonas, Maurício
Grabois e Pedro Pomar, que haviam liderado os ataques contra a corrente de
Agildo Barata. Durante o congresso, foram afastados do CC, com exceção de
Arruda, que se encontrava no ostracismo, Amazonas, Grabois, Pomar, José Duarte,
Ângelo Arroio, Válter Martins, Calil Chade, Carlos Danielli, Lincoln Oeste e
mais outros três membros, por seus “ataques sistemáticos contra a unidade e a
disciplina do movimento comunista”.
A década de 1960, o PCB e o PCdoB
Os acontecimentos internacionais do fim da década
de 1950 e início da década de 1960, como a Revolução Cubana, as mudanças de
orientação na política externa da União Soviética e o surgimento da China como
uma nova liderança do mundo comunista, aprofundaram as crises, cisões e
mudanças dentro do PCB.
A Revolução Cubana, que em janeiro de 1959 levou
Fidel Castro ao poder e deu início à passagem ao regime socialista, teve
profundas repercussões no Brasil e principalmente entre os jovens comunistas. A
luta política e ideológica que se abriu no interior do PCB no período posterior
a 1964 estaria estreitamente vinculada à Revolução Cubana e aos seus
desdobramentos na América Latina, com núcleos guerrilheiros em vários
países. Essa situação levou desde o início a um questionamento das teses
defendidas a partir de 1956-1957 sobre a possibilidade de transição pacífica ao
socialismo.
A desestalinização progredia lentamente na União
Soviética, e a conjuntura mundial, com uma nova exacerbação da luta entre os
dois grandes blocos, capitalista e comunista, incentivava a corrida
armamentista. A competição entre Estados Unidos e União Soviética chegaria ao
ponto de levar o mundo à beira da guerra atômica, durante a “crise dos mísseis”
de Cuba, em outubro de 1962.
O início da década de 1960 assistiu também à ruptura
entre a União Soviética e a China comunista, precipitada pela recusa de Nikita
Kruschev em fornecer a tecnologia da bomba atômica a Mao Tsé-Tung, e
principalmente pela retirada de todos os técnicos soviéticos que vinham
participando da modernização da economia chinesa. Uma das consequências dessa
crise para o movimento comunista mundial foi a perda da hegemonia que mantinha
a União Soviética na condução e orientação dos partidos comunistas. A partir
desse momento, novos partidos surgiram no mundo sob a égide da China, que
definia uma estratégia política mais agressiva, defendendo a luta armada como o
único caminho para os pa