UNIÃO
DEMOCRÁTICA NACIONAL (UDN)
A União Democrática Nacional, fundada a 7 de abril de 1945
como uma “associação de partidos estaduais e correntes de opinião” contra a
ditadura estadonovista, caracterizou-se essencialmente pela oposição constante
a Getúlio Vargas e ao getulismo. Embora tenha surgido como uma frente, a UDN
organizou-se em partido político nacional, participando de todas as eleições,
majoritárias e proporcionais, até 1965. Seu principal adversário das urnas era
o Partido Social Democrático (PSD), de representação majoritária no Congresso.
Na Câmara dos Deputados a UDN manteve o segundo lugar até 1962, quando perdeu
para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Elegeu governadores, especialmente
no Nordeste, e integrou vários ministérios, inclusive no governo Vargas. Perdeu
três eleições presidenciais consecutivas (1945, 1950 e 1955) e apoiou a
candidatura vitoriosa de Jânio Quadros em 1960 e o movimento político-militar
de 1964.
Contradições
e cisões acompanharam a trajetória udenista. Coexistiram na UDN teses liberais
e autoritárias, progressistas e conservadoras. O partido que vota a favor do
monopólio estatal do petróleo (1953) e contra a cassação dos mandatos dos
parlamentares comunistas (1947) é o mesmo que se opõe à intervenção do Estado
na economia, denuncia a “infiltração comunista” na vida pública e contesta os
resultados quando perde as eleições. O partido ficou marcado pela vinculação
com os militares e as aspirações das camadas médias urbanas, identificando-se,
também extrapartidariamente, com o udenismo. Expressão de mentalidades e
estilos de ver e fazer política, o udenismo caracterizou-se pela defesa do
liberalismo clássico, o apego ao bacharelismo e ao moralismo e o horror aos
vários “populismos”. Em termos de imagem pública a UDN e o udenismo sempre
provocaram polêmicas: o “partido dos cartolas” ou o “partido dos golpistas”,
por um lado; o “partido dos lenços brancos” e o “partido da herança liberal”,
por outro.
O
preâmbulo da plataforma udenista de 1962 advertia que “de nada valem as formas
de governo, se é má a qualidade dos homens que nos governam”. Essa postura
moralista costuma ser apresentada como argumento para justificar a imagem da
UDN como o “partido das classes médias”. A afirmação é correta, no sentido de
que a UDN era o único grande partido que se dirigia diretamente e
explicitamente às classes médias — nos programas, nos discursos, na imprensa,
nos meios militares sobre-tudo através de denúncias de corrupção administrativa
e “proletarização”. Era o partido que se proclamava herdeiro dos movimentos
liberais de classe média na história brasileira. Mas, em termos de interesses
econômicos, a UDN expressava também os interesses dos proprietários de terras e
da indústria aliada ao capital estrangeiro. Pela origem social de seus membros
não havia, igualmente, uma especial identificação do partido com os setores
médios: a UDN tinha, no Congresso, mais proprietários de terra do que o PSD e
este tinha mais funcionários públicos do que aquela.
Três
fases, inter-relacionadas porém distintas na ênfase dada ao “inimigo principal”
da luta política, resumem a história da UDN: 1) a fase da oposição sistemática
a Getúlio Vargas (quanto à política social e à intervenção do Estado na
economia); 2) a fase de denúncias de corrupção administrativa, visando atingir
a aliança governista PSD-PTB e que explica a aproximação com o moralismo
janista, e 3) a fase do anticomunismo radical, que explica a reaproximação com
Ademar de Barros, e que culminaria na participação ativa na deposição de João
Goulart.
Embora
não contasse com a soma de recursos do PSD, a UDN não era propriamente um
partido pobre. Era proprietária de sua sede, um andar inteiro no centro do Rio
de Janeiro, do qual alugava as salas restantes. Os parlamentares contribuíam
com uma porcentagem de seus salários (em 1965 esta contribuição era de seis mil
cruzeiros), um “livro de ouro” recolhia doações e o partido promovia intensas
campanhas financeiras para as eleições presidenciais. O símbolo da UDN era uma
tocha olímpica com as labaredas e o lema “O preço da liberdade é a eterna
vigilância”. Há controvérsias sobre a origem da frase, atribuída, entre outros,
a Burke, Jefferson e Patrick Henry, este último participante da Convenção de
Filadélfia.
Como
os demais partidos a UDN foi extinta pelo Ato Institucional nº 2, de 27 de
outubro de 1965. A grande maioria de seus parlamentares ingressou na Aliança
Renovadora Nacional (Arena), então o partido do governo. Em alguns estados, no
entanto, a antiga UDN continua presente nas disputas eleitorais, contra o
tradicional adversário, ou seja, os remanescentes do PSD.
A
oposição comum ao Estado Novo e a Getúlio Vargas era o único elemento a reunir
os diversos grupos, alguns até antagônicos, que se comporiam no “partido da
redemocratização”, numa conjuntura política marcada pela mudança na cena
política Internacional em favor dos Aliados. Foi, portanto, como um movimento,
uma ampla frente de oposição, que surgiu a UDN, em torno da bandeira das
liberdades democráticas e da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à
presidência da República.
Na época da fundação os seguintes grupos compunham a UDN: a)
as oligarquias destronadas com a Revolução de 1930; b) os antigos aliados de
Getúlio, marginalizados em 1930 ou 1937; c) os que participaram do Estado Novo
e se afastaram antes de 1945; d) os grupos liberais com forte identificação
regional; e) as esquerdas.
Os
membros das oligarquias destronadas a partir de 1930 eram os perremistas
mineiros (membros do antigo Partido Republicano Mineiro — PRM) liderados por
Artur Bernardes, os perrepistas paulistas (membros do antigo Partido
Republicano Paulista — PRP), em torno de Júlio Prestes, os autonomistas
baianos, vinculados a Otávio Mangabeira, e os clãs político-familiares, como os
Konder, em Santa Catarina, os Caiado, em Goiás, os Correia da Costa, em Mato
Grosso, os Néri, no Amazonas, José Augusto e seu grupo no Rio Grande do Norte e
o grupo de Leandro Maciel, em Sergipe. E havia também os grupos mais recentes,
surgidos depois de 1930, como os Távora, no Ceará, os Sampaio e Cleofas, em
Pernambuco, e os representantes da burguesia baiana, como Clemente Mariani,
entre outros.
Os antigos aliados de Getúlio eram os “tenentes” que se sentiram
traídos, como Eduardo Gomes e Isidoro Dias Lopes; os membros da Aliança
Liberal, como os gaúchos fiéis a Antônio Augusto Borges de Medeiros, e os
mineiros, como Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e Virgílio de Melo Franco; o
candidato apoiado por Getúlio às eleições frustradas em 1937, José Américo de
Almeida; os governadores dissidentes ou alijados do poder em 1937, como José
Antônio Flores da Cunha (RS), Carlos de Lima Cavalcanti (PE) e Juraci Magalhães
(BA), e demais políticos como Pedro Aleixo e Odilon Braga.
Os que participaram do Estado Novo eram os que apoiaram e
tiveram cargos públicos durante a ditadura, mas romperam com Getúlio ou com as
forças locais situacionistas antes de 1945. Entre outros, incluíam-se nesse
grupo Osvaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores até 1944, Gabriel
Passos, procurador-geral da República até 1945, Ademar de Barros, interventor
em São Paulo até 1942, Argemiro de Figueiredo, interventor na Paraíba até 1940,
e Ernâni Sátiro, chefe de polícia em João Pessoa até 1940.
Os
liberais nos estados eram os libertadores gaúchos, em torno de Raul Pilla, e os
mineiros inspiradores do Manifesto, como Mílton Campos, os Melo Franco, Olavo
Bilac Pinto, Luís Camilo e José de Magalhães Pinto. Ao grupo paulista
pertenciam os egressos do Partido Constitucionalista ou do Partido Democrático,
que se reuniram na União Democrática Brasileira (UDB) em torno da candidatura
de Armando de Sales Oliveira, professores da Faculdade de Direito, jornalistas
ligados ao O Estado de S. Paulo, membros da aristocracia rural e até
dissidentes do velho PRP. O grupo fluminense incluía intelectuais vinculados à
Associação Brasileira de Escritores e à União dos Trabalhadores Intelectuais,
bem como bacharéis mais conservadores e líderes católicos do Centro Dom Vital.
As esquerdas constituíam uma categoria composta de três
grupos: os políticos e intelectuais de tendências socialistas, que formariam a
Esquerda Democrática, como Hermes Lima, João Mangabeira e o antigo militante da
Aliança Nacional Libertadora (ANL) Domingos Velasco; os comunistas dissidentes
da linha oficial do partido (que pregava a aproximação com Getúlio), como Silo
Meireles e Astrojildo Pereira (este assinou a ata de fundação da UDN), e
estudantes ou recém-egressos do movimento estudantil de tendência socialista,
cuja militância, desde 1942, era especialmente atuante em São Paulo (Faculdade
de Direito do largo de São Francisco), no Rio de Janeiro, em Pernambuco e em
Minas Gerais.
De abril a outubro de 1945 o lenço branco da campanha do
brigadeiro — em homenagem à campanha de Teófilo Otoni, no Império — foi acenado
por todo o país, numa mobilização que reunia dos liberais-conservadores aos
socialistas, passando pelos intelectuais engajados e estudantes. Uma campanha
da classe média para cima, enfim, os setores mais populares, organizados em
sindicatos ou associações afins, permaneceram, em geral, fiéis à política
trabalhista iniciada por Getúlio ou à palavra de ordem dos comunistas.
Ainda
no decorrer de 1945 dissolveu-se a frente ampla. Os antigos membros dos
partidos republicanos estaduais (mineiros, paulistas, pernambucanos e
maranhenses) saíram da UDN para reorganizar o novo Partido Republicano (PR) em
seus estados. Os gaúchos liderados por Raul Pilla formaram o Partido libertador
(PL). Surgiu uma nova frente de apoio ao brigadeiro: as Oposições Coligadas,
UDN-PL-PR. A Esquerda Democrática se transformou em partido autônomo em 1946, o
novo Partido Socialista Brasileiro (PSB). E Ademar de Barros desligou-se da UDN
para organizar o Partido Republicano Progressista (PRP), mais tarde Partido
Social Progressista (PSP). Não abandonou, publicamente, a candidatura do
brigadeiro, mas aproximou-se dos pessedistas e petebistas, preparando sua
ascensão política em São Paulo, onde se elegeria governador em 1947.
Governo Dutra
Nas eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945 Eduardo
Gomes obteve apenas 35% do total de votos, contra 55% do general Eurico Gaspar
Dutra, candidato do PSD. Esta primeira derrota eleitoral da UDN foi decisiva
para a linha política do partido, além de estimular a disposição para
participar dos ministérios no governo. O acordo interpartidário UDN-PSD-PR
contribuiu para um período de relativa calmaria política (e favoreceu o retorno
de Vargas em 1950) mas a querela da adesão dividiu o partido na cisão Otávio
Mangabeira-Virgílio de Melo Franco. Mangabeira defendia a tese da “coalizão
nacional” para neutralizar a máquina getulista. Virgílio insistia na pureza dos
princípios e do ideal de um “partido de centro inclinado para a esquerda”. O
acordo significou, também, a conciliação obrigatória com os governadores
udenistas eleitos em aliança com o PSD, ou dissidências pessedistas (Otávio
Mangabeira, na Bahia, Mílton Campos, em Minas Gerais), ou eleitos só pela UDN
mas estreitamente dependentes do governo federal, como José da Rocha Furtado no
Piauí, Faustino Albuquerque e Sousa no Ceará, Osvaldo Trigueiro na Paraíba e
Jerônimo Coimbra Bueno em Goiás. Mas o acordo não conseguiu consolidar uma
candidatura de “união nacional” para as eleições presidenciais de 1950,
falharam as pretensões de Nereu Ramos (PSD), de Otávio Mangabeira e da “fórmula
mineira”, assim como a do ministro Canrobert Pereira da Costa. A UDN lançou
novamente o brigadeiro e para vice o presidente do partido, Odilon Braga.
Para
a Assembléia Constituinte de 1946 a UDN elegeu 77 deputados (e mais Hermes
Lima, da Esquerda Democrática) e dez senadores, ficando em segundo lugar,
depois do PSD. Os udenistas dividiram-se na votação de questões importantes
como o direito de greve, a autonomia sindical e a liberdade para os
parlamentares comunistas; marcava-se, assim, a distância entre os “liberais
históricos” e os “realistas”. Juraci Magalhães foi o mais veemente partidário
da cassação dos mandatos, destacando-se no extremo oposto a posição liberal de
Afonso Arinos de Melo Franco e José Eduardo Prado Kelly.
Para a campanha de 1950 o brigadeiro contou ainda com o apoio
do PL, mas, como aceitou a adesão dos integralistas de Plínio Salgado, perdeu o
apoio dos socialistas. Apesar de esperada, a nova derrota do brigadeiro
provocou nos udenistas uma frustração mais aguda do que em 1945, o que os levou
a propor a tese da maioria absoluta (o vencedor, Getúlio Vargas, recebera 48%
dos votos) e conspirar contra a posse do eleito, sem êxito.
Governo Vargas
No Congresso a UDN liderou a oposição radical, sobretudo
através da ativa “Banda de Música”, especializada em denúncias de corrupção
administrativa — o que chamavam de “caça aos escândalos”. Em termos de
anticomunismo a UDN reforçou seus vínculos com os militares da Cruzada
Democrática, vitoriosa nas eleições no Clube Militar. Tais vínculos foram
estreitados pela oposição comum à gestão de João Goulart no Ministério do
Trabalho (deposto em 1953). A discussão sobre nacionalismo e estatismo foi das
mais intensas no período, sobretudo pela linha política da UDN em relação ao
Estatuto do Petróleo. O substitutivo do udenista Bilac Pinto, apresentado ao
Congresso em junho de 1952, advogava a “instituição do monopólio do Estado para
a pesquisa, lavra, refinação e transporte do petróleo... e a constituição de
uma empresa estatal para executar o programa”.
A
atuação da UDN foi decisiva para o trágico desfecho da agitada conjuntura de
1954: à pregação golpista de Carlos Lacerda, sucederam-se as denúncias do “mar
de lama” (sobretudo após o atentado a Lacerda, no qual morreu o major Rubens
Vaz, pela guarda do Catete) e o pedido de impeachment encaminhado pelo líder da
bancada Afonso Arinos. Mas o trauma provocado pelo suicídio de seu principal
inimigo causou nos udenistas um sentimento ambíguo de depressão e euforia,
responsável, em parte, por sua nova derrota nas eleições presidenciais de 1955,
quando Juscelino Kubitschek e João Goulart venceram os candidatos da UDN,
general Juarez Távora e Mílton Campos. A escolha desses nomes também não fora
fácil; fora tentada uma fórmula de união nacional, com Etelvino Lins (PSD de
Pernambuco), que não conseguiu reunir o apoio dos dois partidos UDN e PSD — e
menos ainda dos militares.
No governo do vice-presidente empossado João Café Filho a UDN
participou dos ministérios com o PSD: Raul Fernandes, José Monteiro de Castro e
Prado Kelly. Os chefes militares também eram de tendência udenista, do grupo do
“24 de agosto”, como Eduardo Gomes, almirante Amorim do Vale, Canrobert Pereira
da Costa (chefe do EMFA) e Juarez Távora (Casa Militar).
Para
contestar a vitória dos “herdeiros da tradição getulista”, a UDN dividiu-se em
duas frentes: a legalista (novamente a tese da maioria absoluta) e a golpista
(o “estado de exceção”). Mas o chamado contragolpe preventivo do ministro da
Guerra, general Henrique Lott, garantiu a posse dos eleitos e a UDN iniciou
mais um período de oposição ao governo.
Governo Kubitschek
Os
ataques da UDN concentraram-se nas gestões dos ministros da Fazenda e nos
gastos com o Programa de Metas e a construção de Brasília. No Congresso os
udenistas especializaram-se, também, nas táticas obstrucionistas contra os
projetos do governo, visando minar a aliança majoritária PSD-PTB. Data dessa
época a vitória parlamentar sobre a tentativa de se processar o deputado Carlos
Lacerda (maio de 1957). A UDN esteve também envolvida em várias crises
militares, incluindo as rebeliões de oficiais da Aeronáutica — Jacareacanga e
Aragarças —, pois mantinha sua afinidade com os militares hostis ao grupo do 11
de Novembro, então no poder.
Para as eleições de 1958 (11 governadores, renovação de 1/3
do Senado e 362 deputados federais), a UDN defendeu os acordos e as coligações
estaduais. Finda a fase das “derrotas gloriosas”, tratava-se de “crescer para
vencer” (novo lema proposto pelo presidente do partido Juraci Magalhães) e os
udenistas inauguraram, com êxito, a campanha das “Caravanas da Liberdade” e do
“Caminho do Povo”. A UDN superava sua aversão a técnicas consideradas “demagógicas”
ou “populistas”. Elegeu três governadores: Cid Sampaio (PE), Juraci Magalhães
(BA) e Luís Garcia (SE) e venceu, também, no estado do Rio, em aliança com o
petebista Roberto Silveira, no Piauí, com Chagas Rodrigues, e em São Paulo, com
Carvalho Pinto, apoiado por Jânio Quadros. Elegeu 70 deputados federais,
perdendo apenas quatro cadeiras em relação às eleições de 1954. Uma importante
vitória udenista foi a de Afonso Arinos, no Distrito Federal, que derrotou
Lutero Vargas para o Senado.
Para as eleições de 1960 a UDN apoiou Jânio Quadros,
candidato apartidário (e, sob certos aspectos, hostil à UDN) e lançou ainda uma
vez o nome do liberal histórico Mílton Campos para a vice-presidência. Os
lacerdistas e o “movimento renovador”, embrião da futura “Bossa Nova”, foram os
principais defensores da candidatura janista, contra as pretensões de Juraci
Magalhães, que foi derrotado na convenção nacional do partido, embora contasse
com o apoio dos governadores udenistas do Nordeste e o discreto encorajamento
da ala pessedista e do presidente Juscelino.
A
nova campanha da UDN centrava-se nos ataques ao governo Kubitschek (corrupção,
nepotismo, enriquecimentos ilícitos etc. eram as constantes das denúncias) e
principalmente à política econômica: inflação, alta do custo de vida,
desperdício com as obras de Brasília e a futilidade da imagem do “presidente
voador” (o semanário radical e sensacionalista da imprensa carioca Maquis
chegou a publicar manchetes do gênero: “Governo Kubitschek, sindicato de
ladrões”). Acima de tudo, a “vassoura” da campanha janista atraía os setores
populares, tradicionalmente hostis à UDN, e polarizava o descontentamento dos
militares e das camadas médias, através de promessas de “limpeza” na
administração e estabilização na economia.
Apesar
da conotação udenista, contribuiu para a vitória de Jânio a mobilização dos
comitês Jan-Jan (Jânio-Jango), sobretudo em São Paulo e no Paraná. A oposição
udenista elegeu seis governadores (em 11): Carlos Lacerda, na Guanabara,
Magalhães Pinto, em Minas Gerais, Luís Cavalcanti, em Alagoas, Pedro Gondim, na
Paraíba, Aluísio Alves, no Rio Grande do Norte, e Correia da Costa, em Mato
Grosso, além de Nei Braga, do Partido Democrata Cristão (PDC), aliado da UDN,
no Paraná.
Aparentemente,
apesar da vitória getulista do vice João Goulart, a UDN chegara ao poder. Tinha
quatro representantes no ministério e os chefes militares eram de tendência
udenista: o marechal Odílio Denis, que já se afastara da ala nacionalista do
general Lott, foi mantido no Ministério da Guerra; na Marinha ficou o almirante
Sílvio Heck, comandante do Tamandaré no episódio de 11 de novembro de 1955,
donde vinculado aos lacerdistas; para a Aeronáutica foi o brigadeiro Gabriel
Grün Moss, da ala mais brigadeirista da Força Aérea Brasileira (FAB), e para a
chefia do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) foi o general Osvaldo Cordeiro
de Farias.
Pontos
importantes das propostas janistas tinham imediata identificação com o programa
da UDN, quer pela “esquerda”, quer pela “direita”. Para a “esquerda” (grosso
modo a “Bossa Nova” e aliados no grupo dos liberais históricos) Jânio Quadros
acenava com a inauguração da política externa independente (relações com os
países socialistas, reconhecimento de Cuba e dos movimentos de independência
africanos) e defesa da liberdade sindical frente ao Estado. Para a “direita”, a
política econômica preconizada pelo ministro Clemente Mariani voltava-se para a
ortodoxia liberal: política deflacionista com elevação de tarifas de serviços
públicos e congelamento parcial dos salários; reatamento com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), com o qual Kubitschek rompera em 1959; privilegiamento dos
acordos com os Estados Unidos, e a Instrução nº 204 da Superintendência da
Moeda e do Crédito (Sumoc), que instalava a liberdade cambial, correspondendo a
antigas aspirações do setor latifundiário exportador e dos investidores
estrangeiros. Os bacharéis do “centro”, por sua vez, apoiavam a série de
inquéritos sobre corrupção nos governos anteriores — sobretudo na Previdência
Social — o que, na realidade, atingia diretamente a aliança PSD-PTB.
Mas
os curtos sete meses do governo acumulariam crises que, independentemente da
renúncia do presidente, fatalmente levariam ao rompimento da UDN com o seu
candidato. A UDN continuava afastada dos centros decisórios; suas lideranças
não eram consultadas nem tinham acesso aos recursos de poder. A política
externa independente apesar de orientada pelo chanceler udenista Afonso Arinos
— passara a polarizar grande parte da UDN contra os rumos do governo, temerosos
das “simpatias” pelos países do Leste. Carlos Lacerda acirrou a ruptura
denunciando propósitos golpistas e a renúncia de Jânio foi prontamente aceita.
Governo Goulart
O
golpismo redivivo (como no segundo governo Vargas), o antigetulismo e o extremado
anticomunismo corporificaram a oposição da UDN ao mais visível herdeiro de
Getúlio. Superada a crise pela posse legítima do vice-presi-dente, o governo
Goulart representou, para a história udenista, o ponto de ruptura irreversível
entre os progressistas da “Bossa Nova” e os ortodoxos, que acentuavam o temor
da “ameaça comunista” (e a condenação à política externa) reforçando os
vínculos com os militares e com a Ação Democrática Parlamentar. A defesa do
parlamentarismo, embora fosse antiga reivindicação dos programas do partido,
dividiu os udenistas no plebiscito de janeiro de 1963: Pedro Aleixo, Mílton
Campos e Adauto Lúcio Cardoso permaneceram fiéis ao parlamentarismo; favoráveis
ao presidencialismo mantiveram-se Afonso Arinos e os governadores Juraci Magalhães,
Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, estes últimos interessados em suas
candidaturas à sucessão presidencial prevista para 1965 (nessa época já se
esboçava a campanha “Lacerda 65”).
Em
nota oficial “aos brasileiros”, a direção da UDN marcou sua oposição radical a
todos os aspectos da política trabalhista de Goulart, reiterou as denúncias de
“corrupção administrativa, com a conivência de personagens do governo”,
declarou a “ilegitimidade da ação das organizações sindicais, oficiosamente
convocadas para as greves políticas”, e, principalmente, apontou “a cizânia nas
forças armadas, distraídas de sua função precípua de garantir a ordem”.
Nas eleições de outubro de 1962 a UDN conseguiu três dos 11
governos estaduais: Virgílio Távora (CE), Petrônio Portela (PI) e Seixas Dória
(SE) — e mais três em aliança: Lacerda de Aguiar, no Espírito Santo (UDN-PTB),
Ildo Meneghetti, no Rio Grande do Sul (PSD-UDN), e Lomanto Júnior, na Bahia
(UDN-PTB). Em São Paulo, embora a UDN apresentasse candidato próprio (José Bonifácio
Coutinho Nogueira), setores udenistas preferiram apoiar a candidatura — aliás
vitoriosa — de Ademar de Barros, que, segundo Carlos Lacerda, seria “o
candidato ideal contra o janismo, o janguismo e o comunismo”. Vários candidatos
udenistas — para a Câmara e o Senado — receberam ampla ajuda financeira do
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), empenhado em prejudicar
candidaturas apontadas como de “comunistas”.
O divisor de águas entre a “Bossa Nova” e a UDN tradicional
era a orientação das reformas de base, sobretudo a agrária. Em princípio todos
eram a favor, divergindo quanto ao modo de executá-las. Na convenção nacional
do partido em Curitiba (abril de 1963) os lacerdistas derrotaram os
“progressistas” em torno da emenda constitucional (para os lacerdistas a
“Constituição é intocável”). Nessa ocasião o presidente udenista Bilac Pinto
lançou suas teses sobre a “guerra revolucionária”, arcabouço ideológico da
frente de militares e civis para a derrubada de João Goulart e para a futura
Lei de Segurança Nacional.
Governo Castelo Branco
Em
nota oficial logo após a queda de Goulart, a UDN se congratulou com as forças
armadas pela “vitória contra a ameaça da ditadura comunista”, propondo-se a
continuar na “luta contra a inflação e o câncer da corrupção e do empreguismo”.
Nesse sentido a UDN apoiaria todas as “medidas revolucionárias” formalizadas
pelo primeiro Ato Institucional. E, pela primeira vez em sua história, a
direção da UDN exigiu questão fechada na votação em favor do projeto do governo
para alterar a Lei de Remessa de Lucros, antiga questão do partido, fiel à
defesa do livre investimento estrangeiro. O udenista Aliomar Baleeiro defendia
a “política da porta escancarada” para a remessa de lucros. E a Lei das
Inelegibilidades, aprovada pelo Congresso em junho de 1965, como um
“instrumento contra subversivos e corruptos”, atendia tanto aos interesses mais
radicais dos militares, quanto aos eleitorais da UDN. Apesar dos protestos de
Mílton Campos, a maioria da UDN aprovou o “estatuto dos cassados” e a ampliação
da Justiça Militar para julgamento de civis.
A
UDN esteve presente em vários postos do governo Humberto Castelo Branco (que se
dizia “udenista roxo”, admirador de Lacerda e de Adauto Lúcio Cardoso), como a
presidência do Senado, com Daniel Krieger, e a presidência da Câmara (pela
primeira vez na história do partido), com Bilac Pinto. Mílton Campos foi o
primeiro ministro da Justiça (pediria demissão para não assinar o AI-2),
Raimundo de Brito recebeu a pasta da Saúde e Sandra Cavalcanti presidiu o Banco
Nacional da Habitação. No Congresso a atuação da UDN manifestou-se compacta no
“Bloco de Ação Parlamentar” ou “Bloco Parlamentar da Revolução”.
Não perduraria, no entanto, a unanimidade udenista; em breve
Carlos Lacerda faria oposição a Castelo Branco quanto à antecipação da
Constituinte e, sobretudo, quanto à prorrogação dos mandatos, emenda de autoria
dos senadores udenistas Afonso Arinos e João Agripino e vista por Lacerda como
“um instrumento contra sua vitória certa nas eleições de 1965”. Lacerda chegou
a pedir o expurgo do Supremo Tribunal Federal e a continuação do AI-1 “contra o
legalismo de Castelo Branco”. Apesar de tudo, predominou a unidade partidária e
Lacerda foi eleito candidato à sucessão presidencial, na convenção nacional do partido
em São Paulo, em novembro de 1964.
Nesta importante convenção a UDN reafirmou os motivos para a
oposição ao governo Goulart, que teria “facilitado a infiltração comunista em
todos os escalões do governo, e na Petrobras, permitindo a criação de órgãos
sindicais ilegais, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto de
Unidade de Ação (PUA), promovido a convulsão social no campo e concorrido para
solapar a disciplina no seio das forças armadas”.
A extinção dos partidos
O AI-2, de autoria do fundador da UDN Nehemias Gueiros,
apesar da evidência suicida para o partido, correspondia às propostas dos
“realistas” da UDN como Juraci e Magalhães Pinto, para quem a extinção era
inerente ao processo revolucionário. Com a criação do bipartidarismo, PSD e UDN
reuniram-se na Arena. A UDN dos liberais históricos, da linha
“brigadeirista” (Mílton Campos, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Pedro
Aleixo, Afonso Arinos, entre outros), afastou-se gradualmente do governo
militar. Permaneceram os realistas, os “chapas-brancas” (governistas
tradicionais) e parte da “Bossa Nova”. Em 14 anos de bipartidarismo a
presidência da Arena foi ocupada por seis udenistas, contra dois não-udenistas.
Pedro Aleixo, Mílton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Prado Kelly
e Osvaldo Trigueiro foram nomeados ministros do Supremo Tribunal Federal (os
três primeiros renunciaram em protesto pelo AI-2). Em 1966, 1970 e 1974, metade
dos governadores nomeados era de origem udenista; em 1978, dos 22 governadores
“indiretos” 13 eram antigos udenistas ou vinculados à herança do partido,
assim como a metade dos vice-governadores e dos senadores nomeados (os
“biônicos”). Em 1979, ano da distensão do regime, os principais articuladores
da área política eram egressos da “Bossa Nova”: Petrônio Portela e José Sarney,
pela situação, e Magalhães Pinto e José Aparecido, pela oposição.
Membros da comissão executiva do diretório nacional
(1945-1965)
Respectivamente presidente, secretário e subsecretário: 1945
— Otávio Mangabeira (BA), Virgílio de Melo Franco (MG), Paulo Nogueira (SP);
1947 — José Américo (PB), Aliomar Baleeiro (BA), Monteiro de Castro (MG); 1949
— Prado Kelly (RJ), Monteiro de Castro (MG), Rui Santos (BA); 1951 — Odilon
Braga (MG), Rui Santos (BA), Rui Palmeira (AL); 1953 — Artur Santos (PR),
Virgílio Távora (CE), Mário Martins (RJ); 1955 — Mílton Campos (MG), João
Agripino (PB), Evaldo Gomes (ES); 1957 — Juraci Magalhães (BA), Guilherme
Mechado (MG), Raimundo Padilha (RJ); 1959 — Magalhães Pinto (MG), Aluísio Alves
(RN), Ferro Costa (PA); 1961 — Herbert Levy (SP), Ernâni Sátiro (PB), Aroldo de
Carvalho (SC); 1963 — Bilac Pinto (MG), Rui Santos (BA), Gil Veloso (ES); 1965
— Ernâni Sátiro (PB), Oscar Correia (MG), Lourival Batista (SE).
Presença da UDN nosministérios, de 1946 a 1964
Governo Dutra: Clemente Mariani — Educação (7/12/1946 —
15/5/1950); Raul Fernandes — Relações Exteriores (13/12/1946 — 1/2/1951).
Governo Getúlio Vargas: João Cleofas — Agricultura (31/1/1951
— 8/6/1954); José Américo de Almeida — Viação e Obras Públicas (19/6/1953 —
27/8/1954); Vicente Rao (simpatizante udenista) — Relações Exteriores (2/7/1953
— 24/8/1954).
Governo Café Filho: Prado Kelly — Justiça (18/4/1955 —
11/11/1955); Raul Fernandes — Relações Exteriores (27/8/1954 — 12/11/1955).
Governo Jânio Quadros: Clemente Mariani — Fazenda (31/1/1961
— 8/9/1961); Afonso Arinos — Relações Exteriores (1/2/1961 — 25/8/1961); João
Agripino — Minas e Energia (2/2/1961 — 25/8/1961).
Governo Parlamentarista de: João Goulart (Gabinete Tancredo
Neves, Brochado da Rocha, Hermes Lima): Alfredo Nasser — Justiça (13/10/1961 —
26/6/1962); Virgílio Távora — Viação e Obras Públicas (11/9/1961 — 12/7/1962);
Gabriel Passos — Minas e Energia (11/9/1961 — 18/6/1962); Afonso Arinos —
Relações Exteriores (17/7/1962 — 13/9/1962).
Governo Presidencialista de João Goulart: Afonso Arinos —
Relações Exteriores (17/7/1962 — 13/9/1962); Gabriel Passos — Minas e Energia
(23/1/1963 — 18/6/1963).
Os programas política econômica e política social
Pelos estatutos do partido, aprovados oficialmente na
convenção nacional de 1946, “a UDN tem por fim participar da vida política do
país, concorrendo a todas as eleições, sustentando o seu programa — no poder e
fora dele — e lutando: a) pela unidade e segurança do Brasil — contato
independente; b) pelo fortalecimento do regime federativo; c) pela prática do
regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos, na existência e
harmonia das classes sociais e na garantia das liberdades fundamentais; d) pela
moralidade e eficiência da administração pública; e) pela elevação do nível de
vida do povo e pelo progresso material, cultural e cívico do Brasil”.
Além das liberdades formais, constantes no ideário liberal
clássico, e já publicamente reclamadas no Manifesto dos mineiros, o primeiro
programa udenista reivindicava a autonomia e o pluralismo sindical, o direito
de greve, a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e a
instituição de conselhos de gestão nas fábricas. Em termos de políticas governamentais,
registrava uma postura favorável à reforma agrária, “através do fracionamento
das propriedades quando não devidamente aproveitadas” e à orientação da
economia para a ampliação do mercado interno. Propunha a redução de impostos
nas mercadorias de primeira necessidade, com abolição paulatina dos impostos
indiretos, substituídos pelo aumento do imposto de renda. Destacava a
prioridade aos problemas de habitação e alimentação; defendia o ensino público
gratuito e, principalmente, a previdência social (esta se transformaria em
projeto do udenista Aluísio Alves).
Na convenção nacional de 1953 a questão social não foi mais
prioritária, substituída pela ênfase no muralismo e no bacharelismo. O programa
de urgência de 1953 inscreveu como ponto principal da ação política o combate
aos prevaricadores, pela “moralização administrativa e punição dos faltosos” e
em segundo lugar sugeriu a ampla divulgação do texto da Constituição federal em
todos os estabelecimentos de ensino, a partir da escola primária, apresentando
em quinto lugar, apenas, a proposta de “luta pelo barateamento do custo de vida
e amparo ao trabalhador rural”. Não havia mais referências explícitas ao
direito de greve.
O programa oficial aprovado na convenção nacional de 1957
reforçava a visão liberal e privatista, assim como o estímulo ao capital
estrangeiro. A referência à intervenção do Estado era muito mais cautelosa do
que em 1946; vários pontos enfatizavam a “vigilância contra o abuso do poder
estatal”, defendendo, em questões específicas, a autonomia do Banco do Brasil,
a reforma cambial, a redução dos gastos improdutivos e o controle, pelo
Congresso, das emissões de papel-moeda.
O programa de 1957 insistia ainda no aperfeiçoamento da
Petrobras — “que não se confundirá com o xenofobismo dos comunistas” — e na
nacionalização dos materiais radioativos. Defendia a atuação do Ministério do
Trabalho para a “superação da luta de classes através de uma política de
associação do capital e do trabalho, nos moldes do trabalhismo cristão, que
protege o trabalhador ao mesmo tempo dos pelegos e da subversão comunista”.
Afirmava a “função estabilizadora das classes médias”, o papel agregador da
família e da Igreja, assim como defendia o “sistema de mérito” contra o
nepotismo e o “pistolão”. Defendia, igualmente, medidas de proteção e estímulo
às pequenas propriedades, a escala móvel de salários e o crédito profissional.
O programa se referia ainda à “preferência pelos impostos
diretos de incidência progressiva” mas se omitia quanto à diminuição dos
impostos indiretos ou quanto à franquia tributária em relação aos gêneros de
primeira necessidade, como advogava o programa de 1946. Havia também uma
diferença no tocante à educação: o programa de 1946 enfatizava a instrução
obrigatória e gratuita em todos os níveis, sem particularizar o ensino
religioso; o de 1957 dava ênfase à educação somente na escola primária, sem
referência específica à secundária e superior, além de defender,
explicitamente, o ensino religioso.
Em relação à reforma agrária, a UDN não manteve uma posição
constante. Em 1945 o partido apoiou o projeto apresentado pelo presidente
Dutra. Durante o governo Vargas a questão da terra não assumiu a mesma
importância que o debate sobre as questões trabalhistas, o nacionalismo e a
nova orientação da política econômica do Estado. No final do governo Kubitschek
a questão ressurgiu já em termos de conflito, sobretudo devido à atuação das
ligas camponesas. Nos primeiros anos da década de 1960 a reforma agrária se
transformou em tema polarizador e a UDN se opôs à emenda constitucional
proposta para a desapropriação, assim como às modalidades de indenização.
Para a UDN, segundo regra do diretório nacional, “as decisões
sobre a política do partido deveriam resultar de um entendimento entre as
lideranças das bancadas da Câmara e do Senado, acrescido, posteriormente, da
opinião dos membros do diretório nacional”. Tal regra significava, acima de
tudo, que eram as bancadas federais que detinham a maior parcela de poder
decisório dentro do partido. Isso explica a gravidade das cisões na UDN como,
por exemplo, o rompimento da ala carioca, de tendência lacerdista, com a
direção nacional; isso explica, também, o peso da UDN mineira, em geral mais
afinada com a cúpula nacional do partido. Os líderes do Senado e da Câmara tinham
assegurado o direito a voto no diretório nacional; os ex-presidentes da UDN não
somente eram inelegíveis (ao contrário dos do PSD), como perdiam aquele
direito.
A política econômica defendida pela UDN nos programas
oficiais era, geralmente, encampada por parlamentares isolados. Na convenção
nacional de 1959 a bancada paulista era a que mais insistia em moções de ordem
econômico-financeira, e chegou a sugerir a criação de uma comissão de
economistas para elaborar o projeto da carta econômica do partido, com destaque
para a reforma tributária (o que não se concretizou). Na atuação individual dos
udenistas no Congresso destacou-se uma constante: o patrocínio de inúmeros
projetos de lei isentando de impostos e taxas de importação e consumo
equipamento industrial, ou outros bens manufaturados. Importa acentuar o peso
dos interesses regionais (comuns a todos os partidos). Alguns exemplos
individuais se destacam: Aliomar Baleeiro manifestava-se em defesa dos
exportadores de cacau e fumo da Bahia, João Vilasboas defendia os pecuaristas e
agricultores de Mato Grosso, assim como o Plano de Valorização da Amazônia e
dos seringais mato-grossenses, Daniel Krieger defendia os interesses dos
ruralistas e triticultores do Rio Grande do Sul, e João Agripino sempre defendia
os interesses do Nordeste: a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), os produtores de cana-de-açúcar, financiamento para os cotonicultores
da Paraíba e preço mínimo para o algodão.
A apresentação de projetos sobre as grandes questões nacionais
exigia a congregação de várias legendas, mas a iniciativa surgia encampada por
um determinado partido, que a apresentava como integrante de seu programa. Para
a UDN, foi o que ocorreu com o projeto da Petrobras, o da previdência social, o
das diretrizes e bases da educação, o da reforma eleitoral, embora todos,
depois de inúmeras emendas, tenham sido aprovados como produtos de acordos
interpartidários nas diversas comissões especializadas. A identificação da UDN,
no entanto, com determinadas campanhas nacionais — Petrobras, previdência,
reforma eleitoral — assegurava ao partido heterogêneo a unidade e o
reconhecimento como partido político exatamente fora do momento eleitoral.
As várias UDNs
A diversidade de grupos e “estilos” da UDN permite considerar
a existência de várias UDNs, tanto na cena política externa quanto na dinâmica
interna do partido. Destacaram-se assim as UDNs estaduais, dependentes da
problemática do poder local, unidas num pacto nacional; os grupos
interpartidários, formados pela agregação da UDN com partidos menores,
ancilares ou satélites, como o PR, o PL, o PDC e o Movimento Trabalhista
Renovador (MTR); os grupos políticos dentro da UDN que, desde 1945, divergiam
quanto à linha política do partido em questões concretas (como a adesão ao
governo Dutra, ou as reformas de base e a política externa) e também em termos
de “estilo” (os liberais históricos, os realistas, a “Banda de Música”, a
“Bossa Nova”), “para-udenismo”, resultante das afinidades da UDN com setores
militares e de imprensa, extrapolando os limites institucionais do partido e
configurando a “mentalidade udenista”.
A agregação partidária da UDN com o PL e o PDC, com o PR e o
MTR, pode ser entendida como aliança parlamentar e como aliança eleitoral. Como
aliança parlamentar efetiva, formando o bloco da minoria, o agrupamento visava
consolidar uma frente de oposição para neutralizar o bloco PSD-PTB no
Congresso. Nesse sentido a aliança permanente foi com o PL, que participava de
comissões na Câmara defendendo a mesma posição da UDN.
O PDC marcava sua identidade com a UDN no apelo às classes
médias dos centros urbanos, na vocação reformista e antiestatista. O MTR —
dissidência do PTB gaúcho —, pela ênfase nas denúncias de corrupção
administrativa e do “peleguismo” sindical. A “campanha das mãos limpas” de seu
líder Fernando Ferrari e a vassoura janista atingiam os mesmos alvos do
moralismo udenista.
Em termos de eficiência eleitoral essas alianças tiveram
efeitos quase que exclusivamente locais. O PL (gaúcho) e o PR (mineiro) sempre
foram partidos marcados pelo peso local; eram partidos regionais. O PDC tinha
maior expressão em São Paulo. A identificação de atitudes do MTR com a UDN foi
prejudicial, em termos eleitorais, pois a candidatura de Fernando Ferrari para
a vice-presidência, em 1960, contribuiu para dividir os votos de Mílton Campos,
o que decidiu a vitória de João Goulart.
A
“UDN da imprensa” foi muito importante, apesar das derrotas do brigadeiro,
sempre prestigiado pela chamada grande imprensa. A UDN sempre contou com o
apoio de O Estado de S. Paulo, O Globo, Correio da Manhã (este não
integralmente), da cadeia dos Diários Associados, assim como da Rádio Globo e
Televisão Tupi. Além de pequenos jornais do partido, como O Informativo
Udenista e a Vigilância Democrática (ambos impressos no Rio de Janeiro),
existiam vários jornais de tendência udenista nos estados: o Correio do Dia, em
Minas Gerais (o editor era José Aparecido), o Jornal do Povo, em Goiás, os
semanários Libertação, no Piauí, o Trimor, no Maranhão, e Maquis, no Rio de
Janeiro (este ligado à ala mais radical do lacerdismo e do “Clube da
Lanterna”).
No que diz respeito à problemática das várias UDNs é possível
considerar o jornal O Estado de S. Paulo como parte da UDN (dizia-se ser o
alterego da UDN paulistana) e assim conforme sugestão de Gramsci, “um jornal
adquire funções de partido político”. O papel de O Estado de S. Paulo foi
especialmente relevante para registrar a influência da “herança liberal”
reclamada pelos udenistas. A Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, também
“representava” um certo papel da UDN, como porta-voz, ativo e influente, do
lacerdismo.
O grupo da Aeronáutica ligado ao brigadeiro (e a oficialidade
jovem fiel a Carlos Lacerda) assim como os militares da Cruzada Democrática,
incluindo oficiais do Exército, sob a liderança dos generais Canrobert Pereira
da Costa ou Juarez Távora, e da Marinha, liderados pelos almirantes Pena Boto,
Amorim do Vale e Sílvio Heck, partilhavam o que se convencionou chamar
“mentalidade udenista”.
A UDN nos estados
Para a compreensão das diferentes UDNs estaduais importa
lembrar que a rivalidade dos grupos dentro da UDN, em cada estado (às vezes em
cada município) era mais aguda do que a posição ao partido adversário. Isso
explica as coligações eleitorais aparentemente espúrias, geralmente com os
adversários no plano nacional, PSD, PTB ou o partido de Ademar de Barros. Na
Bahia, na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, embora forte, a UDN
estava literalmente dividida.
Em termos gerais é possível resumir a situação nacional da
UDN pelo seguinte perfil: a UDN foi bastante forte em Minas Gerais e no Rio de
Janeiro (Distrito Federal e depois Guanabara); foi forte na Bahia, na Paraíba,
no Rio Grande do Norte; foi secundária, porém com força relativa constante, no
estado do Rio, em Pernambuco, em Alagoas, Mato Grosso, Piauí, Santa Catarina,
Sergipe e Ceará; foi fraca em São Paulo, no Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito
Santo; foi fraquíssima no Amazonas, no Pará, no Maranhão e no Acre.
Em termos de densidade eleitoral, a UDN nunca conseguiu ser
majoritária nos estados de maior concentração de votantes: em Minas Gerais
dividia o primeiro lugar com o PSD, alternando os governos estaduais; no Rio de
Janeiro concorria com a força do eleitorado getulista do PTB; na Bahia
enfraquecia-se pela histórica divisão interna; em São Paulo era derrotada não
apenas pelo PSD (também fraco no estado) mas pelos populismos de Ademar de
Barros e Jânio Quadros.
A
UDN carioca e a UDN mineira sintetizavam aspectos importantes da história
udenista; seus representantes estavam, de certa forma, comprometidos com o
legado do Manifesto dos mineiros. Mas, ao contrário da carioca, quase sempre em
querela com o diretório nacional (em virtude do personalismo de Lacerda), a UDN
mineira era a que melhor refletia o equilíbrio com a cúpula partidária, da qual
sempre participou. Mineiros e cariocas eram os principais integrantes da “Banda
de Música”.
As UDNs do Nordeste incluíam a maior parte dos “realistas” e
dos “chapas-brancas”, assim como evidenciavam mais divisões internas, embora
elegessem governadores e tenham permanecido, após 1964, no poder. A UDN
paulista é o caso extremo de um partido inexpressivo, do ponto de vista
eleitoral, mas imponente do ponto de vista dos “notáveis” e do apoio na grande
imprensa.
Em
Minas Gerais alguns grandes nomes representavam tendências específicas: Mílton
Campos, Alberto Deodato, Pedro Aleixo e Afonso Arinos formavam o grupo dos
liberais históricos. Gabriel Passos inspirava a linha nacionalista do partido,
Magalhães Pinto a ala “realista”, Bilac Pinto e Oscar Dias Correia integravam a
“Banda de Música” e expressavam o anticomunismo mais radical, José Bonifácio
era um dos mais notórios políticos adeptos das práticas “coronelistas” na
política local e defensor dos vínculos com os militares; o grupo de deputados
vinculados a José Aparecido formava a vanguarda da “Bossa Nova”. Mílton Campos
foi eleito governador em 1947, em aliança com dissidência do PSD, petebistas e
comunistas. Magalhães Pinto derrotou o pessedista Tancredo Neves em 1960.
Alguns udenistas mineiros tiveram certo destaque após o AI-5 (dezembro de
1968), embora fossem obscuros deputados antes de 1964: Rondon Pacheco,
Aureliano Chaves e Francelino Pereira.
Na Bahia a UDN resultara da fusão de correntes adversárias
até 1937 e que se aproximaram na luta contra o Estado Novo: os “juracisistas”
(de Juraci Magalhães, o antigo “tenente”) favoráveis à Revolução de 1930, e os
“autonomistas”, vinculados ao político da República Velha, Otávio Mangabeira.
Grandes nomes da UDN baiana também representavam tendências diversas: Otávio
Mangabeira, conhecido como autor da frase sobre a “tenra plantinha” que é a
democracia no Brasil, defendia a “intervenção das forças armadas para garantir
o poder civil”; Aliomar Baleeiro integrava a “Banda de Música”; Juraci
Magalhães representava o oposto, defensor dos acordos e da “conciliação”, até
mesmo com as forças getulistas; Antônio Carlos Magalhães, identificado com os
“chapas-brancas”, pertencera à “Bossa Nova”.
A
UDN do Rio de Janeiro era ativíssima, com apoio na imprensa, em setores das
forças armadas (os brigadeiristas tradicionais e os lacerdistas, que nem sempre
se confundiam) e na Igreja (Liga Eleitoral Católica e Aliança Eleitoral pela
Família). Isabel Picaluga (1980) aponta, ainda, a importância do voto feminino
(funcionárias, professoras primárias) geralmente voltado para a pregação
lacerdista, e a influência das associações empresariais, sobretudo após a
renúncia de Jânio Quadros, como as Associações Comerciais, a Federação das
Indústriais e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPÊS). Mas em 12
disputas eleitorais (de 1945 a 1962) a UDN carioca obteve apenas três vitórias
em eleições majoritárias: Eduardo Gomes em 1945, senador Afonso Arinos em 1958
e governador Carlos Lacerda, em 1960.
A UDN carioca não se confunde com a UDN fluminense. No estado
do Rio, em virtude da hegemonia do PSD, de Ernâni Amaral Peixoto, a UDN
eventualmente se aliava ao PTB, como quando apoiou Roberto Silveira para o governo
em 1958. Era muito heterogênea, reunindo bacharéis no velho estilo liberal,
como Raul Fernandes, Prado Kelly e Soares Filho, ao lado de conservadores mais
“linha dura” como Raimundo Padilha (governador nomeado em 1970) e líderes
populistas como Tenório Cavalcanti.
Na Paraíba a cisão José Américo-Argemiro de Figueiredo (que
se repetiria depois, com a ruptura João Agripino-Ernâni Sátiro) enfraqueceu o
partido, obrigado a se coligar com o PDC ou o PL para enfrentar o forte PSD
liderado por Rui Carneiro.
A UDN paraibana manteve, todavia, o comando sucessório no
governo estadual, de 1947 até 1965: Osvaldo Trigueiro, José Américo, Ribeiro
Coutinho, Pedro Gondim e João Agripino. Representantes da Paraíba integraram o
diretório nacional em todas as eleições, e Ernâni Sátiro — governador nomeado
em 1970 — foi o último presidente da UDN apoiado por Carlos Lacerda.
A
UDN do Rio Grande do Norte dominava a política no estado, apesar da divisão
interna causada pelo rompimento entre os líderes Dinarte Mariz (governador em
1958 e senador nomeado em 1978) e Aluísio Alves, governador eleito em 1960, com
o apoio da “Bossa Nova”, cassado no governo Artur da Costa e Silva. No Piauí, a
UDN se aliava ao PTB e conseguia vencer o PSD, tendo eleito três governadores:
Rocha Furtado, em 1947, Caldas Rodrigues, em 1958, e Petrônio Portela, em 1962,
este vinculado à “Bossa Nova” (os governadores nomeados Lucídio Portela e
Alberto Silva tinham também origens udenistas). Em Alagoas a UDN era mais forte
do que o PSD, mas teria sua força eleitoral ameaçada pelo PSP. Elegeu dois
governadores: Arnon de Melo, em 1950, em aliança com o PSD, e Luís Cavalcanti,
em 1960. O udenista Rui Palmeira congregava um dos maiores redutos eleitorais
no estado.
A UDN de Sergipe era ligada aos latifundiários como Leandro
Maciel (eleito governador em 1954, em aliança com o PST); em 1958 elegeu
governador Luís Garcia, em coligação com o PTB e o PST. Em termos eleitorais a
disputa se dava com a aliança PSD-PR e, a partir de 1960, com a dissidência de
Seixas Dória (apoiado pela “Bossa Nova”), que se elegeu governador em 1962,
sendo cassado em 1964. No Ceará a UDN disputava o governo em posição de
equilíbrio com o PSD; elegeu os governadores Albuquerque e Sousa, em 1947,
Paulo Sarasate, em 1954, e Virgílio Távora, em 1962 (os dois últimos
identificados com a UDN “chapa-branca”).
Em Pernambuco, a UDN era a segunda força, em oposição ao PSD,
este rompido com a cúpula nacional. Essa situação de dissidência pessedista
compelia a UDN a se aliar com o PTB e as forças trabalhistas, pois sendo o PSD
local antigetulista, estaria competindo com a UDN nas mesmas áreas.
Embora congregasse elementos da burguesia açucareira, a UDN
pernambucana assumia posições progressistas em comparação com o PSD. A
candidatura de Cid Sampaio, em 1958, por exemplo, conseguiu o apoio da Frente
de Recife, numa coligação de comunistas, socialistas, petebistas e udenistas
contra o PSD.
Em Goiás, a UDN sempre foi a segunda força eleitoral. Fundada
pelo antigo militante da Ação Nacional Libertadora, Domingos Velasco, a UDN
goiana consubstanciava a oposição ao principal grupo político chefiado pelo
cacique do PSD, Pedro Ludovico (o que não a impedia de agregar grupos
oligárquicos de oposição, como os Caiado e os Jales Machado). O diretório do
PSP funcionava, no estado, como uma sublegenda udenista. A UDN elegeu os
governadores Coimbra Bueno, em 1947, e Otávio Laje, em 1965, em coligação com o
PTB, o PSP e o PDC. Em Mato Grosso a UDN era forte na Assembléia Legislativa e
alternava os governos com o PSD. O udenista Fernando Correia da Costa elegeu-se
em 1950 e 1960, concorrendo contra seu primo-irmão, do PSD, Filinto Müller.
Após 1964, udenistas assumiram posição de destaque, como Garcia Neto, Saldanha
Derzi e José Fragelli.
Em Santa Catarina, havia equilíbrio de forças entre PSD e
UDN, cabendo ao PTB a função de “fiel de balança”. A luta política travava-se
entre os Konder e o clã dos Ramos, dissidentes do PSD nacional. A aliança
familiar dos Konder com Irineu Bomhausen (eleito governador em 1950) passou a dominar
a política udenista no estado, inclusive após 1964. Em 1955 fora eleito
governador o udenista Jorge Lacerda, com apoio do PRP.
No Espírito Santo, a UDN elegeu governador Lacerda de Aguiar
em 1954 e 1962; Eurico Resende chegou ao governo pelas eleições indiretas. No
Paraná o PSD era forte e a UDN dividia-se em duas facções: uma de Londrina,
constituída por políticos mineiros transferidos para o Paraná, e outra de
Curitiba, com as famílias tradicionais do estado. A UDN nunca negou ao governo
estadual, a não ser através do apoio, em coligação com o PSD e o PTB, a Moisés
Lupion, em 1947; com o PR e o PST a Munhoz da Rocha, em 1950; com o PDC a Nei
Braga, em 1960, e com o PTN, o PDC, o PL e a UDN, a Paulo Pimentel em 1965.
Leon Peres, o governador nomeado em 1970, também era de origem udenista.
As
UDNs paulista e gaúcha foram muito fracas, mas tinham aspectos singulares. Em
São Paulo, a UDN era forte em termos de “notáveis”, remanescentes do Partido
Democrático, do Partido Constitucionalista e da União Democrática Brasileira,
como Henrique Bayma, Aureliano Leite, Ernesto Leme e Fábio da Silva Prado. Além
dos “bacharéis históricos”, os principais nomes da UDN paulista foram Herbert
Levy, Luís Arrobas Martins, padre Godinho, Roberto de Abreu Sodré, Nicolau Tuma,
Ernesto Pereira Lopes e José Bonifácio Coutinho Nogueira, candidato ao governo
e derrotado por Ademar de Barros em 1962.
No
Rio Grande do Sul, a UDN teve algum significado por causa da adesão do chefe
político Flores da Cunha (que, no entanto, ingressaria no PTB após o 11 de
novembro de 1955). A UDN só tinha condições de atuar integrando a Frente
Democrática, formada com o PL e o PSD, que apoiou Juarez Távora em 1955 e Jânio
Quadros em 1960 e elegeu Ildo Meneghetti governador em 1954 e em 1962. Além de Flores
da Cunha, os principais udenistas gaúchos foram Daniel Krieger e Alcides Flores
Soares; Sinval Guazzelli, governador nomeado em 1974, fora deputado estadual
pela UDN.
Na
região Norte a UDN foi fraquíssima. No Pará elegeu governador Zacarias de
Assunção, em 1947 (UDN-PSP-PL), e se aliava com partidos menores, na Coligação
Democrática Paraense (nomes udenistas: Agostinho Monteiro, Epílogo de Campos e
Gabriel Hermes Filho). No Amazonas e no Acre a UDN também só conseguiu algumas
vitórias locais em coligação contra a aliança PSD-PTB. No Maranhão o principal
partido da oposição, contra o forte grupo político chefiado por Vitorino
Freire, era o PSP, e não a UDN. O PSP, de Ademar de Barros, paradoxalmente
representava, na política maranhense, a bandeira tradicional udenista: o
combate à corrupção e ao mandonismo local (“vitorinismo”) congregando os
intelectuais progressistas e “conservadores liberais” dos centros urbanos. O
espaço da UDN, portanto, teria sido ocupado pelo PSP e somente em 1965 um
udenista, José Sarney, outrora vinculado à “Bossa Nova”, conseguiu se eleger
governador pela UDN.
Se
existem várias UDNs, mas do ponto de vista institucional o partido é um só, o
sentimento de identidade e de pertinência dos próprios udenistas é um dos
elementos para recuperar a unidade do partido. A história da UDN apresenta
momentos nos quais essa indentificação é inequívoca: a devoção aos heróis
comuns e a aversão aos inimigos comuns (a polarização antigetulista); a crença
nos mesmos princípios (antiestatismo, anticomunismo), e, finalmente, um estilo
de entender a política caracterizada pelo elitismo do “sentido de excelência”
por um lado, e pelo moralismo por outro. Além disso, o peso dos simpatizantes
na UDN foi relevante para caracterizar a marca do partido, consolidando “o
udenismo” e reforçando o papel dos bacharéis que identificavam, na orientação
do partido, “um estado de espírito” mais do que uma certa prática política.
Maria Vitória Benevides
colaboração especial
FONTES: BENEVIDES,
M. UDN; DULCI, O. UDN; PICALUGA, I. Partidos.